Transporte da Criança Gravemente Doente Versão Original: Versão Portuguesa: Amy Hardin, MD Margarida Henriques, MD Leonor Carvalho, MD Assistant Professor of Pediatric Critical Care University of Louisville / Kosair Children’s Hospital Louisville, Kentucky Unidade de Cuidados Intensivos Hospital Pediátrico de Coimbra Objectivos • Perceber o objectivo geral do transporte eficaz de uma criança • Compreender o papel do médico na referenciação, transporte e recepção da criança num transporte efectivo • Reconhecer o impacto de múltiplos factores na determinação do modo de transporte da criança • Conhecer as questões legais relacionadas com o transporte Objectivos do Transporte • Alcançar rapidamente as vítimas com pessoal treinado/com formação • Estabilizar o doente, prevenindo deterioração do quadro • Transferir o doente para um local com possibilidade de oferecer tratamento diferenciado ou com serviços adicionais que melhorem o seu prognóstico • Oferecer um nível de cuidados igual ao da instituição receptora reconhecendo os limites inerentes ao transporte História do Transporte Medicalizado • Primeiro transporte aéreo conhecido 1870 • Historicamente, a experiência militar nos transportes de doentes e/ou feridos tem sido notável. • Primeiro programa civil com helicóptero com apoio hospitalar -1972, St. Anthony Hospital, Denver, CO • 1990 - 159.027 doentes com transporte aéreo medicalizado nos EUA. “O helicóptero deve estar incorporado num sistema médico integrado. Este sistema deve incluir um controlo centralizado, comunicações adequadas e fiáveis, métodos para localizar e comunicar ocorrências e pessoal médico formado para actuar no local do acidente, durante o voo e na chegada ao hospital.” --Cirurgião Geral Neel (Comandante do programa médico de evacuação em helicóptero do Vietname) Em algum ponto da carreira de qualquer profissional de saúde, ele/ela irá estar envolvido no transporte de alguém doente ou ferido. Indicações para o Transporte de Emergência em Idade Pediátrica (Johnson & Gonyea, Mayo Clin Proc, 1993; 68:982-987) • Respiratório – 30% • Neurológico – 22% • Trauma – Craniano – 7% – Outros – 11% • Cardiovascular – 6% • Outros – 24% Tipos de Transporte • Intrahospitalar - transporte de um doente de um local para outro dentro do hospital • Interhospitalar - transporte de um doente entre hospitais • Pré-Hospitalar - transporte de um doente de um local não-médico para o hospital de referência ou o hospital mais próximo disponível Decisões/Responsabilidades do Médico Referenciador • Após reanimação e estabilização inicial da criança, esta deve ser transferida para outro local? • Se sim, qual? • Como deve ser transportada a criança para o outro local? • A lista de informações necessárias para o Hospital de referenciação está completa podendo ser iniciado o transporte? Decisões/Responsabilidades do Médico Referenciador • Após reanimação e estabilização inicial da criança, esta deve ser transferida para outro local? • Os benefícios devem compensar os riscos. Decisões/Responsabilidades do Médico Referenciador • Se sim, qual? • Conhecer as capacidades e procedimentos da referenciação para os locais disponíveis na sua área geográfica. Decisões/Responsabilidades do Médico Referenciador – Modo • Como deve ser transportada a criança para o outro local? • • • • Carro próprio (família) Ambulância Helicóptero Avião – Equipa • Família • Equipa local de emergência médica • Equipa do Hospital de referenciação • Equipa Regional de Transporte • Equipa Especializada em Transporte Pediátrico Modos de Transporte Ambulância • Vantagens – Serviço porta-a-porta/sem transporte adicional – Sem necessidade de heliporto – Treino/formação do pessoal é fácil – Poucas restrições climatéricas – Acessível economicamente e reembolsável – Membros da família acompanham a viagem • Desvantagens – Náuseas com o movimento – Acesso ao paciente, energia eléctrica e luz limitados – Condicionado pelo trânsito – Duração do transporte – Vibração/ruído (69-75 dB) – Necessidade de transportar baterias adicionais e transformadores/AC Modos de Transporte Helicóptero • Vantagens – Transporte rápido (3050% do tempo de transporte em terra, 120180 MPH cobrindo até 150 milhas) – Acesso fácil a locais difíceis – Voo tranquilo – Menor risco de acidentes • Desvantagens – Menor sobrevivência em caso de acidente – Necessidade de heliporto – Limite de espaço e de peso – Acesso limitado ao doente abaixo da cintura – Nível de ruído aumentado (90110 dB) – Náuseas com o movimento – Restrições climatéricas – Efeitos da altitude (>2400 m) – Custo elevado em cada utilização (50USD/minuto rotor) /reembolso diminuído Modos de Transporte Avião • Vantagens – Transporte rápido para longas distâncias (>150-200 milhas) – Pode transportar equipa médica maior – Regista o plano de voo e voa acima ou circunda zonas de mau tempo • Desvantagens – Efeitos fisiológicos da alta altitude se não pressurizada – Maior dificuldade em transportar o doente para o avião – Requer aeroporto com pista de determinada dimensão – Exige múltiplas manobras do doente envolvendo helicóptero ou ambulância – Custo é substancialmente superior Fisiologia do Voo • Problemas relacionados com a altitude • Problemas relacionados com o voo Lei de Boyle • P1V1=P2V2 para uma temperatura constante • O volume relativo de uma dada massa de gás aumenta com o aumento da altitude. 4 3.5 3 2.5 2 1.5 1 0.5 0 Sea Level 8,000 ft 18,000 ft 25,000 ft 30,000 ft Problemas relacionados com a altitude • • • • • • Barotitis Média Barosinusite Barodentalgia Pneumotórax Alterações GI Efeitos no equipamento Problemas relacionados com o voo • Problemas por temperatura elevada – Desconforto/irritabilidade – Náuseas/cefaleias/fadiga – Pior desempenho /capacidade de se adaptar à pressão • Ruído – – – – Impossibilidade de auscultar Desempenho diminuído por questões de comunicação Cefaleias/náusea/vertigem Lesão do ouvido temporária ou permanente • Vibração – Dificuldade na monitorização invasiva e não invasiva Equipas para o Transporte • Declaração da AAP -- “Os membros da equipa devem ser seleccionados tanto pela sua capacidade técnica como por terem um comportamento responsável quando interagem com os elementos no hospital de referência ou de referenciação, familiar/doente e outros.” • Os membros da equipa devem ser formados e ter adquirido competências em cuidados intensivos pediátricos e transporte médico, manusear meios/equipamento reconhecendo as suas limitações e efeitos fisiológicos do transporte no doente Decisões/Responsabilidades do Médico Referenciador • Informação fornecida deve ser • A lista de razoavelmente completa e precisa: informações – Referir nome do médico, instituição e necessárias para número de telefone o Hospital de – Nome do doente, idade, peso, sinais vitais referenciação – História clínica resumida e principais está completa achados clínicos podendo ser – Qualquer intervenção diagnóstica ou terapêutica efectuada iniciado o – Situação clínica actual transporte através de um telefonema? Responsabilidades Equipa de Transporte • • • • • • Fase de estabilização Rápida avaliação da situação clínica do doente Estabilização do doente para o transporte Antecipação dos problemas que poderão ocorrer no transporte Assegurar todas as vias e tubos Informar pais/familiares e obter consentimento Antes de partir, telefonar para hospital de referenciação com informação actualizada sobre o doente e tempo previsto para a chegada Responsabilidades Equipa de Transporte Fase de Transporte • Mobilizar o doente para dentro e para fora do veículo em segurança • Monitorização contínua dos órgãos vitais durante o transporte • Reconhecer e tratar imediatamente os problemas que surjam durante a viagem • Providenciar uma descrição detalhada ao pessoal que vai receber o doente • Documentação pormenorizada das ocorrências durante o transporte Responsabilidades do Médico que Recebe • Após obtenção da história, avaliar a adequação do transporte e “libertar” a equipa de transporte • Documentar toda a informação trocada e hora de activação do transporte • Aconselhar e assistir o médico que referencia na estabilização inicial do doente • Manter a comunicação • Providenciar recomendações adicionais se necessário até a equipa de transporte chegar Questões Legais • Regulamento Federal Americano • Documentação Regulamento Federal Americano • O Congresso americano decretou em 1986 a Lei COBRA (Consolidated Omnibus Budget Reconciliation Act) como uma lei “anti-dumping”. • A Lei do Tratamento de Emergência Médica (The Emergency Medical Treatment and Active Labor Act - EMTALA) é uma parte da Lei COBRA. • A Lei EMTALA regulamenta a forma como os Hospitais americanos mobilizam os doentes fora do seu círculo de responsabilidade EMTALA • Regulamenta todos os Hospitais que recebem fundos do sistema saúde (Medicare) • “Círculo de responsabilidade” habitualmente começa quando o doente entra na propriedade do Hospital mas pode incluir a ambulância do Hospital que transporta um doente de uma localidade distante. • Exige um exame médico de rastreio imediato • Processa Hospitais e não Médicos EMTALA Continuação... • Para transferir um doente instável: – Deve utilizar o tipo de transporte mais adequado à condição clínica do doente – Deve providenciar pessoal treinado de nível adequado para acompanhar o doente – A responsabilidade para organizar a transferência recai sobre a instituição que envia o doente, a qual é responsável pelos cuidados prestados no transporte. – O Hospital que vai receber o doente deve ser notificado antes de ser iniciado o transporte e não pode recusar a transferência, excepto se não tiver condições físicas para tratar o doente (sem cama / sem Enfermeiros). EMTALA Continuação... • O médico que envia o doente deve escrever a ordem de transferência especificando o Hospital que irá receber o doente, o tipo de transporte, pessoal e equipamento necessários, tratamento médico e medicação necessárias para o transporte e para a ocorrência de qualquer complicação previsível. • Finalmente, o médico que envia o doente deve executar o Certificado de Transferência que traça os riscos e vantagens da transferência do doente. EMTALA Continuação... • A Administração do Financiamento dos Cuidados de Saúde americanos (The Health Care Financing Administration – HCFA) e o Gabinete do Inspector Geral (Office of the Inspector General - OIG) fazem cumprir a Lei EMTALA. • EMTALA autoriza relatórios de violação da Lei em 72h após a sua ocorrência e providencia protecção aos delatores. • Castigos pesados incluindo a perda dos privilégios da Medicare ou multas até USD 50,000 podem ser impostos por cada violação ocorrida em cada evento. Documentação • Documentação precisa, completa e detalhada é essencial não apenas para um bom tratamento do doente mas também para uma defesa legal adequada caso seja instaurado um processo legal posteriormente. • Se a documentação for apropriada, a responsabilidade de fundamentar a existência de negligência recai sobre o queixoso. • Negligência exige: – Responsabilidade – Quebra da responsabilidade – Dano do doente Documentação Continuação... • Se documentação incompleta/perdida, passa a existir “expoliação”. • Expoliação = “perdido por um motivo” • O queixoso já não tem que provar a existência de negligência. • A defesa tem de provar que a documentação foi inadvertidamente perdida e não “extraviada” como forma de ocultação das suas verdadeiras acções. Cenário #1 • Rapaz, de 7 anos, é trazido ao seu consultório pela mãe após uma queda do “cavalinho” no parque infantil. Ele tinha uma deformidade óbvia no antebraço esquerdo. A criança precisa de uma radiografia do braço. O Hospital local fica a 15 minutos de distância. • Como transportaria a criança e que factores influenciariam a sua decisão? • O que faria antes de a retirar do seu consultório ? Cenário #2 • Menina, de 2 anos, é trazida ao seu consultório a um sábado durante o seu período de atendimento de urgências. Está sonolenta mas facilmente despertável quando entra com a mãe, e o seu funcionário na triagem nota que as pernas da criança, visíveis por baixo do cobertor onde vinha enrolada, têm lesões purpúricas em toda a sua extensão. • O que faz o seu funcionário a seguir? Cenário #2 continuação…. • Avaliação inicial – Temp=40,1ºC, FC=190, FR=25 SpO2 sat=95% no MSDto, TA=75/30 com pulsos 1+ nos membros superiores e pulsos 1/2+ nos pés, TRCapilar >6 seg. – Púrpura e petéquias em todo o corpo. AP simétrica e sem ruídos adventícios. AC sem sopros. Pupilas isocóricas e reactivas à luz, mobiliza as extremidades. Quando desperta, responde a questões simples, mas muito irritada. • O que faz a seguir? Cenário #2 continuação... • Qual é o seu diagnóstico diferencial? • Que factores influenciam a sua decisão relativamente ao transporte desta criança? • O que diria à mãe? • Como procederia com o processo de transferência? Cenário #3 • Rapaz, 15 anos, é trazido ao SU em carro particular após sofrer acidente em veículo motorizado de 4 rodas. É trazido ao colo pelo pai. Hipotónico e só com resposta a estímulos dolorosos — geme e tem rigidez das extremidades. • Qual é a sua primeira intervenção neste doente? • O que faria a seguir? Cenário #3 continuação... • Avaliação inicial: – Temp=36,0C, FC=65, FR=25 SpO2 sat=100% no MSDto, TA=145/90 – Pupilas isocóricas e reactivas à luz, hemotímpano à esquerda, rinorreia clara. AP= simétrica, sem deformidades ou contusões torácicas. AC sem sopros. Abdómen mole, indolor e não distendido, pélvis estável, sem hemorragia uretral. Fractura fémur esquerdo óbvia com pulsos distais débeis. • Que exames pediria? Cenário #3 continuação... • Que factores influenciariam a sua decisão relativamente à transferência deste doente? • O que diria à família? • Como procederia relativamente à transferência? Bibliografia • Wheeler DS, Poss WB. Pediatric emergency preparedness in the office. American Family Physician 2000; 61(11): 3333-3342. • Kronick JB, Frewen TC, Kissoon N et al. Pediatric and neonatal critical care transport: a comparison of therapeutic interventions. Pediatric Emergency Care 1996; 12 (1): 23-26. • Maggiore WA. Avoid COBRA’s fangs. J Emerg Med Serv 1999; 24(8): 66-74, 76. • Johnson CM and Gonyea MT. Subspecialty clinics: pediatrics—transport of the critically ill child. Mayo Clin Proc 1993; 68: 982-987. Bibliografia cont. • Venkataraman ST, Rubenstein JS and Orr RA. Interhospital transport—a pediatric perspective. Critical Care Clinics 1992; 8(3): 515-523. • Schneider C, Gomez M and Lee R. Evaluation of ground ambulance, rotor-wing, and fixed-wing aircraft services. Critical Care Clinics 1992; 8(3): 533-564. • Blumen IF, Abernethy MK and Dunne MJ. Flight physiology—clinical considerations. Critical Care Clinics 1992; 8(3): 597-618.