Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo TEORIA DO TEXTO: COESÃO E COERÊNCIA MARCOS ANTONIO FERREIRA DA ROCHA RESUMO: O trabalho em questão trata da estreita relação entre os elementos que constituem a textualidade do texto: coesão e coerência. O texto como um todo organizado tem um plano da expressão e um plano do conteúdo. Representa um bloco em que o sentido acontece mediante esses dois eixos. Tanto a expressão como o conteúdo são objetos da semiótica. São planos inseparáveis, observa-se o conteúdo a partir do plano da expressão. Segundo Fiorin, o texto representa um conjunto de informações organizadas e transmissoras de sentido. Isso, certamente, acontece através de relações textuais entre as frases, as orações, os períodos, os parágrafos, as cores, os traços, os gestos ou imagens, enfim, entre as partes que constituem o texto, na perspectiva semiótica. A ligação entre esses elementos é representada pela coesão e pela coerência. Esta compreende o significado ou o “coherence as a principle of interpretability”, segundo Charolles Michel, e aquela diz respeito aos conectivos e/ou traços culturais, à combinação de cenas entre as partes de um texto, que contribuem para a coerência textual. O texto tem sido objeto de análise nos estudos lingüísticos e literários, com enfoques diferentes. Por um lado, temos as correntes textualistas e fenomenológicas, e por outro, as correntes sociológicas. Cada uma delas enfoca o texto, ora levando em conta o contexto, o leitor, o implícito, ora anulando o leitor e o contexto, representando a leitura um movimento entre o leitor e o texto, e os signos lingüísticos vão gradativamente produzindo significados. Os verbos, Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo os adjetivos e os conectivos de coesão, na interação com o receptor, transmitem certo sentido, que não deve limitar-se somente na parte interna do texto, mas também no contexto externo, para que aconteça um movimento de leitura entre ouvinte e texto. Segundo Michel Foucault, a leitura não se restringe às marcas morfológicas, nos enfoques temáticos e no autor, mas nas possibilidades existentes no discurso: “... formas de colocação e de dispersão dos conceitos, sobre as que regulam o desdobramento das escolhas estratégicas, ter-se-á então construído uma unidade abstrata, a formação discursiva” (FOUCAULT, 1993, p. 26). O texto, portanto, é aquele que mostra coerência, normas ou fundamentos de objetos, de conceitos e de pressupostos teóricos, ampliando um novo campo de percepção. A idéia de descontinuidade é relevante para Michel Foucault, ao se tratar do estudo do texto, em detrimento da linearidade, do continuísmo e do desenvolvimento cronológico da história. Michel Foucault afirma que o discurso não tem um ponto de origem, mas uma genealogia. O diálogo entre o leitor e o texto abre espaço para possibilidades discursivas. Iser, Escola de Constança, diz que a leitura acontece mediante o círculo autor, obra e leitor. Iauss leva em consideração o horizonte de expectativas, o conhecimento prévio de mundo do leitor. Roland Barthes usa a palavra criação, como sinônimo de leitura e mostra o sentido do texto como algo que o leitor, paulatinamente, vai criando individualmente ou coletivamente. Assim, a leitura de um texto compreende uma constante decodificação dos signos lingüísticos. Para que 2 Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo isso aconteça, é necessário lançar um olhar para o que foi dito antes e abrir espaço para o que será dito no meio ou depois do texto, para que se tenha um significado dos signos. Um conjunto de signos ou um “outro” texto se formou, com sentidos plurais e diversos. Essa reflexão sobre o estudo de um texto pode ser classificada em coerência semântica, sintática, estilística, pragmática. A coerência semântica é a relação de sentido entre palavras numa frase ou entre os conectivos dos blocos do texto. São palavras que pertencem ao mesmo campo semântico ou que são representadas por sinônimos. a coerência sintática se refere aos conectivos gramaticais. È representada pela coesão para que se tenha a coerência semântica. Os artigos definidos e indefinidos apontam para o gênero dos substantivos, buscando identificá-los. Os pronomes têm a função de substituir ou determinar os nomes e realizam a coesão textual. A coerência estilística se volta ao estilo do usuário em que ele seleciona ou escolhe elementos lingüísticos - palavras, estruturas frasais - para formar o texto. Há o estilo que segue a norma de um determinado contexto ou registro lingüístico. No entanto, sabemos que mais de um estilo ou uso da língua não prejudica a coerência do texto como sinônimo de interpretação. A coerência pragmática compreende uma seqüência de falas, que vêm seguir uma ordem e uma apropriação em relação à situação comunicativa. Quando isso não ocorre, dizemos que houve uma incoerência. 3 Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo A coerência, portanto, é formada pelos planos semântico, pragmático, estilístico, sintático ou gramatical. Temos o fator coerência em um texto, quando esses elementos textuais interagem e estabelecem uma ação conjunta, ao longo do texto, apontando para uma compreensão e interpretabilidade textual. A leitura e a interpretação de um texto é sempre renovada em diferentes contextos e segundo o momento social, político e cultural de uma época, pois a experiência de cada um de nós se enriquece à medida que nos deparamos com os acontecimentos do cotidiano.extos produzidos em décadas passadas são submetidos a um novo olhar. O tempo passa e, juntamente, com ele os leitores. Olhar o texto “de novo” renova sempre a leitura e possibilita re-leituras. O inconsciente registra informações as quais não foram percebidas pelo leitor durante o ato de leitura. Os textos de Rachel de Queiróz, José Lins do Rego e Alice Walker não somente são relidos por diversas gerações, mas reescritos, pois outros textos foram surgindo a partir dessas obras. Ler é dialogar com o mundo, enquanto um mosaico de textos, agindo e atribuindo sentido às imagens, aos gestos e aos sinais, em geral, que se afirmarão como texto. As cenas do cotidiano obtêm plena existência através do leitor. A estrutura do texto, organizada a partir do mundo real, é reorganizada pelo leitor real, que se posiciona diante da realidade da qual também faz parte. Nos textos figurativos, as cores, os traços, a tonalidade das cores, as linhas formam o discurso, através da associação entre esses 4 Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo elementos. Imagens “organizadas” representam Uma leitura, entretanto, é possível percebermos traços, que se opõem ao sentido comum dessa cadeia semântica, contribuindo para enriquecer a leitura: A leitura de um texto implica não só a construção, a partir das reiterações semânticas, dos percursos e das configurações virtuais, como também a determinação das relações vigentes entre as várias isotopias. (BARROS, 1988, p. 126) A leitura de imagens segue uma estrutura que faz ligação com outras estruturas. Substância da mensagem visual que compreende as linhas e superfícies, elas transmitem significados para o leitor e mostra elementos de coesão, numa combinação de cores ou num segmento de linhas. Já a substância da mensagem do texto verbal é constituída por palavras, que estabelecem elos entre outras palavras, ora retomando o que foi dito, ora abrindo espaço para o que vai ser mencionado. Essas duas estruturas devem ser, num primeiro momento analisadas individualmente, elas “ocupam espaços reservados” (BARTHES, 1982, p. 12). Só quando o estudo de cada uma for explorado, se estudará a relação entre elas, ou seja, o diálogo entre palavras e imagens, compreendendo o modo através do qual elas se completam. A lingüística textual ou teoria do texto investiga o texto como um bloco e não através de uma palavra ou frase isolada. O texto é um conjunto de elementos que se relacionam e formam uma rede de significados. Segundo José Luiz Fiorin, “um texto é, pois, um todo organizado de sentido. Dizer que ele é um todo organizado de senti5 Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo do implica afirmar que o texto é um conjunto formado de partes solidárias, ou seja, que o sentido de uma depende das outras” (FIORIN, 1990, p. 21). O livro “O Prazer do Texto”, de Roland Barthes, apresenta o texto de prazer e o texto de fruição. Este é aquele que desconforta, faz mover ou aparecer as bases da cultura, da história, do estado psicológico do leitor, da consistência de seus valores e de suas lembranças, “a palavra lembrança, originária do termo latino MEMORARE, está associada à imagem e à percepção” (ROCHA, 2002, p. 28), levando o receptor a entrar em crise com a linguagem. E, aquele, o texto de prazer é o que contenta ou agrada, vem da cultura e liga-se a uma prática prazerosa ou confortável da leitura. Roland Barthes escreve: Texto de prazer: aquele que contenta, enche, dá euforia; aquele que vem da cultura, não rompe com ela, está ligado a uma prática confortável da leitura.Texto de fruição: aquele que põe em estado de aquele que desconforta (talvez até um certo enfado), faz vacilar as bases históricas, culturais, psicológicas, do leitor, a consistência de seus gostos, de seus valores e de suas lembranças, faz entrar em crise sua relação com a linguagem. (BARTHES, 1996, p. 21-2) Assim, coesão textual é um mecanismo semântico que compreende os pronomes, os artigos, as conjunções etc, através dos quais o texto vai sendo organizado (tessitura). Cada conectivo gramatical estabelece um “elo coesivo” com segmentos textuais. Essa coesão mostra relações de sentido que podem ser catafórica e/ou anafórica. 6 Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo Esta nos remete para o que foi dito antes, e aquela faz referência ao que vai ser dito. A coesão é, portanto, uma relação semântica dentro do sistema da língua que compreende o léxico-gramatical. Vejamos alguns mecanismos de coesão que têm sido considerados fundamentais na lingüística textual ou na teoria do texto: a referência, a substituição, a elipse, a conjunção e a coesão lexical. A referência divide-se em pessoal – pronomes pessoais e demonstrativos –, demonstrativa – pronomes demonstrativos e advérbios –, e comparativa se volta à similaridade entre duas palavras. È uma espécie de coesão que se classifica em anáfora (antes) e catáfora (depois). A substituição leva em consideração a presença de uma palavra ou de uma oração no lugar de outra, procurando redefinir, de algum modo, o que foi dito. Diferentemente da referência (identidade), a substituição é aquele termo que redefine ou se opõe ao referente. Ainda no item da substituição, temos a elipse que acontece quando um termo ou um item lexical é omitido. A conjunção serve para fazer ligações entre termos da oração. Estes marcadores ora negam uma ação, ora afirmam outra ação, apontando para o sentido do texto. Tais conectores podem ser mas, e, depois etc e as principais conjunções (aditiva, causal, adversativa, temporal). A coesão lexical (reiteração) é a repetição da mesma palavra ou de um sinônimo no uso de expressões ou termos pertencentes à 7 Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo mesma cadeia semântica. A relação entre coerência e coesão é passível de reflexões de textos que são coesos, mas não tem coerência, podendo ser encontrados, na publicidade e até na música popular brasileira. Esta ligação da coerência com a coesão carece sempre de um novo olhar crítico diante dos textos. A coesão, como sabemos, se afirma a partir dos seus conectivos, visivelmente, inseridos nos períodos e nas orações. Já a coerência segue o designado princípio da interpretação, que é percebido no deslocamento dos elementos gramaticais, na frase, na oração e no período. A coesão, então, contribui para a afirmação do sentido do texto. Enfim, estamos diante de duas palavras, que percorrem os parágrafos de um escrito, em diferentes níveis, e que dependem, para se constituírem, num grau de textualidade satisfatória, do conhecimento de mundo do leitor. 8 Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo Referências Bibliográficas BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria semiótica do texto. São Paulo: Àtica, 1990. ______. La cohérence textuelle. In: PARRET, H.; RUPRECHT, H. G., (Orgs). Exigences et perspectives de la sémiotique. Recueil d`hommages, pour A J. Greimas. Amsterdam / Filadelfia, John Benjamins, 1985. BARTHES, Roland. O Prazer do Texto. São Paulo, Elos, 1996. COSTA LIMA, Luiz (Org). A literatura e o leitor. Rio de Janeiro, Paz e terra, 1999. CHAROLLES, Michel. Introduction aux problémes de la cohérence des textes. In: Langue Française, 38, Paris, Larousse, 1978, p. 7-41. EAGLETON, Terry. Literary Theory. Blackwell, Oxford, England, 1990. FOUCAULT. 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