“QUESTÃO SOCIAL” E MEIO AMBIENTE Zoraide Soares Rodrigues1 Roseane Cleide de Souza Introdução Propomos neste trabalho um estudo que objetiva relacionar as questões ambientais como manifestações concretas da questão social no contexto da sociedade capitalista. Para tanto, recorremos à pesquisa bibliográfica acerca dos temas centrais – questão social e meio ambiente – portanto, na articulação de conteúdos que tratam da contradição entre capital e trabalho no atual estágio do capitalismo e a refração de suas mais variadas expressões sociais – neste caso – as questões ambientais. Neste estudo, denominamos as expressões sociais como desigualdades, no sentido de apreendê-las como situações concretas, reais, que incidem diretamente sobre as condições de vida e trabalho de toda a sociedade. Assim, é fundamental identificarmos a caracterização da precariedade que se inscreve sobre as condições de sobrevivência, em particular as questões ambientais, relacionadas à conservação da natureza que afetam a vida sobre a terra e as relações sociais. “Eis-nos diante de uma questão central: trata-se de um risco para todo o planeta e para toda humanidade na exata medida em que tenta submeter o planeta e a humanidade a uma mesma lógica, sobretudo de caráter mercantil, que traz em si mesma o caráter desigual por estar atravessada pela colonialidade do poder”. (GONÇALVES, 2004, p.31). È interessante assinalar a importância que a idéia de globalização 2 vem adquirindo, quando uma nova revolução nas relações de poder se apresenta. Nada faz sentido a não ser a partir do mercado, da economia. “O campo ambiental não escapa dessa ilusão, como demonstra o recente desenvolvimento da economia ecológica, a difusão da noção de desenvolvimento sustentável e, principalmente, a conversão 1 Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE/TOLEDO, Avenida da Cataratas BR 469, Km 18 Parque Nacional do Iguaçu ; Telefone: (045) 3529-6763/9941-0672; [email protected]. 2 “Sobre este assunto ver, MARTINS, José. Os limites do irracional: globalização e crise econômica mundial”. São Paulo, Fio do tempo, 1999. 1 imposta nos anos 1990, sobretudo depois da Rio-923, da mediação econômica da maior parte das políticas setoriais de meio ambiente fomentadas pelos organismos multilaterais (Banco Mundial em destaque). É como se qualquer política ambiental, para ganhar cidadania _ ,isto é, o direito à existência no debate político _, devesse antes se converter à lógica econômica, como demonstram as recentes propostas... impõe-se uma reflexão mais atenta acerca das relações entre economia, ambiente e sociedade. (GONÇALVES, 2004, p.53). Nesse sentido, partimos da premissa de que o homem não se encontra somente diante de desafios postos pela natureza, mas também por desafios que são colocados para e por si próprio. 1 - Questão Social e Meio Ambiente A relação homem e meio ambiente é marcada por alguns desconfortos que por décadas adiou este debate. Pois, de um lado, o homem é visto como parte da natureza, e de outro, o homem é entendido como parte exterior a ela, somente participando dessa relação quando domina e/ou se apropria dos recursos naturais. Essa participação que ocorre sob o domínio e a exploração da natureza, portanto, nas formas boas ou más de utilização da mesma, está diretamente associada ao modo de produção vigente na sociedade que determina as relações sociais, econômicas e políticas entre os homens. Um bom exemplo seria um pescador inserido numa economia natural que teria na pesca a necessidade de suprir sua subsistência e outro pescador usando das mesmas formas de captura, com o objetivo de lucro monetário para a reprodução do capital. Logo, a partir dessa relação, o meio ambiente tem se transformado diante da ação do sistema econômico e social atual. Neste sentido, não se pode ignorar o fato de que, os problemas enfrentado pelo meio ambiente, têm suas raízes ligadas ao sistema capitalista, visto que a questão ambiental tornou-se um dos problemas mais críticos para a humanidade, pois incide 3 “Rio-92, ou Cúpula da Terra, nomes pelos quais é mais popularmente conhecida a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), realizada de 3 a 14 de junho de 1992 no Rio de Janeiro, foi uma das conferências das Nações Unidas sem precedentes, tanto em termos numéricos quanto em relação aos objetivos, cujo principal era buscar meios de conciliar o desenvolvimento sócio-econômico e industrial com a conservação e proteção dos ecossistemas da Terra”. (WIKIPÉDIA, http://pt.wikipedia. org/wiki/ECO-92.) 2 sobre as condições de sobrevivência da vida na terra e as relações entre grupos sociais e sociedade. Segundo o historiador inglês E. P. Thompson (1998) a idéia de mercado nos falaria muito mais de um desejo do que da realidade, medida em que nos remeteria a um ideal de equilíbrio natural que nos levaria a uma harmonia. Para GONÇALVES (2004, P.54), “A metáfora do mercado se encontraria com a metáfora do meio ambiente, tal qual uma utopia que, como tal, só é harmoniosa na superfície lisa da criação imaginária, mas longe da heterotopia concreta do nosso cotidiano em que, mundanamente, temos de nos inventar a cada momento em meio a tensões e contradições”. Para os economistas modernos a economia é fundamentada no conceito de escassez que paradoxalmente é o contrário da riqueza. “Somente à medida que a água e o ar se tornam escassos – com a poluição, por exemplo – é que a economia passa a se interessar em incorporá-los como bens no sentido econômico moderno, isto é, mercantil. Enquanto o ar e a água existem em estado puro e em abundância, ou seja, enquanto existem como riqueza, são considerados dádivas, fonte inesgotável”. (GONÇALVES, 2004, p.57). No capitalismo, a relação da sociedade com a natureza está baseada na separação: indivíduos de um lado e natureza de outro. Onde o homem é proibido de conviver com a natureza, áreas e reservas naturais são isoladas com seu uso restrito e sem a presença do homem, generalizando a condição da propriedade privada, privando a maior parte dos homens do acesso aos recursos naturais. “[...] privar é tornar um bem escasso e, dessa forma, numa sociedade que tudo mercantiliza, um bem só tem valor econômico se é escasso. O princípio da escassez, assim como a propriedade privada que lhe é essencial, é que comanda a sociedade capitalista e suas teorias liberais de apropriação dos recursos naturais”. (GONÇALVES, 2004, p.67). Segundo Marx, na sua Crítica ao Programa de Gotha, (1875), invocando os fisiocratas para criticar seus companheiros que diziam que só o trabalho cria riqueza, acrescentou que a riqueza é produto do trabalho e da natureza, e que, se o trabalho é o pai, a natureza é a mãe na criação das riquezas. “A melhor tradição marxista nos 3 recomenda não confundir riqueza com mais-valia4. A natureza é riqueza e no processo de trabalho contribui para criar riqueza, mas, enquanto tal, não produz mais-valia. O trabalho cria riqueza e, sob relações capitalistas de produção, cria um valor maior que seu próprio valor, mais –valia”. (GONÇALVES, 2004, p.60). Com o desenvolvimento e progresso da acumulação capitalista, vivenciamos a potencialização do emprego de meios mais eficientes de produção em detrimento do emprego da força viva de trabalho. Ou seja, o avanço técnico e científico adotado pelos capitalistas no processo de produção, possibilita uma maior produtividade em menos tempo de trabalho. Ao reduzir o tempo de trabalho socialmente necessário à produção das mercadorias, reduz-se o seu valor, e consequentemente, amplia-se o tempo de trabalho excedente, ou mais-valia, ampliando a taxa de lucratividade do capitalista. É nesse sentido que o processo de acumulação produz uma população supérflua aos interesses de seu aproveitamento pelo capital. “É a lei particular de população deste regime de produção: com a acumulação, obra da própria população trabalhadora, esta produz, em volume crescente, os meios de seu excesso relativo”.(IAMAMOTO, 2008,p.157). Para a autora, a síntese dessa compreensão se coloca da seguinte maneira: as causas que impulsionam o crescimento da força de trabalho disponível, concomitantemente, incidem sobre a força expansiva do capital. Essa relação, denominada de lei geral da acumulação capitalista, se dimensiona e redimensiona em virtude do aperfeiçoamento dos meios de produção e do desenvolvimento da produtividade do trabalho social mais rapidamente do que a população trabalhadora produtiva. Inversamente, a população trabalhadora sempre cresce mais rapidamente do que a necessidade de seu emprego. Conseqüentemente, o processo gera acumulação de miséria na mesma proporção que gera acumulação do capital – é nesta relação que se concentra a gênese da produção e reprodução da questão social no âmbito da sociedade capitalista. 4 “É a forma específica que assume a EXPLORAÇÃO sob o capitalismo, a differentia specifica de modo de produção capitalista, em que o excedente toma forma de LUCRO e a exploração resulta do fato da classe trabalhadora produzir um produto líquido que pode ser vendido por mais do que ela recebe como salário. Lucro e salário são as formas específicas que o trabalho excedente e o trabalho necessário assumem quando empregados pelo capital. Mas o lucro e o salário são, ambos, DINHEIRO e, portanto, uma forma objetivada do trabalho que só se torna possível em função de um conjunto de mediações historicamente específicas onde o conceito de mais-valia é crucial.” (BOTTOMORE, 2001, p.227). 4 A questão social expressa, portanto, desigualdades econômicas, políticas e culturais que as classes sociais, mediatizadas por disparidades nas relações de gênero, características étnico-raciais e formações regionais, colocando em causa amplos segmentos da sociedade civil no acesso aos bens da civilização. (IAMAMOTO, 2008, p.160). Dessa forma, para a autora, as expressões da questão social não concentra-se à lógica da distribuição de renda, mas está diretamente ligada à distribuição dos meios de produção, e portanto, às relações entre as classes, perpassando pela totalidade da vida dos indivíduos. Ou seja, assume uma dimensão estrutural e põe em luta os trabalhadores em defesa dos direitos civis, políticos e sociais. Vale ressaltar que, historicamente foi o embate das forças entre classes, em disputa por direitos, que romperam a esfera privada nas relações entre capital e trabalho, ultrapassando para a esfera pública. Ao se tornar pública, a questão social passou a exigir a interferência do Estado no reconhecimento de seus direitos, que no jogo de forças sociais, responde às reivindicações e demandas da classe trabalhadora, com a implantação das políticas sociais. Nesse sentido, no âmbito da sociedade burguesa, se a relação capital e trabalho se define e redefine de acordo com o estágio em que o capitalismo se conforma (concorrencial, monopolista, financeiro), as expressões oriundas dessa relação assumem novas configurações e novas condições sócio-históricas de sua produção e reprodução na sociedade. Na atualidade, conforme YAZBEK (2001, p.33), “a questão social se redefine, mas permanece substantivamente a mesma por se tratar de uma dimensão estrutural”. A “questão social” se coloca como problema no Brasil no fim do século XIX e para compreender esse processo torna necessário compreender a ideologia da estrutura da formação social brasileira. Para Netto (1998), a particularidade histórica brasileira se deu pela confluência de linhas de forças que se inscreveram no processo de formação do Brasil moderno, sob três ordens de fenômenos: o primeiro deles se dá pelo traço econômicosocial do desenvolvimento capitalista que não se desvencilhou de formas econômicosociais existentes (como exemplo o latifúndio). Pelo contrário, redimensionou e 5 refuncionalizou estas formas integrando-as em uma nova dinâmica, ou seja, não houve qualquer transformação estrutural. O segundo fenômeno se refere a uma contínua exclusão das forças populares do processo de decisão política. Historicamente, na sociedade brasileira, a classe dominante sempre se preocupou em impedir a presença das forças comprometidas com os interesses das classes subalternas e de trabalhadores dos processos políticos decisórios que por meio de mecanismos de coerção aberta, liquidava toda a possibilidade de participação da população no direcionamento da vida social. E o terceiro fenômeno reside na especificidade do desempenho do Estado na sociedade brasileira em sua particular relação com a sociedade civil. Nesta, o Estado atuou incisivamente como vetor de desestruturação, uma vez que reprimia as agências da sociedade que expressavam os interesses das classes subalternas, servindo como um eficiente instrumento contra o surgimento e ação, na sociedade civil, de agências que defendiam os interesses coletivos subsumidos nos projetos societários alternativos. Mesmo assim, o movimento democrático popular continha elementos revolucionários, com conteúdo classista, manifestando-se contra o imperialismo e o latifúndio. No plano de suas reivindicações, lutavam pela participação na vida política do país defendendo a reestruturação econômica e a democratização da sociedade e do Estado. Um dos elementos que leva o projeto de modernização conservadora a apresentar sinais de decadência é o esgotamento desde 1973, daquele que viera para garantir a legitimação do Estado – o milagre econômico5 . Internacionalmente, a economia também apresenta um esgotamento do modelo de acumulação capitalista, anunciando diversas crises, dentre a mais significativa para o contexto geral está a crise do petróleo em 1974 e depois em 1979, que desencadeou mudanças significativas na economia mundial no início dos anos 80. No Brasil, a crise dos anos 70, desembocou, por mediação da resistência democrática, na crise do regime ditatorial, tornando possível o processo eleitoral (de caráter plebiscitário), convertendo-o em um potente instrumento de mobilização e luta da sociedade civil em resposta aos anos de intervenção do Estado militar-fascista. 5 Conforme Mota (2000:60) “ O chamado milagre econômico da década de 70 é produto acabado de um movimento em que a economia e a política se vinculam estreitamente para viabilizar um processo de modernização conservadora. 6 Marcada por variadas circunstâncias de instabilidade, a ditadura entra em declínio, período este denominado pelo então Governo Geisel de “processo de distenção e que, avançando no governo de Figueiredo, constituirá o projeto de auto-reforma com que o Estado forjado pela ditadura procurará transcendê-la” (NETTO, 1998:41). Este projeto visava garantir a recomposição do bloco sociopolítico e suas relações a serviço dos monopólios. Para tal, Netto (1998) nos coloca que o Estado implementa ações de ordem diretas e indiretas. Diretamente, o Estado suspende a autonomia do aparelho policialmilitar repressivo de um lado, e, de outro, agia para esvaziar todas as forças políticas organizativas que apresentavam resistência e contestação ao projeto. Indiretamente, para que este projeto se institucionalizasse e se legitimasse, o Estado agia para ampliar a sua base de sustentação sócia-política conquistando diversos segmentos da sociedade. A estratégia encontrou dificuldades de se estabelecer, pois, poucos segmentos da sociedade, tendo em vista o caráter policial repressor do Estado, se viam representados politicamente neste a ponto de adensar sua base social. São estas determinações que, a partir da metade dos anos 80, faz eclodir o confronto entre as classes, mediadas pela organização política sindical, partidária e/ou de movimentos sociais, que atuavam para romper com o modelo político, econômico e social implantado desde 1964. Os anos 1980 foram marcados por circunstâncias sócio-históricas paradoxais, pois de um lado, em nível nacional, foram tomados pela onda democratizante que culminou na Constituição Federal de 1988, cuja participação de diversos segmentos sociais organizados da sociedade consolidou-se sob a forma de direitos sociais garantidos pelo Estado, principalmente àqueles pertinentes à seguridade social – como mecanismo de redistribuição de renda – e à participação política – como forma de reconquista de legitimidade e controle social, dentre elas a constituição e criação dos conselhos de políticas sociais públicas. Por outro lado, em nível internacional, têm-se a imposição dos órgãos financiadores com a exigência da redução dos gastos públicos no âmbito das políticas sociais públicas, é óbvio, sem nenhum prejuízo ao financiamento da reprodução do capital. Portanto, presencia-se, conforme Abreu (2002), de um lado a manutenção da política econômica recessiva em acordo com a orientação dos organismos financeiros internacionais e o aprofundamento das refrações da “questão social”, materializadas nas 7 condições de trabalho e vida da maioria da população e suas formas de resistências e organização políticas; e de outro, a estratégia do Estado na tentativa de garantir o processo de transição política a partir da instituição do campo legal para as lutas e reivindicações das classes subalternas e trabalhadoras, “ não raras vezes despojando-as de seu conteúdo de classe, numa tentativa de institucionalização do conflito social”.( Iamamoto&Carvalho, 1987:40) Esse processo vem acompanhado da lógica privatista nas políticas sociais, subordinando-as ao capital, que as torna um campo de investimento social. Ou seja, nesta lógica, a qualidade dos serviços prestados transmuta-se à rentabilidade e à lucratividade. Para Abreu (2002), essa relação define e interfere na extensão, intensidade e regularidade das respostas do Estado às refrações da “questão social”, que prioriza os interesses econômicos privados em detrimento das necessidades sociais. Em síntese, no Brasil, os projetos de privatização se transformaram na expressão concreta do novo projeto de capital, dada pela transferência de atividades do setor público para o setor privado (lucrativo e não-lucrativo), ocasionando o desmonte de mecanismos de regulação da produção social e a regressão dos direitos sociais. Segundo Gonçalves existem dimensões para a questão ambiental que é específica da relação com a natureza estabelecida pelas sociedades capitalistas; “(1) separar-se quem produz de quem consome (quem produz não é o proprietário do produto) e: (2) a produção não se destina ao consumo direto dos produtores, (3) assim como o lugar que produz não é necessariamente o lugar de destino da produção. Alienação por todo lado”. (GONÇALVES, 2004, p.68). O desenvolvimento tecnológico aumenta a dependência por recursos naturais, embora se propague o contrário. Certamente o termo globalização tem adquirido conotações que se alteram entre a idéia de algo moderno, positivo para o desenvolvimento, e algo que veio trazer para a sociedade o surgimento de um quadro social que não deixa para trás antigas marcas e coloca novas situações sociais de precariedade provocada pelas políticas de ajuste neoliberal. 6 6 “As políticas de corte neoliberal – consagradas em 1990 pelo economista norte-americano John Williamson no chamado “Consenso de Washington” –” caracterizam-se por um conjunto, abrangente, de regras de condicionalidade aplicadas de forma cada vez mais padronizada aos diversos países e regiões do mundo, para obter o apoio político e econômico dos governos centrais e dos organismos internacionais. Trata-se também de políticas macroeconômicas de estabilização acompanhadas de reformas estruturais liberalizantes”. Essas reformas estruturais de cunho neoliberal – centradas na desregulamentação dos 8 No caso da questão ambiental, grande parte dos recursos para as políticas do meio ambiente nos países pobres vem do Banco Mundial e outras instituições multilaterais. Estas instituições estimulam a participação de organizações nãogovernamentais, pois alegam que estes países não dispõem de recursos para cuidar do desenvolvimento e também do meio ambiente. Na verdade este contexto que transforma a natureza em mercadoria vem da concepção de que a natureza é lenta e seus processos de manejo podem torna - lá eficiente, isto é, acredita-se que a conservação da natureza deveria basear-se em três princípios: o uso dos recursos naturais pela geração presente; prevenção de desperdícios; e uso dos recursos naturais para benefício dos cidadãos. Essas idéias foram precursoras do hoje se chama de “desenvolvimento sustentável”. “A mercantilização da natureza sob a nova geopolítica econômico-ecológica aprofunda as diferenças entre países ricos e pobres sob os princípios do desenvolvimento sustentável7”. (GONÇALVES, 2004, p.137). Assim a maneira como diferentes modos de apropriação da natureza vêm se transformando em propriedade privada, em propriedade privada capitalista, entende que o meio ambiente hoje tem seus problemas diretamente ligados com as expressões da “questão social”. A sociedade pertence à natureza, conseqüentemente é produto do mundo natural por um trabalho de invenção constante. Ela é ao mesmo tempo parte e criação da natureza. E no entanto, a partir do Neolítico,8 com a aparição das cidades e dos Estados, a sociedade, assim como o pensamento e o saber, se construíram contra a natureza. Ela também gerou as divisões entre os homens em nome de uma necessidade imposta pela luta contra o mundo exterior. Ademais, sob o argumento de se proteger contra as energias naturais incontroláveis, a sociedade multiplicou as proibições e as interdições. A divisão do trabalho, por sua vez, para responder às necessidades mercados, na abertura comercial e financeira, na privatização do setor público e na redução do Estado – assumem uma convergência forçada nas medidas recomendadas pelo Banco Mundial, que ganham força de doutrina constituída, aceita por praticamente todos os países. (SOARES, 2003, p.19). 7 “Desenvolvimento Sustentável é o que atende às necessidades do desenvolvimento no presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender as suas próprias necessidades”. (CASTRO, N. GORGONIO, A. S. GUEDES, D. M. REEBERG, J. H. SILVA, J.P.M. Metodologia SEBRAE para implementação de gestão ambiental micro e pequenas empresas, 1ed. Brasília, 2004, p.35) 8 “Último período da Era Cenozóica que ficou conhecido como Idade da Pedra Polida, e que começou por volta de uns 8000 anos a.C. Caracterizou-se pelo desenvolvimento da agricultura e da domesticação de animais, o que facilitou a fixação das populações e o surgimento de uma incipiente estruturação social”. (SOARES, J. L. Dicionário de Biologia: etimológico e circunstanciado, 1 ed. São Paulo, 2005, p.312) 9 técnicas de produção de acumulação que nos colocaria ao abrigo da escassez, separa indivíduos e grupos em castas e classes sociais. (MOSCOVI, 1974 apud DIEGUES, 2004, p.49-50). È nesta perspectiva de análise que o meio ambiente atua diretamente sobre as expressões da “questão social” e está sendo analisado como ponto central do modo de organização da sociedade incluindo todos os indivíduos que foram dominados, oprimidos e explorados, na medida em que o desenvolvimento autorizou tal exploração e dominação da natureza. Assim segundo fundamentações teóricas; Estando à sociedade constituída por relações contraditórias, a intencionalidade traduz-se em técnicas que comportam não só as suas contradições, mas diferentes potencialidades contraditoriamente possíveis. (SANTOS, 1996 apud, GONÇALVES, 2004, p.38). Para que a natureza possa ser submetida, numa sociedade fundada na propriedade privada da natureza, é necessário que haja técnicas que faça com que todos aceitem isso de forma natural. E as técnicas não se restringem somente ao campo das relações homem e natureza ou homem/meio ambiente. Em linhas gerais, a degradação ambiental está diretamente ligada aos imperativos do capitalismo, pois é na acumulação capitalista que se encontra a força motriz da devastação e expropriação de todas as forças naturais e vivas. Lembrando que na sociedade capitalista a natureza não é mais reconhecida como um poder, mas como um objeto de consumo ou meio de produção, do qual o homem não se reconhece no processo de produção, esta realidade é decorrente do processo de alienação9. Repensar este processo nas condições postas ao homem e a natureza se fazem necessários neste momento histórico, pois, o isolamento de um e/ou afastamento do outro não poderá servir de resposta a esta relação. Assim devem-se apreender as características, tendências e implicações dessa relação o que remeta a considerar o papel da mediação nesse processo. 9 “Alienação no sentido que lhe é dado por Marx, ação pela qual (ou estado no qual) um indivíduo, um grupo, uma instituição ou uma sociedade se tornam (ou permanecem) alheios, estranhos, enfim, alienados [1] aos resultados ou produtos de sua própria atividade (e à atividade ela mesma), e/ou [2] à natureza na qual vivem, e/ou [3] a outros seres humanos, e – além de, e através de, [1], [2] e [3] – também [4] a si mesmos (às suas possibilidades humanas constituídas historicamente)”. (BOTTOMORE, 2001, p.5). 10 A mediação em face da totalidade, segundo o autor, é responsável pela articulação dinâmica, processual entre as partes na sua ação recíproca e o todo, considerando que cada parte se constitui em uma totalidade parcial, também complexa [...] a mediação é que faz com que o verdadeiro seja resultado, o que significa, ser fruto de um processo, de múltiplas passagens, de moventes articulações multilaterais e complexas [...] a mediação é pura negatividade [...] o simples devir, aos processos que se dão na totalidade são dinâmicos, estão em constante mutação e o motor de todo esse incessante movimento é a negatividade, a mediação é essa própria mobilidade articulada num todo e imanente ao ser. (PONTES, 1997, p.55). Talvez como resultado a melhor resposta seja dizer que se trata da cultura de um povo, como se registra na história, mas neste sentido não se cogita a globalização de uma mesma matriz de racionalidade que é comandada pela lógica econômica, que ignora terra, ar, água, carbono, oxigênio, e homem. E neste patamar, a humanidade de modo desigual, está submetida a riscos provindos de ações decididas por alguns para benefício de alguns. Áreas e reservas naturais acabam sendo isoladas para alguns, tendo seu uso “restrito” e sem a presença do homem, generalizando e legitimando, desta forma, a condição da propriedade privada. Segundo FERNADEZ, (2005), o crescimento populacional age como grande multiplicador dos problemas ambientais, gerando desmatamento, aumenta a pressão da caça, aumenta a poluição, estimula atividades ambientais depredatórias, via desemprego gerando degradação de vida em geral. No entanto, percebe-se que a degradação da natureza, por formas diretas ou indiretas está ligada à “questão social”. Pois, vivenciamos nesta relação a apropriação privada de um bem natural, que ao se transformar em mercadoria pelo homem, colocou em risco as condições de vida de uma sociedade. Em linhas gerais, vale dizer que há uma concepção equivocada acerca da “questão social”, referindo-a como decorrente da formação cultural, estrutural e dominante dado. Neste contexto, é possível perceber que o discurso dominante realiza a lógica do poder, fazendo com que as divisões e diferenças surjam como diversidades das condições de vida de cada um, individualizando-as. Este discurso do poder se caracteriza pelo ocultamento da divisão, da diferença e da contradição entre as classes sociais. Prima pelo ocultamento do conflito e dos antagonismos, como se a realidade fosse algo natural e divino, independente da ação dos homens na história. Ou seja, não é 11 conveniente de que haja a compreensão sobre o cerne da “questão social”, qual seja, a exploração do homem, enfim a exploração de uma classe pela outra. Em síntese e numa perspectiva histórico-concreta, é necessário construir uma nova ordem social que não se curve aos comandos do capital. Considerações Finais Atualmente o sistema capitalista atingiu um patamar que integrou de modo complexo as desigualdades que sustentam sua dinâmica. Todavia há de se refletir e buscar soluções compatíveis com a gravidade dos problemas que o capitalismo, sobretudo na sua fase neoliberal, está submetendo a humanidade. O homem pode multiplicar os instrumentos de que necessita para o trabalho, mas não pode multiplicar a natureza: terra, água, matas, florestas, etc. Pois a natureza é meio de produção não reprodutível, assim como os oceanos, os mares, os rios, os lagos, o ar, a chuva, etc. é, sobretudo, um meio de produção fundamental na sociedade, sendo a base para a sobrevivência humana. Quando a natureza passa a ser apropriada pelo homem, no desejo de lucro, é que nasce o problema. É em virtude desse desejo desenfreado pelo lucro, que, atualmente, acontecem situações de conflito e confronto entre organizações de preservação do meio ambiente e a indústria da exploração dos recursos naturais. Essas tensões têm sido freqüentes em função de como se apresenta as respostas que o Estado, sob a forma de políticas sociais, vem respondendo aos reclamos da sociedade em relação aos processos irracionais de exploração e degradação dos recursos naturais. No Brasil a Política Nacional do Meio Ambiente10, aprovada em 1981, define o meio ambiente como sendo um patrimônio público que, portanto, deve ser protegido e justifica a racionalização do uso do solo, subsolo, água e ar. Ao Estado, como o responsável pela implementação desta política social compete o planejamento e a fiscalização da gestão dos recursos naturais, proteção dos ecossistemas, controle e zoneamento das atividades poluidoras, investimento em pesquisas que contribua para a preservação, bem como a recuperação de áreas degradadas e em educação ambiental em 10 A Lei N.º 6.938, com base nos incisos VI e VII do Art. 23 e no Art. 235 da Constituição, estabelece a Política Nacional de Meio. 12 todos os níveis de ensino. Para isso, a lei estabelece os mecanismos de defesa (conselhos gestores de políticas sociais), penalidades disciplinares, criminais ou compensatórias para atos de infração ao meio ambiente protegido pela legislação social. Convém ressaltar que não é simplesmente a natureza, mas sim a forma como se configuram as relações sociais, suas racionalidades intencionais, seus objetivos de produção material e social, ou seja, lucro contra auto-subsistência. Então vale questionar, como lidar com esse conflito? É preciso insistir no fato de que os aspectos centrais da questão social, está diretamente ligado às manifestações das questões ambientais, onde relacionamos as condições de vida e as possibilidades de continuidade de sobrevivência sem exploração do capital sobre o trabalho e as suas conseqüências como a fome, o analfabetismo, as doenças, o desemprego, a violência e a criminalidade, sobretudo, sem a exploração do capital sobre a natureza e seus elementos, donde se expressam a degradação, a poluição, a caça e pesca proibida, o esgotamento e comprometimento do solo, água e ar, enfim, situações que demonstram o interesse exacerbado do capital pelo lucro, para que possa produzir e reproduzir-se. O desafio se faz em construir e reinventar mediações sobre a relação capital/ exploração natureza, capazes de articular a vida social e o meio ambiente. REFERÊNCIAS ART, Henry. Dicionário de Ecologia e Ciências Ambientais. 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