Transmissão Neuromuscular: Anatomia, Fisiologia e Bloqueio
Capítulo 1
TRANSMISSÃO
NEUROMUSCULAR:
ANATOMIA, FISIOLOGIA E
BLOQUEIO
Maria Angela Tardelli *
As dificuldades encontradas no aprendizado da fisiologia
neuromuscular e na monitorização da neuroestimulação podem ser
atribuídas, em parte, ao desconhecimento dos termos e definições. Um
feixe nervoso (por exemplo, o nervo ulnar) é formado por 10 —1000
fibras, sendo cada uma o axônio de um neurônio. Cada fibra ramifica-se em múltiplos ramos. Cada ramo está associado a uma junção
neuromuscular (JNM) e a uma célula da fibra muscular. Isto funciona
como uma unidade motora: a estimulação das fibras nervosas resulta
em estimulação “tudo ou nada” de todos os seus ramos, causando
contração de todas as células musculares da unidade. A contração
vista clinicamente é uma resposta graduada, originada da somatória
das respostas individuais de centenas de células. Portanto, é definido
* Doutora em Medicina pela Escola Paulista de Medicina - UNIFESP
Prof. Adjunta da Disciplina de Anestesiologia, Dor e Terapia Intensiva Cirúrgica - UNIFESP
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Bloqueadores Neuromusculares - Bases Científicas e Uso Clínico em Anestesiologia
como unidade motora o conjunto de todas as fibras musculares de um
dado músculo (desde algumas até centenas, dependendo do músculo) inervadas por um único nervo motor, juntamente com o neurônio,
do qual este nervo se origina. Um músculo, como um todo, e seu nervo motor apresentam milhares de unidades motoras.
Além da estimulação endógena, as fibras nervosas podem ser
despolarizadas por uma fonte exógena (um estimulador de nervos).
As fibras nervosas apresentam diferentes limiares para responderem
ao estímulo de uma corrente exógena. As diferenças podem ser atribuídas a fatores tais como a distância entre as fibras e o eletrodo de
estimulação. Todas as fibras de um feixe nervoso responderão a uma
dada corrente apenas quando a intensidade desta corrente for máxima ou supramáxima.
A JNM é uma pequena parte do conjunto denominado unidade
motora. A JNM é a região de íntimo contato entre o terminal nervoso
e a membrana da fibra muscular esquelética; é o local de ação das
drogas bloqueadoras neuromusculares (BNM) (Figura1).
Quando o neurônio motor mielinizado se aproxima da fibra muscular, perde sua bainha de mielina; divide-se em terminais filiformes
que irão alojar-se em goteiras criadas em depressões na membrana de
cada fibra muscular. Esta região da membrana muscular é denomi14
Transmissão Neuromuscular: Anatomia, Fisiologia e Bloqueio
nada de placa motora e é constituída por membrana muscular diferenciada que responde a estímulos químicos - quimioexcitável. Nesta
região estão os receptores colinérgicos nicotínicos juncionais. Na fibra
normal estes receptores estão distribuídos na placa motora, mostrando a influência trófica da fibra nervosa sobre a fibra muscular.
De modo geral, existe de uma até três JNM por fibra muscular,
com exceção dos músculos oculares e alguns músculos do pescoço e
da face. Este grupo de exceção tem grande número de JNM em cada
fibra muscular, permitindo que esses músculos se contraiam e relaxem lentamente ou até que mantenham seu estado contrátil. A manutenção do estado contrátil na musculatura extraocular é uma das
explicações do aumento da pressão intraocular após a administração
de BNM despolarizantes.
TERMINAL NERVOSO DA TRANSMISSÃO NEUROMUSCULAR
A análise da transmissão sináptica por seu componente nervoso
mostra que o axônio, além do sinal elétrico, carrega todo aparato
bioquímico, representado pela acetilcolina, necessário para a transmissão no terminal nervoso.
A acetilcolina é sintetizada no axônio a partir da ação da colina
acetiltransferase sobre a colina e a acetilcoenzima A (Figura 2). A colina é resultante do metabolismo da acetilcolina pela colinesterase
(50%), da dieta e parte sintetizada no fígado. A colina entra no axônio
através de transporte ativo. Drogas como o hemicolíneo que interfere
neste transporte ou drogas que diminuem a oferta de colina, como os
anticolinesterásicos, prejudicam, em última instância, a liberação de
acetilcolina. A acetilcoenzima A provém das mitocôndrias.
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Bloqueadores Neuromusculares - Bases Científicas e Uso Clínico em Anestesiologia
Depois da síntese de acetilcolina, esta não estará disponível como
neurotransmissor enquanto não estiver incluída na vesícula sináptica.
Cerca de 80% da acetilcolina sintetizada é estocada em vesículas, o
restante permanece dissolvida no axoplasma. As vesículas ficam armazenadas nas formas disponível, estocagem e reserva. Cada vesícula tem
um quantum estimado entre 2000 a 10000 moléculas de acetilcolina.
LIBERAÇÃO DE ACETILCOLINA
Liberação espontânea: Na ausência de impulso nervoso ocorre
vazamento da acetilcolina dissolvida no plasma, através da membrana da terminação nervosa. Durante o repouso, este vazamento constitui a principal perda do transmissor, mas durante a atividade, o vazamento não aumenta. Durante a atividade, o impulso nervoso provoca liberação de vesículas. Um segundo tipo de liberação espontânea, aproximadamente 2%, ocorre através de pacotes ou quanta de
tamanho uniforme com uma freqüência de 2 por segundo. A liberação desses quanta de acetilcolina provoca uma pequena despolarização
(0,5 milivolts) da placa motora (potencial miniatura de placa motora)
cuja função ainda é desconhecida, talvez se relacione com a manutenção do trofismo muscular.
Liberação induzida pelo impulso nervoso: A acetilcolina, na forma de estocagem, converte-se rapidamente na forma disponível, sob
influência da atividade do nervo motor. Um impulso nervoso causa a
liberação de 200 a 400 quanta, o que representa 400000 a 4000000
moléculas de acetilcolina sendo liberadas na JNM.
O potencial de ação nervoso é um ativador da liberação de
acetilcolina, mas não é o liberador, per se. Se o cálcio não estiver presente, nem a despolarização nem o fluxo de sódio produzirão liberação da acetilcolina. Portanto, o potencial de ação inicia para dentro
do neurônio um fluxo de cálcio que tem como função a liberação de
acetilcolina.
PAPEL DO CÁLCIO
O número de quanta de acetilcolina liberado é influenciado pela
concentração de cálcio ionizado no extracelular e pelo tempo de du16
Transmissão Neuromuscular: Anatomia, Fisiologia e Bloqueio
ração de seu fluxo para dentro da célula nervosa. Assim, a quantidade de vesículas de acetilcolina liberada é função do número total de
íons cálcio. O fluxo de cálcio para dentro do neurônio se estabelece
favorável ao seu gradiente eletroquímico e cessa no momento em que
ocorre o fluxo tardio de potássio para fora do neurônio. Assim, a 4aminopiridina aumenta o conteúdo de quanta liberado porque bloqueia o fluxo de potássio, o que acarreta em aumento do fluxo de
cálcio para dentro do neurônio.
Quando o potencial de ação atinge o terminal nervoso, provoca
alterações na forma de canais protéicos da membrana pré-sináptica,
permitindo que o cálcio ligue-se à membrana e entre na célula nervosa através destes canais (Figura 3). Aceita-se que dois tipos de canais
de cálcio estejam envolvidos: rápido e lento. O canal rápido representa o principal papel durante a despolarização, é denominado voltagem dependente, respondendo rapidamente à alteração de voltagem
gerada pela entrada de sódio (potencial de ação). A atividade deste
canal é bloqueada por cátions orgânicos divalentes como o magnésio.
Esses canais não são afetados de modo significativo pelos bloqueadores
de canais de cálcio como ocorre com os canais de cálcio do sistema
cardiovascular.
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Bloqueadores Neuromusculares - Bases Científicas e Uso Clínico em Anestesiologia
O canal lento, que permite entrada adicional de cálcio, é ativado
pelo aumento de AMP cíclico; é facilmente bloqueado por drogas
bloqueadoras de canais de cálcio, tais como o verapamil, nifedipina e
o diltiazem. Não sofre influência de íons inorgânicos. A adrenalina e
as endorfinas acentuam a atividade desses canais lentos porque ativam a adenilciclase (enzima formadora de AMP cíclico), o que resulta
em prolongamento do fluxo de cálcio no terminal nervoso. Inibidores
da fosfodiesterase (aminofilina) acarretam aumento do AMPcíclico, o
que determina aumento da entrada de cálcio conseqüentemente maior liberação de acetilcolina e antagonismo do bloqueio adespolarizante.
A entrada de cálcio é crítica para a liberação de acetilcolina. A
presença do cálcio intracelular ativa um grupo de proteínas
especializadas (sinaptofisina e sinapsina I) algumas vezes diretamente e outras indiretamente, através de outras proteínas como a
calmodulina. Esse processo resulta na ativação da fusão das vesículas
de acetilcolina na membrana pré sináptica e a liberação de seus conteúdos na fenda sináptica.
O papel do cálcio é de tal importância que alterações na liberação dos quanta de acetilcolina são proporcionais às alterações na concentração do cálcio elevada à quarta potência.
RECEPTORES COLINÉRGICOS PRÉ-SINÁPTICOS
No terminal nervoso existem receptores colinérgicos nicotínicos
pré-juncionais que ativam a mobilização (estocagem e liberação) de
acetilcolina quando o nervo é submetido a impulsos nervosos de alta
freqüência (maior que 1 hertz). Exercem um papel de “feed-back”
positivo. O entendimento desse mecanismo facilita a compreensão do
fenômeno de fadiga observado na monitorização de um bloqueio
neuromuscular adespolsarizante.
FIBRA MUSCULAR
PLACA MOTORA
A membrana pós-juncional da placa motora apresenta-se com
muitas dobras, formando planaltos e vales, o que permite a expansão
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Transmissão Neuromuscular: Anatomia, Fisiologia e Bloqueio
de sua área. Os receptores de acetilcolina estão organizados em agrupamentos nas pontas desses planaltos. Na fibra muscular com
inervação normal, os receptores juncionais não aparecem nos vales e
no restante da superfície da fibra muscular.
As moléculas de acetilcolina ocupam os receptores colinérgicos
nicotínicos da placa motora, região quimioexcitável da membrana
muscular. A membrana restante da fibra muscular, denominada
extrajuncional, é eletricamente excitável (Figura 1).
De modo geral, a fibra muscular tem uma até três placas motoras.
Os músculos oculares e alguns músculos do pescoço e da face apresentam grande número de placas, o que permite que esses músculos se
contraiam e relaxem lentamente ou até que mantenham seu estado
contrátil.
A placa motora (membrana muscular quimioexcitável) situa-se
em aposição ao terminal nervoso e possui milhões de receptores
colinérgicos nicotínicos que são constituídos por cinco cadeias protéicas
(2 alfas, 1 beta, 1 delta e 1 epsilon) dispostas em círculo, uma estrutura tubular que atravessa a membrana lipídica de lado a lado (Figura
4). O canal (ionóforo) formado no centro desse círculo de proteínas
abre-se, permitindo a entrada de íons sódio, cálcio e saída de potássio
quando as duas cadeias alfas são ocupadas simultaneamente por um
agonista (acetilcolina ou succinilcolina).
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Bloqueadores Neuromusculares - Bases Científicas e Uso Clínico em Anestesiologia
Esse movimento iônico cria o potencial de placa que se propaga
para a membrana extrajuncional (membrana muscular eletricamente
excitável). A corrente, que atinge a membrana extrajuncional, é a
somação dos fluxos iônicos que ocorrem em cada receptor da placa
motora. Se, ao atingir a membrana extrajuncional, a intensidade desta
corrente atingir o limiar desta região eletricamente excitável, o que ocorre
quando pelo menos 5-20% dos receptores abrem seus ionóforos, então
será deflagrado o potencial de ação que se propaga, iniciando uma seqüência de eventos que resultam em contração muscular (Figura 5).
A repolarização ocorre com a saída da acetilcolina do receptor
para ser metabolizada, em milisegundos, em acetato e colina pela
acetilcolinesterase.
Assim, a abertura do ionóforo do receptor colinérgico da placa
motora é o evento básico na recepção da transmissão neuromuscular;
ele causa a conversão de sinais químicos do nervo em corrente
transmembrana e potenciais no músculo.
MEMBRANA EXTRAJUNCIONAL
A membrana extrajuncional ao redor da placa motora é rica em
canais de sódio voltagem-sensíveis. Esses canais de sódio têm duas
conformações, nas quais porções da molécula agem como portões que
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bloqueiam o fluxo de sódio, quando esses dois portões não estão abertos simultaneamente. Esses portões são chamados voltagem dependente (superior) e tempo dependente (inferior) (Figura 6).
Em situação de repouso, o portão voltagem dependente fica fechado e o portão tempo dependente aberto. Quando o potencial de
placa alcança o potencial limiar da membrana eletricamente excitável,
o portão voltagem dependente é aberto, deflagrando o potencial de
ação (Figura 7B).
O fechamento desses portões envolve estímulos diferentes. O
portão tempo dependente se fecha espontaneamente (portão de
inativação) logo após a abertura do portão superior, o que encerra o
potencial de ação mesmo se houver uma despolarização persistente
da placa motora. O portão voltagem dependente mantém-se aberto
enquanto estiver exposto a uma diferença de potencial (existente na
membrana vizinha - placa motora). O sistema é feito de tal forma que
o portão tempo dependente só se abre quando o voltagem dependente se fechar, ou seja, o potencial da placa motora deve cessar para o
sistema ser reorganizado para o estado de repouso (Figura 8). Esse
mecanismo impede a geração contínua de potencial de ação, ou seja,
um novo potencial de ação não pode ser gerado enquanto os canais
de sódio estiverem inativados, esse “período refratário” dura entre
1,5 a 3,0 milisegundos.
O potencial de ação permite a entrada de cálcio na célula muscular assim como sua liberação do retículo sarcoplasmático. O cálcio
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acumulado anula a inibição que a troponina exerce sobre a contração
muscular; a miosina fica livre para interagir com a actina e a fibra
muscular se contrai. A rápida extrusão e recaptação do cálcio faz
com que o músculo retorne para o seu estado de repouso. O potencial
de ação dura 150 milisegundos e a contração muscular 150
milisegundos.
RECEPTORES COLINÉRGICOS EXTRAJUNCIONAIS
É um terceiro tipo de receptor colinérgico nicotínico. Presentes em
toda a superfície da membrana muscular durante o período embrionário. A síntese dos receptores extrajuncionais é inibida com o aumento
da atividade nervosa e muscular, no período intraútero, extendendo-se
até os 2 anos de idade, sendo substituída pela produção de receptores
juncionais que se dispõem exclusivamente na placa motora.
A síntese dos receptores extrajuncionais será ativada em qualquer momento que ocorra diminuição ou abolição da atividade nervosa (lesão de medula espinhal, lesão nervosa ou repouso prolongado
no leito) com distribuição desses receptores em toda a superfície da
membrana muscular.
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Transmissão Neuromuscular: Anatomia, Fisiologia e Bloqueio
Os receptores extrajuncionais diferem dos juncionais por apresentarem a cadeia gama em substituição à cadeia épsilon. Essa alteração estrutural implica importante alteração funcional. Os receptores
extrajuncionais são sensíveis a baixas concentrações de agonistas
(acetilcolina ou succinilcolina) e pouco sensíveis aos antagonistas (BNM
adespolarizante). Uma vez ativados, mantêm o canal iônico aberto
por um tempo mais prolongado, 2 a 10 vezes, que os receptores
juncionais, o que implica maior movimento de íons.
A administração de succinilcolina nas situações onde há aumento de receptores extrajuncionais resultará em contração mantida com
importante aumento da concentração plasmática de potássio. Esta
sensibilidade à succinilcolina começa três a quatro dias após a
denervação e alcança níveis perigosos a partir do sétimo dia.
MARGEM DE SEGURANÇA DA JNM
Quando da utilização de um BNM adespolarizante observa-se
que existe uma margem de segurança da JNM porque apenas uma
pequena porcentagem (5 - 20%) dos receptores colinérgicos da placa
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Bloqueadores Neuromusculares - Bases Científicas e Uso Clínico em Anestesiologia
motora necessita ser ativada pela acetilcolina para deflagrar a contração muscular. Isso significa que o potencial de placa que é capaz de
desencadear um potencial de ação é gerado pela abertura de uma
pequena porcentagem de canais dos receptores colinérgicos.
Assim, para que ocorra diminuição na contração muscular há
necessidade de que, pelo menos, 75% dos receptores colinérgicos da
placa motora estejam ocupados pelo BNM. A ocupação de, pelo menos, 95% destes receptores é necessária para completa supressão da
contração muscular ao estímulo isolado. Essas porcentagens variam
entre os músculos e as espécies.
TIPOS DE FIBRAS MUSCULARES
As fibras dos músculos humanos podem ser classificadas em fibras tônicas ou lentas (tonic fibers) e contráteis ou rápidas (twitch
fibers).
As fibras tônicas realizam contração lenta mantida e possuem
várias JNM por célula, ou seja, elas têm inervação múltipla o que permite que os movimentos sejam regulados com precisão. Para o
anestesiologista, a importância é que esse tipo de fibra é encontrada
na musculatura extraocular e pode causar aumento da pressão
intraocular em resposta à succinilcolina.
As fibras contráteis são inervadas por um simples terminal nervoso e respondem à estimulação nervosa com contração mais rápida.
São identificadas 3 tipos destas fibras: tipo I, IIA e IIB.
As fibras tipo I (lentas ou vermelhas) são ricas em mioglobina.
Elas realizam contração e relaxamento lentos, têm uma capacidade
oxidativa relativamente alta e são relativamente resistente à fadiga.
Essas fibras compõem a maior parte da musculatura do músculo
adutor do polegar e menos de 20% da musculatura orbicular. São
particularmente sensíveis aos BNM adespolarizantes.
As fibras tipo II, glicolíticas, são mais rápidas que as tipo I. As
fibras tipo IIA (intermediária) combinam contração rápida com resistência à fadiga. As fibras tipo IIB apresentam alta velocidade de contração mas não estão adaptadas para manter o trabalho porque elas
têm menos mitocôndrias. As fibras mais rápidas são particularmente
susceptíveis aos BNM despolarizantes.
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FISIOLOGIA DA JNM NA CRIANÇA
Os fatores relacionados ao desenvolvimento da função
neuromuscular além das alterações fisiológicas próprias da infância
devem ser avaliados porque modificam a farmacocinética dos BNM e
repercutem na farmacodinâmica desses agentes. Para fins práticos, a
denominação de neonato será utilizada para os pacientes com até 1
mês de idade, lactentes, para aqueles com idade entre 1 mês e 1 ano e
criança, para os maiores de 1 ano.
DESENVOLVIMENTO DO SISTEMA NEUROMUSCULAR
A JNM do neonato difere dos adultos na sua anatomia, bioquímica e fisiologia. Durante a infância há amadurecimento físico e
bioquímico da JNM, as propriedades contráteis da musculatura
esquelética mudam e a quantidade de músculo em proporção ao peso
corporal aumenta. A variabilidade individual das respostas a BNM é
maior durante os primeiros meses de vida já que muitos fatores contribuem para a maturação da transmissão neuromuscular neste período. Em geral, o processo de maturação depende mais do tempo de
vida extrauterina do que da idade pós-conceptual.
No neonato, as unidades motoras são grandes e difusas, o nervo
motor se ramifica extensivamente e inerva muitas fibras musculares.
A área da superfície da junção neuromuscular imatura é pequena e a
distribuição dos receptores juncionais na placa motora é de forma
limitada. Os canais iônicos são imaturos e as reservas de acetilcolina
são restritas quando comparadas a dos adultos.
Na fase fetal, os receptores extrajuncionais (com a subunidade
gama) são gradualmente substituídos por receptores juncionais (com
subunidade épsilon). No lactente, os receptores extrajuncionais progressivamente desaparecem. Esse desenvolvimento é estimulado pelo
aumento da atividade nervosa. Deve ser destacado que os lactentes
não são propensos ao aumento exagerado da concentração plasmática
de potássio, em resposta à succinilcolina, provavelmente porque apresentam baixo número de receptores extrajuncionais.
A margem de segurança da transmissão neuromuscular está diminuída nos dois primeiros meses de vida. Isto pode ser decorrente da
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diminuição na disponibilidade de acetilcolina no terminal présináptico. A fadiga está exacerbada nos lactentes com menos de 32
semanas de idade gestacional. A velocidade da contração muscular
do neonato e lactentes com menos de 2 meses também é menor que
a das crianças maiores. Esses fatos sugerem que a junção neuromuscular tem seu amadurecimento nos dois a três primeiros meses de vida.
Os músculos dos neonatos diferem dos das crianças mais velhas
e dos adultos, em estrutura, composição e função. A composição das
fibras em músculos específicos também variam e influenciam a resposta aos BNM.
A resistência de um músculo à fadiga correlaciona-se com a proporção de fibras do tipo I. O desenvolvimento das fibras tipo I é fundamental para manutenção da atividade ventilatória. O diafragma
do lactente prematuro com menos de 37 semanas de idade gestacional
tem apenas 14% de fibras tipo I enquanto o do neonato de termo tem
26%, na criança com mais de 8 meses, há 55%, o que corresponde à
proporção encontrada no adulto. Os músculos intercostais são os outros músculos importantes para a ventilação. A proporção de fibra do
tipo I na musculatura intercostal do prematuro e do neonato de termo é de 19% e 46%, respectivamente. Ocorre a maturidade desses
músculos aos 2 meses de idade quando a proporção atinge 65%. Essas
características explicam por que a musculatura ventilatória do prematuro é mais propensa à fadiga que a da criança.
MECANISMO DE AÇÃO DOS BLOQUEADORES
NEUROMUSCULARES
Os BNM adespolarizantes (não despolarizantes) e despolarizantes
apresentam semelhança estrutural com a acetilcolina o que lhes permite interagir no receptor colinérgico.
Os BNM adespolarizantes basicamente impedem a ativação do
receptor pela acetilcolina, enquanto que os despolarizantes ativam
estes receptores, o que resulta na passagem de sódio e cálcio para
dentro da célula e saída de potássio; o relaxamento resulta da acomodação que se instala a seguir.
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Transmissão Neuromuscular: Anatomia, Fisiologia e Bloqueio
BLOQUEIO POR AGENTES ADESPOLARIZANTES
Os BNM adespolarizantes são compostos que apresentam nitrogênio quaternário, na sua estrutura molecular, e causam paralisia
flácida por competir com a acetilcolina nas subunidades alfa do receptor juncional. Portanto, esse bloqueio é dependente da concentração do BNM e de sua afinidade pelo receptor. Os BNM adespolarizantes ocupam os receptores colinérgicos com alta afinidade e sem
atividade agonista, não sendo, portanto, capazes de provocar alteração na conformação do receptor e conseqüente abertura do canal.
Não havendo geração de potencial de placa motora, não há formação
de potencial de ação na membrana extrajuncional e a fibra muscular
não recebe estímulo para contrair-se, permanecendo no estado de repouso.
Os BNM adespolarizantes atuam ocupando uma ou as duas
subunidades alfa do receptor da placa motora e também através de
oclusão do canal desses receptores e/ou por ocupação dos receptores
colinérgicos pré-sinápticos. Considerando que há necessidade de ocupação das duas subunidades alfa pela acetilcolina, para ativar o receptor colinérgico, a ocupação de apenas uma cadeia alfa pelo BNM
adespolarizante resultará em bloqueio deste receptor colinérgico Figuras 9A e 9B).
Nos receptores pré-sinápticos, a ação dos BNM adespolarizantes
impede a rápida mobilização e liberação de acetilcolina durante uma
estimulação rápida. Este é o mecanismo mais aceito para explicar o
fenômeno de fadiga observado com os BNM adespolarizantes.
BLOQUEIO POR AGENTES DESPOLARIZANTES
BLOQUEIO FASE I
À semelhança da acetilcolina, os BNM despolarizantes interagem
nas duas cadeias alfa dos receptores colinérgicos, na JNM, e desencadeiam o potencial de placa motora, o qual irá ativar o potencial de
ação na membrana extrajuncional. Diferente da acetilcolina, a
succinilcolina e o decametônio não são hidrolizados pela
acetilcolinesterase na JNM; sofrem hidrólise pela pseudocolinesterase
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Bloqueadores Neuromusculares - Bases Científicas e Uso Clínico em Anestesiologia
no plasma. Esse fato resulta na presença mais prolongada destes
agonistas na placa motora. O que se observa como resultado dessa
ação da succinilcolina é que o músculo inicialmente se contrai, mas
essa situação não persiste porque a membrana muscular extrajuncional
(membrana eletricamente excitável) se “acomoda” à contínua
despolarização da placa motora. A persistência desses agentes na JNM
permite que eles se liguem repetidamente aos receptores; os ionóforos
são abertos repetidamente, o que mantém um fluxo de corrente através da membrana, prolongando a despolarização da placa motora. O
estado de despolarização persistente “acomoda” os canais de sódio,
ao redor da placa motora, por manter fechados os portões inferiores
(tempo dependente) desses canais. O resultado é a paralisia flácida
que permanece até que a placa motora retorne à sua polarização normal e os “portões” voltem ao seu estado de repouso. Assim, enquanto
a placa motora mantém um potencial de placa (ação da succinilcolina,
por exemplo) a membrana extrajuncional mantém um estado de acomodação, impossibilitando a formação de novo potencial de ação,
portanto, nova contração muscular (Figura 8B).
O bloqueio resultante de um estado de acomodação induzido pela
succinilcolina é também chamado de bloqueio fase I. Na vigência desse bloqueio, a monitorização da função neuromuscular caracteriza-se
por ausência de fadiga e de potencialização pós-tetânica.
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Transmissão Neuromuscular: Anatomia, Fisiologia e Bloqueio
BLOQUEIO FASE II
Resulta da ação persistente dos BNM despolarizantes; não tem
seu mecanismo esclarecido. É estabelecido após grandes doses, doses
repetidas ou infusão contínua prolongada (>3mg/kg/h por mais de 2
horas) de succinilcolina. Na monitorização da função neuromuscular,
este bloqueio tem as características de um bloqueio adespolarizante,
ou seja, fadiga e potencialização pós-tetânica.
A transição de fase I para fase II inicia-se com taquifilaxia: neste
momento, os dois tipos de bloqueio existem simultaneamente. Quando o bloqueio é predominantemente fase I, a administração de
anticolinesterásico aumentará o grau de bloqueio, o contrário ocorre
com a predominância do bloqueio em fase II.
No mecanismo do bloqueio fase II vários fatores estão envolvidos compreendendo tanto estruturas pré-juncional como pósjuncional.
Um dos mecanismos envolvidos no bloqueio fase II é a
“dessensibilização” do receptor colinérgico (Figura 9E).
Além da dessensibilização, provavelmente as moléculas de
agonistas (acetilcolina ou succinilcolina) entram no citoplasma através dos canais abertos e causam danos intracelulares. A abertura repetida dos canais mantém a saída de potássio com contínua entrada
de sódio, levando a uma distorção da função de membrana ao redor
da junção. Também a entrada de cálcio, via canais abertos, pode causar alterações nos receptores da placa motora. Efeitos similares a esses
descritos podem ocorrer no terminal pré-sináptico, alterando a velocidade e a quantidade de acetilcolina mobilizada e liberada.
DESSENSIBILIZAÇÃO
O receptor colinérgico apresenta-se em um estado que não abre
seu ionóforo em resposta ao agonista nas subunidades alfa. O receptor neste estado é chamado dessensibilizado; não está disponível para
participar do processo normal de transmissão neuromuscular. Esse
fenômeno pode ocorrer tanto nos receptores pré-sinápticos como nos
pós-sinápticos.
Vários fármacos podem deslocar o receptor do estado normal para
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Bloqueadores Neuromusculares - Bases Científicas e Uso Clínico em Anestesiologia
a situação de dessensibilização: halotano, polimixina B, cocaína, etanol,
tiopental, pentobarbital, acetilcolina, succinilcolina, neostigmina,
lidocaína, clorpromazina, verapamil.
BLOQUEIO DE CANAL
O bloqueio de canal pode se estabelecer com algumas drogas quando
utilizadas em concentrações de uso clínico. Bloqueio de canal significa
a oclusão do ionóforo formado pelas subunidades protéicas do receptor colinérgico. O bloqueio pode ser com o canal aberto ou fechado.
O bloqueio de canal aberto (uso dependente) envolve a oclusão
física do canal (ionóforo) de um receptor colinérgico da placa motora
previamente aberto pela ação de um agonista nas cadeias alfa deste
receptor. Esse tipo de bloqueio pode resultar da ação de barbitúricos,
anestésicos locais, atropina, prednisolona, alguns antibióticos e todos
os BNM (Figura 9D).
O bloqueio de canal fechado envolve a oclusão da entrada do
canal do receptor colinérgico da placa motora, independente da sua
abertura. Quinidina, cocaína, antidepressivos tricíclicos, naltrexona,
naloxona e alguns antibióticos podem determinar bloqueio de canal
fechado (Figura 9C).
Dessensibilização e bloqueio de canal são fenômenos que, como a
acomodação, promovem ausência de contração muscular, entretanto, diferente desta última que é decorrente de alteração da membrana
extrajuncional; os primeiros são fenômenos do receptor colinérgico.
EFEITOS DOS BNM NÃO RELACIONADOS COM A
TRANSMISSÃO NEUROMUSCULAR
Os dois efeitos colaterais mais relevantes no uso clínico dos BNM
são o bloqueio autonômico e a liberação de histamina. Esses efeitos
levam a alterações cardiovasculares que, embora possam passar desapercebidas, em muitos casos podem levar a conseqüências graves.
A semelhança estrutural dos BNM com a acetilcolina tem como conseqüência a possibilidade de reproduzirem (despolarizantes) ou bloquearem (adespolarizantes) o efeito da acetilcolina nos receptores
nicotínicos dos gânglios autonômicos simpáticos e parassimpáticos e
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Transmissão Neuromuscular: Anatomia, Fisiologia e Bloqueio
nos receptores muscarínicos. Na prática clínica, esses efeitos geralmente são menores porque a curva dose-resposta para os efeitos
autonômicos dos BNM são bastante separadas das curvas de efeito
bloqueador neuromuscular. Essa relação entre a dose de BNM, que
causa bloqueio autonômico, e a dose de BNM, que causa relaxamento
muscular, é denominada de Margem de Segurança Autonômica. Indica o número de múltiplos de uma dose de BNM que produz 95% de
bloqueio neuromuscular (diminuição de 95% na altura de contração)
e que deve ser administrada para produzir o efeito colateral. São utilizados os seguintes quocientes:
DE50 (Bloqueio ganglionar)
DE95 (Bloqueio neuromuscular)
=
Margem de segurança para
bloqueio ganglionar
DE50 (Bloqueio vagal cardíaco)
DE95 (Bloqueio neuromuscular)
=
Margem de segurança para
bloqueio vagal
DE50 (Liberação de histamina)
DE95 (Bloqueio neuromuscular)
=
Margem de segurança para
liberação de histamina
Quanto mais altas forem essas relações significa que mais baixa é a
probabilidade dos efeitos colaterais. Assim, durante a utilização
clínica, o efeito colateral será ausente, se a margem de segurança for
maior que 5; fraco, se estiver entre 3 e 4; moderado, entre 2 e 3, e
forte, se for igual ou menor que 1.
A intensidade das respostas autonômicas não é reduzida pela injeção lenta do BNM. Está relacionada à dose total, o que significa apresentar a mesma intensidade quando a dose é administrada de modo
fracionado. Esse padrão de resposta não é o comportamento para a
liberação de histamina. As respostas cardiovasculares decorrentes da
liberação de histamina diminuem quando a injeção do BNM é lenta ou
fracionada.
A d-tubocurarina, em doses utilizadas clinicamente para a obtenção de bloqueio neuromuscular, bloqueia as vias vagais e simpáticas, caracterizando bloqueio ganglionar.
A galamina possui efeitos vagolíticos em doses menores que as
necessárias para a obtenção de relaxamento muscular, causando
31
Bloqueadores Neuromusculares - Bases Científicas e Uso Clínico em Anestesiologia
taquicardia antes do efeito na junção neuromuscular, mas é isenta de
atividade bloqueadora ganglionar.
O pancurônio bloqueia os receptores muscarínicos vagais, mas
não apresenta ação bloqueadora ganglionar importante. A galamina
e, em menor extensão, o pancurônio podem causar liberação de
noradrenalina. O pancurônio também bloqueia a recaptação de
noradrenalina.
O vecurônio não tem ação sobre os gânglios autonômicos nem
sobre os receptores muscarínicos cardíacos e não causa liberação de
histamina. A margem de segurança autonômica para bloqueio vagal
do rocurônio é cerca de 10 vezes menor que do vecurônio, podendo
resultar em ligeiro aumento da freqüência cardíaca quando doses
maiores são utilizadas (0,6-1,0 mg/kg).
A intensidade das alterações hemodinâmicas causadas pelo
atracúrio e mivacúrio estão relacionadas com a liberação de histamina.
Estudos indicam que o atracúrio pode liberar histamina particularmente quando utilizado em doses altas ou durante a injeção rápida.
A utilização de cisatracúrio em doses até 8 vezes a DE95 (8 x 0,05
mg/kg), não causa liberação de histamina.
A liberação de histamina pode ser atenuada através da administração lenta ou em doses divididas do BNM. Os efeitos da liberação de histamina tendem a ser mais proeminentes em adultos que
nas crianças.
Nos casos de reação anafilática, a liberação de histamina e de
seus mediadores pode resultar em conseqüências graves. Esse tipo
de reação envolve uma resposta mediada por IgE com exposição
prévia a uma substância de estrutura similar. Nesse contexto, há
uma sensibilidade cruzada entre os BNM, sendo o grupo amônio
quaternário o alergeno responsável. Dessa forma, a anafilaxia pode
ocorrer tanto com os BNM esteróides como com os benzilisoquinolínicos, embora a incidência pareça ser menor com os
primeiros. Deve ser lembrado que os anticorpos para o grupo
amônio quaternário dos BNM pode reconhecer a lecitina presente
no solvente lipídico do propofol com a possibilidade de reação cruzada.
Como regra geral, os BNM esteróides (pancurônio, pipecurônio,
rocurônio) promovem bloqueio vagal. Os BNM benzilisoquinolínios
32
Transmissão Neuromuscular: Anatomia, Fisiologia e Bloqueio
(atracúrio, mivacúrio, doxacúrio) liberam histamina.
A succinilcolina reproduz os efeitos da acetilcolina nos receptores nicotínicos e muscarínicos, levando a um aumento no tonus simpático e parassimpático. O aumento do tonus autonômico, secundário à administração de succinilcolina, é maior do lado não dominante
do sistema nervoso autônomo. Assim, é comum ocorrer bradicardia
sinusal em crianças as quais geralmente são simpaticotônicas. A
succinilcolina abaixa o limiar de excitabilidade ventricular às
catecolaminas, induzindo a arritmias ventriculares. A administração
de succinilcolina pode ser acompanhada de liberação de histamina.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1 - Transmissão Neuromusculares - Anatomia, Fisiologia e