MARIA AUXILIADORA BONFIM SANTOS
DISTROFIA MUSCULAR DE DUCHENNE:
ANÁLISE ELETROCARDIOGRÁFICA DE 131 CASOS
Tese apresentada à Universidade Federal de
São Paulo, para obtenção do título de Mestre
em Ciências.
São Paulo
2011
MARIA AUXILIADORA BONFIM SANTOS
DISTROFIA MUSCULAR DE DUCHENNE:
ANÁLISE ELETROCARDIOGRÁFICA DE 131 CASOS
Tese apresentada à Universidade Federal de
São Paulo, para obtenção do título de Mestre
em Ciências.
Orientador:
Prof.Dr. Rui Manuel dos Santos Póvoa
Co-orientador:
Prof. Dr. Acary Bulle Souza Oliveira
São Paulo
2011
Santos, Maria Auxiliadora Bonfim
Distrofia Muscular de Duchenne: análise eletrocardiográfica de 131
casos / Maria Auxiliadora Bonfim Santos. – São Paulo, 2011.
xiii, 38f.
Tese (Mestrado) – Universidade Federal de São Paulo. Programa de PósGraduação em Cardiologia.
Título em inglês: Duchenne Muscular Dystrophy: electrocardiographic
analysis of 131 patients.
1. Distrofia Muscular de Duchenne. 2. Eletrocardiografia. 3. Bloqueio
Cardíaco.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
DEPARTAMENTO DE MEDICINA
DISCIPLINA DE CARDIOLOGIA
Chefe do Departamento de Medicina:
Prof. Dr. Ángelo Amato Vicenzo de Paola
Chefe da Disciplina de Cardiologia:
Prof. Dr. Antonio Carlos Camargo Carvalho
Coordenador do Programa de Pós-graduação:
Prof. Dr. Valdyr Ambrósio Moisés
iii
MARIA AUXILIADORA BONFIM SANTOS
DISTROFIA MUSCULAR DE DUCHENNE:
ANÁLISE ELETROCARDIOGRÁFICA DE 131 CASOS
Presidente da Banca:
Prof. Dr. Rui Manuel dos Santos Póvoa
BANCA EXAMINADORA
Aprovada em: _____/_____/______
iv
Dedicatória
Ao meu pai, Dr. Reginaldo,
que foi um exemplo de vida e inspirou-me a seguir a carreira médica.
A minha mãe, Sra. Divanira,
pelo seu amor e dedicação constantes.
Às minhas irmãs Sandra e Ana Tereza,
cujo amor, apoio e companheirismo foram
fundamentais para que eu pudesse vencer esta empreitada.
Que possamos estar juntos por muito e muito tempo enquanto Deus permitir.
Ao meu cunhado Guilherme pelo incentivo.
Ao meu sobrinho, Luiz Guilherme,
cujo nascimento renovou as esperanças de um mundo melhor.
v
Agradecimentos
Disciplina de Cardiologia- Universidade Federal de São Paulo:
Ao Prof. Dr. Antonio Carlos de Camargo Carvalho, Professor Titular da Disciplina de
Cardiologia do Departamento de Medicina da Universidade Federal de São Paulo,
Chefe da Disciplina de Cardiologia, pelo exemplo e dedicação.
Ao Prof. Dr. Ángelo Amato V. de Paola, Professor Titular da Disciplina de Cardiologia
do Departamento de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, Chefe do
Departamento de Medicina pelo apoio constante e dedicação.
Ao Prof. Dr. Valdir Ambrósio Moisés, Chefe do Programa de Pós-Graduação em
Cardiologia, Disciplina de Cardiologia, Departamento de Medicina da Universidade
Federal de São Paulo.
Ao Prof. Dr. Japy Angelini de Oliveira Filho, Prof. Dr. Orlando Campos Filho, Prof.
Dr. Nabil Mitre, Prof. Dr. Nelson Kasinski, Dr. Edson Stefanini, Dra. Yoná Afonso
Francisco, Dr. Bráulio Luna Filho, Dr. Francisco Helfeinstein Fonseca, Dra.
Cristina de Oliveira Izar, Dr. José Marcos Thalenberg, Dra. Aurélia Mussi pelos
ensinamentos científicos e exemplos de brilhantismo profissional durante o curso de
pós-graduação.
A Dra. Maria Hannelore, a Enfermeira Fabiane Rosa Resende pós-graduandas no
Setor de Cardiopatia Hipertensiva, da Disciplina de Cardiologia, do Departamento de
Medicina da Universidade Federal de São Paulo, pela amizade, companheirismo e
apoio.
As secretárias da Disciplina de Cardiologia Edileuza da Silva Cunha, Vânia Faria
Sabino, Maria de Lourdes Oliveira pela amizade e paciência.
vi
Aos amigos do Ambulatório do Setor de Cardiopatia Hipertensiva da Disciplina de
Cardiologia: Mônica Cristina Rizzo, Darce Alves de Santana Costa, Ana Maria
Máximo, Cristina B. Casais, Altamira Machado, Izilda Matsuda.
Aos amigos do Ambulatório de Doenças Neuromusculares, Dr. Luiz Fernando
Grosklauss e Dr. Beny Schmidt.
Aos pacientes participantes deste estudo e suas famílias.
vii
Agradecimentos especiais
Ao orientador e amigo, Prof. Dr. Rui Manuel dos Santos Póvoa pelos ensinamentos,
confiança e incentivo.
Ao co-orientador, Prof. Dr. Acary Bulle Souza Oliveira pelo apoio e incentivo
viii
Sumário
Dedicatória .................................................................................................................................iv
Agradecimentos .........................................................................................................................vi
Lista de figuras........................................................................................................................... x
Lista de tabelas ..........................................................................................................................xi
Lista de abreviaturas .................................................................................................................xii
Resumo.................................................................................................................................... xiii
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 1
1.1 Objetivo............................................................................................................................... 3
2. REVISÃO DA LITERATURA................................................................................................. 4
2.1 Histórico.............................................................................................................................. 5
2.2 Fisiopatologia e genética..................................................................................................... 6
2.3 Quadro clínico..................................................................................................................... 6
2.4 Alterações cardíacas........................................................................................................... 7
2.5 Considerações terapêuticas................................................................................................ 9
2.6 O papel do ECG nas distrofias musculares....................................................................... 12
3. MÉTODOS .......................................................................................................................... 13
4. RESULTADOS .................................................................................................................... 15
5. DISCUSSÃO ....................................................................................................................... 19
6. CONCLUSÕES ................................................................................................................... 24
7. ANEXOS ............................................................................................................................. 26
8. REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 34
Abstract
Apêndice
Bibliografia consultada
ix
Lista de figuras
Figura 1. Representação do complexo distrofina-glicoproteína que tem como função
manter a integridade da membrana celular do miócito .............................................. 18
Figura 2. Eletrocardiograma típico de um paciente com DMD (onda R proeminente em V1
e Onda Q profunda em V6; padrão RV1 + Q em V6 anormal) ..................................... 18
x
Lista de tabelas
Tabela 1. Alterações eletrocardiográficas na DMD, considerando-se o padrão de
normalidade, segundo os critérios de Garson ........................................................... 16
Tabela 2. Média de idade (anos) em relação aos parâmetros eletrocardiográficos
alterados e não alterados.......................................................................................... 17
xi
Lista de abreviaturas
DMB
Distrofia muscular de Becher
DMD
Distrofia muscular de Duchenne
ECA
Enzima Conversora da Angiotensina
ECG
Eletrocardiograma
RNM
Ressonância Magnética
xii
Resumo
Fundamento: É conhecido o envolvimento cardíaco em pacientes com distrofia
muscular de Duchenne (DMD). O eletrocardiograma (ECG) apresenta algumas
alterações típicas na DMD, fato que o torna um exame útil no diagnóstico da lesão
cardíaca nessa patologia. Objetivo: Avaliar as alterações eletrocardiográficas em
pacientes portadores de DMD, correlacionando-as com a idade da população
estudada. Métodos: Foram analisados os ECG de 131 pacientes com diagnóstico do
DMD. Avaliaram-se diversas variáveis eletrocardiográficas, sendo os pacientes
separados em dois grupos: aqueles com e sem alterações, por variável estudada. Fezse a correlação desses dois grupos com a idade dos pacientes. Foram utilizados os
critérios
de Garson para estabelecer os
parâmetros eletrocardiográficos de
normalidade. Resultados: O ECG estava anormal em 78,6% dos pacientes. Todos
apresentavam ritmo sinusal. Foram os seguintes os percentuais encontrados para as
principais variáveis estudadas: PR curto= 18,3%, ondas R anormais em V1 = 29,7%,
onda Q anormais em V6 = 21,3%, alterações da repolarização ventricular = 54,9%,
ondas QS anormais em paredes inferior e/ou lateral alta = 37,4%, distúrbios de
condução pelo ramo direito = 55,7%, intervalo QTc prolongado = 35,8% e alargamento
do QRS = 23,6%. O teste t, não pareado, foi utilizado para se estabelecer a correlação
da idade com as variáveis eletrocardiográficas estudadas nos dois grupos e, apenas a
variável alteração da repolarização mostrou diferença estatisticamente significante.
Conclusão: As alterações eletrocardiográficas na DMD são frequentes, revelando
comprometimento cardíaco precoce. Apenas a variável alteração da repolarização
ventricular foi mais frequente, porém em faixa etária menor (p<0,05).
Palavras chave: Distrofia muscular de Duchenne; eletrocardiografia; bloqueio
cardíaco.
xiii
1. INTRODUÇÃO
Introdução |2
A Distrofia Muscular de Duchenne (DMD) é a doença neuromuscular mais
frequente e apresenta um padrão de herança genética recessiva ligada ao
cromossomo X, afetando praticamente apenas crianças do sexo masculino. O gene
responsável pela DMD foi isolado em 1986 e identificou-se a proteína que ele produz, a
distrofina, cuja ausência acarreta as alterações musculares (Kunkel et al., 1986;
Mônaco et al., 1986).
Sua incidência aproximada é de um para cada 3.500 nascidos vivos (Monckton
et al., 1982; van Essen et al., 1997).
O quadro clínico apresenta-se em torno do terceiro ao quinto ano de vida,
caracterizando-se por perda progressiva da força muscular e elevação da enzima
creationoquinase (CK) sérica, com evolução bastante variável (Thrush et al., 2009).
A maioria dessas crianças morre antes dos 20 anos, geralmente por infecção
respiratória, que evolui rapidamente para insuficiência respiratória. Porém, sabe-se
que, em cerca de 10% dos casos, o óbito é decorrente de causas cardíacas, sobretudo
por disfunção ventricular, daí a importância do pronto reconhecimento da lesão
miocárdica, o que requer cuidadosa investigação cardiológica (Gilroy et al., 1963). O
acometimento cardíaco se dá concomitantemente ao muscular esquelético, e acreditase, por esse motivo, que os pacientes com diagnóstico recente e aqueles com mais
tempo de evolução possam exibir o mesmo padrão eletrocardiográfico (Takami et al.,
2008; Thrush et al., 2009).
O ECG típico apresenta aumento na amplitude da onda R nas derivações
precordiais direitas, além do aumento na profundidade da onda Q em precordiais
esquerdas e nas derivações periféricas. Pode-se encontrar também a inversão da onda
T nas derivações precordiais, principalmente nas direitas. Acredita-se que as
alterações eletrocardiográficas reflitam um dano seletivo da porção posterobasal do
ventrículo esquerdo, com extensão lateral, o que resulta em anormalidade na contração
cardíaca, notada, primeiramente, na parede posterior livre, atrás da valva mitral
(Frankel, Rosser, 1976; Sanyal et al., 1978).
Tais
alterações
eletrocardiográficas
são
características.
Entretanto,
a
prevalência, segundo registros da literatura, é muito variável, pois não foram estudadas
utilizando-se os critérios de normalidade eletrocardiográfica para crianças, descritos por
Introdução |3
Garson (1983). A aplicação desses parâmetros de normalidade pode conduzir a
diagnósticos menos equivocados, gerando informações mais fidedignas, o que se fez
no presente estudo.
1.1 Objetivo
Avaliar as alterações eletrocardiográficas em pacientes portadores de DMD,
correlacionando-as com a idade da população estudada.
2. REVISÃO DA LITERATURA
Revisão da Literatura |5
2.1 Histórico
A Distrofia Muscular de Duchenne (DMD) constitui-se na mais frequente
miopatia hereditária progressiva. Essa doença já era conhecida no século XIX, com
várias descrições parciais. O cirurgião escocês Charles Bell já havia relatado alguns
sinais e sintomas dessa doença; o médico inglês Edward Meryon estudou os aspectos
microscópicos em peças de necropsia de pacientes com a distrofia. A descrição mais
completa e acurada da doença foi efetuada por Guillaume-Benjamin-Amand Duchenne
(1806-75), em 1868. Após documentar o caso de um garoto de 9 anos, acompanhou
mais 13 casos semelhantes determinando o quadro clínico (sinais e sintomas
musculares e identificando que, além dos aspectos motores, havia déficit intelectual).
Conseguiu observar um padrão de transmissão genética ligada ao sexo visto que
acometia apenas meninos. Entretanto atribuiu as alterações patológicas a um distúrbio
do sistema nervoso e não propriamente a uma alteração muscular (Feder, c20002001). Ainda no século XIX, William Erb foi o primeiro a diferenciar e classificar os
diferentes tipos de distrofia muscular de acordo com a idade de acometimento. Em
1879, William Gowers descreveu o modo típico como os meninos acometidos pela
distrofia de Duchenne tentam se levantar que ficou conhecido como Sinal de Gowers.
Maiores avanços no conhecimento da doença somente seriam conseguidos na
década de 50 do século XX, quando P E Becker detectou a existência de uma variante
mais leve da doença.
Na década de 80, mais precisamente em 1986, com o início das pesquisas com
DNA recombinante, descobriu-se que um gene, quando defeituoso, causa a Distrofia
Muscular de Duchenne e Becker. Em 1987, é identificada a ausência ou diminuição de
uma proteína denominada distrofina nos meninos afetados. Tal proteína tem papel
importante no mecanismo de contração do miócito do miocárdio como da fibra do
músculo esquelético.
A contração destas células requer atividade de coordenação precisa entre os
sistemas nervoso e somático, desde a excitação das miofibras individualmente na
junção neuromuscular até o encurtamento do sarcômero mediado pelo ATP pela
ativação da miosina. A contração da fibra leva à deformação e ao encurtamento celular.
Durante tal processo, o aparato contrátil intracelular necessita permanecer intimamente
Revisão da Literatura |6
conectado com a membrana celular e a matriz extracelular. Se não houvesse esta
associação, o movimento seria impropriamente transmitido e os miócitos poderiam ser
danificados por lesões em suas membranas celulares. Uma das funções da distrofina,
que faz parte de um complexo glicoproteico, é prover uma ligação forte do
citoesqueleto intracelular e a matriz extracelular. Este complexo é formado por
proteínas localizadas na região transmembrana e outras proteínas localizadas na
região extracelular (Figura 1). A identificação de todas as moléculas que compõem
esse complexo mostrou que elas têm propriedades estruturais e também são
transdutoras de sinais (Lapidos et al., 2004).
2.2 Fisiopatologia e genética
O padrão de herança genética é recessiva, ligada ao cromossomo X, afetando
praticamente apenas crianças do sexo masculino, entretanto mutações espontâneas
que independem de hereditariedade podem ocorrer. O gene responsável pela DMD foi
isolado em 1986 e se identificou a proteína que ele produz: a distrofina, cuja ausência
acarreta as alterações musculares. O gene anormal localiza-se no braço curto do
cromossomo X, lócus 21, sua banda X212 (Kunkel et al., 1986; Mônaco et al., 1986).
Trata-se da forma mais comum de distrofia muscular progressiva, numa
incidência aproximada de um para cada 3.500 nascidos vivos (Monckton et al., 1982;
van Essen et al., 1997).
2.3 Quadro clínico
Os primeiros sinais da doença são manifestos por dificuldades motoras após o
segundo ano de vida e atraso de desenvolvimento neuropsicomotor. Cerca de 30% dos
pacientes com DMD apresentam também retardo mental. Quando se investiga atraso
de desenvolvimento neuropsicomotor, é importante constar, na anamnese, a idade em
que a criança começou a pronunciar as primeiras palavras e demais marcos do
desenvolvimento da linguagem (Gardner-Medwin, 1980). Há perda progressiva da força
Revisão da Literatura |7
muscular dificuldades para subir escadas, correr, levantar do chão, quedas frequentes
e aumento característico do volume das panturrilhas.
O comprometimento muscular é simétrico e se inicia pelos membros inferiores e
quadris. A doença progride e os membros superiores também são atingidos. Ocorre
uma acentuação da lordose lombar e uma marcha anseriana (andar de pato).
Contrações e retrações dos tendões levam alguns pacientes a andar na ponta dos pés.
A pseudo-hipertrofia das panturrilhas é o resultado de infiltração do músculo por
gordura e tecido. Alterações da coluna e dos tendões são consequências das
alterações musculares das pernas. A miotrofia predomina nas cinturas pélvica e
escapular. Isto leva a retrações tendíneas que evoluem para a perda da capacidade de
deambulação por volta dos 8 a 12 anos de idade, início da adolescência. Alguns
aspectos terapêuticos mais atuais têm postergado esta perda funcional.
É improvável que o indivíduo com DMD sobreviva aos 20 anos de idade. A
causa mortis mais frequente é a insuficiência respiratória como consequência de
broncopneumonia. Há comprometimento cerebral e isto pode ser diagnosticado por
redução de QI de cerca de 20 pontos (D'Angelo, Bresolin, 2006; Perronnet, Vaillend,
2010).
A insuficiência cardíaca também concorre para o óbito em 10 % dos casos visto
que o miocárdio é afetado em praticamente todos os pacientes que sobrevivem por
maior tempo a DMD, devido à fibrose miocárdica e infiltração por tecido adiposo.
Desta forma, muita importância tem sido atribuída a capacidade de detecção
precoce das lesões cardíacas decorrentes da DMD. Tais lesões podem ser o substrato
para diversas anormalidades eletrocardiográficas que podem se associar à morte
súbita por arritmias cardíacas (Takami et al., 2008; Thrush et al., 2009).
2.4 Alterações cardíacas
O acometimento cardíaco se dá concomitantemente ao muscular esquelético e,
acredita-se, por esse motivo, que os pacientes com diagnóstico recente e aqueles com
mais tempo de evolução possam exibir o mesmo padrão eletrocardiográfico. O achado
cardíaco mais comum inclui dilatação ou hipertrofia cardíaca, defeito da condução
Revisão da Literatura |8
atrioventricular, fibrilação atrial e arritmia ventricular (Perloff, 1984). A cardiomiopatia é
caracterizada por fibrose extensa da parede póstero-basal do ventrículo esquerdo
(Frankel, Rosser, 1976; Nigro et al., 1990).
As alterações cardíacas clinicamente demoram a ser detectadas pelo fato de
que a incapacidade motora atenua os sintomas de insuficiência cardíaca. Estudo com
modelos experimentais de DMD, os quais avaliam os aspectos histológicos e a
composição do tecido cardíaco em relação ao grau de substituição do miocárdio por
tecido adiposo e fibrose por Ressonância Magnética (RNM), mostrou que, embora, a
princípio, a função ventricular global esteja preservada, a avaliação por segmentos pela
RNM em que se observou o movimento de torção e encurtamento da parede
miocárdica já há alteração em camundongos transgênicos, chamados de mdx que não
possuem distrofina, em idade jovem. Estes achados sugerem que a RNM pode ser
usada para detectar alterações mais precoces nas cardiomiopatias relacionadas à
distrofina (Li et al., 2009). Outro trabalho anterior ao citado, usando o mesmo método
em crianças com 9 anos de idade também mostrou, por RNM, que a torção ventricular
aferida do ápice do coração ao plano da valva mitral está alterada, embora os volumes
ventriculares ainda estivessem normais na fase precoce da doença. Na fase estudada,
já se observava redução na contração em corte seccional nos segmentos basal e
porção média do ventrículo esquerdo em relação às crianças do grupo controle. Estas
alterações também apareceram na análise dos segmentos septal, anterior, lateral e de
parede inferior do ventrículo esquerdo (Ashford et al., 2005).
A análise das mutações do gene da distrofina pode prever se o acometimento
cardíaco do paciente portador da DMD será importante. O estudo do DNA em 47 casos
(68%) mostrou associação significante entre cardiopatia e mutações no exon 12 e 14 a
17, possível proteção para acometimento miocárdico por mutações no exon 51 a 52 e
forte tendência para cardiopatia com mutações no exon 32 a 42 (Jefferies et al., 2005).
Revisão da Literatura |9
2.5 Considerações terapêuticas
O aspecto degenerativo da doença que envolve os sistemas músculoesquelético, pulmonar e cardiovascular implica na participação multidisciplinar no
seguimento terapêutico destes pacientes.
A perda da força muscular da parede torácica predispõe ao acúmulo de
secreções pulmonares e ao maior risco de pneumonia. Desta forma, torna-se
importante a imunização destes pacientes contra infecções pneumocócicas, vacinação
anual para o vírus da influenza.
O tratamento da insuficiência cardíaca nestes pacientes observa as mesmas
diretrizes para os pacientes com cardiopatia dilatada. O uso de inibidores da Enzima
Conversora da Angiotensina (ECA) tem mostrado benefício em algumas séries de
trabalhos (Duboc et al., 2005). Resultados de um estudo propectivo observacional
sugerem que o diagnóstico e o tratamento precoce da cardiomiopatia dilatada em
pacientes com DMD podem levar ao remodelamento ventricular (Jefferies et al., 2005).
O inibidor da ECA foi iniciado em 27 meninos afetados, de uma amostra de 69
pacientes com DMD e 4 com Distrofia Muscular de Becker (DMB) que apresentavam
alterações pela ecocardiografia (FE<55% e dilatação do ventrículo esquerdo), idade
média de 15 anos. Nos pacientes em que a avaliação após 3 meses de tratamento foi
iniciada, e não havia sinais de melhora, o betabloqueador foi iniciado. Após 3,3 anos de
seguimento, entre os 29 dos 31 pacientes que repertiram o ecocardiograma, houve
normalização do tamanho e da função do ventrículo esquerdo, melhora ou
estabilização em 19, 8 2 pacientes respectivamente (66, 26 e 8%). Além disso, a média
da fração de ejeção aumentou de 36 para 53% e houve evidência da melhora da
geometria ventricular pela redução da medida de esfericidade.
A insuficiência cardiaca sintomática deve ser tratada da forma usual com
diuréticos e digital. O transplante cardiaco pode ser opção apenas nos pacientes com
BMD.
A avaliação ecocardiográfica ou RNM inicial deve ser realizada por volta dos 10
anos de idade nos portadores de distrofia muscular e repetidos anualmente ou
bienalmente (Darras et al., 2000).
R e v i s ã o d a L i t e r a t u r a | 10
A investigação nas pacientes carreadoras do gene deve ser iniciada na
adolescência (Nolan et al., 2003).
As complicações pulmonares são tratadas principalmente por medidas
fisioterápicas, aplicação de pressão positiva nas vias aéreas (Birnkrant et al., 2007).
O tratamento com corticóides é o suporte principal iniciado aos meninos
afetados pela distrofia a partir dos 5 anos de idade (Mendell et al., 1989). Os resultados
com tal tratamento mostram que há melhora na força e função muscular, além de
melhora na função pulmonar (Griggs et al., 1991; Moxley et al., 2005).
Tal efeito se deve nos pacientes com DMD, ao anabolismo demonstrado pelo
aumento da excreção de creatina urinária em comparação ao placebo. A maioria dos
efeitos colaterais ocorre após 6 a 18 meses de tratamento com uso diário de
corticoesteroides e são o aumento de peso, fáscies cushingoide. Não houve aumento
expressivo da incidência de hipertensão arterial, diabetes mellitus, hemorragia
gastrointestinal, psicose, fraturas por compressão a curto prazo ou catarata. O
mecanismo pelo qual o corticoide é tão benéfico nos pacientes com DMD ainda não é
conhecido integralmente (Campbell, Jacob, 2003). Dentre os tipos de corticoides
usados no tratamento, são de efeito comprovado a prednisona, a predinisolona e o
deflazacort, mais recentemente. Acredita-se que este último apresente efeitos
colaterais mais leves que a prednisona (Mesa et al., 1991).
Tratamento adjuvante para evitar osteoporose é realizado pela suplementação
de cálcio, vitamina D e controle com densitometria óssea (King et al., 2007).
A oxandrolona, um esteroide androgênico anabólico tem efeito semelhante à
prednisona, porém com menos efeitos colaterais de acordo com o estudo piloto
(Fenichel et al., 2001). Com este fármaco, há aumento de força muscular e, por isso,
pode ser útil no início do tratamento.
Quanto ao emprego de outras drogas imunossupressoras, existem algumas
experiências com a ciclosporina (Sharma et al., 1993). A azatioprina não mostrou
nenhum efeito.
Novas formas de terapia têm sido estudadas:
R e v i s ã o d a L i t e r a t u r a | 11
Terapia Gênica: a transferência do gene da distrofina em mioblastos ou por
transplante de mioblastos, ou manipulação genética direta. Os resultados destes
ensaios em humanos foram pouco consistentes Tentivas há com células derivadas de
transplante de medula óssea (Gussoni et al., 1997, 2002).
Outra forma de transferência gênica é a transferência intravascular de DNA
recombinante associada a vetores virais que carreiam genes microdistrofina e da
minidistrofina (Gregorevic et al., 2006).
Há outra linha de pesquisa que envolve injeção de oligonucleotídeos "antisense"
que induzem o salto específico do exon durante o “splicing” do RNA mensageiro,
corrigindo, então, a falha na sequência onde está faltando o gene da distrofina,
restaurando a capacidade de expressão deste gene (o da distrofina) (van Deutekom et
al., 2007; Kinali et al., 2009; Wood et al., 2010).
A mutação gênica em mais de 15% dos meninos acometidos por DMD é de um
“stop codon” premature. O tratamento de cultura de fibroblastos com aminoglicosídeos
suprime esta alteração permitindo a inserção de outros aminoácidos nesta região do
RNA. Estudos in vivo com camundongos mdx usando a gentamicina resultou em
aumento da expressão de distrofina com aumento do percentual de células musculares
normais em 10 a 20% (Barton-Davis et al., 1999).
A terapia com PTC124, um medicamento administrado por via oral, tem sido
desenvolvido para o tratamento de defeitos genéticos causados por mutações
“nonsense” “stop” codon. Esta droga promove a leitura do local da mutação pelo
ribossomo propiciando a continuação da translação da proteina funcionante (Hirawat et
al., 2007). Este medicamento já está aprovado para uso em voluntários nos EEUU.
Há outros candidates ao auxílio no tratamento farmacológico:
Creatina, usado para aumento da força muscular (Louis et al., 2003).
Inibidores da deacetilase: (tricostatina A, ácido valpróico e fenilbutirato): podem
aumentar a diferenciação muscular com aumento da fibra muscular pela indução da
expressão da folistatina. O estudo destas drogas ainda está restrito a modelos animais.
(Iezzi et al., 2002).
R e v i s ã o d a L i t e r a t u r a | 12
A aplicação de um selante de membrana poloxâmero 188 corrige os defeitos do
sarcolema in vitro e, in vivo, com camundongos mdx, modelo animal da DMD, com
melhora da função miocárdica. Assim que questões como dose e efeitos a longo prazo
em humanos forem respondidas, os selantes de membrana celular podem representar
uma nova alternativa terapêutica para os pacientes com comprometimento miocárdico
por distrofia muscular (Yasuda et al., 2005).
2.6 O papel do ECG nas distrofias musculares
O eletrocardiograma (ECG) durante mais de, um século, tem sido um
instrumento importante no diagnóstico das cardiopatias. Por sua praticidade e baixo
custo, continua sendo utilizado não somente na avaliação inicial dos pacientes com
alguma suspeita de acometimento cardíaco como também é ferramenta fundamental
nos estudos populacionais (Dahlöf et al., 2002). Na distrofia muscular de Duchenne, as
alterações eletrocardiográficas são expressas com ondas R de alta amplitude nas
derivações precordiais com aumento da relação R/S e ondas Q profundas nas
derivações DI, aVL, V5 e V6 (Sanyal et al., 1978, 1980).
Pode-se encontrar também a inversão da onda T nas derivações precordiais,
principalmente nas direitas. Acredita-se que as alterações eletrocardiográficas reflitam
um dano seletivo da porção posterobasal do ventrículo esquerdo, com extensão lateral,
o que resulta em anormalidade na contração cardíaca, notada, primeiramente, na
parede posterior livre, atrás da valva mitral, conforme exposto acima no tópico referente
às alterações patológicas do miocárdio.
Tais
alterações
eletrocardiográficas
são
características.
Entretanto,
a
prevalência, segundo registros da literatura, é muito variável, pois não foram estudadas
utilizando-se os critérios de normalidade eletrocardiográfica para crianças descritos por
Garson (1983). A aplicação desses parâmetros de normalidade pode conduzir a
diagnósticos menos equivocados, gerando informações mais fidedignas, o que se fez
no presente estudo.
3. MÉTODOS
M é t o d o s | 14
Os traçados eletrocardiográficos de 131 pacientes com DMD foram analisados
no período de fevereiro de 2004 a março de 2009, encaminhados ao ambulatório de
doenças neuromusculares da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de
São Paulo, todos com o diagnóstico realizado por meio de biópsia muscular e
bioquímica sanguínea. O Comitê de Ética em Pesquisa da instituição aprovou o
protocolo de estudo, de acordo com os princípios da Declaração de Helsinki (Anexo 1).
Os pacientes foram submetidos a exame clinico e a ECG de 12 derivações em
parelho Diuxtal EP3® (Brasil), com velocidade de registro de 25 mm/s e calibração
padronizada para 1,0 mV/cm.
Por meio de uma lupa de aumento, os traçados de ECG foram analisados por
dois cardiologistas com mais de 20 anos de experiência em eletrocardiografia e
alocaram-se os dados em planilha de Excel. Analisaram-se os seguintes parâmetros
eletrocardiográficos: intervalo PR, onda R em V, onda Q em V6, repolarização
ventricular, presença de ondas QS em paredes inferior e lateral alta, bloqueios de
ramo, distúrbios de condução do ramo direito, segmento ST, intervalo QT corrigido e
duração do complexo QRS. Considerou-se alteração da repolarização ventricular o
achado de onda T achatada ou invertida em duas ou mais derivações contíguas. Foram
utilizados como controle de normalidade eletrocardiográfica, para cada faixa etária, os
critérios de Garson (1983).
Para cada parâmetro eletrocardiográfico estudado, os pacientes foram divididos
em dois grupos (parâmetro alterado e não alterado), para se avaliar uma possível
relação da prevalência da alteração de cada um deles com a idade.
4. RESULTADOS
R e s u l t a d o s | 16
Todos os 131 pacientes eram do sexo masculino e apresentavam idade média
de 9,4 anos ± 3,4 anos.
Na tabela 1, encontram-se as principais alterações eletrocardiográficas
encontradas na população estudada. A tabela 2 mostra a média de idade, o desvio
padrão e o intervalo de confiança dos grupos em relação aos parâmetros alterados e
não alterados. Já a figura 2 mostra um ECG típico de um paciente com DMD.
Tabela 1. Alterações eletrocardiográficas na DMD, considerando-se o padrão de normalidade,
segundo os critérios de Garson
Alteração
N
%
24
18,3
Taquicardia sinusal.................................................................................
3
2,2
R de V1 anormal......................................................................................
39
29,7
Q de V6 anormal......................................................................................
28
21,3
Alterações da repolarização ventricular..................................................
72
54,9
QS anormais em paredes inferior e/ou lateral alta..................................
49
37,4
Bloqueio de ramo direito.........................................................................
10
7,6
Distúrbio de condução do ramo direito....................................................
73
55,7
Supra de ST............................................................................................
8
6,1
QTc prolongado.......................................................................................
47
35,8
QRS largo................................................................................................
31
23,6
ECG típico: RV1 e QV6 anormais............................................................
9
6,8
ECG normal............................................................................................
28
21,3
PR curto..................................................................................................
Legenda:
ECG = Eletrocardiograma
R e s u l t a d o s | 17
Tabela 2. Média de idade (anos) em relação aos parâmetros eletrocardiográficos alterados e não
alterados
Alteração
PR curto.................................................................
R de V1 anormal....................................................
Q de V6 anormal....................................................
Alterações da repolarização ventricular.................
QS em paredes inferior e/ou lateral alta................
Bloqueio de ramo direito........................................
Distúrbio de condução pelo ramo direito...............
Supradesnível do segmento de ST........................
QTC prolongado....................................................
QRS largo..............................................................
ECG típico: RV1 e QV6 anormais..........................
ECG normal...........................................................
Idade média ± DP (IC)
Não
Sim
9,5 ± 3,3
8,4 ± 2,0
(8,9-10,1)
(7,5-9,2)
9,1 ± 3,0
9,2 ± 3,2
(8,4-9,7)
(8,7-10,8)
9,4 ± 3,0
9,0 ± 3,5
(8,8-10,0)
(7,6-10,4)
10,1 ± 2,8
8,4 ± 3,1
(9,3-10,8)
(7,7-9,2)
9,2 ± 2,9
9,2 ± 3,3
(8,6-9,9)
(8,3-10,2)
9,1 ± 3,0
11,4 ± 3,8
(8,5-9,6)
(8,6-14,1)
9,0 ± 2,8
9,5 ± 3,2
(8,2-9,7)
(8,7-10,2)
9,1 ± 3,0
10,8 ± 3,1
(8,6-9,7)
(8,2-13,4)
9,4 ± 2,9
9,1 ± 3,4
(8,7-10,0)
(8,1-10,1)
8,9 ± 3,1
10,4 ± 2,7
(8,3-9,5)
(9,4-11,4)
9,4 ± 3,1
8,2 ± 2,8
(8,8-9,9)
(6,0-10,4)
9,0 ± 3,2
10,2 ± 2,6
(8,4-9,7)
(9,1-11,2)
P
NS
NS
NS
*
NS
NS
NS
NS
NS
NS
NS
NS
R e s u l t a d o s | 18
Sarcospan
Sarcoglicano
integrina
extracelular
integrina
sin
distrofina
γ- actina
Fonte: Lapidos et al., 2004
Figura 1. Representação do complexo distrofina-glicoproteína que tem como função
manter a integridade da membrana celular do miócito
Figura 2. Eletrocardiograma típico de um paciente com DMD (onda R proeminente em
V1 e Onda Q profunda em V6; padrão RV1 + Q em V6 anormal)
5. DISCUSSÃO
D i s c u s s ã o | 20
A DMD é uma doença caracterizada por alterações na musculatura esquelética e
um conhecido grau de acometimento cardíaco. Porém, as manifestações clínicas de
insuficiência cardíaca são modestas ou inaparentes, ocorrendo o aparecimento de
sintomas mais tardiamente, em fases em que predomina a insuficiência respiratória, o
que, por vezes, torna difícil diferenciar a causa da dispnéia – se decorrente da falência
da musculatura respiratória ou da falência cardíaca propriamente dita (Sultan, Fayaz,
2008). No presente estudo, foi observado que é a partir dos 13 anos que os pacientes
cursam com miocardiopatia, o que equivale a 32,7% da população estudada.
O ECG pode contribuir para o diagnóstico, pois anormalidades são descritas na
literatura em até 93,3% dos casos (Gulati et al., 2005; Takami et al., 2008). É um
método não invasivo, de baixo custo e de excelente reprodutibilidade, além de
largamente utilizado em todos os serviços de saúde. Pode fornecer informações
importantes, uma vez que algumas das alterações características dessa doença
possuem uma expressão eloquente no traçado eletrocardiográfico.
Entretanto, no ECG de infantes, a análise do que é patológico muitas vezes se
confunde com os considerados padrões de normalidade, dificultando, sobremodo, o
diagnóstico de algumas anormalidades eletrocardiográficas. Por esse fato, utilizaramse, nesta pesquisa, os critérios de Garson (1983), visando a corrigir tais distorções.
Vale salientar que esta variabilidade, no que se refere à prevalência das
alterações eletrocardiográficas, é decorrente do fato de os critérios de anormalidade
para crianças variarem muito de autor para autor. Os critérios de Garson (1983)
contemplam os chamados limites de normalidade e são abrangentes e de grande
aceitação na literatura, já que descrevem os padrões “normais”, quantificando-se todos
os acidentes eletrocardiográficos, de acordo com a faixa etária.
Do total de casos, 103 pacientes (78,3%) apresentaram algum tipo de alteração
eletrocardiográfica e somente 28 pacientes, o eletrocardiograma absolutamente
normal. Não houve diferença entre os grupos de anormais e normais quando se
analisou a idade, à exceção da variável alteração de repolarização ventricular, como já
explicado. Esses achados são relevantes e mostram que o comprometimento cardíaco
é muito freqüente e independe da idade do paciente.
D i s c u s s ã o | 21
Takami
et
al.
(2008),
em
estudo
que
analisou
as
anormalidades
eletrocardiográficas em jovens com DMD, também não encontraram diferenças
estatisticamente significantes quando os grupos foram separados por idade.
A descrição clássica de ondas R proeminentes em derivações precordiais diretas
com ondas Q profundas em precordiais esquerdas, que expressam a zona
eletricamente inativa em parede laterodorsal, aparece com frequência e é geralmente
descrita como a desordem eletrocardiográfica típica da DMD. Na população estudada,
esse padrão foi encontrado em apenas 9 pacientes (6,8%).
Tal padrão eletrocardiográfico, que é praticamente uma marca registrada da
doença, ocorre principalmente pela degeneração dos miócitos com consequente
fibrose e deposição gordurosa. Essa região do coração (parede posterolateral) sofre
maior estresse funcional em suas fibras, levando à anomalia descrita, que se expressa
por onda Q profunda em V6 e onda R pronunciada em V1. Diversos pacientes
apresentam pectus excavatum, o que provoca rotação do coração para a direita.
Todavia esta anormalidade ocorre em pacientes já em fase avançada da doença,
quando se encontram com grande dificuldade de deambular e, assim, de freqüentar
ambulatórios, o que não aconteceu com nenhum paciente deste estudo.
As alterações da onda T decorrentes de diversos tipos de agressão ao miocárdio
ocorreram em 72 pacientes (54,9%). Tais achados, inespecíficos, revelam que o
músculo cardíaco já apresenta alguma lesão, mesmo nas fases mais precoces da
doença muscular.
Ondas QS anormais em paredes inferior e/ou lateral alta também foram
frequentes, como em outros estudos, aparecendo em 49 casos (37,4%) (Slucka, 1968;
Takami et al., 2008). O verdadeiro significado dessas alterações ainda é desconhecido.
No entanto, a área eletricamente inativa descrita em parede dorsal não deve se limitar
apenas a essa região.
O bloqueio de ramo direito esteve presente em 10 pacientes (7,6%), e o distúrbio
de condução pelo amo direito foi altamente prevalente (55,7%). Mas não se pode
afirmar que exista uma correlação evolutiva entre o distúrbio e o bloqueio de ramo
propriamente instalado, não havendo uma presença estatisticamente maior de
bloqueios na população de mais idade.
D i s c u s s ã o | 22
Também para as outras alterações eletrocardiográficas, com exceção das
alterações da repolarização ventricular, não houve diferenças quanto à idade. Para a
variável alteração da repolarização ventricular, o grupo alterado, curiosamente,
apresentava média de idade inferior ao grupo normal (8,4 anos versus 10,1 anos;
p=<0,05). Tendo em vista que a DMD é um processo progressivo, havia uma
expectativa de que as alterações eletrocardiográficas fossem mais prevalentes nas
faixas etárias mais altas, fato que não ocorreu com nenhuma outra variável estudada.
Uma possível explicação para esse fenômeno é que os indivíduos mais graves tenham
uma eliminação seletiva mais intensa, não sobrevivendo para análises ulteriores.
Em 31 pacientes (23,6%) o complexo QRS estava alargado, alguns com
bloqueio de ramo direito, mas não houve nenhum caso de bloqueio de ramo esquerdo.
O intervalo PR curto apareceu em 24 pacientes (18,3%), percentual inferior ao
encontrado em outros trabalhos. O supradesnivelamento do segmento ST esteve
presente em 8 pacientes (6,1%) e o intervalo QTc estava prolongado em 47 (35,8%),
cifra bastante superior à encontrada por outros autores que variou de zero a 1,4%
(Takami et al., 2008; Thrush et al., 2009). Esse achado pode revestir-se de importância
clínica, pois são descritos casos de morte súbita em portadores de DMD, em estudo de
follow-up de longo prazo (Corrado et al., 2002). A verdadeira causa dessas
anormalidades é desconhecida, entretanto, o comprometimento global e difuso do
coração, que envolve não só a parte contrátil, mas também o sistema de condução do
estímulo elétrico deve ser decisivo para que tais achados sejam observados ao ECG.
Diversas arritmias são encontradas na DMD. Todavia, a análise do ECG de
repouso de 12 derivações não é muito adequada para essa finalidade. Em alguns
estudos
envolvendo
monitorização
eletrocardiográfica
ambulatorial
(Holter)
a
taquicardia sinusal persistente foi a arritmia mais comumente encontrada (Corrado et
al., 2002; Kirchmann et al., 2005). Apesar de o ECG ser uma “fotografia” de apenas
alguns instantes, não é um método de todo falho na detecção dessa arritmia.
Observou-se sua presença em 2,2% dos pacientes do presente estudo, percentual
muito inferior ao descrito em outros trabalhos, que variou entre 17,4% e 26%
(Kirchmann et al., 2005; Takami et al., 2008). A patogênese dessa arritmia ainda é
desconhecida, mas acredita-se que a infiltração fibrosa e/ou gordurosa do nó sinusal
esteja envolvida em sua etiologia.
D i s c u s s ã o | 23
Em suma, as anormalidades eletrocardiográficas são frequentes em pacientes
com DMD e foram encontradas em 103 dos 131 pacientes aqui avaliados (78,3%). Os
acidentes eletrocardiográficos mais frequentes incluíram alterações da repolarização
ventricular, ondas QS anormais em paredes inferior e/ou lateral alta e distúrbios da
condução pelo ramo direito. Todos os dados expostos ratificam de maneira inequívoca
o ECG como uma ferramenta útil na avaliação cardiológica dessa grave doença.
6. CONCLUSÕES
C o n c l u s õ e s | 25
As alterações eletrocardiográficas na DMD são frequentes, revelando
comprometimento cardíaco precoce. Apenas a variável alteração da repolarização
ventricular foi mais frequente, porém em faixa etária menor (p < 0,05).
7. ANEXOS
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