FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de
responsabilização penal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais. Revista Eletrônica de Iniciação
Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 921-942, 1º Trimestre de 2013.
Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044
A POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO PENAL EXCLUSIVA
DA PESSOA JURÍDICA EM CRIMES AMBIENTAIS
Gizele Luzia de Mello de Freitas1
Adriana Maria Gomes de Souza Spengler2
SUMÁRIO
Introdução; 1. Teoria do crime sob a égide da doutrina penal clássica como principal
fator impeditivo da responsabilização penal da pessoa jurídica; 2. Teoria da ficção e
Teoria da realidade; 3 Responsabilidade penal da pessoa jurídica no Direito
Comparado; 3.1. Portugal; 3.2. Inglaterra; 3.3. França; 3.4. Espanha; 4. Da
responsabilização penal da pessoa jurídica em crimes ambientais no sistema jurídico
brasileiro; 4.1. Dos principais argumentos desfavoráveis à responsabilização criminal
do ente moral; 4.2. Dos principais argumentos favoráveis à responsabilização
criminal do ente moral; 4.3. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça e
Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina; Considerações Finais; Referências
das fontes citadas.
RESUMO
O objeto do presente artigo científico é verificar a possibilidade de responsabilização
criminal da pessoa jurídica em crimes ambientais, mais especificamente de forma
exclusiva. No ordenamento jurídico brasileiro, a possibilidade de imputação penal do
ente empresarial encontra respaldo legal na Constituição Federal vigente do Brasil,
notadamente no art. 173, § 5º, o qual admite tal hipótese nos casos de crime contra
a ordem econômica, financeira e contra economia popular e também no art. 225, §
3º, este relativo aos crimes contra o meio ambiente, enfoque do artigo em apreço.
Neste sentido, surgiu a Lei 9.605/98, que prevê em seu art. 3º, caput e §3º a
responsabilidade criminal do ente moral para os delitos ambientais, além de outras
legislações em vigor. Não bastasse isso, há entendimento adverso do que o texto
legal impõe. Alguns doutrinadores e inclusive Tribunais seguidores da corrente
clássica da Teoria do crime, a qual constrói o delito sobre a conduta humana,
entendem ser inadmissível a responsabilidade penal da pessoa jurídica, ao menos,
de forma direta. Assim, este artigo demonstra a problemática acerca da
responsabilização do ente social no sistema jurídico brasileiro, trazendo os
argumentos pertinentes ao assunto, bem como comparando com o sistema jurídico
de outros Países. Por fim, utilizou-se o método indutivo para sua elaboração.
Palavras-chave:
Possibilidade.
Responsabilidade
criminal
exclusiva.
1
Acadêmica do 10º período do curso de Direito da UNIVALI. [email protected].
2
Mestre. Professora do curso de Direito da UNIVALI. [email protected].
921
Pessoa
jurídica.
FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de
responsabilização penal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais. Revista Eletrônica de Iniciação
Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 921-942, 1º Trimestre de 2013.
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INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem por objetivo analisar a possibilidade de
responsabilidade criminal da pessoa jurídica, notadamente no âmbito dos crimes
ambientais, em especial de forma direta, sem a presença da pessoa física como
corresponsável pela infração penal.
Para tanto, inicialmente, será abordado à teoria do crime adotada pelo
Direito Penal clássico, a qual não aceita a responsabilização exclusiva dos entes
morais, sob a principal justificativa de que estas não podem ser autoras de delito,
uma vez que não são capazes de realizar ações ou omissões próprias.
Seguidamente, pretender-se-á esclarecer a teoria da ficção e a teoria da
realidade. Em síntese, aquela não admite a efetiva existência da pessoa jurídica e
sua consequente imputação penal, ao passo que, esta compreende o ente jurídico
dotado de personalidade, com direitos e deveres, também perante a esfera penal.
Adiante, será demonstrado como funciona a responsabilização criminal da
pessoa jurídica no Direito Comparado aos seguintes países: Portugal, Inglaterra,
França, Venezuela.
Assim, verificar-se-á a importância do presente artigo na esfera acadêmica
utilizando o posicionamento doutrinário no direito penal e ambiental brasileiro,
agregando-se o entendimento jurisprudencial acerca do tema, bem como a
legislação vigente acerca da possibilidade ou não, da responsabilização penal da
pessoa jurídica, em especial a exclusiva.
Quanto à metodologia empregada no artigo científico, este se realizou pela
base lógica Indutiva, e foram utilizadas as Técnicas do Referente, da Categoria, do
Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica.
1 TEORIA DO CRIME SOB A ÉGIDE DA DOUTRINA PENAL CLÁSSICA COMO
PRINCIPAL FATOR IMPEDITIVO DA RESPONSABILIZAÇÃO PENAL
EXCLUSIVA DA PESSOA JURÍDICA
Ao iniciar seu capítulo acerca do esboço estrutural da teoria do delito,
Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli dispõem que os delitos não
podem ser nada diferentes de condutas humanas. Para eles, quando uma conduta
se ajusta a algum dos tipos penais, seja previsto no Código Penal ou em leis
922
FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de
responsabilização penal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais. Revista Eletrônica de Iniciação
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esparsas, diz-se que se trata de uma conduta típica ou, o mesmo, que apresentar a
característica de tipicidade. Neste sentido, descrevem as duas principais
características do delito como: uma genérica (conduta) e outra específica
(tipicidade), alegando que a conduta típica é uma espécie do gênero conduta3.
Embora descrevam em sua obra a teoria do crime unitário, a qual, em
síntese, define o delito apenas como uma “infração punível”, Eugenio Raúl Zaffaroni
e José Henrique Pierangeli sustentam que a teoria estratificada é a que mais se
apresenta viável a definição de delito. Conforme esta, os elementos utilizados para
conceituação de crime são os seguintes: conduta, entendida como ação ou omissão
voluntária; tipicidade: proibição de conduta dolosa e culposa (fato típico);
antijuridicidade, que é a contradição da conduta com a ordem jurídica estabelecida e
a culpabilidade, vista como a reprovabilidade da conduta praticada pelo agente. Tais
elementos surgiram mais precisamente com a concepção da teoria finalista da ação,
estrutura da teoria do delito adotada pelo Brasil.
Cesar Roberto Bitencourt explica que a partir dos anos trinta, em fases
diferentes, os doutrinadores procuraram conduzir a ação humana ao conceito central
da teoria do delito, considerado sob o prisma ontológico. Com isso, Welzel elaborou
o conceito finalista, conhecido como teoria final da ação. A contribuição mais
marcante desta foi a retirada dos elementos subjetivos que integravam a
culpabilidade – dolo e culpa - os quais foram deslocados para o injusto penal.
Dessa forma, também para o finalismo, crime continua sendo representado pela
ação típica, ilícita e culpável4.
Luiz Regis Prado sustenta que se tem amplamente dominado no Direito
Penal brasileiro, a tese da irresponsabilidade penal da pessoa jurídica, eis que se
fundamenta nos postulados da culpabilidade e da personalidade das penas. Isso
quer dizer que os delitos praticados no âmbito da pessoa jurídica só podem ser
imputados criminalmente às pessoas físicas5.
Fato é que, em idêntico raciocínio ao demonstrado acima, grande parte dos
penalistas entendem que o primeiro elemento do crime, qual seja a ação ou omissão
3
ZAFFARONI, R. Eugênio; PIERANGELI, Henrique José. Manual de Direito Penal brasileiro, v. 1: Parte Geral. 9ª
Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 341
4
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral 1. 17. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.
268.
5
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral, v.1. 7. Ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007, p. 270.
923
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típica (fato típico), somente pode ser efetivado por meio da conduta humana.
Importante questão relaciona-se com a culpabilidade, outro elemento, o qual está
intimamente atrelado à conduta humana considerada reprovável. Daí surge a
problemática da responsabilização penal da pessoa jurídica, em especial
isoladamente.
2 TEORIA DA FICÇÃO E TEORIA DA REALIDADE
Historicamente, o Direito Romano negou a capacidade delitiva das pessoas
jurídicas, entendendo que somente um cidadão livre podia ser titular de direitos e
deveres. De outro lado, o Direito Germânico, o qual entendeu o indivíduo como
titular de direitos e obrigações enquanto membro de uma comunidade aceitou como
consequência que as pessoas jurídicas respondessem pelos fatos puníveis
realizados por um dos que a ela pertenciam6. A concepção jurídica romanista foi um
dos fundamentos da teoria da ficção, criada por Savigny, a qual afirma que as
pessoas jurídicas têm existência fictícia, irreal ou de pura abstração, sendo
incapazes de delinquir, pois carecem de vontade e ação. A sua existência se funda
sobre as decisões de certo número de representantes que, em virtude de uma
ficção, são consideradas como suas; é uma representação semelhante, que exclui a
vontade, podendo ter efeito civil, mas nunca em relação à ordem penal7.
Segundo a teoria da ficção, somente o ser humano seria capaz de titularizar
relações jurídicas, visto ser o único dotado de vontade real e capacidade de ação ou
omissão. A personificação de grupos humanos ou patrimoniais não passaria de uma
criação legal, sem qualquer aplicação prática8.
Por seu turno, a teoria da realidade, da personalidade real ou orgânica, cujo
principal precursor foi Otto Gierke, fundamenta-se em pressupostos totalmente
diversos. A pessoa moral, não é um ser artificial, criado pelo Estado, mas sim um
ente real (vivo e ativo), independente dos indivíduos que a compõem. Igualmente a
pessoa física, atuando como um indivíduo, ainda que diante de procedimentos
diferentes e, por conseguinte, podendo atuar mal, delinquir e ser punida. A pessoa
6
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral, v.1, p. 268.
7
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral, v.1, p. 269.
8
ALVES, Rodrigo Ribeiro de Magalhães. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica por crimes ambientais.
Monografia. Faculdade de Direito. Universidade de Brasília, Brasília, 2009, p. 22.
924
FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de
responsabilização penal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais. Revista Eletrônica de Iniciação
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coletiva tem uma personalidade real, dotada de vontade própria, com capacidade de
agir e de praticar ilícitos penais. O ente corporativo existe, é uma realidade social,
um sujeito de direitos e deveres e, em consequência, é capaz de dupla
responsabilidade: civil e penal9.
Nesse sentido, tem-se uma comparação entre o organismo humano e a
estrutura organizacional da pessoa jurídica no tocante à independência do todo em
relação às partes que o compõe. Segundo esta teoria, a pessoa jurídica é um ente
dotado de interesses próprios, realizando atividades no meio social para consecução
dos seus objetivos10.
Nas palavras de Fernando da Costa Tourinho Filho, os que aceitam a tese
de que as pessoas jurídicas são tão reais quanto os homens, raciocinam da seguinte
maneira: se a pessoa jurídica tem uma personalidade autônoma e se tem direito e
obrigações distintos dos direitos e obrigações dos associados, porque não poderia
cometer um crime e incorrer em obrigações penais próprias? Se pode negar suas
dívidas, por que não pode cometer um estelionato e por esse crime ser castigada?11
Por oportuno, transcreve-se a lógica relativa à personalidade dos entes
morais defendida por Bevilaqua e utilizada por Alves:
O direito é alguma coisa de vivo, que consiste em transformações
constantes e que necessita de renovações ininterruptas, pois que a
natureza se evolve, mudam as necessidades e, com estas, o direito. Daí
resulta que o sujeito de direito deve ser formado de modo que possa
acompanhar as mutações do movimento, de modo que possa entrar nesse
movimento de uma maneira correspondentemente racional, isto é, conforme
as determinações do direito. Por isso, a ordem jurídica exige que sujeitos de
direito sejam, ao menos em sua generalidade, capazes de agir
racionalmente. Na primeira linha, aparece o homem, que é um ser dotado
de razão, e, depois, os seres aos quais se podem fornecer a razão humana
pela anexação de órgãos. Assim, naturalmente, se constituem dois gêneros
de pessoas: as corpóreas ou físicas e as morais ou jurídicas. Umas e outras
são igualmente reais; a distinção está em que umas são dotadas
naturalmente, de razão, ao passo que, às outras, a racionalidade é
12
parcialmente adquirida, mediante um arranjo especial do homem [...]
Importa ressaltar que tanto uma quanto outra teoria foi alvo de críticas. No
caso da teoria da ficção a crítica mais relevante se refere à própria existência do
9
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral, v.1, p. 270.
10
ALVES, Rodrigo Ribeiro de Magalhães. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica por crimes ambientais.
Monografia. Faculdade de Direito. Universidade de Brasília, Brasília, 2009, p. 22.
11
FILHO TOURINHO, Fernando da Costa. Processo Penal 2. 33ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 558.
12
ALVES, Rodrigo Ribeiro de Magalhães. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica por crimes ambientais.
Monografia. Faculdade de Direito. Universidade de Brasília, Brasília, 2009, p. 23. Retirado de: BEVILAQUA,
Clóvis. Teoria Geral do Direito Civil. 4a ed. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1972, p. 127.
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FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de
responsabilização penal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais. Revista Eletrônica de Iniciação
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Estado. Isso porque ao considerar que toda pessoa jurídica é uma criação sem
respaldo na realidade, esta teoria acaba por negar também a existência do Estado,
tendo por consequência o entendimento de que a lei, como expressão máxima de
sua soberania, também é fruto de mera ficção13.
Por tal razão entre outras é que, na atualidade prepondera o entendimento
de que as pessoas jurídicas não são apenas mera ficção e sim possuem realidade
própria, entretanto, totalmente diversa das pessoas físicas ou naturais14.
3
RESPONSABILIDADE
PENAL
DA
PESSOA
JURÍDICA
NO
DIREITO
COMPARADO
No XIII Congresso da Associação Internacional de Direito Penal, realizado
no Cairo-Egito em 1984, foi confirmado que a responsabilidade penal das
sociedades e de outros agrupamentos jurídicos é reconhecida em um número
crescente de países como uma forma apropriada de controlar os delitos econômicos
e aqueles provenientes de negócios. Neste diapasão, observa-se a adesão de vários
países no que se refere à responsabilização criminal da pessoa jurídica15.
3.1 Portugal
Portugal adotou a responsabilidade dos entes morais de forma mais discreta,
por meio do Decreto-lei 28, de 20.1.1984, sob a justificativa de que, sem dúvidas, as
maiores ofensas ao meio ambiente provem não da pessoa individual, mas da
pessoa coletiva.
Paulo Affonso Leme Machado, ao explicar acerca da concepção jurídica de
Portugal, destaca as seguintes palavras de Figueiredo Dias:
Na ação como na culpabilidade visualiza-se um ser livre como centro éticosocial da imputação jurídico-penal, e isto é próprio do ser humano. Mas não
se deve esquecer que a organização humano-social é, assim como o
próprio indivíduo humano, ‘obra de liberdade’ ou ‘realização do ser livre’ e,
por isso, parece aceitável que em certos setores especiais e bem
delimitados, ao indivíduo humano seja possível substituir-se como centro
ético-social da imputação jurídico-penal, a sua obra ou realização coletiva e,
13
ALVES, Rodrigo Ribeiro de Magalhães. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica por crimes ambientais.
Monografia. Faculdade de Direito. Universidade de Brasília, Brasília, 2009, p. 22.
14
SÁNCHEZ, Jesús María e outros. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica: Em defesa do princípio da
imputação penal subjetiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 103.
15
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 12ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 672.
926
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responsabilização penal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais. Revista Eletrônica de Iniciação
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portanto, a pessoa jurídica, associação, grupo ou corporação na qual
16
exprime-se o ser livre .
3.2 Inglaterra
O sistema Inglês, e os demais países pertencentes à família do common
Law, de estrutura totalmente diversa do sistema romano-germânico, vigora o
princípio da societas delinquere potest, o que quer dizer que a responsabilidade
penal da pessoa jurídica é reconhecida, fruto de uma construção jurisprudencial do
início do século XIX, também nas infrações não ambientais. A partir de 1940, os
ingleses ampliaram a responsabilização alcançando crimes de qualquer natureza. A
pessoa jurídica pôde ser responsabilizada por toda infração penal que sua condição
lhe permitisse realizar, sendo possível a responsabilização de forma objetiva e
subjetiva17.
A responsabilidade subjetiva, nos casos em que se faz necessário a
presença de culpa para a configuração do crime e, por conseguinte, tem-se como
indispensável uma ação ou omissão do ser humano, os ingleses utilizam como
fundamento penal a teoria da identificação, originária da jurisprudência cível que
alcançou a esfera penal. Por esta teoria, o juiz ou tribunal deve procurar identificar a
pessoa que não seja um empregado ou agente, cuja sociedade seja responsável
pelo fato em decorrência de uma relação hierárquica, mas qualquer um que a torne
responsável porque o ato incriminado é o próprio ato da sociedade. Assim, a pessoa
natural não fala, nem atua para a sociedade, ela atua enquanto sociedade e a
vontade que dirige suas ações é a vontade da própria sociedade. A pessoa física
torna-se a personificação do ente coletivo, sua vontade é a vontade dele, numa
verdadeira e total identificação18.
3.3 França
Em 1992, a França aderiu à responsabilidade penal das pessoas jurídicas,
sem excluir a responsabilidade da pessoa física de quem partiu a decisão, de forma
bastante ampla. No Código Penal Francês, diz o art. 121-2, alínea 3, que a
16
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro, p. 672.
17
SÁNCHEZ, Jesús María. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica: Em defesa do princípio da imputação
penal subjetiva, p. 116.
18
SÁNCHEZ, Jesús María. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica: Em defesa do princípio da imputação
penal subjetiva, p. 117/118.
927
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responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras ou
cúmplices dos mesmos fatos. A exposição de motivos acentuou que tal disposição
tem por objetivo que a responsabilidade criminal dos entes morais não constitua
uma cortina para mascarar as responsabilidades pessoais. No entanto, a tendência
é que a responsabilidade penal da pessoa jurídica seja somente da pessoa jurídica
nos casos de infrações de negligência e de imprudência, principalmente quando o
ato resultar de um defeito de concepção da empresa, em que o ato seja imputável a
decisões múltiplas ou tomadas a diversos níveis, ou seja, consequência de decisão
coletiva, ou seja, tomada por diversas pessoas em um nível determinado19.
Todas as pessoas jurídicas são objeto do novo Código Penal francês,
inclusive sindicatos e associações, tendo como exceção apenas o Estado e as
coletividades territoriais. Em respeito ao princípio da especialidade, o legislador
francês
decidiu
infração
por infração se
a
pessoa
jurídica
poderia
ser
responsabilizada. Assim, no âmbito ambiental foi reconhecida tal responsabilização
em determinados crimes, quais sejam: abandono de veículos em via pública,
poluição atmosférica, eliminação de dejetos sobre a água, entre outros. Na França, o
fundamento da responsabilidade dos grupos é a realidade da existência, sob todos
os aspectos, da pessoa moral, modo de expressão de um autêntico querer coletivo,
capaz de interdição, de ação, portanto de culpa. Desta forma, o legislador criou uma
penologia apropriada aos entes sociais. Enquanto as penas aplicadas aos indivíduos
visam, ao menos, em parte, à ressocialização, as penas previstas para as pessoas
jurídicas visam somente à prevenção e à dissuasão20.
Além disso, para justificar a responsabilização criminal da pessoa jurídica a
França utilizou o conceito de responsabilidade por ricochete (via reflexa), o qual
assim dispõe:
Trata-se de responsabilidade penal por ricochete, de empréstimo,
subsequente ou por procuração, que é explicada através do mecanismo
denominado "emprunt de criminalite", feito à pessoa física pela jurídica, e
que tem como suporte obrigatório a intervenção humana. Noutro dizer: a
responsabilidade penal da pessoa moral está condicionada à prática de um
fato punível suscetível de ser reprovado a uma pessoa física. Desse caráter
subsequente ou de empréstimo resulta importante consequência: a infração
penal imputada a uma pessoa jurídica será quase sempre igualmente
21
imputável a uma pessoa física .
19
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro, p. 673.
20
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro, p. 675.
21
CARNEIRO, Herbert José Almeida. Aspectos processuais da responsabilidade penal da pessoa jurídica.
Monografia. Faculdade de Direito. Universidade de Milton Campos, Nova Lima, Minas Gerais, 2008, p. 48.
928
FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de
responsabilização penal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais. Revista Eletrônica de Iniciação
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3.4 Espanha
A Espanha inovou ao adotar uma espécie sui generis da imputação de
responsabilidade penal dos entes morais, satisfazendo-se com a simples realização
de um injusto típico como fundamento da pena. Com efeito, admite-se a
possibilidade de responsabilização exclusiva da pessoa jurídica, imputando-lhe um
fato criminoso, com a pena correspondente, sem que seja necessário indagar sobre
a concreta posição individual daquele que teria infringido a norma penal22.
4 DA RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DA PESSOA JURÍDICA EM CRIMES
AMBIENTAIS NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO
Na legislação pátria a possibilidade de responsabilização penal da pessoa
jurídica surgiu com a Constituição Federal de 1988. Vislumbrou-se esta possibilidade
no art. 173, § 5º, ao impor que a Lei, sem prejuízo da responsabilidade individual do
dirigente, estabelecerá a responsabilização da pessoa jurídica, sujeitando-a as
punições compatíveis a sua natureza, quando praticado ato contra a ordem
econômica e financeira e contra a economia popular23.
No que diz respeito ao meio ambiente, tal responsabilização está
expressamente prevista no art. 225, § 3º, de nossa Carta Magna, o qual assim
dispõe:
As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente
sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções
penais e administrativas, independentemente da obrigação de
reparar os danos causados.
Além destas previsões constitucionais, surgiu a Lei n. 9.605/98, a qual
estatuiu no seu art. 3º, caput, que as pessoas jurídicas serão responsabilizadas,
administrativa, civil e penalmente, nos casos em que a conduta delitiva seja
cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão
colegiado, no interesse ou benefício da entidade empresarial. No parágrafo único
22
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral 1. 17. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.
295.
23
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF. Senado,
1988.
929
FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de
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estabeleceu que a responsabilidade das pessoas jurídicas, não exclui a das pessoas
físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato24.
Por outro lado, a Lei n. 12.529/2011, que dispõe sobre as infrações quanto à
ordem econômica, prevê em seu art. 31 que seu texto legal terá aplicação às
pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como quaisquer
associações de entidades ou pessoas, constituídas de fato ou de direito, ainda que
sem personalidade jurídica e temporariamente e mesmo que exerçam atividade sob
regime de monopólio. E, em seu art. 32 dispõe que as diversas formas de infração a
ordem econômica ensejam a responsabilidade da empresa e a responsabilidade
individual de seus dirigentes ou administradores, solidariamente25.
Em que pese existir tais previsões legais, reconhecendo a responsabilização
da pessoa jurídica, o tema apresenta certa resistência, principalmente com relação a
responsabilidade exclusiva. Isso porque, sempre que se analisa a responsabilidade
penal da pessoa jurídica, vêm à tona várias questões relacionadas à Teoria do Delito
clássica, a qual foi construída sob o enfoque do ser humano, questões estas que
serão demonstradas a seguir em contraposição com o entendimento favorável a tal
responsabilização.
4.1 Dos principais argumentos desfavoráveis à responsabilização criminal do
ente moral
O primeiro argumento é o relativo à culpabilidade, em que os que são contra,
ponderam que a pessoa jurídica pensa por meio das pessoas que a compõem.
Como ela não tem vontade própria, ânimo de delinquir, não há que se falar em juízo
de reprovação desta vontade, de modo que qualquer condenação seria baseada na
responsabilidade objetiva
26
, a qual cumpre observar, não é admitida pelo sistema
27
penal brasileiro .
24
BRASIL. Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de
condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Diário Oficial [da República Federativa
do Brasil], Brasília, 12 fev. 1998.
25
BRASIL. Lei 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência;
dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; [...]; e dá outras providências.
Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, 30 nov. 2011.
26
FREITAS, Vladimir Passos. FREITAS, Gilberto Passos. Crimes Contra a Natureza. 8 Ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2006, p. 69.
27
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral, v.1, p. 163.
930
FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de
responsabilização penal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais. Revista Eletrônica de Iniciação
Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 921-942, 1º Trimestre de 2013.
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A culpabilidade penal, somente poderia ser inserida como juízo de censura,
pela realização de um injusto típico perpetrado pela conduta humana livre
(culpabilidade da vontade), na reprovabilidade pessoal, formada pela imputabilidade
(capacidade de culpa), consciência potencial da ilicitude e exigibilidade de conduta
diversa. Isso porque, a culpabilidade entendida como a reprovabilidade da conduta
ilícita somente pode recair àquele que tem capacidade genérica de entender e
querer, podendo, nas circunstâncias em que o fato ocorreu conhecer a ilicitude e
ser-lhe exigível comportamento que se ajuste ao direito, o que não poderia ser
estendido às sociedades28.
De outro norte, tem-se a ausência de capacidade de ação ou omissão da
pessoa jurídica, a qual se refere à falta de consciência e vontade (em sentido
psicológico) desta e, com isso, a falta de capacidade de autodeterminação,
diferentemente da pessoa física, de modo que seria necessário o empréstimo de tais
faculdades pertencentes somente aos homens. Consequentemente, faltaria às
pessoas jurídicas a ação ou omissão típica consistente no exercício voluntário de
uma atividade finalista29.
Por seu turno, Fernando da Costa Tourinho Filho argumenta que nossa
legislação pátria não admite o reconhecimento da capacidade penal das pessoas
jurídicas. Em suas palavras, se o crime pressupõe uma conduta, cabe afirmar, que a
pessoa jurídica não pode delinquir, pois falta-lhe a capacidade de conduta. Se ela
não pode praticar uma ação ou omissão, como poderia atribuir conduta a esse ente
fictício30.
Assim, a conduta revelada por meio da ação ou omissão, como primeiro
elemento estrutural do crime, é produto apenas do homem, repudiando a hipótese
desta ser atribuída ao ente moral, vez que a conduta delituosa exige a manifestação
da vontade conscientemente dirigida a um fim e somente o ser humano poderia
atuar voluntariamente31.
Para Luiz Regis Prado, tal responsabilização constituiria violação aos
seguintes princípios: igualdade, pois com a identificação do ente moral como
28
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral, v.1, p. 165 e 272.
29
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral, v.1, p. 272.
30
FILHO TOURINHO, Fernando da Costa. Processo Penal 2, p. 558.
31
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral, v.1, p. 165.
931
FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de
responsabilização penal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais. Revista Eletrônica de Iniciação
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responsável, os possíveis coautores e partícipes poderiam ser beneficiados.
Também restaria prejudicada à humanização das penas, por considerar que o
referencial exclusivo de tal princípio é a condição humana, inerente somente às
pessoas naturais. Outra violação refere-se ao princípio da personalidade da pena, o
qual impede a aplicação de sanção penal contra quem não seja o autor ou partícipe.
Por tais argumentos, o grande problema apontado como consequência da pena à
pessoa jurídica que não tiver condições materiais ou morais para sobreviver, seria o
alcance de tal evento a todas as pessoas físicas e jurídicas que vivem sob sua
dependência32.
De outro lado, a admissão da responsabilidade da pessoa jurídica implicaria
em esvaziar o princípio da causalidade, inserto no art. 13 do Código Penal. Se a
responsabilidade é imputável a quem lhe deu causa e considera-se a causa como
ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido, não seria sábio imputar
uma conduta ao ente moral, vez que incapaz de realizar conduta própria33.
Tais argumentos expostos seriam, em tese, os principais impeditivos à
aplicação de eventual sanção penal direcionada somente aos entes morais.
Portanto, verifica-se que há grande resistência de muitos penalistas em aceitar a
responsabilização penal da pessoa jurídica.
4.2 Dos principais argumentos favoráveis à responsabilização criminal do ente
moral
Nos dizeres de Ney de Barros Bello Filho e José Rubens Morato Leite não
há violação ao princípio da pessoalidade da pena (previsto no art. 5º, inciso XLV da
Constituição Federal de 1988), pois quando o dirigente de uma sociedade pratica um
fato típico e a responsabilidade é sustentada pela empresa, em verdade, o ato foi
perpetrado por esta. Ao contrário, haveria ruptura do princípio constitucional se o ato
do ente moral fosse suportado pela pessoa física, pois atuou investida na condição
da própria pessoa jurídica. Por sua vez, o princípio da responsabilidade pessoal não
resta agredido quando se admite tal hipótese. É que apenas quem pratica o ato deve
ser por ele responsabilizado. E se o ato é da pessoa jurídica, por ela deve ser
sustentado. Igualmente, o princípio da individualização da pena não resta ofendido,
pois este diz respeito à sanção imposta às peculiaridades do condenado. Caso o
32
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral, v.1, p. 151/152.
33
FILHO TOURINHO, Fernando da Costa. Processo Penal 2, p. 559.
932
FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de
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condenado seja uma pessoa jurídica, terá de serem atendidas suas peculiaridades
para tornar efetiva a pena imposta34.
Ainda, sustentam que não há desrespeito ao princípio da culpabilidade. Isso
porque, o conceito de tal princípio não é humanístico e sim construído
historicamente. Assim, a culpabilidade presente na atitude da pessoa jurídica surge
da certeza de que culpa não é algo que se pode comprovar cientificamente e sim um
conceito de natureza filosófica, que pode ser revisto de acordo com o fenômeno que
se quer estudar35.
Assim, Ney de Barros Bello Filho e José Rubens Morato Leite entendem que
à ideia de vontade não está limitada apenas ao ser humano, ou seja, a vontade
poderia ser buscada no plano sociológico, como predisposição da pessoa física ou
jurídica de praticar um fim. Neste sentido, a formação de vontade dentro da empresa
caracteriza a vontade empresarial que sustenta a culpabilidade do ente moral frente
aos seus atos praticados, eis que o conceito de vontade não seria adstrito às
pessoas físicas. Segundo este entendimento, a pessoa coletiva é plenamente capaz
de vontade, pois nasce e vive do encontro das vontades individuais dos seus
membros. A vontade que a anima é coletiva, caracterizando-se em cada etapa de
sua vida, pela reunião, deliberação, votação da Assembleia, de modo que essa
vontade coletiva é capaz de cometer crimes tanto quanto a vontade individual. A
culpabilidade deve ser vista como culpabilidade social, partindo-se do pressuposto
que resta presente tal elemento, quando a pessoa jurídica deixa de cumprir a sua
função esperada pelo ordenamento jurídico, a qual é exigível de todas as demais
sociedades em igualdade de condições. Além disso, se a pessoa jurídica é passível
de culpa na seara cível e administrativa, deve também ser na esfera criminal, vez
que o ato é o mesmo e, por isso, a culpa necessariamente é a mesma36.
Paulo
Affonso
Leme
Machado
defende
que
o
acolhimento
da
responsabilidade penal da pessoa jurídica na Lei n. 9.605/98, mostra que houve
atualização na percepção do papel das empresas no mundo contemporâneo. Isso
porque, nas últimas décadas, a poluição, o desmatamento intensivo, a caça e a
34
LEITE, José Rubens Morato. BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito Ambiental Contemporâneo. São Paulo:
Manole, 2004, p. 154.
35
LEITE, José Rubens Morato. BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito Ambiental Contemporâneo, p. 157.
36
LEITE, José Rubens Morato. BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito Ambiental Contemporâneo, p. 158/159.
933
FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de
responsabilização penal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais. Revista Eletrônica de Iniciação
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pesca predatória não são mais praticados somente em pequena escala, eis que o
crime ambiental passou a ser principalmente corporativo37.
Vladimir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas, filiados à linha que
defende a responsabilização criminal da pessoa jurídica, informam que são muitos
os adeptos ao tema, destacando-se Celso Ribeiro Bastos, Júlio Fabbrini Mirabete,
Ada Pelegrini Grinover, Edis Milaré, Paulo Affonso Leme Machado, entre outros38.
E mais, Paulo Affonso Leme Machado ensina que a sanção do crime
ambiental e a em sede administrativa do ente moral guardam quase uma igualdade.
Todavia, com a experiência brasileira no tocante a omissão da Administração
Pública na imposição das sanções cabíveis, a possibilidade das pessoas jurídicas
serem responsabilizadas penalmente será uma tentativa, de ao menos, impor um
mínimo corretivo, para que as próximas gerações possam encontrar um planeta
habitável39.
Contudo, ante a exigência de imputar a responsabilidade à pessoa natural, o
direito penal ecológico tem enfrentado dificuldade de se tornar efetivo, em razão de
que nas grandes empresas, não raro, torna-se difícil identificar concretamente ao
causador do dano ambiental. Assim, muitos tem se valido da irresponsabilidade
penal da pessoa jurídica com o fito de desviar a responsabilidade criminal ecológica.
Por tal razão, justifica-se a criminalização da pessoa jurídica, nos delitos ambientais,
vez que, muitas vezes, as sanções são aplicadas contra agentes subalternos, que
sustentam as consequências criminais da atividade danosa, quando não são os
verdadeiros agressores do meio ambiente. Tornando-se totalmente ineficaz uma
eventual punição, pois estes funcionários podem ser facilmente substituídos,
possibilitando a prática indefinida das infrações ambientais por parte de uma mesma
empresa. Outra justificativa para a criminalização da conduta do ente moral seria a
dificuldade na comprovação da atitude do diretor ou do sócio-gerente, a fim de
driblar a frequente astúcia do mundo empresarial em esconder-se por trás da
pessoa jurídica, escapando das sanções penais ambientais40.
37
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro, p. 662.
38
FREITAS, Vladimir Passos. FREITAS, Gilberto Passos. Crimes Contra a Natureza, p. 69.
39
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro, p. 663.
40
LEITE, José Rubens Morato. BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito Ambiental Contemporâneo, p 134/135.
934
FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de
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Verifica-se que, mesmo na vigência de norma que autoriza a punição das
sociedades infratoras, a utilização dos princípios clássicos apegados à teoria
finalista da ação, somada ao emprego dos conceitos de culpabilidade e nexo causal,
sem atenção à finalidade da norma penal ambiental, podem levar este ramo do
direito punir funcionários subalternos, pessoas que agem sob a ordem dos dirigentes
cuja tipicidade da conduta não se pode comprovar e nem afirmar, sem a
flexibilização de velhos conceitos41.
Desta feita, para resolver o entrechoque de posicionamento entre o direito
penal clássico e o direito penal ambiental, faz-se necessário que os conceitos
referentes à “vontade criminosa”, aspectos “subjetivos” do crime (dogma da
culpabilidade), os quais foram construídos em função exclusiva da pessoa natural,
sejam adaptados à realidade dos entes coletivos, para se conseguir trabalhar a
imputabilidade da pessoa jurídica com o instrumento teórico da Dogmática
Tradicional adotado por nossa legislação. A partir destas reformulações seria
plenamente possível chegar à sujeição criminal ativa da pessoa jurídica, sem ter que
prescindir da culpa nos moldes de uma responsabilidade objetiva42.
Vladimir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas afirmam que a
responsabilização penal da pessoa jurídica, seja em conjunto com o dirigente ou de
forma isolada, é plenamente viável, uma vez que a censura da pessoa jurídica não
se confunde com a reprovação individual essencial, assim como o patrimônio da
pessoa jurídica e toda sua atividade estão de alguma sorte ligados aos indivíduos
que a integram. É certo que não se pode esperar da pessoa jurídica a consciência
da ilicitude. Mas, pode-se encontrar uma conduta dirigida a uma finalidade e chegar
a um juízo de reprovação social e criminal. É dizer, o juiz, ao decidir, deverá analisar
no caso concreto, as circunstâncias, as provas e, se for reprovável a conduta da
pessoa jurídica, exarar o decreto condenatório. Não se trata de responsabilidade
objetiva, pois as provas do fato e da autoria não significam, obrigatoriamente, a
necessidade de condenação43.
Outrossim, a responsabilidade penal das pessoas jurídicas não excluem a
das pessoas naturais, conforme os preceitos do art. 3º, parágrafo único, da Lei n.
41
LEITE, José Rubens Morato. BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito Ambiental Contemporâneo, p. 136.
42
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro, p. 663.
43
FREITAS, Vladimir Passos. FREITAS, Gilberto Passos. Crimes Contra a Natureza, p. 69.
935
FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de
responsabilização penal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais. Revista Eletrônica de Iniciação
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9.605/98. Esta previsão legal autoriza que a denúncia seja dirigida apenas contra a
pessoa jurídica, caso não se descubra a autoria ou participação das pessoas físicas,
e poderá também, ser direcionada contra todos. Foi exatamente para estas
hipóteses, que as pessoas jurídicas passaram a ser responsabilizadas, visto que na
maioria dos casos, não se descobria a autoria delitiva, notadamente porque quanto
mais poderosa a pessoa jurídica mais difícil se tornava identificar àqueles que, na
condição de sociedade empresarial, causaram os danos ambientais 44.
Para Vladimir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas o Ministério
Público poderá imputar o delito às pessoas físicas ou jurídicas, juntos ou
separadamente, dependendo do caso concreto.
E ainda, José Rubens Morato Leite e Ney de Barros Bello Filho sustentam
que para caracterização do fato como crime empresarial é necessário o
envolvimento da “máquina” da pessoa jurídica para a prática do delito. “Se for
possível entender que sem a existência da pessoa jurídica, com seus objetivos e
meios, o crime ambiental não teriam ocorrido, estar-se-ia diante de um verdadeiro
crime ambiental cometido pelo ente moral”45. E mais, o conceito de representante
legal previsto na lei deve ser interpretado extensivamente para abranger àqueles
que de fato dirigem a empresa. Não fosse assim, bastaria a simples alegação de
que o representante legal não dirige a empresa para afastar sua responsabilidade
em conjunto com o ente social.
4.3. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça e Tribunal do Estado de
Santa Catarina
Atualmente, na jurisprudência pátria, a responsabilização penal da pessoa
jurídica resta reconhecida, divergindo apenas no que diz respeito à possibilidade da
imputação ser isolada, ou seja, sem a presença da pessoa natural na condição de
dirigente da empresa, atuando como corresponsável do crime ambiental praticado.
Em
que
pese
alguns
doutrinadores
entendam
ser
possível
à
responsabilização penal exclusiva do ente moral mediante a adaptação dos
conceitos antigos frente à nova realidade, conforme acima demonstrado, tal tema
44
FREITAS, Vladimir Passos. FREITAS, Gilberto Passos. Crimes Contra a Natureza, p. 70.
45
LEITE, José Rubens Morato. BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito Ambiental Contemporâneo, p. 167.
936
FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de
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ainda não se mostra predominante nos Tribunais brasileiros, em especial o Superior
Tribunal de Justiça e o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.
Pelo contrário, prevalece nestes que a responsabilidade penal da pessoa
jurídica deve ocorrer em conjunto com as pessoas físicas, incumbidas da direção da
sociedade empresarial.
Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça manifestou-se pela
possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica, nos seguintes termos:
RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE.
OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. LEGITIMIDADE PASSIVA. PESSOA
JURÍDICA. RESPONSABILIZAÇÃO SIMULTÂNEA DO ENTE MORAL E DA
PESSOA FÍSICA. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO.
1. Aceita-se a responsabilização penal da pessoa jurídica em crimes
ambientais, sob a condição de que seja denunciada em coautoria com
pessoa
física,
que
tenha
agido
com
elemento
subjetivo
46
próprio.(Precedentes) .
Por sua vez, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina
assim entende:
CRIME AMBIENTAL - POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO
PENAL DA PESSOA JURÍDICA - PREVISÃO CONSTITUCIONAL
REGULAMENTADA POR LEI FEDERAL - MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DO
SOCIETAS
DELINQUERE
NON
POTEST
PRECEDENTES
JURISPRUDENCIAIS DAS CORTES SUPERIORES - RECURSO
MINISTERIAL PROVIDO.
1 Não aceitar a responsabilização penal da pessoa jurídica é negar
cumprimento à Constituição Federal (art. 225, § 3º) e à lei (art. 3º da Lei n.
9.605/98).
2 Se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento jurídico e
pratica atos no meio social através da atuação de seus administradores,
poderá vir a praticar condutas típicas e, portanto, ser passível de
responsabilização penal (Recurso Especial n. 628.637/SC, rel. Min. Gilson
47
Dipp, j. em 2/6/2005) .
PENAL. CRIME AMBIENTAL. CAUSAR POLUIÇÃO MEDIANTE
LANÇAMENTO DE RESÍDUOS LÍQUIDOS EM DESACORDO COM AS
EXIGÊNCIAS LEGAIS (LEI 9.605/98. ART. 54, § 2º, V). AUTORIA DA
PESSOA FÍSICA CONFIGURADA ANTE O DEVER DE IMPEDIR A
CONTINUIDADE
DA
PRÁTICA
DELITIVA.
MATERIALIDADE
COMPROVADA ATRAVÉS DE LAUDO PERICIAL. POSSIBILIDADE DE
IMPUTAR RESPONSABILIDADE PENAL À PESSOA JURÍDICA POR
FORÇA DA TEORIA DA REALIDADE. DOLO EVENTUAL CONFIGURADO.
SANÇÃO
PECUNIÁRIA
FIXADA
EM
VALOR
ADEQUADO.
CONDENAÇÃO MANTIDA.
46
Recurso Especial 800817, Ministro Celso Limongi, desembargador convocado do TJ/SP. Julgado em 4.2.2010,
publicado
no
D.J.
de
22.2.2010.
Acessado
em
10.9.2012.
Disponível
em:
http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?newsession=yes&tipo_visualizacao=RESUMO&b=ACOR&livre=800817
.
47
Recurso Criminal 2008.050394-0. Lages-SC. Relator: Des. Moacyr de Moraes Lima Filho. Julgado em 21.10.08,
publicado
no
D.J.
de
18.11.2011.
Acessado
em:10.9.2012.
Disponível
em:http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/avancada.jsp#resultado_ancora
937
FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de
responsabilização penal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais. Revista Eletrônica de Iniciação
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[...]
- A adoção em nosso ordenamento jurídico da teoria da realidade,
elaborada por Otto Gierke, permite a imputação de responsabilidade penal à
48
pessoa jurídica. [...] .
Infere-se de tais julgados que a responsabilização criminal da pessoa
jurídica esta reconhecida nestes Tribunais, tendo em vista a aplicação da teoria da
realidade, que confirma a existência deste ente, bem como os dispositivos legais
que cuidam da matéria (art. 225, CFRFB/88 e art. 3º da Lei n. 9.065/98).
Entretanto, sob o prisma da interpretação prevalente no Superior Tribunal de
Justiça, a responsabilidade penal das sociedades somente é aceitável se
identificada e considerada a atuação da pessoa física dirigente, uma vez que aquela
só poderia praticar crime por intermédio de uma ação humana, de modo que, em
regra, a responsabilização deve ser simultânea. Caso contrário, se for excluída a
imputação ao dirigente responsável pela conduta incriminada, a ação penal deve ser
trancada.
Por oportuno, colaciona-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO
PROCESSUAL PENAL. CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIZAÇÃO DA
PESSOA JURÍDICA. POSSIBILIDADE. TRANCAMENTO DA AÇÃO
PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. OCORRÊNCIA. 1. Admitida a
responsabilização penal da pessoa jurídica, por força de sua previsão
constitucional, requisita a actio poenalis, para a sua possibilidade, a
imputação simultânea da pessoa moral e da pessoa física que, mediata ou
imediatamente, no exercício de sua qualidade ou atribuição conferida pela
estatuto social, pratique o fato-crime, atendendo-se, assim, ao princípio do
nullum crimen sine actio humana. 2. Excluída a imputação aos dirigentes
responsáveis pelas condutas incriminadas, o trancamento da ação penal,
49
relativamente à pessoa jurídica, é de rigor .
Em sentido contrário, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal aceita a
responsabilização criminal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais:
Global Village Telecom Ltda interpõe recurso extraordinário, com
fundamento na alínea “a” do permissivo constitucional, contra acórdão da
Turma Recursal Criminal dos Juizados Especiais do Rio Grande do Sul,
proferido no julgamento da Apelação Criminal nº 71002552503, assim
ementado: “CRIME AMBIENTAL. ARTIGO 60, CAPUT, DA LEI 9605/98.
PRELIMINARES AFASTADAS. ABSOLVIDO RÉU POR INEXISTENCIA DE
PARTICIPAÇÃO NO DELITO. MANTIDA CONDENAÇÃO DA RÉ GVT. A
48
Apelação Criminal 2009.071074-4. Rio do Sul-SC. Relator: Des. Carlos Alberto Civinski. Julgado em 27.10.11,
publicado
no
D.J.
de
9.11.2011.
Acessado
em
10.9.2012.
Disponível
em:
http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/avancada.jsp#resultado_ancora
49
Recurso Ordinário n. 16.696, Ministro Hamilton Carvalhido. Julgado em 9.2.2006, publicado no D.J. de
13.3.2006.
Acessado
em
11.
11.
2012.
Disponível
em:
https://ww2.stj.jus.br/processo/revistaeletronica/inteiroteor?num_registro=2003/01136144&data=13/3/2006.
938
FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de
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denúncia preenche os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal,
bem como do art. 395, inc. I, II e III do mesmo Diploma Legal, haja vista
qualificar os réus, descrever fato, que em tese é típico, em todas as suas
circunstâncias, as partes são legítimas, há interesse de agir, enfim,
preenche todos os requisitos para a instauração da ação penal. Inexiste
nulidade na audiência de oitiva de testemunhas de acusação e defesa e nos
depoimentos das testemunhas arroladas pelo Ministério Público, já que não
ocorreu nenhum prejuízo para os réus, que se defenderam dos fatos a ele
imputados. Mesmo constando que se tratava de audiência para oferta de
suspensão condicional do processo, foram ouvidas as testemunhas de
defesa, na presença de advogado, inexistindo prejuízo. Não há prejuízo em
razão da apresentação de rol pelo Ministério Público alguns dias depois do
oferecimento da denúncia, pois foi dada ciência aos acusados, por ocasião
da citação. Trata-se de crime de mera conduta, que independe de resultado
naturalístico, e de perigo abstrato, uma vez que a lei fala em atividade
potencialmente poluidora. A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente
adotou a sistemática da responsabilidade civil objetiva, recepcionada pela
Constituição Federal, sendo irrelevante e impertinente a discussão se o
agente agiu com culpa ou dolo. Comprovada a ausência de participação do
réu, que era gerente administrativo financeiro da empresa, sem nenhuma
ingerência no licenciamento das antenas, vai absolvido. Comprovado que a
ré GVT, sem licença ambiental, fez funcionar estabelecimento
potencialmente poluidor, praticou o crime ambiental previsto no art. 60 da
Lei 9.605/98. “Prova suficiente para a manutenção da condenação e da
pena, corretamente aplicada à ré pessoa jurídica”50.
José Rubens Morato Leite e Ney de Barros Bello Filho ressaltam que em
muitos casos não há uma deliberação empresarial definida no sentido de praticar
este ou aquele crime ambiental, mas apenas uma apresentação de linhas mestras
de condutas que findam por levar a própria sociedade empresarial a cometer o delito
por meio de seus funcionários subalternos, sem a participação direta de seus
dirigentes51. Tal fato, evidentemente dificulta a responsabilização por crime
ambiental, visto que se torna difícil identificar a conduta específica do dirigente para
atingir a finalidade delitiva.
Por tais motivos, o direito penal ambiental movimenta-se em busca da
realização do princípio da máxima efetividade e o princípio da prevenção. Isso
porque a efetivação das normas ambientais – na vigência da responsabilidade
individual exclusiva – era reduzida, exatamente pelo fato de que o ente moral
funcionava como um biombo para a prática dos crimes, uma vez que muitas vezes
não era possível alcançar os verdadeiros responsáveis por trás da estrutura
orgânica do ente coletivo, ocasionando a irresponsabilidade penal nestes casos52.
50
Recurso Extraordinário n. 628.582, Ministro Dias Toffoli. Julgado em 22.2.2011, publicado no D.J. de 1.3.2011.
Acessado em 11. 11. 2012. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia
51
LEITE, José Rubens Morato. BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito Ambiental Contemporâneo, p. 135.
52
LEITE, José Rubens Morato. BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito Ambiental Contemporâneo, p. 135.
939
FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de
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Assim ao criminalizar a conduta da pessoa jurídica, a Constituição e a Lei, não
somente garantiram a máxima efetivação das normas penais ambientais, como
também deram importante passo no sentido de garantir uma ordem jurídica que
previna os danos ao meio ambiente, em vez de apenas pugnar pela indenização ou
reposição do status quo ante53.
Ademais, no intuito de afirmar um direito penal ecológico e tendo clara a
peculiaridade desse mesmo direito, o qual surge para tutelar bens jurídicos
plurindividuais, faz-se mister perceber que os institutos do Direito Penal clássico não
se prestam, na íntegra, à efetivação do direito penal ambiental. Velhas formas e
princípios gestados sob a égide do liberalismo não podem ser aplicados totalmente,
notadamente porque se trata de proteger um bem jurídico que não fora pensado
quando tais institutos nasceram54. Os bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal
Clássico eram intimamente ligados à pessoa natural, de modo que possuíam forte
carga personalíssima, fruto do pensamento da época. Com a evolução da
sociedade, do direito e dos institutos, não se concebe mais utilizar tais concepções
para normatizar a realidade. Desta feita, o Direito Penal deve flexibilizar seus velhos
dogmas, em nome de um Direito Penal de prevenção e mais efetivo, para que possa
cumprir sua função social frente a uma realidade em constante modificação55.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em que pese a responsabilização penal da pessoa jurídica estar prevista na
legislação pátria, bem como o seu reconhecimento crescente frente aos Tribunais
brasileiros, verifica-se a necessidade de adaptação dos conceitos relacionados à
teoria do delito clássica em relação aos crimes cometidos contra o meio ambiente
em âmbito societário, a fim melhor atender às peculiaridades do tema, em especial
no que tange a imputação penal exclusiva do ente social, e proporcionar a proteção
efetiva ao ambiente natural.
Sabe-se que o direito em si não é uma ciência exata e por tal motivo não
pode estar limitado a determinados conceitos e entendimentos.
53
LEITE, José Rubens Morato. BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito Ambiental Contemporâneo, p. 136.
54
LEITE, José Rubens Morato. BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito Ambiental Contemporâneo, p. 138.
55
LEITE, José Rubens Morato. BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito Ambiental Contemporâneo, p. 138.
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FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de
responsabilização penal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais. Revista Eletrônica de Iniciação
Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 921-942, 1º Trimestre de 2013.
Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044
Assim, muito embora algumas das teorias jurídicas construídas ao longo da
história funcionem como pilares de um sistema jurídico, sua existência não pode
atuar como óbice a aplicação do um novo direito exigido frente ao surgimento de
novos bens jurídicos tutelados, nem mesmo deve dotar legitimidade para impedir a
consecução da justiça.
Diante de todo o exposto, é inegável a necessidade de construção de novos
conceitos ou, ao menos, a flexibilização no que diz respeito à teoria do delito
adotada por nosso País. Isso porque, não se pode negar que a atuação de cada
diretor tomada em conjunto forma uma ação ou omissão da própria empresa voltada
a atingir os seus interesses e não o interesse particular de cada dirigente. Por tal
razão, a sociedade deve ser responsabilizada criminalmente, inclusive de forma
exclusiva, notadamente para que se evite a responsabilização de pessoas alheias
ao delito apenas para cumprir a necessidade da conduta criminosa ser praticada por
pessoa física e também para impedir a impunidade, caso não identificados os
responsáveis pela decisão que culminou na conduta delituosa do ente jurídico.
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