FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de responsabilização penal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 921-942, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 A POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO PENAL EXCLUSIVA DA PESSOA JURÍDICA EM CRIMES AMBIENTAIS Gizele Luzia de Mello de Freitas1 Adriana Maria Gomes de Souza Spengler2 SUMÁRIO Introdução; 1. Teoria do crime sob a égide da doutrina penal clássica como principal fator impeditivo da responsabilização penal da pessoa jurídica; 2. Teoria da ficção e Teoria da realidade; 3 Responsabilidade penal da pessoa jurídica no Direito Comparado; 3.1. Portugal; 3.2. Inglaterra; 3.3. França; 3.4. Espanha; 4. Da responsabilização penal da pessoa jurídica em crimes ambientais no sistema jurídico brasileiro; 4.1. Dos principais argumentos desfavoráveis à responsabilização criminal do ente moral; 4.2. Dos principais argumentos favoráveis à responsabilização criminal do ente moral; 4.3. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça e Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina; Considerações Finais; Referências das fontes citadas. RESUMO O objeto do presente artigo científico é verificar a possibilidade de responsabilização criminal da pessoa jurídica em crimes ambientais, mais especificamente de forma exclusiva. No ordenamento jurídico brasileiro, a possibilidade de imputação penal do ente empresarial encontra respaldo legal na Constituição Federal vigente do Brasil, notadamente no art. 173, § 5º, o qual admite tal hipótese nos casos de crime contra a ordem econômica, financeira e contra economia popular e também no art. 225, § 3º, este relativo aos crimes contra o meio ambiente, enfoque do artigo em apreço. Neste sentido, surgiu a Lei 9.605/98, que prevê em seu art. 3º, caput e §3º a responsabilidade criminal do ente moral para os delitos ambientais, além de outras legislações em vigor. Não bastasse isso, há entendimento adverso do que o texto legal impõe. Alguns doutrinadores e inclusive Tribunais seguidores da corrente clássica da Teoria do crime, a qual constrói o delito sobre a conduta humana, entendem ser inadmissível a responsabilidade penal da pessoa jurídica, ao menos, de forma direta. Assim, este artigo demonstra a problemática acerca da responsabilização do ente social no sistema jurídico brasileiro, trazendo os argumentos pertinentes ao assunto, bem como comparando com o sistema jurídico de outros Países. Por fim, utilizou-se o método indutivo para sua elaboração. Palavras-chave: Possibilidade. Responsabilidade criminal exclusiva. 1 Acadêmica do 10º período do curso de Direito da UNIVALI. [email protected]. 2 Mestre. Professora do curso de Direito da UNIVALI. [email protected]. 921 Pessoa jurídica. FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de responsabilização penal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 921-942, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 INTRODUÇÃO A presente pesquisa tem por objetivo analisar a possibilidade de responsabilidade criminal da pessoa jurídica, notadamente no âmbito dos crimes ambientais, em especial de forma direta, sem a presença da pessoa física como corresponsável pela infração penal. Para tanto, inicialmente, será abordado à teoria do crime adotada pelo Direito Penal clássico, a qual não aceita a responsabilização exclusiva dos entes morais, sob a principal justificativa de que estas não podem ser autoras de delito, uma vez que não são capazes de realizar ações ou omissões próprias. Seguidamente, pretender-se-á esclarecer a teoria da ficção e a teoria da realidade. Em síntese, aquela não admite a efetiva existência da pessoa jurídica e sua consequente imputação penal, ao passo que, esta compreende o ente jurídico dotado de personalidade, com direitos e deveres, também perante a esfera penal. Adiante, será demonstrado como funciona a responsabilização criminal da pessoa jurídica no Direito Comparado aos seguintes países: Portugal, Inglaterra, França, Venezuela. Assim, verificar-se-á a importância do presente artigo na esfera acadêmica utilizando o posicionamento doutrinário no direito penal e ambiental brasileiro, agregando-se o entendimento jurisprudencial acerca do tema, bem como a legislação vigente acerca da possibilidade ou não, da responsabilização penal da pessoa jurídica, em especial a exclusiva. Quanto à metodologia empregada no artigo científico, este se realizou pela base lógica Indutiva, e foram utilizadas as Técnicas do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica. 1 TEORIA DO CRIME SOB A ÉGIDE DA DOUTRINA PENAL CLÁSSICA COMO PRINCIPAL FATOR IMPEDITIVO DA RESPONSABILIZAÇÃO PENAL EXCLUSIVA DA PESSOA JURÍDICA Ao iniciar seu capítulo acerca do esboço estrutural da teoria do delito, Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli dispõem que os delitos não podem ser nada diferentes de condutas humanas. Para eles, quando uma conduta se ajusta a algum dos tipos penais, seja previsto no Código Penal ou em leis 922 FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de responsabilização penal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 921-942, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 esparsas, diz-se que se trata de uma conduta típica ou, o mesmo, que apresentar a característica de tipicidade. Neste sentido, descrevem as duas principais características do delito como: uma genérica (conduta) e outra específica (tipicidade), alegando que a conduta típica é uma espécie do gênero conduta3. Embora descrevam em sua obra a teoria do crime unitário, a qual, em síntese, define o delito apenas como uma “infração punível”, Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli sustentam que a teoria estratificada é a que mais se apresenta viável a definição de delito. Conforme esta, os elementos utilizados para conceituação de crime são os seguintes: conduta, entendida como ação ou omissão voluntária; tipicidade: proibição de conduta dolosa e culposa (fato típico); antijuridicidade, que é a contradição da conduta com a ordem jurídica estabelecida e a culpabilidade, vista como a reprovabilidade da conduta praticada pelo agente. Tais elementos surgiram mais precisamente com a concepção da teoria finalista da ação, estrutura da teoria do delito adotada pelo Brasil. Cesar Roberto Bitencourt explica que a partir dos anos trinta, em fases diferentes, os doutrinadores procuraram conduzir a ação humana ao conceito central da teoria do delito, considerado sob o prisma ontológico. Com isso, Welzel elaborou o conceito finalista, conhecido como teoria final da ação. A contribuição mais marcante desta foi a retirada dos elementos subjetivos que integravam a culpabilidade – dolo e culpa - os quais foram deslocados para o injusto penal. Dessa forma, também para o finalismo, crime continua sendo representado pela ação típica, ilícita e culpável4. Luiz Regis Prado sustenta que se tem amplamente dominado no Direito Penal brasileiro, a tese da irresponsabilidade penal da pessoa jurídica, eis que se fundamenta nos postulados da culpabilidade e da personalidade das penas. Isso quer dizer que os delitos praticados no âmbito da pessoa jurídica só podem ser imputados criminalmente às pessoas físicas5. Fato é que, em idêntico raciocínio ao demonstrado acima, grande parte dos penalistas entendem que o primeiro elemento do crime, qual seja a ação ou omissão 3 ZAFFARONI, R. Eugênio; PIERANGELI, Henrique José. Manual de Direito Penal brasileiro, v. 1: Parte Geral. 9ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 341 4 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral 1. 17. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 268. 5 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral, v.1. 7. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 270. 923 FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de responsabilização penal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 921-942, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 típica (fato típico), somente pode ser efetivado por meio da conduta humana. Importante questão relaciona-se com a culpabilidade, outro elemento, o qual está intimamente atrelado à conduta humana considerada reprovável. Daí surge a problemática da responsabilização penal da pessoa jurídica, em especial isoladamente. 2 TEORIA DA FICÇÃO E TEORIA DA REALIDADE Historicamente, o Direito Romano negou a capacidade delitiva das pessoas jurídicas, entendendo que somente um cidadão livre podia ser titular de direitos e deveres. De outro lado, o Direito Germânico, o qual entendeu o indivíduo como titular de direitos e obrigações enquanto membro de uma comunidade aceitou como consequência que as pessoas jurídicas respondessem pelos fatos puníveis realizados por um dos que a ela pertenciam6. A concepção jurídica romanista foi um dos fundamentos da teoria da ficção, criada por Savigny, a qual afirma que as pessoas jurídicas têm existência fictícia, irreal ou de pura abstração, sendo incapazes de delinquir, pois carecem de vontade e ação. A sua existência se funda sobre as decisões de certo número de representantes que, em virtude de uma ficção, são consideradas como suas; é uma representação semelhante, que exclui a vontade, podendo ter efeito civil, mas nunca em relação à ordem penal7. Segundo a teoria da ficção, somente o ser humano seria capaz de titularizar relações jurídicas, visto ser o único dotado de vontade real e capacidade de ação ou omissão. A personificação de grupos humanos ou patrimoniais não passaria de uma criação legal, sem qualquer aplicação prática8. Por seu turno, a teoria da realidade, da personalidade real ou orgânica, cujo principal precursor foi Otto Gierke, fundamenta-se em pressupostos totalmente diversos. A pessoa moral, não é um ser artificial, criado pelo Estado, mas sim um ente real (vivo e ativo), independente dos indivíduos que a compõem. Igualmente a pessoa física, atuando como um indivíduo, ainda que diante de procedimentos diferentes e, por conseguinte, podendo atuar mal, delinquir e ser punida. A pessoa 6 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral, v.1, p. 268. 7 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral, v.1, p. 269. 8 ALVES, Rodrigo Ribeiro de Magalhães. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica por crimes ambientais. Monografia. Faculdade de Direito. Universidade de Brasília, Brasília, 2009, p. 22. 924 FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de responsabilização penal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 921-942, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 coletiva tem uma personalidade real, dotada de vontade própria, com capacidade de agir e de praticar ilícitos penais. O ente corporativo existe, é uma realidade social, um sujeito de direitos e deveres e, em consequência, é capaz de dupla responsabilidade: civil e penal9. Nesse sentido, tem-se uma comparação entre o organismo humano e a estrutura organizacional da pessoa jurídica no tocante à independência do todo em relação às partes que o compõe. Segundo esta teoria, a pessoa jurídica é um ente dotado de interesses próprios, realizando atividades no meio social para consecução dos seus objetivos10. Nas palavras de Fernando da Costa Tourinho Filho, os que aceitam a tese de que as pessoas jurídicas são tão reais quanto os homens, raciocinam da seguinte maneira: se a pessoa jurídica tem uma personalidade autônoma e se tem direito e obrigações distintos dos direitos e obrigações dos associados, porque não poderia cometer um crime e incorrer em obrigações penais próprias? Se pode negar suas dívidas, por que não pode cometer um estelionato e por esse crime ser castigada?11 Por oportuno, transcreve-se a lógica relativa à personalidade dos entes morais defendida por Bevilaqua e utilizada por Alves: O direito é alguma coisa de vivo, que consiste em transformações constantes e que necessita de renovações ininterruptas, pois que a natureza se evolve, mudam as necessidades e, com estas, o direito. Daí resulta que o sujeito de direito deve ser formado de modo que possa acompanhar as mutações do movimento, de modo que possa entrar nesse movimento de uma maneira correspondentemente racional, isto é, conforme as determinações do direito. Por isso, a ordem jurídica exige que sujeitos de direito sejam, ao menos em sua generalidade, capazes de agir racionalmente. Na primeira linha, aparece o homem, que é um ser dotado de razão, e, depois, os seres aos quais se podem fornecer a razão humana pela anexação de órgãos. Assim, naturalmente, se constituem dois gêneros de pessoas: as corpóreas ou físicas e as morais ou jurídicas. Umas e outras são igualmente reais; a distinção está em que umas são dotadas naturalmente, de razão, ao passo que, às outras, a racionalidade é 12 parcialmente adquirida, mediante um arranjo especial do homem [...] Importa ressaltar que tanto uma quanto outra teoria foi alvo de críticas. No caso da teoria da ficção a crítica mais relevante se refere à própria existência do 9 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral, v.1, p. 270. 10 ALVES, Rodrigo Ribeiro de Magalhães. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica por crimes ambientais. Monografia. Faculdade de Direito. Universidade de Brasília, Brasília, 2009, p. 22. 11 FILHO TOURINHO, Fernando da Costa. Processo Penal 2. 33ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 558. 12 ALVES, Rodrigo Ribeiro de Magalhães. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica por crimes ambientais. Monografia. Faculdade de Direito. Universidade de Brasília, Brasília, 2009, p. 23. Retirado de: BEVILAQUA, Clóvis. Teoria Geral do Direito Civil. 4a ed. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1972, p. 127. 925 FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de responsabilização penal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 921-942, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Estado. Isso porque ao considerar que toda pessoa jurídica é uma criação sem respaldo na realidade, esta teoria acaba por negar também a existência do Estado, tendo por consequência o entendimento de que a lei, como expressão máxima de sua soberania, também é fruto de mera ficção13. Por tal razão entre outras é que, na atualidade prepondera o entendimento de que as pessoas jurídicas não são apenas mera ficção e sim possuem realidade própria, entretanto, totalmente diversa das pessoas físicas ou naturais14. 3 RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA NO DIREITO COMPARADO No XIII Congresso da Associação Internacional de Direito Penal, realizado no Cairo-Egito em 1984, foi confirmado que a responsabilidade penal das sociedades e de outros agrupamentos jurídicos é reconhecida em um número crescente de países como uma forma apropriada de controlar os delitos econômicos e aqueles provenientes de negócios. Neste diapasão, observa-se a adesão de vários países no que se refere à responsabilização criminal da pessoa jurídica15. 3.1 Portugal Portugal adotou a responsabilidade dos entes morais de forma mais discreta, por meio do Decreto-lei 28, de 20.1.1984, sob a justificativa de que, sem dúvidas, as maiores ofensas ao meio ambiente provem não da pessoa individual, mas da pessoa coletiva. Paulo Affonso Leme Machado, ao explicar acerca da concepção jurídica de Portugal, destaca as seguintes palavras de Figueiredo Dias: Na ação como na culpabilidade visualiza-se um ser livre como centro éticosocial da imputação jurídico-penal, e isto é próprio do ser humano. Mas não se deve esquecer que a organização humano-social é, assim como o próprio indivíduo humano, ‘obra de liberdade’ ou ‘realização do ser livre’ e, por isso, parece aceitável que em certos setores especiais e bem delimitados, ao indivíduo humano seja possível substituir-se como centro ético-social da imputação jurídico-penal, a sua obra ou realização coletiva e, 13 ALVES, Rodrigo Ribeiro de Magalhães. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica por crimes ambientais. Monografia. Faculdade de Direito. Universidade de Brasília, Brasília, 2009, p. 22. 14 SÁNCHEZ, Jesús María e outros. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica: Em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 103. 15 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 12ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 672. 926 FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de responsabilização penal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 921-942, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 portanto, a pessoa jurídica, associação, grupo ou corporação na qual 16 exprime-se o ser livre . 3.2 Inglaterra O sistema Inglês, e os demais países pertencentes à família do common Law, de estrutura totalmente diversa do sistema romano-germânico, vigora o princípio da societas delinquere potest, o que quer dizer que a responsabilidade penal da pessoa jurídica é reconhecida, fruto de uma construção jurisprudencial do início do século XIX, também nas infrações não ambientais. A partir de 1940, os ingleses ampliaram a responsabilização alcançando crimes de qualquer natureza. A pessoa jurídica pôde ser responsabilizada por toda infração penal que sua condição lhe permitisse realizar, sendo possível a responsabilização de forma objetiva e subjetiva17. A responsabilidade subjetiva, nos casos em que se faz necessário a presença de culpa para a configuração do crime e, por conseguinte, tem-se como indispensável uma ação ou omissão do ser humano, os ingleses utilizam como fundamento penal a teoria da identificação, originária da jurisprudência cível que alcançou a esfera penal. Por esta teoria, o juiz ou tribunal deve procurar identificar a pessoa que não seja um empregado ou agente, cuja sociedade seja responsável pelo fato em decorrência de uma relação hierárquica, mas qualquer um que a torne responsável porque o ato incriminado é o próprio ato da sociedade. Assim, a pessoa natural não fala, nem atua para a sociedade, ela atua enquanto sociedade e a vontade que dirige suas ações é a vontade da própria sociedade. A pessoa física torna-se a personificação do ente coletivo, sua vontade é a vontade dele, numa verdadeira e total identificação18. 3.3 França Em 1992, a França aderiu à responsabilidade penal das pessoas jurídicas, sem excluir a responsabilidade da pessoa física de quem partiu a decisão, de forma bastante ampla. No Código Penal Francês, diz o art. 121-2, alínea 3, que a 16 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro, p. 672. 17 SÁNCHEZ, Jesús María. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica: Em defesa do princípio da imputação penal subjetiva, p. 116. 18 SÁNCHEZ, Jesús María. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica: Em defesa do princípio da imputação penal subjetiva, p. 117/118. 927 FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de responsabilização penal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 921-942, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras ou cúmplices dos mesmos fatos. A exposição de motivos acentuou que tal disposição tem por objetivo que a responsabilidade criminal dos entes morais não constitua uma cortina para mascarar as responsabilidades pessoais. No entanto, a tendência é que a responsabilidade penal da pessoa jurídica seja somente da pessoa jurídica nos casos de infrações de negligência e de imprudência, principalmente quando o ato resultar de um defeito de concepção da empresa, em que o ato seja imputável a decisões múltiplas ou tomadas a diversos níveis, ou seja, consequência de decisão coletiva, ou seja, tomada por diversas pessoas em um nível determinado19. Todas as pessoas jurídicas são objeto do novo Código Penal francês, inclusive sindicatos e associações, tendo como exceção apenas o Estado e as coletividades territoriais. Em respeito ao princípio da especialidade, o legislador francês decidiu infração por infração se a pessoa jurídica poderia ser responsabilizada. Assim, no âmbito ambiental foi reconhecida tal responsabilização em determinados crimes, quais sejam: abandono de veículos em via pública, poluição atmosférica, eliminação de dejetos sobre a água, entre outros. Na França, o fundamento da responsabilidade dos grupos é a realidade da existência, sob todos os aspectos, da pessoa moral, modo de expressão de um autêntico querer coletivo, capaz de interdição, de ação, portanto de culpa. Desta forma, o legislador criou uma penologia apropriada aos entes sociais. Enquanto as penas aplicadas aos indivíduos visam, ao menos, em parte, à ressocialização, as penas previstas para as pessoas jurídicas visam somente à prevenção e à dissuasão20. Além disso, para justificar a responsabilização criminal da pessoa jurídica a França utilizou o conceito de responsabilidade por ricochete (via reflexa), o qual assim dispõe: Trata-se de responsabilidade penal por ricochete, de empréstimo, subsequente ou por procuração, que é explicada através do mecanismo denominado "emprunt de criminalite", feito à pessoa física pela jurídica, e que tem como suporte obrigatório a intervenção humana. Noutro dizer: a responsabilidade penal da pessoa moral está condicionada à prática de um fato punível suscetível de ser reprovado a uma pessoa física. Desse caráter subsequente ou de empréstimo resulta importante consequência: a infração penal imputada a uma pessoa jurídica será quase sempre igualmente 21 imputável a uma pessoa física . 19 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro, p. 673. 20 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro, p. 675. 21 CARNEIRO, Herbert José Almeida. Aspectos processuais da responsabilidade penal da pessoa jurídica. Monografia. Faculdade de Direito. Universidade de Milton Campos, Nova Lima, Minas Gerais, 2008, p. 48. 928 FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de responsabilização penal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 921-942, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 3.4 Espanha A Espanha inovou ao adotar uma espécie sui generis da imputação de responsabilidade penal dos entes morais, satisfazendo-se com a simples realização de um injusto típico como fundamento da pena. Com efeito, admite-se a possibilidade de responsabilização exclusiva da pessoa jurídica, imputando-lhe um fato criminoso, com a pena correspondente, sem que seja necessário indagar sobre a concreta posição individual daquele que teria infringido a norma penal22. 4 DA RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DA PESSOA JURÍDICA EM CRIMES AMBIENTAIS NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO Na legislação pátria a possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica surgiu com a Constituição Federal de 1988. Vislumbrou-se esta possibilidade no art. 173, § 5º, ao impor que a Lei, sem prejuízo da responsabilidade individual do dirigente, estabelecerá a responsabilização da pessoa jurídica, sujeitando-a as punições compatíveis a sua natureza, quando praticado ato contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular23. No que diz respeito ao meio ambiente, tal responsabilização está expressamente prevista no art. 225, § 3º, de nossa Carta Magna, o qual assim dispõe: As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Além destas previsões constitucionais, surgiu a Lei n. 9.605/98, a qual estatuiu no seu art. 3º, caput, que as pessoas jurídicas serão responsabilizadas, administrativa, civil e penalmente, nos casos em que a conduta delitiva seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da entidade empresarial. No parágrafo único 22 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral 1. 17. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 295. 23 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF. Senado, 1988. 929 FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de responsabilização penal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 921-942, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 estabeleceu que a responsabilidade das pessoas jurídicas, não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato24. Por outro lado, a Lei n. 12.529/2011, que dispõe sobre as infrações quanto à ordem econômica, prevê em seu art. 31 que seu texto legal terá aplicação às pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como quaisquer associações de entidades ou pessoas, constituídas de fato ou de direito, ainda que sem personalidade jurídica e temporariamente e mesmo que exerçam atividade sob regime de monopólio. E, em seu art. 32 dispõe que as diversas formas de infração a ordem econômica ensejam a responsabilidade da empresa e a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores, solidariamente25. Em que pese existir tais previsões legais, reconhecendo a responsabilização da pessoa jurídica, o tema apresenta certa resistência, principalmente com relação a responsabilidade exclusiva. Isso porque, sempre que se analisa a responsabilidade penal da pessoa jurídica, vêm à tona várias questões relacionadas à Teoria do Delito clássica, a qual foi construída sob o enfoque do ser humano, questões estas que serão demonstradas a seguir em contraposição com o entendimento favorável a tal responsabilização. 4.1 Dos principais argumentos desfavoráveis à responsabilização criminal do ente moral O primeiro argumento é o relativo à culpabilidade, em que os que são contra, ponderam que a pessoa jurídica pensa por meio das pessoas que a compõem. Como ela não tem vontade própria, ânimo de delinquir, não há que se falar em juízo de reprovação desta vontade, de modo que qualquer condenação seria baseada na responsabilidade objetiva 26 , a qual cumpre observar, não é admitida pelo sistema 27 penal brasileiro . 24 BRASIL. Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, 12 fev. 1998. 25 BRASIL. Lei 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; [...]; e dá outras providências. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, 30 nov. 2011. 26 FREITAS, Vladimir Passos. FREITAS, Gilberto Passos. Crimes Contra a Natureza. 8 Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 69. 27 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral, v.1, p. 163. 930 FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de responsabilização penal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 921-942, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 A culpabilidade penal, somente poderia ser inserida como juízo de censura, pela realização de um injusto típico perpetrado pela conduta humana livre (culpabilidade da vontade), na reprovabilidade pessoal, formada pela imputabilidade (capacidade de culpa), consciência potencial da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. Isso porque, a culpabilidade entendida como a reprovabilidade da conduta ilícita somente pode recair àquele que tem capacidade genérica de entender e querer, podendo, nas circunstâncias em que o fato ocorreu conhecer a ilicitude e ser-lhe exigível comportamento que se ajuste ao direito, o que não poderia ser estendido às sociedades28. De outro norte, tem-se a ausência de capacidade de ação ou omissão da pessoa jurídica, a qual se refere à falta de consciência e vontade (em sentido psicológico) desta e, com isso, a falta de capacidade de autodeterminação, diferentemente da pessoa física, de modo que seria necessário o empréstimo de tais faculdades pertencentes somente aos homens. Consequentemente, faltaria às pessoas jurídicas a ação ou omissão típica consistente no exercício voluntário de uma atividade finalista29. Por seu turno, Fernando da Costa Tourinho Filho argumenta que nossa legislação pátria não admite o reconhecimento da capacidade penal das pessoas jurídicas. Em suas palavras, se o crime pressupõe uma conduta, cabe afirmar, que a pessoa jurídica não pode delinquir, pois falta-lhe a capacidade de conduta. Se ela não pode praticar uma ação ou omissão, como poderia atribuir conduta a esse ente fictício30. Assim, a conduta revelada por meio da ação ou omissão, como primeiro elemento estrutural do crime, é produto apenas do homem, repudiando a hipótese desta ser atribuída ao ente moral, vez que a conduta delituosa exige a manifestação da vontade conscientemente dirigida a um fim e somente o ser humano poderia atuar voluntariamente31. Para Luiz Regis Prado, tal responsabilização constituiria violação aos seguintes princípios: igualdade, pois com a identificação do ente moral como 28 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral, v.1, p. 165 e 272. 29 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral, v.1, p. 272. 30 FILHO TOURINHO, Fernando da Costa. Processo Penal 2, p. 558. 31 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral, v.1, p. 165. 931 FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de responsabilização penal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 921-942, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 responsável, os possíveis coautores e partícipes poderiam ser beneficiados. Também restaria prejudicada à humanização das penas, por considerar que o referencial exclusivo de tal princípio é a condição humana, inerente somente às pessoas naturais. Outra violação refere-se ao princípio da personalidade da pena, o qual impede a aplicação de sanção penal contra quem não seja o autor ou partícipe. Por tais argumentos, o grande problema apontado como consequência da pena à pessoa jurídica que não tiver condições materiais ou morais para sobreviver, seria o alcance de tal evento a todas as pessoas físicas e jurídicas que vivem sob sua dependência32. De outro lado, a admissão da responsabilidade da pessoa jurídica implicaria em esvaziar o princípio da causalidade, inserto no art. 13 do Código Penal. Se a responsabilidade é imputável a quem lhe deu causa e considera-se a causa como ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido, não seria sábio imputar uma conduta ao ente moral, vez que incapaz de realizar conduta própria33. Tais argumentos expostos seriam, em tese, os principais impeditivos à aplicação de eventual sanção penal direcionada somente aos entes morais. Portanto, verifica-se que há grande resistência de muitos penalistas em aceitar a responsabilização penal da pessoa jurídica. 4.2 Dos principais argumentos favoráveis à responsabilização criminal do ente moral Nos dizeres de Ney de Barros Bello Filho e José Rubens Morato Leite não há violação ao princípio da pessoalidade da pena (previsto no art. 5º, inciso XLV da Constituição Federal de 1988), pois quando o dirigente de uma sociedade pratica um fato típico e a responsabilidade é sustentada pela empresa, em verdade, o ato foi perpetrado por esta. Ao contrário, haveria ruptura do princípio constitucional se o ato do ente moral fosse suportado pela pessoa física, pois atuou investida na condição da própria pessoa jurídica. Por sua vez, o princípio da responsabilidade pessoal não resta agredido quando se admite tal hipótese. É que apenas quem pratica o ato deve ser por ele responsabilizado. E se o ato é da pessoa jurídica, por ela deve ser sustentado. Igualmente, o princípio da individualização da pena não resta ofendido, pois este diz respeito à sanção imposta às peculiaridades do condenado. Caso o 32 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral, v.1, p. 151/152. 33 FILHO TOURINHO, Fernando da Costa. Processo Penal 2, p. 559. 932 FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de responsabilização penal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 921-942, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 condenado seja uma pessoa jurídica, terá de serem atendidas suas peculiaridades para tornar efetiva a pena imposta34. Ainda, sustentam que não há desrespeito ao princípio da culpabilidade. Isso porque, o conceito de tal princípio não é humanístico e sim construído historicamente. Assim, a culpabilidade presente na atitude da pessoa jurídica surge da certeza de que culpa não é algo que se pode comprovar cientificamente e sim um conceito de natureza filosófica, que pode ser revisto de acordo com o fenômeno que se quer estudar35. Assim, Ney de Barros Bello Filho e José Rubens Morato Leite entendem que à ideia de vontade não está limitada apenas ao ser humano, ou seja, a vontade poderia ser buscada no plano sociológico, como predisposição da pessoa física ou jurídica de praticar um fim. Neste sentido, a formação de vontade dentro da empresa caracteriza a vontade empresarial que sustenta a culpabilidade do ente moral frente aos seus atos praticados, eis que o conceito de vontade não seria adstrito às pessoas físicas. Segundo este entendimento, a pessoa coletiva é plenamente capaz de vontade, pois nasce e vive do encontro das vontades individuais dos seus membros. A vontade que a anima é coletiva, caracterizando-se em cada etapa de sua vida, pela reunião, deliberação, votação da Assembleia, de modo que essa vontade coletiva é capaz de cometer crimes tanto quanto a vontade individual. A culpabilidade deve ser vista como culpabilidade social, partindo-se do pressuposto que resta presente tal elemento, quando a pessoa jurídica deixa de cumprir a sua função esperada pelo ordenamento jurídico, a qual é exigível de todas as demais sociedades em igualdade de condições. Além disso, se a pessoa jurídica é passível de culpa na seara cível e administrativa, deve também ser na esfera criminal, vez que o ato é o mesmo e, por isso, a culpa necessariamente é a mesma36. Paulo Affonso Leme Machado defende que o acolhimento da responsabilidade penal da pessoa jurídica na Lei n. 9.605/98, mostra que houve atualização na percepção do papel das empresas no mundo contemporâneo. Isso porque, nas últimas décadas, a poluição, o desmatamento intensivo, a caça e a 34 LEITE, José Rubens Morato. BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito Ambiental Contemporâneo. São Paulo: Manole, 2004, p. 154. 35 LEITE, José Rubens Morato. BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito Ambiental Contemporâneo, p. 157. 36 LEITE, José Rubens Morato. BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito Ambiental Contemporâneo, p. 158/159. 933 FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de responsabilização penal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 921-942, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 pesca predatória não são mais praticados somente em pequena escala, eis que o crime ambiental passou a ser principalmente corporativo37. Vladimir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas, filiados à linha que defende a responsabilização criminal da pessoa jurídica, informam que são muitos os adeptos ao tema, destacando-se Celso Ribeiro Bastos, Júlio Fabbrini Mirabete, Ada Pelegrini Grinover, Edis Milaré, Paulo Affonso Leme Machado, entre outros38. E mais, Paulo Affonso Leme Machado ensina que a sanção do crime ambiental e a em sede administrativa do ente moral guardam quase uma igualdade. Todavia, com a experiência brasileira no tocante a omissão da Administração Pública na imposição das sanções cabíveis, a possibilidade das pessoas jurídicas serem responsabilizadas penalmente será uma tentativa, de ao menos, impor um mínimo corretivo, para que as próximas gerações possam encontrar um planeta habitável39. Contudo, ante a exigência de imputar a responsabilidade à pessoa natural, o direito penal ecológico tem enfrentado dificuldade de se tornar efetivo, em razão de que nas grandes empresas, não raro, torna-se difícil identificar concretamente ao causador do dano ambiental. Assim, muitos tem se valido da irresponsabilidade penal da pessoa jurídica com o fito de desviar a responsabilidade criminal ecológica. Por tal razão, justifica-se a criminalização da pessoa jurídica, nos delitos ambientais, vez que, muitas vezes, as sanções são aplicadas contra agentes subalternos, que sustentam as consequências criminais da atividade danosa, quando não são os verdadeiros agressores do meio ambiente. Tornando-se totalmente ineficaz uma eventual punição, pois estes funcionários podem ser facilmente substituídos, possibilitando a prática indefinida das infrações ambientais por parte de uma mesma empresa. Outra justificativa para a criminalização da conduta do ente moral seria a dificuldade na comprovação da atitude do diretor ou do sócio-gerente, a fim de driblar a frequente astúcia do mundo empresarial em esconder-se por trás da pessoa jurídica, escapando das sanções penais ambientais40. 37 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro, p. 662. 38 FREITAS, Vladimir Passos. FREITAS, Gilberto Passos. Crimes Contra a Natureza, p. 69. 39 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro, p. 663. 40 LEITE, José Rubens Morato. BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito Ambiental Contemporâneo, p 134/135. 934 FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de responsabilização penal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 921-942, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Verifica-se que, mesmo na vigência de norma que autoriza a punição das sociedades infratoras, a utilização dos princípios clássicos apegados à teoria finalista da ação, somada ao emprego dos conceitos de culpabilidade e nexo causal, sem atenção à finalidade da norma penal ambiental, podem levar este ramo do direito punir funcionários subalternos, pessoas que agem sob a ordem dos dirigentes cuja tipicidade da conduta não se pode comprovar e nem afirmar, sem a flexibilização de velhos conceitos41. Desta feita, para resolver o entrechoque de posicionamento entre o direito penal clássico e o direito penal ambiental, faz-se necessário que os conceitos referentes à “vontade criminosa”, aspectos “subjetivos” do crime (dogma da culpabilidade), os quais foram construídos em função exclusiva da pessoa natural, sejam adaptados à realidade dos entes coletivos, para se conseguir trabalhar a imputabilidade da pessoa jurídica com o instrumento teórico da Dogmática Tradicional adotado por nossa legislação. A partir destas reformulações seria plenamente possível chegar à sujeição criminal ativa da pessoa jurídica, sem ter que prescindir da culpa nos moldes de uma responsabilidade objetiva42. Vladimir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas afirmam que a responsabilização penal da pessoa jurídica, seja em conjunto com o dirigente ou de forma isolada, é plenamente viável, uma vez que a censura da pessoa jurídica não se confunde com a reprovação individual essencial, assim como o patrimônio da pessoa jurídica e toda sua atividade estão de alguma sorte ligados aos indivíduos que a integram. É certo que não se pode esperar da pessoa jurídica a consciência da ilicitude. Mas, pode-se encontrar uma conduta dirigida a uma finalidade e chegar a um juízo de reprovação social e criminal. É dizer, o juiz, ao decidir, deverá analisar no caso concreto, as circunstâncias, as provas e, se for reprovável a conduta da pessoa jurídica, exarar o decreto condenatório. Não se trata de responsabilidade objetiva, pois as provas do fato e da autoria não significam, obrigatoriamente, a necessidade de condenação43. Outrossim, a responsabilidade penal das pessoas jurídicas não excluem a das pessoas naturais, conforme os preceitos do art. 3º, parágrafo único, da Lei n. 41 LEITE, José Rubens Morato. BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito Ambiental Contemporâneo, p. 136. 42 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro, p. 663. 43 FREITAS, Vladimir Passos. FREITAS, Gilberto Passos. Crimes Contra a Natureza, p. 69. 935 FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de responsabilização penal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 921-942, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 9.605/98. Esta previsão legal autoriza que a denúncia seja dirigida apenas contra a pessoa jurídica, caso não se descubra a autoria ou participação das pessoas físicas, e poderá também, ser direcionada contra todos. Foi exatamente para estas hipóteses, que as pessoas jurídicas passaram a ser responsabilizadas, visto que na maioria dos casos, não se descobria a autoria delitiva, notadamente porque quanto mais poderosa a pessoa jurídica mais difícil se tornava identificar àqueles que, na condição de sociedade empresarial, causaram os danos ambientais 44. Para Vladimir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas o Ministério Público poderá imputar o delito às pessoas físicas ou jurídicas, juntos ou separadamente, dependendo do caso concreto. E ainda, José Rubens Morato Leite e Ney de Barros Bello Filho sustentam que para caracterização do fato como crime empresarial é necessário o envolvimento da “máquina” da pessoa jurídica para a prática do delito. “Se for possível entender que sem a existência da pessoa jurídica, com seus objetivos e meios, o crime ambiental não teriam ocorrido, estar-se-ia diante de um verdadeiro crime ambiental cometido pelo ente moral”45. E mais, o conceito de representante legal previsto na lei deve ser interpretado extensivamente para abranger àqueles que de fato dirigem a empresa. Não fosse assim, bastaria a simples alegação de que o representante legal não dirige a empresa para afastar sua responsabilidade em conjunto com o ente social. 4.3. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça e Tribunal do Estado de Santa Catarina Atualmente, na jurisprudência pátria, a responsabilização penal da pessoa jurídica resta reconhecida, divergindo apenas no que diz respeito à possibilidade da imputação ser isolada, ou seja, sem a presença da pessoa natural na condição de dirigente da empresa, atuando como corresponsável do crime ambiental praticado. Em que pese alguns doutrinadores entendam ser possível à responsabilização penal exclusiva do ente moral mediante a adaptação dos conceitos antigos frente à nova realidade, conforme acima demonstrado, tal tema 44 FREITAS, Vladimir Passos. FREITAS, Gilberto Passos. Crimes Contra a Natureza, p. 70. 45 LEITE, José Rubens Morato. BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito Ambiental Contemporâneo, p. 167. 936 FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de responsabilização penal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 921-942, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 ainda não se mostra predominante nos Tribunais brasileiros, em especial o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Pelo contrário, prevalece nestes que a responsabilidade penal da pessoa jurídica deve ocorrer em conjunto com as pessoas físicas, incumbidas da direção da sociedade empresarial. Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça manifestou-se pela possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica, nos seguintes termos: RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. LEGITIMIDADE PASSIVA. PESSOA JURÍDICA. RESPONSABILIZAÇÃO SIMULTÂNEA DO ENTE MORAL E DA PESSOA FÍSICA. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Aceita-se a responsabilização penal da pessoa jurídica em crimes ambientais, sob a condição de que seja denunciada em coautoria com pessoa física, que tenha agido com elemento subjetivo 46 próprio.(Precedentes) . Por sua vez, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina assim entende: CRIME AMBIENTAL - POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DA PESSOA JURÍDICA - PREVISÃO CONSTITUCIONAL REGULAMENTADA POR LEI FEDERAL - MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DO SOCIETAS DELINQUERE NON POTEST PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DAS CORTES SUPERIORES - RECURSO MINISTERIAL PROVIDO. 1 Não aceitar a responsabilização penal da pessoa jurídica é negar cumprimento à Constituição Federal (art. 225, § 3º) e à lei (art. 3º da Lei n. 9.605/98). 2 Se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento jurídico e pratica atos no meio social através da atuação de seus administradores, poderá vir a praticar condutas típicas e, portanto, ser passível de responsabilização penal (Recurso Especial n. 628.637/SC, rel. Min. Gilson 47 Dipp, j. em 2/6/2005) . PENAL. CRIME AMBIENTAL. CAUSAR POLUIÇÃO MEDIANTE LANÇAMENTO DE RESÍDUOS LÍQUIDOS EM DESACORDO COM AS EXIGÊNCIAS LEGAIS (LEI 9.605/98. ART. 54, § 2º, V). AUTORIA DA PESSOA FÍSICA CONFIGURADA ANTE O DEVER DE IMPEDIR A CONTINUIDADE DA PRÁTICA DELITIVA. MATERIALIDADE COMPROVADA ATRAVÉS DE LAUDO PERICIAL. POSSIBILIDADE DE IMPUTAR RESPONSABILIDADE PENAL À PESSOA JURÍDICA POR FORÇA DA TEORIA DA REALIDADE. DOLO EVENTUAL CONFIGURADO. SANÇÃO PECUNIÁRIA FIXADA EM VALOR ADEQUADO. CONDENAÇÃO MANTIDA. 46 Recurso Especial 800817, Ministro Celso Limongi, desembargador convocado do TJ/SP. Julgado em 4.2.2010, publicado no D.J. de 22.2.2010. Acessado em 10.9.2012. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?newsession=yes&tipo_visualizacao=RESUMO&b=ACOR&livre=800817 . 47 Recurso Criminal 2008.050394-0. Lages-SC. Relator: Des. Moacyr de Moraes Lima Filho. Julgado em 21.10.08, publicado no D.J. de 18.11.2011. Acessado em:10.9.2012. Disponível em:http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/avancada.jsp#resultado_ancora 937 FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de responsabilização penal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 921-942, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 [...] - A adoção em nosso ordenamento jurídico da teoria da realidade, elaborada por Otto Gierke, permite a imputação de responsabilidade penal à 48 pessoa jurídica. [...] . Infere-se de tais julgados que a responsabilização criminal da pessoa jurídica esta reconhecida nestes Tribunais, tendo em vista a aplicação da teoria da realidade, que confirma a existência deste ente, bem como os dispositivos legais que cuidam da matéria (art. 225, CFRFB/88 e art. 3º da Lei n. 9.065/98). Entretanto, sob o prisma da interpretação prevalente no Superior Tribunal de Justiça, a responsabilidade penal das sociedades somente é aceitável se identificada e considerada a atuação da pessoa física dirigente, uma vez que aquela só poderia praticar crime por intermédio de uma ação humana, de modo que, em regra, a responsabilização deve ser simultânea. Caso contrário, se for excluída a imputação ao dirigente responsável pela conduta incriminada, a ação penal deve ser trancada. Por oportuno, colaciona-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO PROCESSUAL PENAL. CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIZAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA. POSSIBILIDADE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. OCORRÊNCIA. 1. Admitida a responsabilização penal da pessoa jurídica, por força de sua previsão constitucional, requisita a actio poenalis, para a sua possibilidade, a imputação simultânea da pessoa moral e da pessoa física que, mediata ou imediatamente, no exercício de sua qualidade ou atribuição conferida pela estatuto social, pratique o fato-crime, atendendo-se, assim, ao princípio do nullum crimen sine actio humana. 2. Excluída a imputação aos dirigentes responsáveis pelas condutas incriminadas, o trancamento da ação penal, 49 relativamente à pessoa jurídica, é de rigor . Em sentido contrário, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal aceita a responsabilização criminal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais: Global Village Telecom Ltda interpõe recurso extraordinário, com fundamento na alínea “a” do permissivo constitucional, contra acórdão da Turma Recursal Criminal dos Juizados Especiais do Rio Grande do Sul, proferido no julgamento da Apelação Criminal nº 71002552503, assim ementado: “CRIME AMBIENTAL. ARTIGO 60, CAPUT, DA LEI 9605/98. PRELIMINARES AFASTADAS. ABSOLVIDO RÉU POR INEXISTENCIA DE PARTICIPAÇÃO NO DELITO. MANTIDA CONDENAÇÃO DA RÉ GVT. A 48 Apelação Criminal 2009.071074-4. Rio do Sul-SC. Relator: Des. Carlos Alberto Civinski. Julgado em 27.10.11, publicado no D.J. de 9.11.2011. Acessado em 10.9.2012. Disponível em: http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/avancada.jsp#resultado_ancora 49 Recurso Ordinário n. 16.696, Ministro Hamilton Carvalhido. Julgado em 9.2.2006, publicado no D.J. de 13.3.2006. Acessado em 11. 11. 2012. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revistaeletronica/inteiroteor?num_registro=2003/01136144&data=13/3/2006. 938 FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de responsabilização penal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 921-942, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 denúncia preenche os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, bem como do art. 395, inc. I, II e III do mesmo Diploma Legal, haja vista qualificar os réus, descrever fato, que em tese é típico, em todas as suas circunstâncias, as partes são legítimas, há interesse de agir, enfim, preenche todos os requisitos para a instauração da ação penal. Inexiste nulidade na audiência de oitiva de testemunhas de acusação e defesa e nos depoimentos das testemunhas arroladas pelo Ministério Público, já que não ocorreu nenhum prejuízo para os réus, que se defenderam dos fatos a ele imputados. Mesmo constando que se tratava de audiência para oferta de suspensão condicional do processo, foram ouvidas as testemunhas de defesa, na presença de advogado, inexistindo prejuízo. Não há prejuízo em razão da apresentação de rol pelo Ministério Público alguns dias depois do oferecimento da denúncia, pois foi dada ciência aos acusados, por ocasião da citação. Trata-se de crime de mera conduta, que independe de resultado naturalístico, e de perigo abstrato, uma vez que a lei fala em atividade potencialmente poluidora. A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente adotou a sistemática da responsabilidade civil objetiva, recepcionada pela Constituição Federal, sendo irrelevante e impertinente a discussão se o agente agiu com culpa ou dolo. Comprovada a ausência de participação do réu, que era gerente administrativo financeiro da empresa, sem nenhuma ingerência no licenciamento das antenas, vai absolvido. Comprovado que a ré GVT, sem licença ambiental, fez funcionar estabelecimento potencialmente poluidor, praticou o crime ambiental previsto no art. 60 da Lei 9.605/98. “Prova suficiente para a manutenção da condenação e da pena, corretamente aplicada à ré pessoa jurídica”50. José Rubens Morato Leite e Ney de Barros Bello Filho ressaltam que em muitos casos não há uma deliberação empresarial definida no sentido de praticar este ou aquele crime ambiental, mas apenas uma apresentação de linhas mestras de condutas que findam por levar a própria sociedade empresarial a cometer o delito por meio de seus funcionários subalternos, sem a participação direta de seus dirigentes51. Tal fato, evidentemente dificulta a responsabilização por crime ambiental, visto que se torna difícil identificar a conduta específica do dirigente para atingir a finalidade delitiva. Por tais motivos, o direito penal ambiental movimenta-se em busca da realização do princípio da máxima efetividade e o princípio da prevenção. Isso porque a efetivação das normas ambientais – na vigência da responsabilidade individual exclusiva – era reduzida, exatamente pelo fato de que o ente moral funcionava como um biombo para a prática dos crimes, uma vez que muitas vezes não era possível alcançar os verdadeiros responsáveis por trás da estrutura orgânica do ente coletivo, ocasionando a irresponsabilidade penal nestes casos52. 50 Recurso Extraordinário n. 628.582, Ministro Dias Toffoli. Julgado em 22.2.2011, publicado no D.J. de 1.3.2011. Acessado em 11. 11. 2012. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia 51 LEITE, José Rubens Morato. BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito Ambiental Contemporâneo, p. 135. 52 LEITE, José Rubens Morato. BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito Ambiental Contemporâneo, p. 135. 939 FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de responsabilização penal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 921-942, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Assim ao criminalizar a conduta da pessoa jurídica, a Constituição e a Lei, não somente garantiram a máxima efetivação das normas penais ambientais, como também deram importante passo no sentido de garantir uma ordem jurídica que previna os danos ao meio ambiente, em vez de apenas pugnar pela indenização ou reposição do status quo ante53. Ademais, no intuito de afirmar um direito penal ecológico e tendo clara a peculiaridade desse mesmo direito, o qual surge para tutelar bens jurídicos plurindividuais, faz-se mister perceber que os institutos do Direito Penal clássico não se prestam, na íntegra, à efetivação do direito penal ambiental. Velhas formas e princípios gestados sob a égide do liberalismo não podem ser aplicados totalmente, notadamente porque se trata de proteger um bem jurídico que não fora pensado quando tais institutos nasceram54. Os bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal Clássico eram intimamente ligados à pessoa natural, de modo que possuíam forte carga personalíssima, fruto do pensamento da época. Com a evolução da sociedade, do direito e dos institutos, não se concebe mais utilizar tais concepções para normatizar a realidade. Desta feita, o Direito Penal deve flexibilizar seus velhos dogmas, em nome de um Direito Penal de prevenção e mais efetivo, para que possa cumprir sua função social frente a uma realidade em constante modificação55. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em que pese a responsabilização penal da pessoa jurídica estar prevista na legislação pátria, bem como o seu reconhecimento crescente frente aos Tribunais brasileiros, verifica-se a necessidade de adaptação dos conceitos relacionados à teoria do delito clássica em relação aos crimes cometidos contra o meio ambiente em âmbito societário, a fim melhor atender às peculiaridades do tema, em especial no que tange a imputação penal exclusiva do ente social, e proporcionar a proteção efetiva ao ambiente natural. Sabe-se que o direito em si não é uma ciência exata e por tal motivo não pode estar limitado a determinados conceitos e entendimentos. 53 LEITE, José Rubens Morato. BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito Ambiental Contemporâneo, p. 136. 54 LEITE, José Rubens Morato. BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito Ambiental Contemporâneo, p. 138. 55 LEITE, José Rubens Morato. BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito Ambiental Contemporâneo, p. 138. 940 FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de responsabilização penal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 921-942, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Assim, muito embora algumas das teorias jurídicas construídas ao longo da história funcionem como pilares de um sistema jurídico, sua existência não pode atuar como óbice a aplicação do um novo direito exigido frente ao surgimento de novos bens jurídicos tutelados, nem mesmo deve dotar legitimidade para impedir a consecução da justiça. Diante de todo o exposto, é inegável a necessidade de construção de novos conceitos ou, ao menos, a flexibilização no que diz respeito à teoria do delito adotada por nosso País. Isso porque, não se pode negar que a atuação de cada diretor tomada em conjunto forma uma ação ou omissão da própria empresa voltada a atingir os seus interesses e não o interesse particular de cada dirigente. Por tal razão, a sociedade deve ser responsabilizada criminalmente, inclusive de forma exclusiva, notadamente para que se evite a responsabilização de pessoas alheias ao delito apenas para cumprir a necessidade da conduta criminosa ser praticada por pessoa física e também para impedir a impunidade, caso não identificados os responsáveis pela decisão que culminou na conduta delituosa do ente jurídico. REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS ALVES, Rodrigo Ribeiro de Magalhães. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica por crimes ambientais. Monografia. Faculdade de Direito. Universidade de Brasília, Brasília, 2009. BEVILAQUA, Clóvis. Teoria Geral do Direito Civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1972. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral 1. 17. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 800817. D.J. 4.2. 2010.Disponível em:<http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 10 set. 2012. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação criminal n. 2009.071074-4, 2011. Disponível em:<www.tjsc.jus.br>. Acesso em: 10 set. 2012. BRASIL. Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF. Senado, 1988. BRASIL. Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, 12 fev. 1998 941 FREITAS, Gizele Luzia de Mello de; SPENGLER, Adriana Maria Gomes de Souza. A possibilidade de responsabilização penal exclusiva da pessoa jurídica em crimes ambientais. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 921-942, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 BRASIL. Lei 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; [...] e dá outras providências. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, 30 nov. 2011. CARNEIRO, Herbert José Almeida. Aspectos processuais da responsabilidade penal da pessoa jurídica. Monografia. Faculdade de Direito. Universidade de Milton Campos, Nova Lima, Minas Gerais, 2008. FILHO TOURINHO, Fernando da Costa. Processo Penal 2. 33. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011. FREITAS, Vladimir Passos; FREITAS, Gilberto Passos. Crimes Contra a Natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. LEITE, José Rubens Morato; BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito Ambiental Contemporâneo. São Paulo: Manole, 2004. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. PASOLD, Cesar Luis. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 11 ed. Florianópolis: Conceito editorial/Milleniuum, 2008. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral, v.1. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. SÁNCHEZ, Jesús María. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica: Em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. ZAFFARONI, Eugênio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro, v. 1: Parte Geral. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. 942