Vai Valer a Pena…
Verdades do Casamento e do Divórcio
contadas na primeira pessoa
Joaquim Quintino Aires
Conteúdos
Apresentação : : 9
Antes de começar…
Algumas notas sobre o casamento e o divórcio : : 13
Parte I :: Claro que estou mal, mas não quero o divórcio! : : 27
Eu sei esperar, jejuar e pensar : : 29
Ele diz-me que sou feia : : 51
Ofendemo-nos um ao outro : : 67
Parte II :: Não é fácil, mas vou conseguir! : : 91
Não queria que ele sofresse! : : 93
Os amigos afastam-se e o pior é a solidão : : 103
Sou lésbica e iludi-me : : 125
Parte III :: Valeu a pena! : : 145
Ninguém merece ser dono da nossa vida! : : 147
Só depois do divórcio aprendi a ser mulher! : : 163
Agora sou mais feliz! : : 179
Em forma de conclusão… : : 195
Apresentação
Viver é uma caminhada que se constrói a cada hora. Sentimos
um desejo que faz imaginar uma meta, e então queremos atingi-la. Uma meta que reduza ao mínimo o sofrimento e aumente
ao máximo o prazer. O que é legítimo e natural. O nosso corpo
evoluiu no sentido do evitamento do sofrimento. Mas o caminho
entre os pontos de partida (o desejo) e de chegada (a felicidade)
está cheio de sobressaltos. Sabemos o que temos, e sabemos o que
queremos ter no futuro. Mas a caminhada a fazer é tão imprevisível, que muitas vezes optamos por cruzar os braços. O que quase
sempre implica continuar a sofrer. E como tudo isto é estranho!
Por causa do medo de sofrer no futuro, e nem sabemos se sofreríamos ou não, permanecemos no sofrimento a que, afinal, nós
mesmos nos condenámos.
Como seria fácil a vida se nos fosse possível adivinhar o futuro!
Poderíamos tomar decisões sem qualquer dificuldade. Não precisaríamos de todos os conselhos que, depois, raramente seguimos.
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Não teríamos hesitações, nem noites passadas sem dormir. Não
ficaríamos, como alguém disse, como se sentados na estação à espera
do comboio, mas a vê-los passar sem nunca entrar. E tantas vezes nos
encontramos nessa situação!
E quando as emoções e os sentimentos interferem nas decisões é ainda mais difícil. Muitas vezes não percebemos, porque
nunca nos ensinaram, que um sentimento hoje pode já não existir
amanhã. Que uma emoção, uma paixão, sentida hoje, amanhã
pode já ter desaparecido. E então temos medo de alterar coisas
na nossa vida porque temos medo de lhes sentir a falta no futuro.
Como conhecemos as histórias de vida de outras pessoas e
tentamos perceber por elas o que acontecerá connosco. Mas o
problema é que sabemos apenas uma parte, ou seja, aquilo que
os outros quiseram tornar público, e que está sempre muito alterado e afastado da realidade, já que todos nos protegemos da
crítica. E, assim, quando tentamos imaginar como será a nossa
vida em função de alguma decisão que tomarmos, fazemos a
escolha atendendo a sentimentos que com o tempo desaparecem
e a informações que, por incompletas, estão erradas. Ficamos
bloqueados, os anos passam e nada acontece, e acabamos por
culpar o destino.
Fascina-me a vida que cada um de nós carrega por detrás das
máscaras. Por isso estudei Psicologia e trabalho como psicoterapeuta. Há quase vinte anos, desde o momento em que comecei
a trabalhar nesta área, sinto um forte desejo de partilhar aquilo
que se conta numa sala trancada pelo psicólogo à entrada, para
evitar a interrupção da conversa por estranhos, e só destrancada
à saída pelo próprio paciente, para que este não sinta que está ali
obrigado. Ali dentro, percebemos que o que se diz e o que se vive
é muito diferente. A verdadeira vida está tão escondida de todos,
que muitas vezes já nem o seu actor a conhece.
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Acredito que quando conhecemos a verdadeira Vida nos
tornamos Senhores da nossa. Homens e mulheres livres, e por
isso capazes de fazer desta nossa passagem uma construção de
Felicidade. É esta a origem deste livro. Ao longo da minha vida
profissional conheci centenas de homens e mulheres infelizes por
estarem «presos» num casamento que apenas lhes oferecia sofrimento, angústia e ira. E outras centenas de filhos afectados por
todo esse sofrimento. É perturbante para o psicólogo, o paradoxo
que resulta de saber como é importante o casamento, como cada
uma das duas pessoas se pode desenvolver e realizar nesta fantástica invenção histórica, como a família pode, inclusive, dar o
contexto ideal para o desenvolvimento de crianças e jovens mas,
ao contrário, tantas vezes produz o efeito oposto, impedindo o
desenvolvimento, atrofiando a personalidade e fazendo sofrer.
Tudo isto fez crescer em mim o desejo e o sentimento de obrigação de escrever este texto.
VAI VALER A PENA… foi escrito a partir de conversas com
várias pessoas que no momento estavam em fases diferentes de
uma grande e difícil decisão: a decisão de pôr fim ao casamento.
Para uns o divórcio está fora de questão. Vivem casamentos insustentáveis e insuportáveis mas não conseguem nem sequer colocar
a hipótese do divórcio e, claro, apresentam as suas razões, sejam
elas reais ou imaginárias. Outros estão a passar agora por essa
experiência, e contam-nos os medos e as dúvidas que estão a viver.
Os de um terceiro grupo recordam aquelas duas fases, e partilham
connosco a forma como hoje encaram aquela decisão.
Este livro materializa um desejo antigo. Muitos anos de consulta psicológica partilhando dúvidas e medos de pacientes, tantas
vezes acompanhado de uma enorme vontade de lhes dizer para
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fugirem, pois qualquer alternativa seria melhor do que aquilo que
estavam a viver. Mas ao mesmo tempo consciente de que não o
podia fazer, quer por motivos éticos, quer por saber que nada do
que eu dissesse nesse sentido teria para eles lógica. Com os anos
foi crescendo em mim a vontade de escrever um livro no qual
pudesse partilhar experiências de alguns que, na realidade, são
iguais às de muitos outros.
Optei por escrever a partir das histórias de pessoas que não
estão em psicoterapia, pois isso dá-me maior liberdade de interpretar. Pedi a amigos e colegas que me apresentassem conhecidos
que, ou estivessem num casamento que não fizesse sentido, mas
que não querem o divórcio; ou estivessem a passar pela separação,
e ainda pessoas para quem tivesse valido a pena começar de novo.
Sentaram-se comigo e conversei cerca de quarenta minutos com
cada um. Estas são as suas histórias e os meus pensamentos e
comentários. Oxalá contribuam para que muitos mais possam
dizer, um dia, que começar de novo… valeu a pena!
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Antes de Começar…
Algumas notas sobre o casamento
e o divórcio
Chegou esta semana, vinda dos Estados Unidos, uma amiga
com quem não estava há um ano. Fui buscá-la ao aeroporto e
começámos de imediato a pôr a conversa em dia. Ainda não tinham
passado cinco minutos, e já estávamos a falar deste livro. Nas últimas semanas tenho pensado como abordá-lo e, pelo facto de essa
amiga ser também psicóloga e terapeuta de casal, assim como pelo
facto de ser alguém com quem gosto de conversar sobre relações
amorosas – apesar de nem sempre termos a mesma opinião – a
sua vinda tinha-me criado uma grande expectativa. Felizmente
o tema não me provoca só a mim e, claro, entusiasmámo-nos na
discussão. Não me lembro de entrar no seu apartamento, nem
de subirmos com as malas. O avião dela tinha chegado às 21.15
a Lisboa e às duas da manhã, sentados na sala, acompanhávamos com um whisky as muitas perguntas e tentativas de resposta. Quando converso com esta amiga, seja sobre que tema for,
intercalamos sempre casos de pacientes, de amigos e mesmo das
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nossas próprias vidas. Foi por essa hora, às duas da manhã, que
ela perguntou se eu conhecia algum casal completamente feliz e
realizado. Comecei por lhe responder que só tinha conhecido os
meus avós Zé e Catarina.
Continuámos a conversa, e uma hora mais tarde, depois de
mais um whisky para cada um, já ela tinha descalçado os sapatos
e eu estava à janela a fumar um cigarro, pensei que não podia
saber se os meus avós tinham ou não sido um casal feliz. O que
me lembro de criança, de uma relação de carinho, companheirismo e muita cumplicidade entre os dois, correspondia a uma
fase avançada na vida deles, depois de uma mudança grande, de
Nisa, o local onde sempre tinham vivido e onde moravam ainda
os seus amigos, para Alcoitão, no concelho de Cascais, onde foi
necessário reformular muitas coisas nas suas vidas. Provavelmente, todas essas mudanças os tinham aproximado mais um
do outro.
Depois lembrei-me de que nesse tempo os meus pais, que
estavam ainda na segunda década de casamento, tinham alguns
conflitos, como é comum a todos os casais que conheço. Mas com
o passar do tempo, a sua relação ficou semelhante à dos meus avós,
ou seja, com carinho, companheirismo e muita cumplicidade. Por
isso fiquei na dúvida se o que conhecia dos meus avós era uma leitura real, ou resultava do convívio com os dois casais que melhor
conheço, os meus avós maternos e os meus pais, em fases diferentes das suas vidas. No final da vida a minha avó adoeceu com
doença de Alzheimer e o meu avô foi um verdadeiro protector
para ela. Anos mais tarde o meu pai adoece com todas as complicações resultantes da diabetes, e também no seu final de vida a
minha mãe o tratou com um carinho que me enchia de ternura.
Mas não podia ter a certeza se o que me lembrava da relação entre
os meus avós era amor e carinho, ou o resultado de um processo
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de debilitação da minha avó que tinha desencadeado no meu
avô aquela atitude cuidadora, que me era tão agradável recordar.
Partilhei estas dúvidas com a minha amiga. Falámos mais
um pouco sobre as relações de cada um de nós, assim como das
relações de amigos e de pacientes. Ambos concordámos que viver
um casamento é algo muito importante, mas também muito difícil! Apesar disso, e este era o tema da nossa conversa, apesar da
dificuldade de viver feliz num casamento, e de muita gente sofrer
dia após dia em relações conflituosas, as pessoas têm uma enorme
dificuldade em encarar a separação e o divórcio. Achámos que
deveria haver alguma coisa de errado, mas como colocámos muitas hipóteses diferentes, não conseguíamos ter certezas. Conversámos sobre muitas teorias que justificam e defendem as vantagens
do casamento. Sobre a paixão e o amor. Sobre a monogamia e a
poligamia. Sobre a traição e a fidelidade. Só tínhamos duas certezas: todos nós precisamos de uma relação, pois ninguém é feliz
sozinho. E nessa relação precisamos de admirar e sentir desejo
pelo outro, mas também precisamos de sentir que o outro nos
admira e deseja com a mesma intensidade. Mas, segunda certeza, a maioria dos casais não tem isso, e ainda assim não consegue terminar o casamento para poder fazer uma nova tentativa.
O que nos impede?! Revimos os argumentos mais frequentes. A desculpa de que os filhos vão sofrer com a separação, mas
ambos concordámos, com base nas nossas experiências clínicas,
que a maioria das pessoas sabe que os filhos sofrem mais quando
os pais mantêm um casamento que não funciona. Depois considerámos a questão financeira. Mas ambos acreditamos que quem
quer verdadeiramente separar-se prefere uma condição mais difícil
e com mais insegurança a manter o casamento. Continuámos com
a hipótese de que os filhos e a família, assim como os amigos, não
aceitem bem a decisão do divórcio. Lembrámo-nos rapidamente
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de frases como «É melhor estares mal com ele do que sem ele!»,
«Ele sempre foi bom para ti!», ou «Eu sofri com o teu pai, mas
sempre me mantive ao lado dele e agora estamos bem!», e por aí
fora. É como se a família e os amigos fizessem uma barreira que
evita a precipitação, as decisões mais impulsivas. Mas continuávamos insatisfeitos. Também sabíamos que, depois de uma primeira barreira ultrapassada, mais para evitar alguma precipitação,
é a família e são os amigos verdadeiros, nem sempre, mas muitas
vezes, a incentivar o divórcio. Por isso ficávamos sem resposta
para a causa da difícil decisão de assumir o divórcio.
Já era tarde e a minha amiga tinha viajado quase 24 horas, pelo
que estava cansada. O dia também tinha sido exigente para mim.
Por isso ficámos apenas com a ideia de que a famosa frase «Até que
a morte nos separe!» tem em muitos de nós uma força de espada
sobre a cabeça. Fui para casa, e de manhã, no dia seguinte, acordei a
pensar que mesmo quem não casa pela igreja, e mesmo os que apenas namoram ou vivem em união de facto, oferecem uma enorme
resistência à separação. Continuei a perguntar-me se esta dificuldade
seria «apenas» uma questão cultural ou mais do que isso. O que será
que tanto nos dificulta a separação e o divórcio, quando percebemos
que a nossa relação não funciona? Será o medo de ficarmos sozinhos,
não acreditando conseguir uma nova relação com outra pessoa?
Comecei outra vez a pensar no assunto e tentei lembrar-me
do que se diz sobre o futuro de uma separação. Ocorreu-me que
a curto prazo surge a tristeza e a angústia e logo depois a solidão.
Mas será assim em todos os casos? E se não, em que casos aparece
todo este sofrimento e em que casos pode ser diferente? E ainda
outra pergunta: o que acontece passado um tempo longo? Permaneceremos para sempre neste sofrimento? Pareceu-me que não
dispomos de muita informação sobre o que acontece num tempo
distante. Ninguém falará nisso? O que diz o povo? Nada?!
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Talvez não seja de estranhar. Durante muitos séculos não se
colocava a hipótese da separação. O casamento, tantas vezes por
conveniência das famílias, era mesmo até que a morte os separasse. Gostando ou não, sofrendo ou não, nada devia ser questionado. Os que estavam casados assim deveriam permanecer até
que a morte os separasse. E para alguns, só isso, já deveria ser o
céu. A excepção, a rara excepção, só se verificava para reis e alguns
nobres. Mas mesmo para estes só após o consentimento papal.
Não é por isso estranho que o povo nada diga sobre o futuro de
um divórcio. Não é coisa da nossa realidade. E a mudança recente,
apenas com algumas décadas, não permitiu ainda que percebêssemos o alívio e a felicidade que pode ser começar de novo. Que
muitas vezes pode mesmo valer a pena começar de novo.
SOBRE A HISTÓRIA DO CASAMENTO
O casamento não é natural. Quer isto dizer, o casamento não
faz parte da natureza humana, não surgiu quando nasceram os
primeiros humanos, há cerca de 400 000 anos. O casamento é
um produto cultural, uma invenção realizada em determinado
momento da história. Segundo os historiadores, o casamento tal
como o conhecemos hoje e com a formalidade de uma cerimónia,
apareceu no tempo da Roma Antiga e da Grécia Clássica. Foi
inventado para responder à preocupação de garantia da continuação do «sangue» em gerações vindouras, futuros herdeiros de bens
materiais transmitidos. Começou a organizar-se o anúncio público
de que aquele homem e aquela mulher constituíam um par, e foi
necessário garantir a certeza de que a procriação que gerassem
(os filhos) era mesmo de ambos. Só assim se podia assegurar que
os filhos daquela mulher eram também filhos daquele homem.
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