ARS VETERINARIA, Jaboticabal, SP, Vol. 19, nº 2, 119-125, 2003. ISSN 0102-6380 ANESTESIA POR INFUSÃO CONTÍNUA E DOSES FRACIONADAS DE PROPOFOL EM GATOS PRÉ-TRATADOS COM ACEPROMAZINA (ANESTHESIA BY CONTINUOUS INFUSION AND INTERMITTENT INJECTION OF PROPOFOL IN CATS PREMEDICATED WITH ACEPROMAZINE) A. P. SOUZA1, L. G. POMPERMAYER2, F. ANTUNES3, I. C. ARAÚJO4, R. M. N. SILVA5 RESUMO O propofol é considerado um anestésico intravenoso seguro, de metabolismo rápido e ação curta, o que o torna um agente adequado para administração por infusão contínua. No gato, as vantagens e/ou desvantagens desse tipo de administração não estão definidas, sendo o objetivo deste trabalho comparar a técnica da anestesia por doses fracionadas com a infusão contínua do propofol, durante 60 minutos. Foram utilizados 10 gatos, machos e fêmeas, pesando 3,5 + 0,8 kg, cada um participando de três grupos experimentais (G1, G2 e G3) com intervalos de 15 dias entre os tratamentos. Todos os animais foram pré-tratados com acepromazina na dose de 0,2 mg/kg por via IM e após 15 minutos receberam propofol na dose de 6,0 mg/kg, por via IV, para a indução anestésica. A manutenção da anestesia com propofol foi feita no G1, por doses fracionadas de 3,0 mg/kg, sempre que necessário, e em G2 e G3, por infusão contínua de 0,3 e 0,4 mg/kg/min, respectivamente. Em todos os grupos o propofol promoveu redução significativa da temperatura corporal, das freqüências cardíaca e respiratória e da pressão arterial. Tanto a infusão contínua de 0,4 mg/kg/min, como o uso de doses repetidas de 3 mg/kg revelaram-se formas adequadas para a manutenção da anestesia, mas a infusão contínua propiciou anestesia mais estável. PALAVRAS-CHAVE: Propofol. Infusão contínua. Anestesia. Acepromazina. Gatos. SUMMARY Propofol is considered a safe intravenous anesthetic agent, with rapid metabolism and short duration of action, what makes it an appropriate agent to be administered by continuous infusion. In cats, the advantages and/or disadvantages of this route kind of administration have not been determined. The objective of this study was to compare anesthesia by continuous infusion and by intermittent injection during a 60 minutes period in this species. Ten cats were used, male or female, weighing 3.5 + 0.8 kg ,each one taking part in three experimental groups (G1, G2 and G3), with a 15 days interval between each group. All animals were premedicated with intramuscularlly with 0.2 mg/kg of acepromazine. Fifteen minutes after the premedication, the induction of anesthesia was performed with intravenously administration of 6.0 mg/kg of propofol. In G1, anesthesia was maintained with intermittent injections of propofol (3.0 mg/kg), as needed. In G2 and G3, anesthesia was maintained with continuous infusion of propofol at a rate of 0.3 and 0.4 mg/kg/minute, respectively. In all groups, propofol caused significant decrease in body temperature, heart rate, respiratory rate and blood pressure values. Both the continuous infusion of 0.4 mg/kg and the use of repeated doses of 3.0 mg/kg have demonstrated to be appropriate 1 2 3 4 5 Universidade Universidade Universidade Universidade Universidade 119 Federal Federal Federal Federal Federal do de de de de Tocantins Viçosa Viçosa Viçosa Campina Grande A.P. SOUZA, L. G. POMPERMAYER, F. ANTUNES, I. C. ARAÚJO, R. M. N. SILVA. Anestesia por infusão contínua e doses fracionadas de propofol em gatos pré-tratados com acepromazina./ Anesthesia by continuous infusion and intermittent injection of propofol in cats premedicated with acepromazine. Ars Veterinaria, Jaboticabal, SP, Vol. 19, nº 2, 119-125, 2003. ways for anesthesia maintenance, but the continuous infusion promoted a more stable anesthesia. KEY-WORDS: Propofol. Continuous infusion. Anesthesia. Acepromazine. Cats. INTRODUÇÃO Dentre as várias técnicas anestésicas existentes pode-se considerar que a geral intravenosa ainda é a mais empregada, principalmente por apresentar um menor custo em relação à inalatória no que se refere à implantação e manutenção dos equipamentos necessários. Para esse fim, os fármacos de duração ultracurta são os mais utilizados, administrados de forma intermitente ou por infusão contínua em anestesia prolongadas. Empregam-se, para tanto, fármacos barbitúricos ou não, e dentre eles, o propofol. Este anestésico em particular vem se destacando, há muito, em Medicina e sua utilização tem-se estendido à Medicina Veterinária, sendo utilizado tanto na clínica como experimentalmente. O objetivo da administração de qualquer técnica de infusão anestésica é alcançar uma concentração do fármaco no sangue que resultará no plano anestésico desejado (HALL & CHAMBERS, 1987). Conclui-se, portanto, que existe a necessidade de determinar a dose necessária para que se consiga tal efeito. O conceito de taxa de infusão mínima para drogas intravenosas foi introduzido por Sear & Prys-Roberts em 1979 para se determinar a dose efetiva (DE50) de um agente anestésico intravenoso que previna os movimentos em resposta à incisão cirúrgica (HALL & CHAMBERS, 1987). A acepromazina, fármaco membro do grupo das fenotiazinas, atua como potencializador farmacológico dos anestésicos gerais, reduzindo-lhes assim a dose total (SHORT, 1987). Age no sistema nervoso central, deprimindo tálamo, hipotálamo e formação reticular, produzindo tranqüilidade e diminuição da atividade motora, além de possuir propriedade antiemética, anti-histamínica e antiespasmódica (HALL, 1985). Porém, o efeito adverso mais importante dos derivados fenotiazínicos é o bloqueio alfa-adrenérgico, causador de hipotensão dose-dependente (SHORT, 1987; NUNES et al., 1995). O propofol é um agente hipnótico e anestésico de uso intravenoso (IV), de ação ultracurta, metabolizado rapidamente e de distribuição extensa para os tecidos (GLEN, 1980). Quando comparado ao tiopental, o propofol pode determinar maior diminuição da pressão arterial sistêmica com pequeno aumento da freqüência cardíaca (SHORT & BUFALARI, 1999), sem o desenvolvimento de arritmias cardíacas (QUANDT et al., 1998). Em função de ter uma taxa de “clearance” metabólico muito rápida, é adequado para administração em infusão contínua, uma vez que, utilizado desta forma, tende a produzir anestesia mais suave com menores flutuações dos sinais vitais se comparado à administração intermitente (HALL & CHAMBERS, 1987). Para a espécie felina, MORGAN & LEGGE (1989) recomendaram uma dose média de 8,03 mg/kg para indução, que pode ser reduzida para 5,97 mg/kg quando o animal é pré-medicado com acepromazina. A medicação préanestésica com acepromazina (WEAVER & RAPTOPOULOS, 1990; GEEL, 1991) ou butorfanol (SOUZA et al., 2002) não resultou em potencialização da anestesia com propofol. A manutenção da anestesia pela técnica de infusão contínua pode ser feita utilizando-se doses que variam de 100 a 300 μg/kg/min (MUIR & SWANSON, 1994). Segundo WEAVER & RAPTOPOULOS (1990) e ANDRESS et al. (1995), não ocorrem alterações importantes nas freqüências cardíaca e respiratória, nem observase apnéia e vômitos com o uso do propofol em gatos, verificando-se, porém, a ocorrência de dor à injeção intravenosa. A incidência de efeitos adversos pós-anestésicos, como vômitos ou ânsia, espirros ou movimentos repetidos dos membros anteriores, ocorre em aproximadamente 15% dos casos, mas podem ser amenizados com a utilização da acepromazina na MPA (HALL & CLARKE, 1991). O tempo de recuperação não é afetado pela utilização de medicação pré-anestésica (MPA), mas sim pela dose total de propofol administrada, não se observando também excitação (MORGAN & LEGGE, 1989; SOUZA et al., 2002). Nesse contexto, outro aspecto importante a ser observado em gatos, segundo HALL & CLARKE (1991), é que esses animais apresentam uma baixa taxa de metabolização do propofol, quando comparados com outras espécies, como ratos, coelhos e suínos, decorrente sua deficiência em conjugar fenóis. Tal dificuldade estaria relacionada a baixas concentrações de algumas enzimas glicuroniltransferases, o que acarretaria prolongamento da meia-vida do agente e conseqüente interferência no período de recuperação. Dessa forma, objetivou-se, com a realização deste trabalho, estudar comparativamente a anestesia por infusão contínua e por doses fracionadas de propofol, usando o gato como modelo experimental. Propôs-se, ainda, avaliar a taxa de infusão contínua do agente anestésico mais adequada à espécie em questão. 120 A.P. SOUZA, L. G. POMPERMAYER, F. ANTUNES, I. C. ARAÚJO, R. M. N. SILVA. Anestesia por infusão contínua e doses fracionadas de propofol em gatos pré-tratados com acepromazina./ Anesthesia by continuous infusion and intermittent injection of propofol in cats premedicated with acepromazine. Ars Veterinaria, Jaboticabal, SP, Vol. 19, nº 2, 119-125, 2003. MATERIAL E MÉTODOS Foram utilizados 10 gatos, adultos, machos e fêmeas, clinicamente saudáveis, provenientes do Biotério do Departamento de Veterinária da Universidade Federal de Viçosa – Minas Gerais. Cada animal participou de três grupos experimentais (G1, G2 e G3), com distribuição por delineamento inteiramente casualizado, porém a participação de um mesmo animal nos diferentes grupos se deu com, no mínimo, 15 dias de intervalo. Após restrição alimentar e hídrica de 12 horas e duas horas, respectivamente, os animais receberam como medicação pré-anestésica, 0,2 mg/kg de acepromazina (Acepran® 0,2%) por via intramuscular (IM). Após 15 minutos, foram contidos em decúbito lateral direito e tiveram a veia cefálica canulada com um dispositivo intravenoso 23G. Ato contínuo, procedeu-se a indução à anestesia com propofol (Diprivan) na dose de 6,0 mg/kg por via intravenosa (IV), sendo imediatamente entubados e, em seguida, conectou-se o dispositivo intravenoso ao equipo da bomba de infusão contínua (Bomba de infusão FARS 600), para administração de solução glicosada a 5%. Em todos os grupos, a anestesia foi mantida durante 60 minutos, mas no G1 a manutenção foi feita com propofol em doses fracionadas de 3,0 mg/kg, sempre que se fez a necessária, ou seja, pela elevação das freqüências cardíaca e respiratória e diminuição do relaxamento muscular. Já no G2, os animais receberam propofol diluído em soro glicosado a 5%, por infusão contínua, na dose de 0,3 mg/ kg/min. Para o G3, utilizou-se metodologia similar ao G3, sendo utilizado propofol na dose de 0,4 mg/kg/min. Foram avaliados os seguintes parâmetros fisiológicos: temperatura corporal (TC), por meio de termômetro clínico digital inserido no reto; freqüência respiratória (FR), pela contagem dos movimentos da parede torácica em um minuto; saturação de oxi-hemoglobina (SpO2), obtida por intermédio de oxímetro de pulso (Nellcor N-100 Pulse Oximeter), sendo o emissor/sensor colocado no terço médio da cauda previamente depilada; freqüência cardíaca (FC), estimada por meio de leitura pletismográfica, registrada no oxímetro de pulso; pressões arteriais sistólica, diastólica e média (PAS, PAD e PAM, respectivamente), obtida por mensuração indireta, pelo método oscilométrico, com auxílio de monitor de pressão não-invasivo (Biomonitor 4), sendo o manguito colocado no membro pélvico esquerdo, imediatamente acima da articulação femoro-tibio-patelar. As variáveis clínicas mensuradas foram: analgesia, avaliada de acordo com a resposta apresentada a estímulos dolorosos causados por pinçamento de prega cutânea, em quatro locais diferentes (base da cauda, faces laterais do abdome, tórax e pescoço), utilizando-se pinça 121 hemostática de Kocher e aplicando-se pressão até alcançar o primeiro dente da cremalheira, sendo classificada em ausente (0), moderado (1) e intenso (2); miorrelaxamento, avaliado de acordo com o grau de relaxamento da musculatura abdominal e dos membros e classificado da mesma forma descrita para a analgesia; períodos de latência, hábil e de recuperação anestésica; e dose total de propofol administrada. Tais determinações foram feitas nos seguintes momentos: M1 – 15 minutos após a MPA; M2 – imediatamente após a indução e entubação; M3, M4, M5 e M6 – de 15 em 15 minutos após M2. O período de latência do propofol foi considerado o tempo compreendido entre o fim da administração do anestésico e o momento em que desapareceu o tônus da musculatura massetérica e os movimentos de língua, possibilitando a entubação. O período hábil foi considerado apenas no G1 e compreendeu o tempo entre o fim da administração da dose de indução e o momento em que foi detectada a necessidade de administração da primeira dose complementar. O período de recuperação foi considerado o tempo compreendido entre o término do período anestésico (M6) e o momento em que o animal adquiriu posição quadrupedal. A dose total administrada foi considerada a soma da dose de indução com todas as doses de propofol administradas durante o período experimental. A análise estatística foi efetuada por meio de Análise de Perfil (p<0,05) (MORRISON, 1967; CURI, 1980), para interpretação dos possíveis efeitos que levariam à alteração nas médias de cada variável fisiológica estudada nos diversos momentos, incluindo os testes das hipóteses de: interação entre grupos e momentos, efeitos de grupos, efeito de grupo em cada momento e efeito de momento dentro de cada grupo. As demais variáveis, períodos de latência, hábil e de recuperação anestésica e dose total administrada, foram submetidas à Análise de Variância (ANOVA) seguidas pelo Teste de Tukey (p < 0,05). RESULTADOS E DISCUSSÃO A sedação observada com a administração IM de acepromazina na dose de 0,2 mg/kg, nos animais dos três grupos, facilitou sobremodo o manuseio deles em M1, permitindo a mensuração de todos os parâmetros. A dose de propofol de 6,0 mg/kg para indução anestésica em gatos pré-tratados com acepromazina foi semelhante à citada por MORGAN & LEGGE (1989), não sendo evidenciada nenhuma diferença importante entre machos e fêmeas quanto à qualidade da indução. Após esta dose inicial, a entubação foi executada com facilidade em todos os animais, indicando ser 6,0 mg/kg uma dose adequada também quando se utiliza o fármaco apenas para A.P. SOUZA, L. G. POMPERMAYER, F. ANTUNES, I. C. ARAÚJO, R. M. N. SILVA. Anestesia por infusão contínua e doses fracionadas de propofol em gatos pré-tratados com acepromazina./ Anesthesia by continuous infusion and intermittent injection of propofol in cats premedicated with acepromazine. Ars Veterinaria, Jaboticabal, SP, Vol. 19, nº 2, 119-125, 2003. indução anestésica e manutenção com agentes inalatórios. A indução anestésica foi tranqüila e rápida, não sendo possível determinar com exatidão o período de latência que, segundo DUKE (1995), varia de 20 a 40 segundos, após a administração IV de propofol. O período hábil de 5,9 + 1,45 minutos (Tabela 1), observado após a administração de 6,0 mg/kg no G1, demonstra que, após aplicação única, o propofol é rapidamente redistribuído. Este tempo está de acordo com a citação de McKELVEY & HOLLINGSHEAD (1994), que recomendam para a manutenção anestésica em pequenos animais a administração do propofol em intervalos de três a cinco minutos. No grupo em questão, o intervalo médio entre as readministrações foi de 7,91 minutos. Entretanto, esses resultados diferem daqueles encontrados por SOUZA et al. (2002) que obtiveram um período hábil de aproximadamente 12 minutos. Tal discrepância pode ser devida tanto à maior dose anestésica utilizada pelo autor (8,5 mg/ kg), como ao fato de, provavelmente, a fenotiazina usada neste experimento (acepromazina) potencializou menos a anestesia pelo propofol que a levomepromazina usada no citado estudo. Com relação à analgesia, pode-se observar que, logo após a, indução com o propofol ela foi considerada intensa (M2). A partir desse momento, no G1 a analgesia foi mantida na mesma intensidade pelas readministrações de propofol, enquanto no G2 foi considerada moderada. No G3, o grau moderado foi atribuído aos momentos 3 e 4 e o grau intenso aos momentos 5 e 6 (Tabela 2). A analgesia promovida pelo propofol, da forma que foi avaliada, não permite inferir com segurança como seria o comportamento do animal submetido a uma cirurgia, no entanto, oferece subsídios para supor que cirurgias consideradas pequenas possam ser executadas com as doses utilizadas no G1 e no G3. O fato de o grupo que recebeu 0,3 mg/kg/minuto não ter apresentado em nenhum momento entre M3 e M6 grau de analgesia intenso, permite considerar ainda, a dose de 0,4 mg/kg/minuto como mínima para a produção de analgesia cutânea. Após a indução com propofol, o grau de miorrelaxamento não variou, sendo classificado como intenso durante todo o tempo e em todos os grupos (Tabela 2). O intenso miorrelaxamento observado em todos os animais, incluindo aqueles do G2, onde a analgesia não teve classificação equivalente, foi uma característica marcante Tabela 1 – Valores médios e desvios padrão do período hábil da primeira dose de propofol, da dose de indução do propofol, período de recuperação e dose total de propofol administrado em gatos pré-medicados com acepromazina e anestesiados com propofol em doses fracionadas (G1) e por infusão contínua de 0,3 mg/kg/min (G2) e de 0,4 mg/ kg/min (G3). G1 G2 G3 Período hábil (minutos) 5,9+1,45 - - Dose total de propofol (mg) 25,49a+5,35 24,0a+0,0 30,0a+0,0 Período de recuperação (min.) 106,7a+20,84 82,4a+21,24 107,7a+29,26 Médias seguidas pela mesma letra na linha não diferem significativamente entre si pelo teste de Tukey (p<0,05) Tabela 2 – Medianas dos escores atribuídos ao grau de analgesia e miorrelaxamento em gatos pré-medicados com acepromazina e anestesiados com propofol em doses fracionadas (G1) e por infusão contínua de 0,3 mg/kg/min (G2) e 0,4 mg/kg/min (G3). Analgesia Miorrelaxamento M2 M3 M4 M5 M6 G1 2 2 2 2 2 G2 2 1 1 1 1 G3 2 1 1 2 2 G1 2 2 2 2 2 G2 2 2 2 2 2 G3 2 2 2 2 2 Graduação: 0 = ausente; 1 = moderado; 2 = intenso 122 A.P. SOUZA, L. G. POMPERMAYER, F. ANTUNES, I. C. ARAÚJO, R. M. N. SILVA. Anestesia por infusão contínua e doses fracionadas de propofol em gatos pré-tratados com acepromazina./ Anesthesia by continuous infusion and intermittent injection of propofol in cats premedicated with acepromazine. Ars Veterinaria, Jaboticabal, SP, Vol. 19, nº 2, 119-125, 2003. Tabela 3 – Valores médios e desvios padrão das variáveis fisiológicas de gatos pré-medicados com acepromazina e anestesiados com propofol em doses fracionadas (G1) e por infusão contínua de 0,3 mg/kg/min (G2) e 0,4 mg/kg/min (G3), em diferentes momentos. M1 M2 M3 M4 M5 M6 G1 3 8,2a+0 ,4 1 3 7,85 a+ 0,54 3 6,97b +0 ,7 1 3 6,31 c+ 0,79 35,74d +0 ,9 3 3 5,29 e+ 0,98 TC G2 3 8,47 a+ 0,39 3 7,91b+0 ,4 5 3 7,09 c+ 0,61 36,45d +0 ,6 7 3 5,86 e+ 0,68 3 5,25 f+0,77 (O C ) G3 3 8,42 a+ 0,42 3 7,95b+0 ,8 1 3 7,18 c+ 0,97 36,58d +1 ,0 3 3 6,08 e+ 1,12 3 5,66 f+1,15 G1 3 9,8a+8 ,6 1 3 4,4a+5 ,1 5 2 5,8b +6 ,56 2 1,8c+3 ,1 9 1 9,2c+4 ,4 4 2 0,4c+3 ,5 0 FR G2 3 7,5a+8 ,6 6 2 9,4b +4 ,81 2 3,6c+3 ,8 6 2 0,2c+5 ,6 9 1 9,2c+5 ,5 1 1 9,4c+6 ,1 8 (m ov./m in.) G3 3 5,8a+8 ,4 5 3 1,8a+5 ,3 7 2 4,4b +5 ,56 2 0,2c+4 ,0 5 1 9,2c+5 ,2 7 1 7,8c+4 ,2 6 G1 9 5,2a+2 ,7 8 9 3,0a+4 ,7 6 9 2,0a+5 ,4 5 9 1,6a+6 ,2 4 9 4,5a+6 ,3 6 9 3,1a+6 ,2 4 SpO2 G2 9 5,3a+3 ,3 3 9 2,9a+3 ,4 1 8 9,8b +4 ,89 9 0,9c+5 ,2 1 9 0,9c+4 ,9 3 9 1,9c+5 ,5 7 (% ) G3 9 4,9a+2 ,8 1 9 3,4a+6 ,1 7 9 1,8a+6 ,5 8 9 2,0a+4 ,9 7 9 3,2a+1 ,9 3 9 3,2a+3 ,0 8 G1 2 32 ,7 a+ 22 ,54 1 96 ,5b+9 ,3 6 1 70 ,9 c+ 10 ,83 1 58 ,4d +1 5,33 1 47 ,5 e+ 13 ,65 1 41 ,6 e+ 12 ,74 FC G2 2 41 ,5 a+ 22 ,54 1 98 ,4b+1 8,7 1 63 ,5 c+ 14 ,51 1 50 ,2d +1 2,77 1 43 ,4d +1 1,76 1 39 ,4d +1 3,08 (b at./m in.) G3 2 37 ,2 a+ 19 ,7 1 96 ,9b+2 0,3 1 66 ,5 c+ 21 ,8 1 54 ,1d +1 6,65 1 47 ,5d +1 7,26 1 42 ,4d +1 8,7 G1 1 25 ,8 a+ 14 ,27 1 01 ,6b +1 7,56 1 01 ,7b +1 0,87 1 02 ,4b +1 5,83 1 06 ,1 c+ 22 ,44 9 8,4b +12 ,3 7 PA S G2 1 23 ,8 a+ 12 ,17 1 02 ,0b +1 0,65 9 7,0b +14,8 1 1 01 ,9b +1 8,44 9 8,0b +19 ,9 4 9 9,5b +16 ,4 (m m H g) G3 1 18 ,1 a+ 15 ,88 1 01 ,1b+9 ,2 3 9 6,0b +17,0 6 1 02 ,6b +1 3,7 9 6,1b +23 ,7 8 1 03 ,6b +1 6,59 G1 5 9,2a+2 1,38 4 3,5b +11 ,4 9 3 5,6c+9 ,0 8 4 0,0b +13 ,9 3 3 4,8c+1 3,05 3 9,3b +11 ,5 9 PA D G2 6 6,2a+1 9,88 4 7,8b +14 ,9 3 35,7c+1 0,59 3 9,0c+1 6,25 3 5,0c+1 4,96 3 7,9c+1 4,21 (m m H g) G3 6 5,9a+2 9,94 4 6,1b +11 ,4 9 36,6c+1 0,35 3 9,9c+1 5,1 3 7,7c+1 6,54 4 2,0b +16 ,4 5 G1 8 2,8a+1 1,37 6 5,8b +14 ,5 6 0,6b +13,7 8 5 9,9b +15 ,6 3 6 2,3b +17 ,2 2 6 1,5b +12 ,7 8 PA M G2 8 8,3a+1 8,29 6 5,8b +13 ,6 7 6 0,2b +13 ,4 6 2,7b +14 ,3 5 6 0,1b +17 ,9 6 6 4,3b +17 ,1 5 (m m H g) G3 8 2,4a+2 5,26 6 9,5b +10 ,3 2 6 2,0c+1 3,5 6 2,2c+1 2,84 6 0,3c+2 0,38 6 6,0b +14 ,3 2 Para cada variável, médias seguidas pela mesma letra não diferem significativamente pela Análise de Perfil (p< 0,05). As letras maiúsculas representam a igualdade entre os grupos e as minúsculas a igualdade entre os momentos dentro de cada grupo. TC – temperatura corporal; FR – freqüência respiratória; SpO2 – saturação de ox-hemoglobina; FC – freqüência cardíaca; PAS, PAD e PAM – pressões arteriais sistólica, diastólica e média, respectivamente. da anestesia pelo propofol nos gatos deste estudo, podendo, dessa forma, ser uma boa alternativa anestésica quando miorrelaxamento for requerido independentemente de uma analgesia intensa. Tal afirmação tem suporte na literatura quando de sua utilização em pequenos animais (McKELVEY & HOLLINGSHEAD, 1994). A TC apresentou uma queda significativa, com início logo após a indução com propofol. A redução foi progressiva ao longo do período experimental, porém, a partir de M2 as médias estiveram abaixo dos valores considerados normais para a espécie (Tabela 3). Tal redução, 123 em ambos os grupos, é compatível com os relatos de FONDA (1991), uma vez que o propofol deprime os centros medulares do SNC, incluindo o termorregulador (FANTONI et al., 1996). Provavelmente o uso da acepromazina na MPA tenha influenciado neste resultado, pois GLEED (1987) e FONDA (1991) afirmam que as fenotiazinas deprimem a termorregulação por causarem depleção das catecolaminas na região do centro termorregulador hipotalâmico. Outro fator responsável pela redução na TC pode ter sido o intenso miorrelaxamento promovido pelo propofol, tendo em vista que a atividade A.P. SOUZA, L. G. POMPERMAYER, F. ANTUNES, I. C. ARAÚJO, R. M. N. SILVA. Anestesia por infusão contínua e doses fracionadas de propofol em gatos pré-tratados com acepromazina./ Anesthesia by continuous infusion and intermittent injection of propofol in cats premedicated with acepromazine. Ars Veterinaria, Jaboticabal, SP, Vol. 19, nº 2, 119-125, 2003. muscular é preponderante na produção de calor pelo organismo (GUYTON, 1992). A FR comportou-se da mesma forma nos três grupos, revelando igualdade de perfis. Observou-se redução imediatamente após a administração do propofol, com significado estatístico em M3, com estabilização nos demais momentos (Tabela 3). Tal redução demonstra um efeito depressor marcante do anestésico sobre a respiração (MAGELLA & CHEIBUB, 1990; ILKIW et al., 1992). Assim como outros fármacos anestésicos, o propofol também deprime o centro respiratório (FANTONI et al., 1996). Esse efeito, porém, revelou-se de magnitude moderada e, mesmo com as readministrações ou infusão contínua do agente, tendeu à estabilidade a partir de 15 minutos do início da administração. A comparação entre grupos não revelou nenhuma diferença entre eles, significando que a forma de administração não interferiu com essa variável. A redução dos valores de SpO2 são compatíveis com a depressão observada na FR. Embora sem significado estatístico na maioria dos momentos confrontados (Tabela 3), os valores estão sempre abaixo de 95%, que é o limite mínimo esperado (HASKINS, 1996). Tais valores são semelhantes aos observados por SOUZA et al., (2002) em gatos, e por PIROLO (1996), em cães, quando da utilização do propofol. O comportamento idêntico da FC nos três grupos revela que não houve nenhuma influência da forma de administração do fármaco sobre esta variável. Porém, a queda significativa observada de M1 a M3 demonstra claramente ser este um efeito cronotrópico negativo, devido à administração do propofol (WEAVER & RAPTOPOULOS, 1990; SOUZA et al., 2002), podendo ser corrente um efeito vagotônico central e/ou simpatolítico. No tocante à pressão arterial (PA), pode-se observar igualdade de perfis entre os grupos para a PAS, a PAD e a PAM, e que, após a administração do propofol (M2) houve redução significativa dos seus valores (Tabela 3), com estabilização ao longo do período experimental. Para essa redução significativa da PA observada em todos os grupos, nos quais os picos foram de 28% no G1, 31% no G2 e 26% no G3, pode ter contribuído, além da diminuição da FC, a depressão causada pelo propofol nos centros vasomotores localizados no tronco cerebral, determinando diminuição da resistência vascular periférica (DUKE, 1995; FANTONI et al., 1996), a diminuição na pré e póscarga devida às propriedades inotrópicas negativas do agente anestésico (ILKIW et al., 1992) e o efeito direto dose dependente sobre a capacitância venosa e arterial (GOODCHILD & SERRAO, 1989). Os dados referentes ao período de recuperação anestésica mostram ausência de significância estatística entre as médias do G1, G2 e G3 (Tabela 1). O comportamen- to dos animais em todos os grupos foi semelhante durante este período, verificando-se em 100% deles movimento de protusão rostral da língua. Além deste, observaram-se movimentos extensores dos membros torácicos em 30%, espirros em 23,33% e opistótono em 16,67% dos animais. Adicionalmente, pôde-se verificar que os grupos 1 e 3 apresentaram um maior tempo de recuperação, apesar de não ter tido significado estatístico. Sendo assim, pode-se concordar com a literatura que cita que o propofol determinaria um período de recuperação dependente da dose total administrada (SOUZA et al., 2002). Após análise dos resultados obtidos com a metodologia empregada, pode-se concluir que o propofol na dose de 6 mg/kg por via IV promove indução à anestesia rápida e suave, permitindo a entubação sem abolir o reflexo laringotraqueal, e que as duas formas de administração do anestésico foram adequadas para a manutenção anestésica, a infusão contínua promove um plano mais estável. Outrossim, pode-se concluir que a taxa de infusão mínima para a promoção de imobilidade e analgesia cutânea, em gatos pré-medicados com acepromazina, é de 0,4 mg/ kg/minuto e que o propofol revelou-se depressor da temperatura corporal e das funções respiratória e circulatória, nesta espécie. ARTIGO RECEBIDO: Outubro/2002 APROVADO: Julho/2003 REFERÊNCIAS ANDRESS, J. L., DAY, T. K., DAY, D. The effects of consecutive day propofol anesthesia on feline red blood cells. Veterinary Surgery, v. 24, n.3, p. 277-282, 1995. CURI, P. R. Análise de medidas repetidas em experimentos biológicos. Revista Brasileira de Estatística, v. 41, p. 137150, 1980. DUKE, T. A new intravenous anesthetic agent: propofol. Canadian Veterinary Journal, v. 36, p. 181-183, 1995. FANTONI, D. T., CORTOPASSI, S. R. G., BERNARDI, M. M. Anestésicos intravenosos e outros parenterais. In: SPINOSA, H. S., GÓRNIAK, S. L., BERNARDI, M. M. 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