Joia rara da Bahia
louça, Doural; guardanapo, Star Home
menubrasil
Conheça o cacau catongo, preciosa variedade de amêndoa albina
que promete valorizar a produção de chocolate fino brasileiro
por Rachel Bonino, de Ibirataia (BA) fotos Evelyn Müller produção Ricardo Ferraz
À primeira vista, o chocolate feito à base de cacau catongo pode enganar o chocólatra desavisado. Mesmo com
uma alta porcentagem de cacau, a barra da guloseima
revela uma cor marrom-clara, quase um tom caramelo
que lembra muito um chocolate ao leite. Mas, ao colocálo na boca, o catongo revela-se um ingrediente encantador. E quem afirma isso é ninguém menos que a francesa
Chloe Doutre-Roussel, autora do livro The chocolate connoisseur, respeitada degustadora e consultora de diversas
marcas. “Tive a sorte de experimentar alguns chocolates
feitos a partir do catongo no Brasil e todos resultaram em
um produto sutil, suave e agradável. É um dos melhores
cacaus do País, por sua elegância”, sentencia.
Originário do território baiano, o catongo tem uma importante característica genética que o diferencia de outras
variedades. Ele é recessivo para a produção de antocianina, substância que confere a cor arroxeada às amêndoas
de cacau comum. O resultado é uma amêndoa albina, ou
seja, com interior branco. Por isso, o chocolate produzido
fica mais claro, com sabor leve e suave, baixa acidez e notas
cítricas e frutadas, além de nozes e amêndoas – características bastante reverenciadas no universo do cacau.
Apesar das qualidades, o cacau albino brasileiro foi
deixado de lado nos últimos anos e sua produção só foi
retomada agora, com o trabalho da família Magalhães,
dona da Fazenda Lajedo do Ouro, na cidade baiana de
Ibirataia. Eles são os primeiros produtores de cacau da
região a investir comercialmente na variedade. No ano
passado, a fazenda fez as primeiras vendas da amêndoa
e foram chocolates à base do catongo os provados pela
francesa Chloe Doutre-Roussel.
O nome original do cacau, Catongo e Almeida, referiase à fazenda em que a planta albina, originária de mutação
espontânea (acredita-se), foi identificada pela primeira
vez no século 20. “Por volta de 1950, houve uma coquelu-
che, muitos produtores queriam o catongo”, conta Wilson
Reis Monteiro, biólogo da Comissão Executiva do Plano
da Lavoura Cacaueira (Ceplac). “Mas não prosperaram na
época porque a variedade albina representava um volume
muito pequeno diante da produção nacional, que focava
nas amêndoas roxas”, explica.
Curiosamente, hoje é esta variedade particular que
desperta interesse e tem sido objeto de estudo do casal
Pedro e Maria Ângela Magalhães, e de seus filhos Pedro
e André, da Lajedo.
Foi somente após a devastação causada pela vassourade-bruxa na região, no início da década de 1990, que o
catongo ganhou visibilidade na fazenda, adquirida pela
família na década de 1940 e que soma 180 hectares. Em
1997, com o apoio da Ceplac, as plantas foram analisadas
e selecionadas de acordo com o grau de produtividade e
menor risco à infecção da vassoura-de-bruxa. Entre as que
tiveram melhor desempenho estava um catongo, identificado na fazenda pelo nome de SR162. “É uma variedade
de amêndoa pequena, alongada e com ranhuras. O fruto é
amelonado e tem um bico em forma de peito em uma das
extremidades”, descreve Pedro Caetano Magalhães Neto.
Vendo os países que sofreram com a vassoura-de-bruxa e passaram a priorizar a qualidade do cacau no lugar
da quantidade, há cerca de seis anos a família Magalhães
resolveu investir na produção de amêndoas com foco no
mercado de cacau fino. Primeiro, compararam o catongo
com outras variedades de amêndoa branca, como o cacau
porcelana, típico do Peru. “Vimos que eram muito parecidas e resolvemos dar um tratamento especial ao catongo,
tanto na fermentação quanto na secagem, e na avaliação
da qualidade”, conta Magalhães.
A família Magalhães também passou a frequentar o
Salon du Chocolat, maior evento internacional do setor,
realizado em Paris. “Ouvia muito lá que ‘o Brasil não tinha
confira as
receitas
na pág. 79
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julho/2013
O clássico brigadeiro leva
nibs de cacau catongo
copo e colher, Oren; guardanapo, Star Home
menubrasil
taça, Oren; tecido, acervo
fotos Rachel Bonino
As amêndoas de cacau comum e a de catongo
(albina). Ao lado, o cultivo de catongo na Lajedo,
fazenda pilotada por Pedro Neto (à esq.), Ângela
e Pedro Magalhães (foto abaixo, à dir.)
menubrasil
bom cacau para chocolate’. Isso me ofendeu tanto que quis
mostrar que tínhamos, sim, um produto de qualidade”,
conta Maria Ângela Cabral Magalhães, esposa de Pedro.
Embora hoje a produção de cacau fino represente apenas
30% do que sai da fazenda (sendo, dessa parcela, 10% de
amêndoas do catongo), os resultados já foram muito bem
avaliados, como mostram as premiações do Festival do
Chocolate da Bahia (melhor amêndoa para o catongo em
2011; e melhor chocolate com catongo em 2012) e indicação entre os finalistas nacionais das edições de 2009 e de
2011 do International Cocoa Awards.
Para o futuro, a Lajedo pretende entrar no mercado
de chocolates artesanais. Enquanto avalia a montagem
de uma minifábrica, faz parcerias com chocolateiros de
dentro e fora do País, casos da Chocolaterie de L’Opéra,
em Avignon, na França, e da La Vie, em São Paulo.
Após experimentar o catongo durante a edição brasileira do Salão do Chocolate, em 2012, a chef confeiteira
Carole Crema, da La Vie, encomendou um lote para a
Páscoa deste ano e a torra da amêndoa foi feita com a Lajedo. “Fiquei fascinada com o catongo. Sua acidez quebra
o amargor de um chocolate 70% e o sabor fica mais suave”, conta a chef, que preparou quatro receitas com o ingrediente para a Menu. Até o fim do ano, Carole pretende
incluir produtos feitos a partir do catongo na sua linha de
chocolates. Mais para a frente, a intenção é desenvolver
chocolates sob encomenda com a Lajedo, com torras e
composições exclusivas para confeiteiros interessados.
O catongo também será uma das estrelas da linha de
chocolates batizada de Origens, a ser lançada até o fim
do ano pela AMMA Chocolate. O proprietário Diego Badaró convidou a Lajedo e mais outras seis fazendas para
mostrar o potencial brasileiro na produção de amêndoas
de origem controlada. “São produtores que cultivam e
beneficiam o cacau de acordo com o que acreditamos ser
a melhor maneira de tratar o fruto, e que demonstram
com seus resultados as ricas e diversas qualidades do cacau baiano”, explica Badaró.
Com a ascensão do mercado de cacau fino, a torcida é
pela descoberta de mais “catongos” e novas variedades
de cacau escondidas na biodiversidade baiana e em outras áreas do Brasil.
prato e garfo, Oren
A chef Carole Crema,
da La Vie, aposta na
variedade baiana
Semifreddo, crème brûlée (à esq.) e layer
cake (abaixo) são receitas de Carole Crema
feitas com cacau catongo
Fazenda Lajedo do Ouro
www.lajedodoouro.com.br
La Vie
rua da Consolação, 3.161 – Jardins.
(11) 3088-7172 – São Paulo – SP
julho/2013
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