DISCURSO DA SECRETÁRIA EXECUTIVA DO MDA, SRA. MARIA FERNANDA, NA REUNIÃO DE MINISTROS DE AGRICULTURA DO G-20 ECONÔMICO Turquia, 08 de maio de 2015 1. Excelentíssimo Ministro Mehmet Mehdi EKER, gostaria de cumprimentá-lo de maneira especial e, em seu nome, cumprimentar os demais ministros aqui presentes. 2. Congratulo as delegações aqui presentes e a iniciativa do G20, em especial da Presidência Pró-Tempore turca, de destacar temas que o Brasil considera de relevância: o combate da perdas e desperdícios de alimentos e a promoção de investimento, aumento da produtividade e fortalecimento do desenvolvimento humano na agricultura familiar, bem como a decisão de aproveitar o acúmulo sobre o assunto existente no Comitê de Segurança Alimentar Mundial (CSA) e na FAO. 3. Há várias décadas que a produção mundial de alimentos tem se mantido num patamar acima do necessário para alimentar a população mundial, portanto a fome no mundo não advém essencialmente da falta de alimentos produzidos, mas sim da falta de acesso aos alimentos por populações de baixa renda em países em desenvolvimento. Nesse contexto, a discussão sobre o melhor aproveitamento dos alimentos ao longo das cadeias de produção e distribuição, com foco na redução de perdas e do desperdício, é extremamente importante na busca pela erradicação da fome no mundo. E, tendo em vista que mais de 70% dos 805 milhões de homens e mulheres em situação de insegurança alimentar no mundo vivem no meio rural de países da Ásia, África e América Latina, as políticas e ações voltadas para o desenvolvimento rural nos países em desenvolvimento têm papel de destaque neste contexto. 4. Há inúmeras iniciativas que, no âmbito doméstico ou multilateral, buscam combater aspectos da má distribuição de alimentos no mundo. Alguns fóruns permitiram o aprofundamento de discussões e o amadurecimento de propostas que podem contribuir para evitar perdas e desperdícios de alimentos e, em um contexto mais amplo, garantir a segurança alimentar e nutricional. Gostaria de destacar aqui as Diretrizes Voluntárias sobre a Governança Responsável da Terra, dos Recursos Pesqueiros e Florestas no Contexto da Segurança Alimentar e Nutricional e os Princípios Responsáveis de Investimento em Agricultura e Sistemas Alimentares, documentos orientadores de boas práticas internacionais que foram produzidos a partir da contribuição dos países membros da ONU, de representantes da academia, do setor privado e da sociedade civil organizada no Comitê de Segurança Alimentar Mundial. 5. Nesse âmbito, o Brasil tem realizado grandes esforços para combater a má distribuição de alimentos internamente. O foco no aumento da produção de grãos, por si só, não era suficiente: nosso País há muito é um grande produtor de alimentos que, mesmo com grande produtividade, permanecia sem resolver o problema da fome interna. 6. E, nas últimas décadas, o Brasil passa a investir seus esforços em uma direção: construir e fortalecer arranjos produtivos locais. Por um lado, em assentamentos de reforma agrária e, por outro, no apoio irrestrito a agricultores de pequena e média escala e seus espaços produtivos. Hoje, o que chamamos agricultura familiar, está presente em todas as regiões do Brasil e fornece cerca de 70% dos alimentos consumidos internamente. E, assim, finalmente conseguimos, de acordo com o último levantamento realizado pela FAO, sair do mapa da Fome. 7. Ser um país que, com arranjos produtivos locais, consegue alimentar uma população de 200 milhões de pessoas, importando menos de 5% de seus alimentos é uma tarefa que se constrói a partir de sólidas e interventivas políticas públicas que fortaleceram, diversificaram e construíram mercado para os agricultores familiares alimentarem comunidades e territórios locais, por vezes, isolados e esquecidos das grandes metrópoles. Várias destas políticas permitiram não só que boa parte destes agricultores de pequena e média escala deem significativos saltos de produtividade, mas também conheçam aumentos duradouros na sua renda, em parte graças à redução de perdas ao longo das cadeias de produção, da colheita à venda. 8. A intervenção gradual de consolidação da agricultura em pequena e média escala teve como primeiro eixo o acesso a conhecimento e boas práticas agrícolas, que respeitassem o bioma da região e a cultura e tradição secular daqueles camponeses; como segundo eixo o acesso ao crédito e a construção de grandes programas de formação de mercado, em especial com compras institucionais e alimentação escolar; e, um terceiro eixo, que buscasse empoderar os mais vulneráveis no meio rural, em especial as mulheres e os jovens camponeses e, ainda, as comunidades tradicionais e quilombolas, que detinham um conhecimento extrativista, especialmente na Amazônia, capaz de garantir a conservação da biodiversidade da floresta e a produção de alimentos saudáveis simultaneamente. 9. Todos esses programas, especialmente a formação dos mercados, foram desenhados para chegar de forma descentralizada aos pequenos municípios, às pequenas feiras e às escolas. Em um país continental como o Brasil, vencer esse desafio foi essencial para acabarmos com a fome. Isso diminui as necessidades de armazenamento de grandes quantidades por longos períodos e transporte a longa distância, reduzindo custos e desperdício de alimentos, ao mesmo tempo em que permite acesso da população a alimentos mais frescos e saudáveis, pois hoje existe produção local em quantidade e qualidade apropriadas em todas as regiões do Brasil. 10. Assim, ao se empoderar os locais de produção em pequena escala, o apoio do governo acabou se transformando em uma resiliência desses agricultores que, nas últimas secas ocorridas no semiárido do Nordeste Brasileiro, agravada pelas mudanças climáticas que o mundo enfrenta, não se viam como outrora saques e êxodos massivos, mas sim o potencial de abastecimento dessa agricultura familiar sobrevivendo a intempéries de forma inédita. 11. Acreditamos, ainda, que essas conquistas são somente os primeiros passos e o futuro se abre para um intercâmbio que, com países da América Latina, Caribe e África, já estamos fazendo, espraiando boas práticas de formação de mercados que garantam esses arranjos produtivos locais e, ainda, a adoção cada vez maior de tecnologias voltadas ao pequeno produtor e um desenho internacional de bancos de alimentos. Nesse contexto, gostaria de mencionar a parceria especial que temos com a FAO para implementar estas diversas ações de cooperação técnica nos continentes que mencionei e gostaria de reiterar que o Dr. Graziano da Silva tem todo nosso apoio para continuar na luta pela erradicação da fome no mundo como Diretor-Geral da FAO. 12. E estou certa de que, assim como o Brasil tem várias experiências exitosas a compartilhar, todos os países aqui presentes também as têm. Por isso o aprofundamento do diálogo e da cooperação entre nós, membros e não membros do G20, é fundamental e bem-vinda. Celebramos a retirada do nosso país do mapa da fome como uma conquista histórica, mas, não deixamos de lamentar e nos preocupar que, em 2015, tantos países, inclusive diversos com um crescimento econômico acentuado, ainda permaneçam nesse mapa. Não podemos mais conceber um mundo em que a desigualdade no acesso a recursos para produção agrícola e a alimentos seja tal que nos faça, periodicamente, publicar mapas de fome, ao mesmo tempo que publicamos recordes de produções agrícolas. O Brasil, lutando inclusive pela aprovação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável com metas e indicadores que reflitam a contribuição fundamental da agricultura familiar para a sustentabilidade econômica, social e ambiental das nações, quer envidar todos os esforços e toda a experiência que acumulou nos últimos anos para que não precisemos, em pouco tempo, publicar um mapa da fome por que, com o empoderamento dos produtores de pequena escala em nível local, todos os países conseguirão atingir o aspecto da soberania que é o primeiro e mais fundamental: a soberania alimentar.