O nascituro como sujeito de direitos – Maicon Venício de Souza Ambrosim; Stênio Ferreira
Parron
O NASCITURO COMO SUJEITO DE DIREITOS
AMBROSIM, Maicon Venicio de Souza*1
PARRON, Stênio Ferreira**2
Resumo: O presente trabalho visa abordar o tema relativo a possibilidade ou não de o
nascituro ser titular de direitos em nosso sistema jurídico. A questão envolve inicialmente a
definição do que deve ser entendido por nascituro e a definição do momento em que se
inicia a vida. As teorias sobre o início da personalidade jurídica revelam-se importantíssimas
para a compreensão do tema proposto. Posteriormente será analisado o tratamento jurídico
dispensado ao nascituro, tanto no aspecto legal como no aspecto jurisprudencial. A maneira
como o sistema jurídico trata o nascituro será determinante para a constatação de que o
nascituro ostenta a condição de sujeito de direitos.
Palavras chave: Nascituro. Sistema jurídico. Sujeito de direitos
Abstract: This paper aims to address the question of whether or not the unborn have rights in
our legal system. The question involves first defining what is meant by unborn and defining
the moment it starts life. Theories about the beginning of the legal personality reveal
themselves very important for understanding the theme. Later will analyze the legal
treatment afforded to the unborn child, both in the legal aspect as the jurisprudential aspect.
The way the legal system treats the unborn child is crucial to the realization that the unborn
child sports a subject of rights.
Keywords: Unborn. Legal system. Subject of rights
SUMÁRIO:
1
INTRODUÇÃO;
2
EVOLUÇÃO
HISTÓRICA;
3
CONCEITO; 4 O INÍCIO DA VIDA HUMANA. 5. TEORIAS SOBRE A
PERSONALIDADE
BRASILEIRO;
5.1.
JURÍDICA
TEORIA
DO
NASCITURO
NATALISTA;
5.2.
NO
DIREITO
TEORIA
DA
PERSONALIDADE CONDICIONAL; 5.3. TEORIA CONCEPCIONISTA
6 O TRATAMENTO JURÍDICO DISPENSADO AO NASCITURO 7
CONSIDERAÇÕES FINAIS; 8 BIBLIOGRAFIA.
* Acadêmico do 6º semestre do curso de Direito das Faculdades DE Ciências Contábeis de Nova
Andradina - FACINAN.
**Professor do Curso de Graduação em Direito das Faculdades de Ciências Contábeis de Nova
Andradina - FACINAN; Mestre em Ciências Jurídicas pelo Centro Universitário de Maringá. Endereço
eletrônico: [email protected].
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O nascituro como sujeito de direitos – Maicon Venício de Souza Ambrosim; Stênio Ferreira
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1 INTRODUÇÃO
A evolução dos estudos jurídicos acabou por colocar em destaque o ser
humano. Tal constatação pode ser verificada pela importância que vem ganhando o
estudo relativo aos direitos da personalidade, em especial, os direitos ligados a vida,
a privacidade, a imagem, a honra e, até mesmo, ao direito de morrer.
Tal aspecto evolutivo de nosso direito levou os doutrinadores a repensarem
antigos institutos jurídicos, dando contornos novos e sempre tendo como base o
princípio da dignidade da pessoa humana.
Assim, dentro desta perspectiva, a situação jurídica do nascituro se releva
um tema extremamente atual e relevante, despertando interesse não apenas aos
operadores do direito, mas, também, a toda a sociedade. Portanto, será
desenvolvido neste artigo a ideia sobre o nascituro como sujeito de direitos.
O tema proposto nesta pesquisa será desenvolvido da seguinte forma:
inicialmente, será realizado uma análise histórica sobre o tema, posteriormente
serão apontados alguns conceitos e as teorias que fundamentam a situação do
nascituro; por fim, será analisado o tratamento jurídico dispensado pelo
ordenamento jurídico ao nascituro. Assim, diante de tais elementos buscar-se-á
demonstrar que, na atual realidade jurídica, o nascituro é titular de direito desde a
sua concepção.
O presente trabalho, inclusive pelos objetivos acima elencados, não tem a
pretensão de esgotar o tema proposto, visto que tal objetivo não seria alcançado por
intermédio de um artigo jurídico, mas apenas possibilitar a discussão de tão
importante tema jurídico de uma maneira simples e objetiva.
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA
As questões relativas a condição do nascituro, ou seja, de ser ele
considerado ou não um ser humano e, em razão disso, ser titular de direitos, não é
nova. É possível verificar que de uma forma ou de outra tal questão sempre ocupou
espaço importante nos debates jurídicos.
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Neste tópico será realizado um breve histórico dos pensamentos sobre o
nascituro ao longo da história, com finalidade de avaliar a maneira como o
ordenamento jurídico tem se comportado com o passar do tempo.
É possível encontrar estudos sobre o nascituro no século V a.c.. É que
Hipócrates (chamado mais tarde de “pai da medicina”) foi quem realizou os primeiros
estudos sobre o embrião humano e se comprometeu a não ministrar substância
abortiva nas mulheres. (PUSSI, 2008, p. 52)
Platão, de seu turno, defendia a prática do aborto, fundamentando seu
pensamento na preocupação do grande aumento da população. Já Aristóteles
revelava a mesma preocupação, porém, considerava que o aborto apenas poderia
ocorrer enquanto o feto não tivesse adquirido “alma”, vejamos esse interessante
pensamento:
A filosofia de Aristóteles influenciou de forma crucial o pensamento
filosófico ocidental, bem como o cristianismo, sendo que a distinção
que ele fez sobre os fetos com alma e sem alma foi a mais
significativa. Ele afirmou que o feto masculino receberia sua alma
aos quarenta dias e o feminino aos oitenta. Com base nesse
pensamento, concluiu que se um feto sem alma fosse abortado isso
não seria considerado um assassinato. (SEMIÃO, 1998, p. 56)
Outro aspecto relevante da evolução histórica sobre o nascituro pode ser
encontrado em um estudo sobre embriologia atribuída aos Hindus, chamado de
Garbha Upanishad, escrito em 1.416 a.C., segundo o qual o embrião adquiriria vida
apenas no sétimo mês de gestão:
Segundo aqueles escritos, seria da conjugação do sangue com o
sêmem que o embrião passaria a existir. Ainda, afirma-se que
durante o período favorável à concepção, após o contato sexual, ele
torna-se um Kalada (embrião de um dia), porque após sete noites
seria uma vesícula e após quinze dias seria uma massa esférica e
após um mês já seria uma massa firme.
Ainda, seguindo a evolução natural, passados dois meses, a cabeça
já estaria formada, e, no terceiro mês, já apareceriam as regiões dos
membros. Entretanto, o ponto mais interessante estaria no fato de
que, segundo tais escritos, o nascituro durante o sétimo mês se
tornaria dotado de vida. (PUSSI, 2008, p. 55)
Como se vê, mesmo dotados de estudos pautados na observação e em
experiências sem grande aprofundamento técnico, já era possível perceber que a
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sociedade daquela época já entendia que, em determinado momento, o feto adquiria
vida e deveria ter ela protegida.
No direito romano o nascituro era considerado parte do corpo da mãe, razão
pela qual a proteção que lhe era destinada era apenas reflexa, ou seja, protegia-se o
corpo da mãe e não o nascituro. (NORBIM, 2006, p. 26)
Muito embora os estudos realizados sobre o Direito Romano revelem
alguma contradição3, a tendência foi no sentido de reconhecer uma paridade entre o
nascido e o nascituro.
PUSSI (2008, p. 63) explica:
De tudo, o que se deve concluir é que, mesmo no Direito
Romano, o nascituro dispunha de direitos que independiam do
nascimento com vida e, como exemplo mais evidente a
bonorum possessio ventris nomine que objetivava,
fundamentalmente, o desenvolvimento intra-uterino e mesmo
independentemente do nascimento que, por inúmeras razões,
poderia não ocorrer.
É possível concluir que o Direito Romano evoluiu de um momento em que o
nascituro era simplesmente considerado parte da mulher, razão pela qual poderia
ela escolher entre ter ou não a criança, para um momento em que a vida intrauterina passou a ser tutelada.
Tal avanço, atualmente, é questionado em nossa sociedade. Os estudos e a
tecnologia evoluíram de forma assustadora, sendo possível hoje manipular material
genético e até mesmo criar um clone.
No entanto, a ideia de ser realizado um abordo ainda desperta discursos
inflamados e apaixonados. Neste sentido, fica claro o motivo pelo qual os romanos
apresentaram diversos textos e leis contraditórios sobre o nascituro.
Apenas com a finalidade de estabelecer uma conclusão sobre esse tópico, o
Estado brasileiro, por meio de seu legislador, estabeleceu que para ser sujeito de
direitos e obrigações é necessário o nascimento com vida, muito embora coloque a
salvo os direitos do nascituro.4
3
ALMEIDA afirma: Ao comentar os textos do Direito Romano que cuidaram do nascituro, Savigny
aponta-lhes a contrariedade, conforme já observado por Clóvis Beviláqua. (ALMEIDA, 2000, P. 21).
4
Art. 1º e 2º do Código Civil.
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A legislação penal brasileira tutela o nascituro punindo como sendo crime a
prática do aborto, sendo certo, porém, que existem exceções legais 5 e
jurisprudenciais6. No entanto, a regra é a proibição do aborto.
De outro lado, a legislação civil brasileira não considera o nascituro um
sujeito de direitos, mas apenas o titular de uma expectativa de direito, ou seja, caso
venha a nascer com vida terá acesso aos direitos.
Tal análise sobre o nascituro ser ou não titular é o objeto desse estudo. A
ideia central desse trabalho consiste em propor uma releitura da doutrina clássica
sob o prisma da dignidade da pessoa humana 7.
3 CONCEITO
O vocábulo “nascituro” de forma geral indica exatamente o que está por
nascer ou o que há de vir ao mundo já estando concebido (conceptus), mas cujo o
nascimento ainda não se consumou, continuando em pars ventris ou nas estranhas
maternas.
É importante frisar a diferença de conceitos entre nascituro e prole eventual,
ambos protegidos pelo Código Civil/2002. O nascituro é um ente já concebido, mas
não é pessoa porque ainda não nasceu com vida. Já prole eventual consiste no(s)
ente(s) humano(s) que pode(m) vir a ser (em) concebido(s), ou seja, é a prole futura
de determinada(s) pessoa(s). 8
5
O art. 128 do Código Penal não pune o aborto necessário (aquele realizado para salvar a vida da
mãe) e o aborto no caso de gravidez resultante de estupro.
6
EMENTA: AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA INTERRUPÇÃO DE GRAVIDEZ - MÁ-FORMAÇÃO DO
FETO - AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL - POSSIBILIDADE DO PEDIDO - EVOLUÇÃO
NECESSÁRIA DA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA - VOTO VENCIDO. Afigura-se admissível a
postulação em juízo de pedido pretendendo a interrupção de gravidez, por aborto ou outro meio
médico-cirúrgico, no caso de se constatar a má-formação do feto, diagnosticada a ausência de calota
craniana ou anencefalia, com previsão de óbito intra-uterino ou no período neonatal. Apesar de a
situação de fato não se achar prevista no ordenamento jurídico pátrio, a sua anomalia específica
exige a adequação dos princípios contidos na lei que permite a interrupção da gravidez pela prática
do aborto necessário, ao avanço tecnológico da medicina, que antecipa a situação do feto em
formação, sem possibilidade de vida extra-uterina. (Apelação Cível n.º 0275864-9 / Tribunal de
Alçada de Minas Gerais.)
7
Tal tema será desenvolvido em item específico.
8
Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder:
I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao
abrir-se a sucessão;
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Pois bem, nascituro, portanto, seria o ser que está concebido e ainda não
nasceu.
Contudo, hoje é possível vislumbrar situações extremamente comuns que
poderiam criar dúvidas sobre a assertiva acima. Veja, na fertilização in vitro ocorre a
junção do óvulo e do espermatozóide fora do útero; neste caso, no exato momento
em que surge o zigoto, existiria um nascituro?
A resposta negativa se impõe! O nascituro apenas existirá quando tiver
condições de se desenvolver, algo que apenas ocorrerá quando for inserido no útero
materno.
Neste ponto, é importante um esclarecimento terminológico. A professora
Tereza Helena Barboza, em artigo específico sobre o tema, esclarece:
Aponta-se, de início, um problema terminológico, na utilização
indiscriminada do vocábulo “embrião”. Esclarece Herman Nys que,
antes da implantação, o óvulo fecundado chama-se “zigoto”. O
embrião é a entidade em desenvolvimento a partir da implantação no
útero, até oito semanas após a fecundação; a partir da nona semana
começa a ser denominado feto, tendo essa designação até nascer.
(Barboza, 2006, p. 537)
Desta forma, considera-se nascituro o óvulo fecundado pelo espermatozóide
que se encontra inserido no útero materno. Tal constatação mostra-se importante
para a compreensão de que não pode haver confusão entre o tema ora proposto,
que cuida do nascituro, com o estudo relativo a óvulos fecundados que se
encontram in vitro e/ou congelados9.
4 O INÍCIO DA VIDA HUMANA
Nos últimos anos, a medicina tem evoluído numa velocidade fantástica e vem
respondendo uma série de dúvidas acerca do ser humano. Perguntas como: quando
inicia-se a vida humana? Como surgimos? - são respondidas através de estudos da
embriologia humana.
9
Os óvulos fecundados, mas não introduzidos em um útero, a nosso juízo, também são dignos de
proteção jurídica, não pelos mesmos motivos que justificam a proteção do nascituro, mas pelo fato de
consistirem em um “projeto” de ser humano.
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A embriologia define como marco inicial da vida humana a fecundação,
fertilização ou concepção. Ocorre uma fusão entre o óvulo com o núcleo do
espermatozoide, formando um zigoto, totalmente individualizado, composto de uma
carga genética própria, ou seja, uma nova combinação cromossômica (sendo 46
cromossomos no total, divididos entre 23 cromossomos contidos no gameta
masculino e 23 cromossomos contidos no gameta feminino).10
Após 72 horas da fecundação, a mórula, que é uma massa celular contendo de
12 a 16 blastômeros11, penetra na cavidade do útero, ocasião em que certa
quantidade de líquido é nela introduzida, formando-se uma cavidade no interior da
mórula denominada de blastocisto, do qual surgirá o embrião. 12
Este período é considerado como o mais importante para o pré-nato, pois tratase das transformações com o desenvolvimento de suas principais estruturas internas
e externas. Como exemplo, ocorre, nesse período, o desenvolvimento do tubo neural,
do sistema cardiovascular primitivo e etc.13
Com relação à autonomia intrínseca do nascituro, esclarece o professor Diogo
Leite de Campos que:
o nascituro não é um protoplasma, um ser humano parcial, mas uma
vida humana completa, perfeita, existente, possuindo um genótipo
DNA que determina o desenvolvimento físico e psíquico do ser daí por
diante. O embrião já pode afirmar-se como início da cadeia espaçotemporal que é um corpo, um ser humano. A vida não poderia se
tornar humana depois do nascimento se não fosse já antes e desde a
concepção”. 14
Assim a medicina, se preocupa em tutelar a vida humana desde o momento da
concepção, ao aceitar o nascituro como ser vivo humano, autônomo e independente
10
MOORE, Keith L., PERSAUD, T. V. N. Embriologia Clínica. 6º edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000,
p. 30.
11
Blastômero é a estrutura que resulta da divisão do ovo fertilizado durante o desenvolvimento
embrionário.
12
Idem, ibidem, págs. 34 e 35.
13
Idem, ibidem, pág. 30.
14
CAMPOS, Diogo Leite de, “O Estatuto Jurídico do Nascituro”, Revista da Ordem dos Advogados, 1996, pág.
882.
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de sua genitora, com o intuito de garantir-lhe a vida, bem como assegurar-lhe que
chegue a sua próxima fase de desenvolvimento (a de criança) com sucesso. 15
5 TEORIAS SOBRE A PERSONALIDADE JURÍDICA DO NASCITURO NO DIREITO
BRASILEIRO
As opiniões doutrinárias sobre o início da personalidade jurídica do nascituro
são divergentes.
Inicialmente, a doutrina dividiu-se, pois, de um lado, ficaram aqueles que
sustentam que o nascituro não seria dotado de personalidade jurídica; apenas
adquiriria essa condição caso viesse a nascer com vida. Tal teoria foi denominada
de Teoria Natalista.
De outro lado, os opositores à aludida teoria natalista, sustentam que
nascituro é dotado de personalidade jurídica, devendo, portanto, receber desde logo
toda a tutela que é destinada aos seres humanos. Essa teoria recebeu o nome de
Teoria Concepcionista.
Posteriormente, surgiu uma terceira corrente doutrinária que buscava
estabelecer uma visão intermediária entre os dois extremos. Assim, os defensores
desta corrente afirmam que o nascituro é dotado de personalidade desde a
concepção, no entanto, seu reconhecimento ficaria condicionado ao nascimento com
vida. Tal teoria é conhecida como Teoria da Personalidade Condicionada.
Pois bem, neste tópico analisar-se-á cada uma das aludidas teorias.
Contudo, mostra-se importante neste momento, esclarecer, ainda que de
forma superficial, o que seria personalidade jurídica. Isto porque as três teorias
acima mencionadas tratam justamente do momento em que se inicia a
personalidade jurídica.
Vale, neste ponto, trazer à baila o escólio de Limongi França que, com
propriedade explica:
15
ANDRADE, Márcio Accioly de, Dignidade da Pessoa Humana (Fundamentos e Critérios Interpretativos),
Malheiros Editores, pág. 140.
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A personalidade é a qualidade do ente que se considera pessoa. A
pessoa a possui desde o início até o fim de sua existência. Não
assim a capacidade, que pode sofrer modificações profundas e em
muitos casos deixar de existir. Essa modificação e essa falta
entretanto não afetam a personalidade, que continua a mesma. Com
efeito, a capacidade é um dos atributos da personalidade. (FRANÇA,
1991, p. 52).
Assim sendo, é seguro afirmar que toda pessoa é dotada de personalidade
jurídica, ou seja, é titular de direitos e obrigações. Contudo, nem sempre a pessoa
pode, sozinha, pleitear ou defender tais direitos, dependendo nestes casos de ser
representada ou assistida. Portanto, uma criança de 1 (um) mês de vida é dotada de
personalidade, mas para manifestar seus direitos e obrigações dependerá de
representação, pois não adquiriu, ainda, capacidade.
Em síntese, basta a condição de pessoa para que ela adquira
personalidade.
As teorias acima mencionadas tratam de analisar se o nascituro deve ou não
ser considerado uma pessoa e, portanto, ser dotado de personalidade jurídica.
Feitos tais esclarecimentos, analisar-se-á as três teorias que tratam do início
da personalidade jurídica do nascituro.
5.1 TEORIA NATALISTA
Para essa escola de pensamento o nascituro não deve ser considerado uma
pessoa, mas apenas uma mera expectativa de pessoa. Como consequência disso,
não seria titular de direitos e sim mero detentor de expectativas de direito.
Assim, o nascituro não seria dotado de personalidade, fato que somente
ocorreria caso nasça com vida.
Os defensores desta corrente de pensamentos afirmam que o nascituro não
tem vida independente, estando ligado à mãe e dela dependendo para manter sua
vida.
Roberto de Ruggiero, explica:
Antes do nascimento o produto do corpo humano não é ainda
pessoa, mas uma parte das vísceras maternas. No entanto, com
esperança de que nasça, o direito tem-no em consideração, dandolhe uma proteção particular, reservando-lhe os seus direitos e
fazendo retroagir a sua existência, se nascer, ao momento da
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concepção. A equiparação do concebido ao nascido (conceptus pro
iam nato habetur) é feita pelo direito só no seu interesse, pelo que
não aproveita a terceiros e exerce-se, por um lado, com instituto do
curador ao ventre, com o fim de vigiar os direitos que competirão ao
nascituro. (RUGGIERO, 1934, p. 341-342).
O Código Civil de 1916, em seu art. 4º, estabelecia: “A personalidade civil do
homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção
os direitos do nascituro.” Como se vê, o antigo Código Civil adotou a teoria natalista.
O atual Código Civil, embora tenha aperfeiçoado a redação do artigo acima
mencionado, manteve a adoção da teoria natalista, senão vejamos: “Art. 2º A
personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a
salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.
Na doutrina é possível encontrar adeptos desta corrente de pensamento,
sendo possível mencionar, dentre outros: Silvio Rodrigues, Carlos Roberto
Gonçalves, Caio Mário da Silva Pereira, Sergio Abdalla Semião (1998, p.45).
5.2 TEORIA DA PERSONALIDADE CONDICIONAL
A teoria da personalidade condicional entende que a personalidade jurídica é
conferida no momento da concepção, com a condição de que haja o nascimento
com vida.
Assim, apesar de a personalidade iniciar na concepção, estaria ela sujeita a
uma condição suspensiva, com a característica de retroagir até a data da
concepção. Veja o exemplo: se for dado de presentes para o nascituro um par de
sapatinhos, a aquisição desse presente dependeria de seu nascimento com vida; se
nascer com vida adquirirá a propriedade do sapatinho desde a data da doação e se
nascer sem vida, nunca teve a propriedade dos sapatinhos.
Miguel Maria de Serpa Lopes leciona de forma incisiva:
De fato, a aquisição de tais direitos, segundo o nosso Código
civil, fica subordinado à condição de que o feto venha a ter a
existência; se tal se sucede, dá-se a aquisição; mas, ao
contrário, se não houver o nascimento com vida, ou por ter
ocorrido um aborto ou por ter o feto nascido morto, não há uma
perda ou transmissão de direitos, como deverá se suceder, se
ao nascituro fosse reconhecida uma ficta personalidade. Em
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casos tais, não se dá a aquisição de direitos. (LOPES, 1999, p.
288).
São filiados a essa corrente, dentre outros, os seguintes doutrinadores: Clóvis
Bevilácqua, Miguel Maria de Serpa Lopes, Gastão Grossé Saraiva.
5.3 TEORIA CONCEPCIONISTA
A teoria concepcionista defende que a aquisição da personalidade jurídica
ocorre no momento da concepção, de sorte que o nascituro tem aptidão para adquirir
direitos e contrair deveres.
Limongi França adverte que a teoria da personalidade condicional é a que mais
se aproxima da verdade, mas traz o inconveniente de levar a crer que a
personalidade só existirá depois de cumprida a condição do nascimento, o que não
representaria a verdade visto que a personalidade já existiria no momento da
concepção. Ainda, afirma que do ponto de vista filosófico e jurídico, nascituro é
pessoa com os seguintes argumentos:
Filosoficamente, sem que seja necessário o apoio de toda uma
corrente respeitabilíssima do pensamento humano (aristotélicotomista), o nascituro é pessoa porque já traz em si o germe de todas
as características do ser racional. A sua imaturidade não é
essencialmente diversa da dos recém nascidos, que nada sabem da
vida e também não são capazes de se conduzir. O embrião está para
a criança como a criança está para o adulto. Pertencem aos vários
estágios do desenvolvimento de um mesmo e único ser: o Homem, a
Pessoa. Juridicamente, entram em perplexidade total aqueles que
tentam afirmar a impossibilidade de atribuir a capacidade ao nascituro
“por este não ser pessoa”. A legislação de todos os povos civilizados é
a primeira a desmenti-lo. Não há nação que se preze (até a China)
onde não se reconheça a necessidade de proteger os direitos do
nascituro (Código chinês, art. 1°). Ora, quem diz direitos afirma
capacidade. Quem afirma capacidade reconhece personalidade.
(FRANÇA apud PUSSI, 2008, p. 89)
Assim sendo, o não haveria diferença entre o nascido e o nascituro, sendo
que ambos seriam titulares de direitos e obrigações.
A mencionada teoria não tem dúvida em afirmar que o nascituro é um ser
humano e, por tanto, dotado de personalidade jurídica.
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Dentre os vários autores que são adeptos dessa corrente de pensamentos, é
possível destacar: André Franco Montoro, Limongi França, Teixeira de Freitas,
Francisco do Santos Amaral, Silmara Chinelato.
6 O TRATAMENTO JURÍDICO DISPENSADO AO NASCITURO
O Código Civil, como visto, adotou a teoria natalista16 em relação a
personalidade jurídica do nascituro, ou seja, entendeu que o nascituro não é dotado
de personalidade jurídica apenas adquirindo tal atributo caso venha a nascer com
vida.
No
entanto,
tal
visão
mostra-se
ultrapassada,
não
sendo
razoável
hodiernamente, negar que o nascitura seja considerado uma pessoa, dotado,
portanto, de personalidade.
A assertiva acima lançada é respaldada pelo próprio Código Civil que
reconhece uma série de direitos ao nascituro em flagrante contradição com o disposto
em seu art. 2º.
É possível realizar uma doação para o nascituro, o art. 542 do Código Civil
estabelece: “A doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu representante
legal.”
O nascituro pode ter a paternidade reconhecida (art. 1.609, parágrafo único do
Código Civil), veja: “O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser
posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes.”
Assim sendo, a própria legislação que aparentemente teria adotado a teoria
natalista acaba por reconhecer que, em determinadas situações, o nascituro é titular
de direitos.
A Lei nº 11.804/2008 estabeleceu os alimentos gravídicos e conferiu
legitimidade para o nascituro figurar no polo ativo da demanda.
16
Art. 2º do Código Civil.
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Assim sendo, é possível afirmar que o ordenamento jurídico tem caminho no
sentido de confirmar a teoria concepcionista como a mais adequada, visto que cada
vez mais tem sido reconhecido o direito dos nascituros
A ideia de que o nascituro não seria titular de direitos foi também manifestada
na jurisprudência pátria. O Extinto Tribunal de Alçada Cível do Estado de São Paulo já
decidiu: “Seguro obrigatório – Indenização – Pretensão de motorista em relação à
morte de esposa grávida em acidente de trânsito e de gêmeos natimortos – Ação
procedente somente em relação ao óbito da esposa.”17
No entanto, assim como na legislação, verifica-se uma evolução na
jurisprudência, sendo hoje fácil encontrar decisões reconhecendo direito aos
nascituros:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO SECURITÁRIO. SEGURO DPVAT.
ATROPELAMENTO DE MULHER GRÁVIDA. MORTE DO FETO.
DIREITO À INDENIZAÇÃO. INTERPRETAÇÃO DA LEI Nº 6194/74.
1 - Atropelamento de mulher grávida, quando trafegava de bicicleta
por via pública, acarretando a morte do feto quatro dias depois com
trinta e cinco semanas de gestação.
2 - Reconhecimento do direito dos pais de receberem a indenização
por danos pessoais, prevista na legislação regulamentadora do
seguro DPVAT, em face da morte do feto.
3 - Proteção conferida pelo sistema jurídico à vida intra-uterina,
desde a concepção, com fundamento no princípio da dignidade da
pessoa humana.
4 - Interpretação sistemático-teleológica do conceito de danos
pessoais previsto na Lei nº 6.194/74 (arts. 3º e 4º).
5 - Recurso especial provido, vencido o relator, julgando-se
procedente o pedido.18
Como se vê, diante da evolução legislativa e jurisprudencial e em decorrência
do princípio da dignidade da pessoa humana, torna-se forçoso reconhecer que feto é
titular de direitos.
É certo, no entanto, que a condição de nascituro não permite a aquisição de
todo e qualquer direito. Os direitos da personalidade, certamente, são adquiridos na
17
JTACSP, 41:67-68, apud Almeida, Silmara J. A. Chinelato e. Tutela civil do nascituro. São Paulo: Saraiva, 2000,
p. 301.
18
Superior Tribunal de Justiça – 3ª Turma, Recurso Especial nº 1120676/SC, relator ministro Massami Uyeda,
data do julgamento: 07.12.2010.
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O nascituro como sujeito de direitos – Maicon Venício de Souza Ambrosim; Stênio Ferreira
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concepção, bem como o direito aos alimentos, porém, alguns direitos patrimoniais
dependerão necessariamente do nascimento com vida, sendo tratados como direitos
eventuais.
Sob o prisma do direito eventual, Maria Helena Diniz (2011, p. 45) explica:
Os direitos patrimoniais (herança, indenização, doação, por exemplo.)
conferidos ao nascituro permanecem em estado potencial, sob a
condição suspensiva de nascer com vida (por isso são chamados de
direitos eventuais). Nascendo morto (natimorto), não chega a adquirir
tais direitos, mas não perde os direitos da personalidade (vida, nome,
imagem, etc.), pois, possui personalidade jurídica formal.
Importante lembrar que caso a criança tenha nascido, respirado e morrido,
haverá incidência de toda a disciplina sucessória, caso contrário, o nascituro apenas
foi titular dos direitos da personalidade, sem consequências no direito sucessório.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o desenvolvimento deste artigo, se pode concluir que ao nascituro lhe é
assegurado certos direitos mesmo não tendo capacidade para exercitá-los. A principal
observação, é que o nascituro adquire tais direitos no ato da concepção, tornando-se
desde momento sujeito de direitos.
A pesquisa revelou que a teoria natalista mostra-se superada, sendo
extremamente difícil negar o fato de que o nascituro é titular de direitos, em especial,
dos direitos da personalidade.
Assim sendo, a teoria mais adequada em relação ao início da personalidade
jurídica do nascituro é a teoria concepcionista, ou seja, aquela que reconhece ter o
nascituro personalidade jurídica desde a concepção.
Tal entendimento fica em simetria com o princípio da dignidade da pessoa
humana, sendo certo que tal tratamento digno deve ter início desde a primeira
possibilidade de existência, ou seja, a partir da concepção.
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O nascituro como sujeito de direitos – Maicon Venício de Souza Ambrosim; Stênio Ferreira
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Portanto, o nascituro deve ser considerado titular de direitos desde a sua
origem.
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Artigo recebido em 01/2013. Aprovado em 02/2013.
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