III SEMINÁRIO POLÍTICAS SOCIAIS E CIDADANIA AUTOR DO TEXTO: Sandra Regina Vaz da Silva Questão social e reprodução das desigualdades face às relações de trabalho - algumas reflexões RESUMO: Tendo em vista que a questão social está carregada de influências históricas, políticas e culturais, e que se configura por uma questão estruturante de relações sociais desiguais que se caracteriza pelo sistema capitalista, o presente estudo objetiva elucidar os impactos trazidos pelas expressões da questão social perante as transformações no mundo do trabalho, com base em um veículo de informações voltado para o público juvenil, e assim, refletir sobre a questão social e os desafios cabíveis a categoria profissional do serviço social na cena contemporânea. Palavras – Chave: questão social – trabalho – serviço social I – Introdução A questão social é história recente. Iniciada na terceira década do século XIX teve seus desdobramentos ao longo dos séculos e inclusive na cena contemporânea, na qual continua determinada pelas relações sociais, políticas, econômicas, culturais, e principalmente pela relação capital – trabalho e suas formas de exploração e de expressão. Contudo, estamos de acordo que na contemporaneidade a questão social se expressa sobre novas e diferentes formas, como nos impactos das transformações no mundo do trabalho, nas particularidades da formação social e econômica de cada país, nos padrões de proteção social, e ainda nas formas de enfrentamentos de suas expressões pela classe trabalhadora. Com base em tais transformações, buscamos elucidar os impactos trazidos pelas expressões da questão social perante as transformações societárias, em especial no mundo do trabalho, com subsídio de um veículo de informações voltado para o público juvenil, e assim, promover uma breve reflexão sobre a questão social e os desafios cabíveis a categoria profissional do serviço social na cena contemporânea. Neste sentido, aproximaremos da categoria questão social em seu sentido histórico e na análise de importantes pesquisadores sobre tal assunto, tendo como fio condutor as transformações no mundo do trabalho desde o taylorismo/fordismo, até o regime de acumulação flexível, tendo em vista as novas e futuras exigências do mercado de trabalho e as estratégias de enfrentamento das expressões da questão social, apontando alguns desafios não apenas para a categoria de profissionais de serviço social, mas para todos que buscam a consolidação de um projeto de cunho contra-hegemônico. II – Desenvolvimento A questão social apresenta-se carregada de influências históricas, políticas e culturais, embora não tenha relação com os desdobramentos de problemas sociais que a ordem burguesa herdou, ou com traços invariáveis da sociedade humana, mas tem relação exclusiva com a sociabilidade erguida sob o comando do capital (Netto 2004). Com referência ao movimento eclodido na Europa Ocidental em 1848 1, Netto (2004) vai destacar que não foi somente o campo burguês o afetado, mas também as bases da cultura política que sustentava o movimento dos trabalhadores, uma vez que emergem dos interesses sociais antagônicos. Ianni (1992) nos chama atenção para a criminalização da questão social, e considera que a problemática é tão complexa que provoca diferentes e contraditórios enfoques, que além de aspectos econômicos e políticos, implica também aspectos culturais. E neste sentido, destaca que freqüentemente as formas de interpretar as manifestações tanto operárias como camponesas, são problemas de polícia ou militar, ou seja, reações intolerantes no âmbito de reprimir e culpabilizar, quando não de indicar suas manifestações como problemas da assistência social, que deve explicar e resolver. Muito tempo depois, praticamente um século após a Abolição da Escravatura, ainda ressoa no pensamento social brasileiro a suspeita de que a vítima é culpada. Há estudos em que a “miséria”, a “pobreza” e a “ignorância” parecem estados de natureza, ou da responsabilidade do miserável, pobre, analfabeto. Não há empenho visível em revelar a trama das relações que produzem e reproduzem as desigualdades sociais (Ianni, 1992, p.97). Consideramos que a questão social em sua essência e estrutura continua sendo expressão concreta da mesma questão social eclodida na Europa Ocidental no século XIX, caracterizada por contradições e antagonismos entre as classes e destas com o Estado. No entanto, estamos de acordo que na contemporaneidade essas se expressam sobre novas e diferentes formas, a partir dos impactos sobre as transformações no mundo do trabalho e suas relações, as particularidades ocorridas na formação social e econômica de cada país, e ainda conforme aponta Yazbek (2008) sobre as transformações nos padrões de proteção social. Mas, concordando ainda com Yazbek (2008), consideramos que a questão social continua a mesma, e, portanto não há uma nova questão social, pois esta é componente de “uma questão estruturante de relações sociais desiguais que configuram o sistema capitalista” (p.13), e historicamente está vinculada a exploração do trabalho e embate político da classe trabalhadora pela apropriação da riqueza social, pela tomada de consciência sobre a desigualdade social e a busca por seu enfrentamento. Diante deste contexto, a pobreza é expressão direta dessas relações, e se fundamenta pelo desenvolvimento desigual vivenciado entre acumulação e miséria (Yazbek, 2008). E o pauperismo produzido pelo próprio fenômeno de pauperização, num circuito de produção e reprodução entre capital/trabalho e mercadoria/lucro, que ao longo da história se agrava, como expresso entre as “lutas operárias e camponesas, as reivindicações do movimento negro, o problema indígena, a luta pela terra, a liberdade sindical, o direito de greve, as garantias do emprego, [...] o acesso a, educação, alimentação e habitação” (Ianni, 1992, p.111). Mas, referenciando Martins com relação à pobreza, Yazbek (2008, p.17) ainda faz um significante apontamento: 1 Este movimento refere-se à Revolução Industrial na Inglaterra, com trabalhadores que reagiram à exploração de seu trabalho. A expressão “questão social” surgiu na Europa Ocidental em meados de 1830 a fim de responder ao fenômeno resultante dos primórdios da industrialização, ou seja, o fenômeno do pauperismo, que expressava o empobrecimento, a miserabilidade desse primeiro proletariado na Inglaterra e também na França (Yazbek, 2008). É importante considerar que a pobreza é uma categoria multidimensional, e, portanto, não se expressa apenas pela carência de bens materiais, mas é categoria política que se traduz pela carência de direitos, de oportunidades, de informações, de possibilidades e de esperanças. Diante das transformações nas relações de trabalho e expansão capitalista, a pobreza se expressa e se evidencia cada vez mais pela precarização nas relações de trabalho, pela mão de obra barata, pela vulnerabilidade perante a condição de trabalhador, pelo desemprego, caracterizando além de situações de miséria econômica, ausência de direitos. A proteção trabalhista se distancia cada vez mais da realidade dos trabalhadores e as oportunidades ainda mais acirradas e competitivas entre jovens, adultos e até mesmo idosos. Em matéria de revista voltada para o público juvenil, distribuídas em escolas, universidades e cursinhos, a Revista Young (2009, p.17) em sua quarta edição gratuita publicou uma matéria sobre as profissões do futuro, indicando para o público alvo as necessidades do mercado de trabalho: As relações de trabalho já estão mudando e essa mudança tende a se acelerar, o que exige profissionais mais preparados para o novo mercado. [...] jovens precisam se adaptar às novas tecnologias e ao trabalho colaborativo, muitas vezes à distância e terceirizado. É necessário ainda que tenham uma formação interdisciplinar, sejam fluentes em línguas, pelo menos inglês e espanhol, e tenham boa cultura geral [...] 2 Nesta, podemos perceber fatores decorrentes das transformações nas relações de trabalho, da expansão capitalista e do avanço tecnológico. E neste sentido, apontamos também a imposição de uma globalização perversa e submersa à tirania da informação e do dinheiro, que deram suportes ideológicos para legitimar e conformar as relações sociais e interpessoais. Em meio a tantas transformações, modificaram-se, sobretudo a divisão sociotécnica do trabalho, onde a competitividade ganhou fator indicativo da produção e do consumo, configurando uma violência estrutural na ação dos Estados, das empresas e dos indivíduos. Netto (1996) afirma que as transformações societárias puderam ser concretamente visíveis no curso da década de 70, a partir da crise entre o período de 1974 e 1975. Fazendo referência a E. Mandel, o autor destaca que este fato ocorreu em decorrência da explosão da “primeira recessão generalizada da economia capitalista internacional desde a Segunda Guerra Mundial” (Netto, 1996, p.90). Este período marcou o fim do padrão de crescimento do capitalismo monopolista, em que o sistema bancário, as grandes corporações financeiras e o mercado globalizado eram à base de seu desenvolvimento. 2 Informações baseadas na matéria “O futuro começa agora” da Revista Young nº4, voltada ao público jovem com distribuição bimestral e gratuita em escolas de ensino médio, universidades e cursinhos na cidade de São Paulo. Disponível também em: www.revistayoung.com.br Em respostas as contradições imanentes sob a lógica do capital, a estratégia adotada consistiu em uma série de reajustes e reconversões que resultaram em expressivas transformações societárias, na qual se exalta o padrão capitalista monopolista baseado no regime de acumulação fordista-keynesiano3, e se reproduz o capitalismo monopolista contemporâneo, baseado em um regime de acumulação flexível. O que antes era marcado pela estabilidade e pelo aumento de trabalhadores empregados e longevidade nos negócios, no regime de acumulação flexível as empresas funcionam cada vez mais desregulamentadas e precárias, dando lugar a uma alienação mais subjetivizada, com laços de trabalho mais dissolúveis (Sennet, 2006). Fazendo alusão a análise weberiana, Sennet (2006) afirma que a idéia de estabilidade e transparência burocrática estaria associada e comparada a uma “jaula de ferro”, pois “passar o tempo numa organização de funções preestabelecidas [seria] como rastejar lentamente escada acima, ou escada abaixo, numa casa que não concebemos; estamos levando a vida que outros imaginaram para nós” (Sennet, 2006, p.35-36). Durante o século XX, a pirâmide weberiana4 foi destaque dentro da realidade estrutural, e desta forma passou a dominar grandes organizações, na qual a divisão do trabalho era concentrada em um único local, numa perspectiva de unificar, centralizar e concentrar. Porém, no final do século XX com as mudanças econômicas, a organização estrutural foi se tornando cada vez mais complexa. Nesta, “a estabilidade parecia sinal de fraqueza, indicando ao mercado que a empresa não era capaz de inovar, encontrar novas oportunidades ou gerir de alguma outra forma a mudança” (Sennet, 2006, p.44). Por isso “tiveram de promover a reengenharia, reinventar-se continuamente ou perecer nos mercados” (Sennet, 2006, p.44). Com o aperfeiçoamento e a revolução tecnológica, a informação passou a ser difundida de forma intensa evidente e instantânea, sem mediações, o que possibilitou maior facilidade no contato do trabalho das organizações e informações sobre o desempenho de projetos, vendas e pessoal. A arquitetura institucional foi se configurando cada vez mais numa perspectiva de organização flexível, com terceirizações e fragmentações da produção e da organização do trabalho. Nessas ganharam destaque as relações humanas que exigem das pessoas proatividade às circunstâncias ambíguas. Em pesquisa lançada na mesma matéria de revista, foram também destacados cargos que futuramente serão necessários. 3 De forma resumida, o modelo fordista/keynesiano correspondeu à produção em massa, representada pela maneira mais avançada de racionalização capitalista ao longo de décadas do século XX. Este processo ocorreu também através do compromisso entre capital e trabalho com mediação do Estado, uma vez que representou o compromisso como resultante de elementos pós crise de 1930, com a gestação da política keynesiana que suscedeu. Era como forma de sociabilidade que se fundamentava no compromisso para implementação de ganhos sociais e seguridade social aos trabalhadores dos países centrais, na intenção de afastar a temática do socialismo, e tinha como sustentação a exploração do trabalho em países do denominado Terceiro Mundo, que estavam completamente excluídos do compromisso social-democrata. O texto na íntegra encontra-se em Antunes (2002). 4 Nesta, o autor refere-se à racionalização da pirâmide, onde cada trabalhador tinha seu posto e função definida. Na medida em que a cadeia de comando subia, o número de pessoas no controle era menor. Na medida em que descia, menor era o poder dos trabalhadores, embora fossem em maior número na organização. O primeiro caracteriza-se como gerencia de eco relações, cargo este em que o profissional deverá se comunicar e trabalhar com consumidores, grupos ambientais e agências governamentais a fim de desenvolver e maximizar programas ecológicos. O segundo configura-se o chief innovation officer, que tem a função de interagir com funcionários em diferentes áreas da organização para pesquisar, projetar e aplicar inovações. Enfatizando papéis mais abrangentes, a revista destaca que o primeiro cargo, gerência de eco relações, deve-se ter formação voltada ao marketing e ao mesmo tempo a compreensão e domínio de direito ambiental. No segundo cargo, o trabalhador caminhará entre várias áreas, buscando as melhores idéias tanto sobre finanças como marketing. Com base nas funções apresentadas, podemos observar o caráter multifuncional e polivalente que vem sendo exigido cada vez mais nas relações de trabalho, juntamente com eficiência, competição e rapidez. Por outro lado, a economia moderna se caracteriza pelo viés da remuneração excessiva para altos executivos e a defasagem nos salários mais elevados e mais baixos, o que contribui ainda mais para o aumento da desigualdade social. Com a fragmentação da produção e da organização de trabalho, os indivíduos tornam-se cada vez mais condicionados ao seu próprio desempenho, com necessidade de incorporar espírito empreendedor que via “fábrica difusa” desterritorializa “pólos produtivos, encadeados agora em lábeis redes supranacionais, passíveis de rápida conversão” (Netto, 1996, p.91). O regime de acumulação flexível desencadeou inúmeras transformações societárias, demandando uma reestruturação do mercado de trabalho através de novas modalidades de contratações. Contudo, resultou também em novas formas de discriminações seja por gênero, idade, etnia, e assim por diante, mas que mantém ainda o padrão de exploração, que vai se consolidando em demasia junto ao elemento feminino, juvenil e imigrante. Ainda sobre a matéria da Revista Young, foi citado fato que segundo os especialistas entrevistados referiram estar ocorrendo: o conflito de gerações, onde as empresas não entendem os jovens formados na era da informação e esses não entendem o que as empresas pedem. Destacam que esses jovens não aprenderam a reverenciar hierarquias, embora tenham habilidades para realizarem tarefas simultâneas e velozes, porém não possuem foco e aprofundamento. E por isso, a matéria atenta para que o jovem do futuro desenvolva características voltadas para resiliência, inteligência emocional e capacidade de trabalhar em equipe, além de espírito empreendedor. Nesta, informam sobre o crescimento do empreendedorismo no Brasil apontando como oportunidade real de crescimento, já que com as alterações nas relações de trabalho, muitos empregos formais foram diminuídos e por isso as pessoas deverão criar seu próprio emprego. O empreendedorismo ainda é citado como busca de satisfação independência e complementação na renda inclusive após a aposentadoria. pessoal, Logo, podemos verificar nessas demandas a chamada heterogeneização do trabalho, a redução do operariado industrial e fabril, o aumento do subproletarido e o assalariamento no setor de serviços, onde o trabalhador torna-se um proletariado do capital. Embora tais situações demonstrem aumento da demanda nos setores de serviços e as novas formas das relações de trabalho, os jovens ainda possuem dificuldades em sua inserção no mercado de trabalho, que se torna mais competitivo diante de outros segmentos que também estão incorporados nessas relações como mulheres, adultos e até mesmo idosos, visto que ao contrário da busca pela satisfação pessoal, acreditamos que a complementação da aposentadoria é fator determinante para tal necessidade. Já outra profissão do “futuro” destacada pela matéria, é a de conselheiro de aposentadoria, no qual o trabalhador será responsável por ajudar as pessoas a planejarem sua aposentadoria, tanto financeira quanto emocional, ou se recolocarem no mercado ou abrirem o próprio negócio. Esses são alguns contextos que nos levam a refletir sobre outra situação que cada vez mais vem sedo incorporado nas relações de trabalhos da contemporaneidade e é debate polêmico para muitas e muitas horas entre estudiosos e pesquisadores sobre o assunto: a intelectualidade, que vem sendo cada vez mais incorporada nas relações de trabalho, como valor dado as produções subjetivas. Tal fato desencadeia inúmeras conseqüências ao trabalhador como a dedicação completa do indivíduo tanto em seu local de trabalho como fora dele, misturando aí o tempo livre e o tempo de trabalho dos mesmos. Uma relação de alienação, só que desta vez subjetivizada e sem prazo de validade, dado pela possível necessidade de inserção no mercado de trabalho até mesmo após a aposentadoria. Na empresa flexibilizada e enxuta, ocorre o aumento da produtividade material e imaterial, e a relação de trabalho passa a ser denominada como parceria, na qual a identidade do indivíduo enquanto trabalhador é ocultada, e ganha sentido a denominação colaborador. O universo da classe trabalhadora ganha mutações tendendo por um lado a necessidade de qualificação do trabalho, mas por outro a desqualificação dos trabalhadores dada pela precarização. E com isso, a classe trabalhadora vai se tornando cada vez mais heterogênea, fragmentada e complexificada (Antunes, 2008). Nesta, Antunes (2002) remete a expressão classe que vive do trabalho, configurada por pessoas que vendem sua força de trabalho por salário, compondo desde proletariados industriais a proletariados precarizados e subproletariados modernos, trabalhadores terceirizados, na economia informal e todos aqueles que mesmo indiretamente estão subordinados ao capital, incluindo desempregados. Com dadas transformações, o plano social sofre alterações principalmente quanto às estruturas das classes, e ainda com o desaparecimento do campesinato e as diferenciações, divisões, cortes e recomposições da classe operária. E, mesmo com grandes repercussões na estrutura de classes, houve também modificações no perfil demográfico das populações, com a expansão urbana, a difusão da educação formal, os circuitos de comunicação social, a estrutura familiar. No âmbito das garantias sociais, o caráter concentrador da riqueza, da renda e da propriedade propiciou uma economia excludente e restritiva que terminou por afetar essas garantias, e também alterar delineadamente o âmbito cultural como um todo, proporcionando principalmente uma vida social planetariamente mercantilizada. Em geral, com a flexibilização do capitalismo, a classe foram duramente penalizadas. O desemprego duplicou, seguridade social sofreram fortes ataques quanto institucionalizadas, o pauperismo cresceu por todo o trabalhadora e a sociedade os sistemas públicos de às coberturas privadas planeta resultando num distanciamento ainda maior do mundo rico e do mundo pobre, além do distanciamento interno entre os ricos e pobres, “a ascensão do racismo e da xenofobia; e a crise ecológica do globo” (Netto, 1996, p.102), além de outras situações de segregações, contradições e antagonismos. Conseqüentemente, as profissões do “futuro”, como enfatizada na Revista Young ganham cada vez mais espaço, pois é efeito da contradição e exploração gerada pelo próprio capitalismo. O Consenso de Washington5, em fins da década de 80 concretizou ainda mais a globalização como perversidade, e em busca da inserção na modernidade, a ilusão da moeda forte e o consumo fácil anestesiaram a população brasileira6. A “velha questão social” foi metamorfoseada e assumiu novas roupagens, caracterizadas por novas formas de expressão da questão social, e, enquanto houver contradições e explorações esta permanece neste constante movimento de jogo de forças. Diante disso, concordamos com a visão de Pereira (2001) que ao analisar a questão social, cita alguns problemas de dimensão planetária, que, no entanto encontrase permeado de insensibilidade coletiva perante sua existência e repercussão, sendo estes: a ameaça bélica com o término da guerra fria; a deterioração do meio ambiente; o profundamento da desigualdade social; a globalização da pobreza; o acirramento do racismo e das lutas étnicas; o desmonte dos direitos sociais. Entretanto, embora existam os problemas de forma evidente, a autora afirma que não foram problematizados e transformados ainda em questões explícitas. E assim, vai apontar que estes “não foram alvo de correlações de forças estratégicas, a ponto de abalarem a hegemonia da ordem dominante e permitirem a imposição de um projeto contra-hegemônico” (Pereira, 2001, p.53). Considerando tais apontamentos, destacamos ser indispensável ao serviço social dar continuidade à luta perante o fortalecimento e efetivação da democracia, da apropriação dos bens socialmente produzidos e das potencialidades humanas. Em sua procedência histórica dada pelo movimento de reconceituação, a profissão se volta para a defesa da cidadania e valores democráticos, cujo objetivo centra - se na liberdade, equidade e justiça social (Iamamoto, 2006). Neste sentido, concordamos com Iamamoto (2006), sobre o processo de reprodução das relações sociais não ser repetição ou reposição do instituído, pois este também é criador de novas demandas e forças produtivas sociais do trabalho, onde seu processo contribui para com o aprofundamento das desigualdades e também para a criação de “novas relações sociais entre os homens na luta pelo poder e pela hegemonia entre diferentes classes e grupos na sociedade” (Iamamoto, 2006, p.10). 5 O Consenso de Washingotn ocorreu em 1989, a partir de uma reunião organizada pelo Instituto Internacional de Economia em Washington, que propôs reformas para que os países da América Latina retomassem a trilha do crescimento e do desenvolvimento. O Consenso de Washington caracterizou-se como uma espécie de bula com prescrições consensuais, austeridade fiscal, elevação de impostos, juros altos para atrair investimentos estrangeiros, privatizações em nome da boa administração do setor privado e da “incapacidade” dos Estados. 6 No documentário Encontro com Milton Santos: o mundo global visto do lado de cá. Sob direção do cineasta Sílvio Tendler, 2006 pode-se visualizar não só o caso brasileiro, mas dos países da América Latina que foram duramente afetados pelo Consenso de Washington, e as manifestações dos movimentos sociais na luta contra a perversidade globalizante. III – Conclusão Acreditamos nas possibilidades de rupturas com a alienação por meio das potencialidades do próprio indivíduo em sua construção histórica, pois embora o serviço social seja parte de um movimento que o faz manter a sociedade de classes, é também possibilitador e potencializador de sua transformação. Pela busca da liberdade e autonomia, em defesa e consolidação de um projeto contra – hegemônico, cabe a nós profissionais o papel de encarar, conhecer e apreender as demandas expressas pela questão social na atualidade e seu processo de produção e reprodução, para assim fortalecermos as formas de contra – hegemonia na sociedade. Concordamos com a idéia de que a questão social é desigualdade, mas também rebeldia, pois em meio a este campo de explorações e dominações estão os sujeitos que ali habitam, resistem e encontram formas de expressarem e manifestarem seu inconformismo. E, mesmo que os problemas sociais ainda não tenham efetivamente abalado a hegemonia da ordem dominante a ponto de se estabelecer a consolidação de um projeto contra – hegemônico, enfatizamos que tentativas de ações e estratégias estão ocorrendo. Por meio de suas expressões, os sujeitos manifestam sua existência, vivência e criatividade no cotidiano, e, transitando entre a fronteira da diversidade e adversidade, criam formas de lutas, resistências e sobrevivências no movimento de suas identidades. Embora o processo de produção e reprodução das relações sociais se destaque cada vez mais como questão estruturante dada pelo sistema capitalista, a participação objetivada na redefinição das relações entre o Estado e a sociedade é cada vez mais necessária, e se fortalecerá pela via do compromisso ético-político, pela participação ativa da sociedade civil organizada, pela apropriação dos espaços públicos e pelo controle social. IV - Bibliografia ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho?: Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 13 ed. São Paulo: Cortez, 2008. _________ Ricardo. Os sentidos do trabalho: Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 6 ed. São Paulo: Boitempo, 2002. IAMAMOTO, Marilda Villela. As dimensões ético – políticas e teórico metodológicas no Serviço Social contemporâneo. In: MOTA, Ana E. BRAVO, Maria Inês S. UCHOA, Roberta. et.al (orgs). Serviço Social & Saúde: Formação e Trabalho Profissional. Rio de Janeiro. (julho de 2006), Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.fnepas.org.br/pdf/servico_social_saude/sumario.htm>. Acesso em 10 jul. 2010. IANNI, Otávio. A idéia de Brasil Moderno. São Paulo: Brasiliense, 1992. NETTO, José Paulo. Transformações societárias e Serviço Social. In: Serviço Social & Sociedade, nº 50, São Paulo: Cortez, abril de 1996, p. 87-132. ________________ Cinco notas a propósito da “questão social”. In: Temporalis, 2 ed. Ano 2, n º3, (jan/jul. 2001), Brasília: ABEPSS, 2004. OLIVEIRA, Anita Loureiro de. A Liberdade Possível na Criação Musical: a Música e o Direito à Cidade no Rio de Janeiro. In: SOUZA, Maria Adélia Aparecida de (Org.). A Metrópole e o Futuro. Campinas: Edições Territorial, 2008. PEREIRA, Potyara A. P. 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