CONTRIBUIÇÃO PARA O DEBATE SOBRE A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA NO NAVCV Cultura Política em Perspectiva Maria Raquel Lino de Freitas Dezembro de 2006 UMA BREVE COLOCAÇÃO DO PROBLEMA Sociedade Civil ↔ Estado ▼ Política Social Campo de contradições marcado pela tensão entre interesses públicos e privados O tipo ou o padrão de atendimento às VCV se define no interior da sociedade condicionado pela cultura política predominante 2 IDÉIA CENTRAL A prática dos crimes violentos bem como do atendimento que o Estado e a sociedade prestam às vítimas é condicionado por um tipo de cultura política ▼ conjunto de valores e comportamentos manifestos nas relações cotidianas: na família, no trabalho, na escola, no lazer, na igreja, no consumo e nos postos de prestação de benefícios e serviços sociais. 3 Cenário cotidiano de contradições e de conflitos de interesses Igreja Postos de Prestação De Benefícios e Serviços Sociais Consumo Trabalho Cultura Política Valores e Comportamentos Lazer Família Escola 4 Uma análise subjetiva cultura política ▼ Ideologia ▼ Sistema de representações simbólicas historicamente construídas nas relações de dominação de classe e na construção de imagens e ideais presentes na conformação do pensamento político brasileiro. 5 ARGUMENTO PRINCIPAL Há uma relação de reciprocidade CULTURA POLÍTICA TIPO DE CIDADANIA 6 SOBRE CULTURA POLÍTICA Almond e Verba - Década de 1960 Referência contemporânea do termo 1920 – 1960 – Escola de Cultura e Personalidade nos EUA fomentava questões relacionadas ao caráter nacional Objetivaram discutir o papel da cultura política nos regimes democráticos, inspirados nos estudos das dimensões subjetivas da política 7 Almond e Verba identificaram três tipos básicos de cultura política Cultura Política Paroquial - Os papéis e as instituições políticas não existem ou coincidem com papéis e estruturas econômicas ou religiosas; Cultura Política de Sujeição - Conhecimentos, sentimentos e avaliações estão voltados para o sistema político incumbido das decisões. De tendência passiva, corresponde aos regimes autoritários; Cultura Política de Participação - Característica dos sistemas nos quais as percepções, sentimentos e avaliações sobre o sistema político visam, além do sistema, a posição ativa de cada um. 8 Bobbio (2002) – as sociedades são do tipo misto – onde existem sujeitos “participantes” existem também faixas de “súditos” e de “paroquiais” No Brasil, mesmo havendo uma institucionalidade política de caráter democrática, a nossa cidadania ainda é precária, sugerindo a predominância de uma cultura política de sujeição Avritzer (1995) – No Brasil existe uma cultura política não democrática que se entrelaça com uma institucionalidade democrática A cultura do favor e da tutela não foi superada apesar das conquistas no campo dos direitos 9 Duas questões articuladas Em que medida os espaços de participação assegurados na nova institucionalidade democrática constituem arenas públicas onde se realizam processos de tomada de decisão de interesses realmente públicos? A cultura política predominante no interior das instituições que se orientam pela nova institucionalidade democrática produz o “cimento cultural” ou o “cimento cívico” necessário à construção da cidadania? 10 Confiabilidade dos brasileiros Confiabilidade Muito confiável Confiável Pouco confiável Não confiável NS/NR % 6,5 30,2 46,3 13,8 3,2 (N=1.578) Fonte: CPDOC- FGV/Iser Lei, Justiça e Cidadania CARVALHO, José Murilo. O motivo edênico do imaginário social brasileiro. In: PANDOLFI, Dulce Chaves (et ali.). Cidadania, justiça e violência. Editora Fundação Getúlio Vargas, 1999. P. 37. 11 Grau de confiança em lideranças (%) Lideranças Média das notas _________________________ CPDOC-FGV/Iser Líderes de sua religião Parentes Amigos Vizinhos Patrão/empregador Presidente do Brasil Líderes sindicais e de associações Prefeito de sua cidade Deputado em quem votou 8,1 7,9 6,6 6,0 5,4 5,1 4,2 4,1 4,0 VP/Veja 6,4 6,8 5,7 4,7 4,4 4,7 4,0 3,9 3,1 Fonte: VP/Veja e CPDOC-PG/Iser - Lei, Justiça e Cidadania Nota: As duas pesquisas pediram que as lideranças fossem avaliadas de 1 a 10, segundo o grau de confiança 12 que despertavam. A tabela fornece a média das notas Sobre a percepção dos direitos Pesquisa domiciliar “ Lei, Justiça e Cidadania” Fundação Getúlio Vargas entre Set./1995 e Jul./1996 Segundo Pandolfi (1999) De acordo com a classificação de Almond e Verba estamos diante de uma “cultura súdita”, onde as pessoas não são membros ativos do sistema. A relação que as pessoas mantém com o sistema político limita-se a uma percepção dos produtos de decisões político-administrativas e não a uma percepção do processo decisório em si. Vejamos algumas ilustrações da pesquisa 13 Percepção do direito dos outros (%) Os bandidos não respeitam o direito dos outros, por isso não devem ter direitos respeitados Concordo totalmente Tendo a concordar Tendo a discordar Discordo totalmente NS/NR Total 63,4 6,9 6,0 20,2 3,5 100,0 (N= 1.578) Fonte: CPDOC-FGV/Iser, pesquisa “ Lei, Justiça e Cidadania” PANDOLFI, Dulce. Percepção dos direitos e participação social. In: PANDOLFI, Dulce Chaves (et ali.). Cidadania, justiça e violência. Editora Fundação Getúlio Vargas, 1999. P. 51. 14 Tolerância da violência policial (%) Uso de métodos violentos para confissão de suspeitos É sempre justificável É injustificável É justificável em alguns casos NS/NR Total 4,1 52,1 40,4 3,4 100,0 (N=1.578) Fonte: CPDOC-FGV/Iser, pesquisa “ Lei, justiça e cidadania” PANDOLFI, Dulce. Percepção dos direitos e participação social. In: PANDOLFI, Dulce Chaves (et ali.). Cidadania, justiça e violência. Editora Fundação Getúlio Vargas, 1999. P. 51. 15 Tolerância da Violência civil (%) Pessoas que participam de linchamentos Estão erradas 46,1 Estão certas 11,2 Estão erradas mas é compreensível 40,6 NS/NR 2,1 Total 100,0 (N=1.578) Fonte: CPDOC-FGV/Iser, pesquisa “ Lei, justiça e cidadania” PANDOLFI, Dulce. Percepção dos direitos e participação social. In: PANDOLFI, Dulce Chaves (et ali.). Cidadania, justiça e violência. Editora Fundação Getúlio Vargas, 1999. P. 51. 16 Aplicação das leis (%) Se uma pessoa rica e uma pessoa pobre praticarem o mesmo crime, a justiça vai tratar A pobre mais rigorosamente A rica mais rigorosamente As duas igualmente NS/NR Total 95,7 1,2 2,5 0,6 100,0 (N= 1.578) Fonte: CPDOC-FGV/Iser, pesquisa “ Lei, justiça e cidadania” PANDOLFI, Dulce Chaves. Percepção dos direitos e participação social. In: PANDOLFI, Dulce Chaves (et ali.). Cidadania, justiça e violência. Editora Fundação Getúlio Vargas, 1999. P. 56. 17 Pobreza, violência e cidadania Pobreza e exclusão social Se a maioria das vítimas da violência é constituída de sujeitos excluídos e discriminados, e não de cidadãos livres e iguais perante a lei, torna-se ainda mais difícil a transição de uma cultura política de sujeição para uma cultura política participativa 18 Pobreza, violência e cidadania “A pobreza é um fato e um sentimento de múltiplos sentidos” Victor Valla (2005) Conhecemos muito pouco sobre os sentidos da pobreza. Quem são realmente as pessoas pobres? O que pensam sobre a pobreza e a desigualdade social? Como elaboram a noção de justiça social? Que elementos constituem seu horizonte utópico? Por que legitimam, historicamente, a ordem instituída, geradora da pobreza e das desigualdades sociais? Em que medida a cidadania lhes importa? 19 Pobreza, violência e cidadania Segundo Castell (1998) os indivíduos sem trabalho são desafiliados da sociedade Mas, segundo Carreteiro ( 2001), não é só isso. É preciso ser uma “ pessoa” e ter “ bons relacionamentos” Expressão comum na nossa sociedade: “ Você sabe com quem está falando?” Segundo o antropólogo brasileiro, DaMata, a frase ilustra o tipo de cultura política predominante na nossa sociedade. Exprime o poder de alguns e a vontade de inferiorizar o seu 20 interlocutor Outras questões de sentimentos e múltiplos sentidos Até que ponto reproduzimos em nosso cotidiano a frase “ você sabe com quem está falando?” de forma não dita, mas velada? Será que alimentamos a cultura de sujeição na nossa rotina de trabalho? Falamos ou fazemos coisas que reafirmam o poder e a hierarquia profissional em detrimento do respeito ao direito da expressão e manifestação do cidadão atendido? Estaríamos reproduzindo um padrão de violência por meio da prática da tutela? 21 O que fazer para contribuir para a formação de uma cultura política de participação da maioria da população violada em seus direitos de cidadania? Entendemos que este desafio: É um processo histórico e coletivo; É concebida e gerada nas relações intra e interinstitucionais onde o indivíduo está inserido no seu cotidiano; É caracterizada como um processo de correlação de forças mediado por conflitos entre os interesses públicos e os interesses privados; Pode ser articulado de modo intersetorial em base local ou territorial no âmbito das políticas públicas; Deve articular proteção social com autonomia. 22 O Serviço Social e as políticas sociais: desafios à formação de uma cultura política de participação Questão Social – objeto de estudo e de intervenção do Serviço Social (ABEPSS) A política social e a proteção social pública emergem no cenário histórico como uma resposta à grande “Questão Social” . A política social é mediada pelos conflitos entre os interesses públicos e os interesses privados que se manifestam no cerne da contradição entre os interesses do capital e os interesses da classe trabalhadora ou daqueles que vivem do trabalho. 23 O Serviço Social e as políticas sociais: desafios à formação de uma cultura política de participação Proteção Social – direito de cidadania assegurado na Constituição Brasileira de 1988. A política da assistência social Passa a compor o tripé da Seguridade Social, ao lado da Saúde e da Previdência Os artigos 203 e 204 da CF/1988, a LOAS (1993) e a NOB/SUAS (2004/2005) constituem o eixo principal do seu marco legal A proteção social deve operar protetiva e preventivamente Não se reduz a benefícios, incluindo serviços, programas e projetos Organiza as ações em bases territoriais de modo intersetorial e enfatiza o controle social A proteção social básica e especial, de média e de alta complexidade deve afiançar meios para o desenvolvimento da auto-estima e autonomia 24 O Serviço Social e as políticas sociais: desafios à formação de uma cultura política de participação Reconhecendo que a hierarquia, as relações de poder e os valores que constituem a dinâmica da rotina intra-institucional condiciona diretamente o tipo de atendimento e a cultura política dos usuários, Considera-se importante: Instituir ou reafirmar um conjunto de linguagens, símbolos e atitudes que possam vir a gerar sentimentos de confiança e auto-estima, objetivando ampliar as condições de mudança da cultura política de sujeição para a cultura política de participação 25 O Serviço Social e as políticas sociais: desafios à formação de uma cultura política de participação Considera-se importante Reforçar e ampliar os canais da crítica, sobretudo da auto-crítica, fazendo realçar as contradições das práticas cotidianas capturadas pela tendência clientelista e populista 26 O Serviço Social e as políticas sociais: desafios à formação de uma cultura política de participação Considera-se importante Construir categorias e conceitos a partir de experiências práticas vivenciadas pelos usuários, técnicos e gestores das políticas sociais 27 O Serviço Social e as políticas sociais: desafios à formação de uma cultura política de participação Considera-se importante Investir na pesquisa e na produção de conhecimento sobre as faces subjetivas da pobreza e da violência 28 O Serviço Social e as políticas sociais: desafios à formação de uma cultura política de participação Considera-se importante Identificar nas localidades as possíveis forças políticas e culturais que possam incentivar processos de auto-análise e de autogestão 29