A imposição do francês oficial sobre as variantes regionais
no período da Revolução Francesa,
a língua como símbolo de liberdade
por
Cristiane Maria de Souza
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa
Neolatinas
de
Pós-graduação
da
Faculdade
em
de
Letras
Letras/
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
quesito para a obtenção do título de Mestre em
Letras
Neolatinas
(Estudos
Lingüísticos
Neolatinos).
Orientador: Prof. Doutor Pierre François
Guisan
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2008
2
Folha de aprovação
A imposição do francês oficial sobre as variantes regionais
no período da Revolução Francesa,
a língua como símbolo de liberdade
Cristiane Maria de Souza
Dissertação de Mestrado submetida ao corpo docente do Programa de PósGraduação em Letras Neolatinas – Estudos Lingüísticos Neolatinos (Língua Francesa)
da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas.
Aprovada por:
______________________________________________
Presidente, Prof. Dr. Pierre François Guisan (Faculdade de Letras /UFRJ).
______________________________________________
Profa. Dra. Maria Aurora Consuelo Alfaro Lagorio (Faculdade de Letras /UFRJ).
______________________________________________
Prof. Dra. Stela Maria Sardinha Chagas de Moraes (Faculdade de Letras/UERJ)
______________________________________________
Prof. Dra. Márcia Atálla Pietroulongo (Faculdade de Letras/UFRJ), Suplente
______________________________________________
Prof. Dra. Mônica Savedra (Faculdade de Letras/PUC-Rio), Suplente
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2008
3
À memória de meu irmão
Jair Eugênio de Souza
4
Agradeço por este trabalho primeiro a Deus-Oxalá e a todos os orixás,
especialmente a Yemanjá, a Ogum e a Ibejada que tanto me deram força e curiosidade
de querer aprender em todos os momentos.
Agradeço a minha mãe Celeste e ao meu padrasto-pai Benedito que me incentivam
muito com seus amores incondicionais. Ao meu pai José Eugênio por ter me
possibilitado escolher um caminho de vida muito produtivo e no qual eu me encaixo
perfeitamente. Aos meus familiares: tia Marlene, tio Beto, tio Luís Carlos, tia Severina,
tio Antônio, tia Francineide e tia Bené. Aos primos Darlene, Vivian, Júnior, Gabriele e
Nathaly. E especialmente a meu irmão Jair, que eu nunca esquecerei e que será sempre
lembrado em minhas empreitadas.
Ao meu orientador, Pierre François Guisan, a quem sou muito grata por acreditar
em minha pesquisa e em mim durante todos os momentos. Mesmo aqueles em que
esmorecia, sempre tinha a força e a dedicação oferecidas pelo mesmo. Não me vejo com
outro orientador principal em nenhuma outra pesquisa, como nunca me vi nesta de
agora. Obrigada por toda a paciência, incentivo, crédito e amizade.
Agradeço aos amigos de pré-vestibular e de muitas guerras travadas pela
sobrevivência de nossos sonhos e de nós mesmos, Henrique, Graça, Mônica, Eurídice,
Wilton, Daniele, Nádia e Robson. Aos padres que possibilitaram a existência do pré que
fizemos: padres Martini e Ademir, da pastoral de São Sebastião de Olaria, no Rio de
Janeiro. Obrigada por todo o apoio e possibilidade de crescermos como pessoas neste
mundo tão grande que nos apresentaram: as Universidades públicas.
Aos meus amigos da Escola Municipal Padre Manuel da Nóbrega em Ramos, como
Renata, Luciana, Jussara, Rosângela, Karina, Jean, Christilie, Cristiane Levindo, Keila,
Andréa Oliveira, dentre muitos outros que me ajudaram a tentar ser uma pessoa melhor.
Aos meus professores desta escola tão querida: D. Sandra, D. Glorinha, D. Vitória, D.
Edir, D. Ana, D. Miracyr, D. Margarida, D. Terezinha, D. Suely, D. Maria Orlinda e D.
Maria da Penha.
Aos amigos do Colégio Estadual João Alfredo: Daniele Machado, Bianca Borges e
Rodrigo.
Aos amigos da Faculdade de Letras da UFRJ: Ana Luiza, Sany, Déborah, André,
Alessandra Oliveira, Alana, Maria Clara, Maria Gabriela, Mariana, e Daniele Galindo.
As professoras da Faculdade de Letras da UFRJ Márcia Pietrolongo, Consuelo Alfaro e
Christina Abreu Gomes, que tanto contribuíram para esta pesquisa.
Aos colegas de mestrado Luiz Carlos, Maria Cristina, Alexandre Bobeda, Mônica,
Janaína, Adelaide e Débora.
Aos amigos Kátia, Walcenir, Anderson, Brisa, Jorge, Gustavo, Adriana Pito,
Adriana da Hilda, Simone, Elisângela, Davi – meu professor de violão - e seus alunos, e
Sebastião, meu professor de natação.
Ao Complexo do Alemão por me dar força de vontade e amor à vida e ao próximo,
a não aceitar o pouco e querer aprender sempre mais, a gostar do considerado simples e
do sofisticado ao mesmo tempo sem julgamento de valor, a lutar pela vida e pelos meus
sonhos, a buscar entender a vida em meio a tantas mortes, a ajudar, a dividir, a procurar
substituir o orgulho e a arrogância pela simpatia e simplicidade, a buscar a sinceridade e
a honestidade, a saber como me defender em guerras e conflitos, a entender a dor e a
felicidade como aprendizados, a buscar o melhor em todos os momentos e o que há de
mais bonito em qualquer pessoa independente de seu papel no mundo em que vivemos.
Enfim, agradeço a todos aqueles que um dia puderam de alguma forma incentivarme nesta pesquisa, na minha vida acadêmica e em meus aprendizados em geral.
5
Pour le détruire, il faudrait détruire le soleil, la fraîcheur des
nuits, le genre d’aliments, la qualité des eaux, l’homme tout
entier.1
Resposta da Sociedade dos Amigos da Constituição de Perpignan
ao questionário desenvolvido pelo abade Henri Grégoire sobre a
necessidade de eliminar as variantes regionais em solo francês.
1
Para destruí-lo, seria necessário destruir o sol, o frescor das noites, o gênero dos alimentos, a qualidade
das águas, o homem inteiro.
6
Sumário:
Resumo ............................................................................................................................ 7
Resumé ............................................................................................................................ 8
1 – Introdução................................................................................................................... 9
2 – A origem da língua oficial:
2.1 - A norma de língua escolhida ..................................................................................21
2.2 - Os escritos fundadores da norma e seu grupo de intelectuais ................................23
2.3 - A corte francesa e a adoção do falar baseado na escrita.........................................34
3 – O papel da escrita na imposição da língua oficial
3.1 - As comunidades de fala e as comunidades de escrita ............................................39
3.2 - Escrita e oralidade: O mito da escrita superior à fala..............................................43
3.3 - A escrita em francês oficial:
Sua importância para as bases políticas da Revolução Francesa.............................45
3.4 - A planificação lingüística na França.......................................................................46
4 – A difusão do discurso revolucionário / língua oficial:
4.1 - O discurso revolucionário jacobino.........................................................................51
4.2 - O advento da imprensa revolucionária....................................................................55
4.3 - A escola e seu papel civilizador..............................................................................60
5 - O surgimento de uma nova imagem de indivíduo: O cidadão
5.1 - O processo civilizatório do indivíduo, possibilitado pelos símbolos de nação.......72
5.2 - O indivíduo portador do discurso revolucionário, com escrita e fala cidadãs........77
5.3 - A importância das políticas lingüísticas na construção de uma nova maneira de
encarar o mundo..............................................................................................................81
5.4 - A imposição do dialeto vencedor aos cidadãos franceses.......................................85
6 - Abade Grégoire, sua pesquisa, as políticas lingüísticas defendidas e as reações a sua
enquête:
6.1 - A pesquisa e as políticas lingüísticas defendidas....................................................88
6.2 - As respostas ao questionário do abade: os símbolos de línguas - nacional e
regionais vistas pelos correspondentes..........................................................................102
6.3 - Formas de resistência mostradas pelos correspondentes em suas respostas ao abade
Grégoire e por autores de documentos políticos revolucionários..................................111
7 – Conclusão............................................................................................................... 121
8 – Anexos....................................................................................................................127
9 – Bibliografia..............................................................................................................148
7
Resumo
SOUZA, Cristiane Maria de. A imposição do francês oficial sobre as variantes
regionais no período da Revolução Francesa, a língua como símbolo de liberdade.
Orientador: Pierre François Georges Guisan. Rio de Janeiro: UFRJ, 2005. Dissertação
(Mestrado em Estudos Lingüísticos Neolatinos – Língua Francesa).
Este trabalho tem como objetivo analisar sociolingüisticamente a tentativa de
unificação lingüística na França no período denominado Revolução Francesa, com base
nos documentos e trabalhos de pesquisa escritos pelo membro da Convenção e um dos
grandes agentes da introdução da língua oficial e, de seus imaginários de língua perfeita
em camadas populares, o abade Henri Grégoire. Utilizaremos também as cartas em
resposta à sua pesquisa, escritas por correspondentes de várias localidades e documentos
oficiais que mencionavam as políticas lingüísticas de difusão da língua oficial. O abade
desenvolveu no período de 1790 a 1794 uma pesquisa realizada no território francês onde sua população, em sua grande maioria, não utilizava a língua oficial - a fim de
valorizar esta modalidade de língua com a conseqüente eliminação dos falares regionais,
como o provençal, o basco, o catalão, o occitano, etc. Esta diglossia configurava-se mais
acentuadamente na França pelo fato de a língua oficial possuir uma escrita bastante
padronizada e, ser possuidora de uma gama enorme de escritos que a legitimavam.
Escritos estes desenvolvidos por intelectuais intitulados: Neoclássicos e Iluministas.
Assim, cria-se um conjunto de mitos ligados a esta língua oficial, que no período
revolucionário foram usados para divulgar e implantar a língua da liberdade para todos
os indivíduos que se tornavam no momento cidadãos possuidores do discurso da
liberdade, que seria o oficial vinculado sempre à escrita.
8
Resumé
SOUZA, Cristiane Maria de. A imposição do francês oficial sobre as variantes
regionais no período da Revolução Francesa, a língua como símbolo de liberdade.
Orientador: Pierre François Georges Guisan. Rio de Janeiro: UFRJ, 2005. Dissertação
(Mestrado em Estudos Lingüísticos Neolatinos – Língua Francesa).
Ce travail a l’objectif d’analyser sociolinguistiquement l’essaie d’unification
linguistique en France, pendant la période nommée Révolution Française, basée sur les
documents et les travaux de recherche écrits par le membre de la Convention et un des
grands agents de l’introduction de la langue officielle et de ses imaginaires de langue
parfaite aux couches populaires, l’abée Henri Grégoire. Aussi les documents politiques
qui mentionnaient les politiques linguistiques de diffusion de la langue officielle. L’abée
a développé pendant la période de 1790 à 1794 une enquête réalisée sur le territoire
français - où sa population n’utilisait pas la langue officielle - afin de valoriser cette
modalité de langue à partir de l’élimination des parlers régionaux, comme le provençal,
le basque, le catalan, l’occitan, etc. Cette diglossie se developpait de manière plus
accentuée en France car la langue officielle possédait une écriture très normalisée et
détenait une gamme énorme d’écrits qui la légitimaient. Ces écrits développés par les
intéllectuels nommés Neoclassissistes et Iluministes. Donc, on crée un ensemble de
mythes liés à cette langue officielle, mythes que pendant la période révolutionnaire ont
été utilisés afin de divulguer et implanter la langue de la liberté à tous les individus qui
devenaient, à ce moment-là, des citoyens posséseurs du discours de la liberté, qui serait
l’officiel associée toujours à l’écriture.
9
1 – Introdução:
La langue Française a conquis l'estime de l'Europe, et depuis un
siècle elle y est classique : mon but n'est pas d'assigner les causes qui ont
assuré cette prérogative. Il y a dix ans qu'au fond de l'Allemagne (à
Berlin) on discuta savemment cette question, qui, suivant l'expression
d'un écrivain, eut flatté l'orgueil de Rome empressée à la consacrer dans
son histoire comme une de ses belles époques. On connaît les tentatives
de la politique romaine pour universaliser sa langue: elle défendait d'en
employer d'autre pour haranguer les ambassadeurs étrangers, pour
négocier avec eux; et malgré ses efforts, elle n'obtint qu'imparfaitement
ce qu'un assentiment libre accorde à la langue française. On sait qu'en
1774 elle servit à rédiger le traité entre les Turcs et les Russes. Depuis la
paix de Nimégue elle a été prostituée, pour ainsi dire, aux intrigues des
cabinets d'Europe. Dans la marche claire et méthodique, la pensée se
découle facilement ; c'est ce qui lui donne un caractère de raison, de
probité, que les fourbes eux-mêmes trouvent plus propre à les garantir
des ruses diplomatiques.2
GREGOIRE, Sur la nécessité et les moyens d'anéantir les patois, et
d'universaliser l'usage de la langue française, Paris, 1790.
No período que conhecemos como Revolução Francesa, a variante de língua falada
e escrita pela corte do país impunha-se como a língua do Estado nacional que se
formava. Neste contexto histórico de transformações, tanto políticas, quanto sociais,
havia a necessidade de que em todo o território francês, a população desenvolvesse a
vontade de adaptar-se a esta reformulação de sua sociedade, pois até o momento citado,
a grande maioria dos habitantes deste país não falava a língua oficial, nem conseguia lêla, já que não conhecia a modalidade escrita de idioma algum, na medida em que as
2
A língua francesa conseguiu a estima da Europa, e em um século ela é clássica no continente: meu
objetivo não é de assinalar as causas que asseguraram esta prerrogativa. Há dez anos que no interior da
Alemanha (em Berlim) discutiu-se sabiamente esta questão, que seguindo a expressão de um escritor, fora
satisfeita pelo orgulho de Roma apressada a consagrá-la em sua história como uma de suas belas épocas.
Conhecem-se as tentativas da política romana para universalizar sua língua : defendia o emprego de outra
para discursar para os embaixadores estrangeiros, para negociar com eles; e apesar de seus esforços, ela
só obteve não perfeitamente isto que uma adesão livre concede a língua francesa. Sabe-se que em 1774
ela serviu para redigir o tratado entre os turcos e os russos. Após a paz de Nimégue ela fora prostituída,
para assim dizer, às intrigas do gabinete da Europa. Na marcha clara e metódica, o pensamento origina-se
facilmente; é isto que lhe dá uma característica de razão, de probidade, que os hipócritas, acham mais
limpo para garantir-lhes artifícios diplomáticos.
10
políticas lingüísticas de períodos anteriores não obtiveram bastante sucesso em suas
práticas. Assim, tornava-se necessário impor a língua que recebera a designação de
representar este povo, a francesa sobre os locais de comunidades de fala onde os
indivíduos comunicavam-se através de variantes regionais, ou os chamados
pejorativamente de patoás pelos políticos revolucionários e, por muitos até nossos
tempos. Estes falares seriam formadas pelo basco, o catalão, o provençal, o flamengo, o
gascão, o baixo-bretão, o normando, o picardês, o valão, o champenois, o messin, o
loreno, o franco-comtois, o borgonhês, o bressan, o lionês, o dauphinois, o auvergnat, o
poitevino, o limousino, o picardo, o languedociano, o velayen, o béarnois e o rouergat,
como enumera o abade Henri Grégoire em seu relatório para a Convenção, em 1790 e,
segundo o mesmo, deveriam ser eliminados junto com todas as formas de tirania, pois a
língua da liberdade auxiliá-los-ia a enquadrarem nesta ideologia de nação livre e
igualitária. O abade comparava a problemática francesa com o mito da torre de Babel:
On peut assurer sans exagérations qu'au moins six millions de
Français, surtout dans les campagnes, ignorent la langue nationale;
qu'un nombre égal est à peu près incapable de soutenir une conversation
suivie; qu'en dernier résultat, le nombre de ceux qui la parlent purement
n'exède pas trois million; et probablement le nombre de ceux qui
l'écrivent correctement est encore moindre. Ainsi, avec trente patois
différents, nous sommes encore, pour le langage à la tour de Babel,
tandis que pour la liberté nous formons l'avant-garde des nations.3
GREGOIRE, Sur la nécessité et les moyens d'anéantir les patois, et
d'universaliser l'usage de la langue française, Paris, 1790.
Este imaginário de língua da liberdade e de nação livre e igualitária estaria sendo
propagado no período, uma vez que a nova elite política que surgia precisava impor
3
Pode-se assegurar sem exageração que ao menos seis milhões de franceses, sobretudo nas províncias,
ignoram a língua nacional ; que em um número igual quase incapazes de manter uma conversação
seguida; que em ultimo resultado, o número destes que a falam puramente não excede três milhões; e
provavelmente o número daqueles que a escrevem corretamente é ainda menor. Assim, com trinta patoás
diferentes, nós estamos ainda, no que tange à linguagem a torre de Babel, enquanto que para a liberdade
nós formamos a avant-garde das nações.
11
suas leis e, ao mesmo tempo, impor-se sobre todos os quadros sociais e políticos em
questão. A língua, assim, seria o instrumento para que as suas decisões fossem
compreendidas por toda a população – como se objetivava – e, sobretudo, seria um
símbolo muito forte para a adequação dos indivíduos às novas representações sociais do
período. E, desta forma, pensava-se que o novo poder evitaria contra-revoluções, perda
de território, ou mesmo, que os indivíduos sentissem estar distantes desta nova
representação de identidade nacional que se desenvolvia, conseguida com muito esforço
através do contexto revolucionário.
As transformações bastante radicais conseguiram trazer para o convívio dos
franceses a idéia de engajamento político nunca antes visto na Europa. Fato que
podemos ver em Hobsbawm (2006), em sua obra A Revolução Francesa:
A França forneceu o vocabulário e os temas da política liberal e
radical - democrática para a maior parte do mundo. A França deu o
primeiro grande exemplo, o conceito e o vocabulário do nacionalismo.
Neste sentido, através do desenvolvimento da idéia de liberdade propagada com a
Revolução Francesa, pôde-se criar uma grande cadeia de pessoas engajadas em
transformar-se em cidadãos desta nação reformulada. Com isto, o sentimento de
identificação com esta pátria foi primordial na criação destes indivíduos e, acreditava-se
que deveria haver uma língua em comum que os identificasse e os unisse em seus
propósitos. Porém, com a existência de variantes regionais, acreditava-se que isto era
um grande problema para a difusão do sentimento de união nacional.
Procurou-se mostrar que a pátria francesa necessitava de todos os que habitavam
em seu território. Para tal empreitada, criou-se a imagem de que as variantes regionais
foram importantes para ela, mas agora não eram mais necessárias, na medida em que
12
não ajudariam os indivíduos a enquadrar-se ao novo regime político e social da época,
pois no momento todos os indivíduos eram iguais diante das novas leis nacionais em
questão, deveriam, assim, compartilhar do mesmo idioma.
Como a Revolução era baseada em símbolos populares, era necessário popularizar
também a língua oficial como idioma comum a todos. Logo, ligá-la aos símbolos que
vinham surgindo no período seria o mais adequado para que houvesse a sua aceitação
pela sociedade francesa. Assim, nos poucos estabelecimentos educacionais existentes na
época e, nos jornais, informativos, decretos, nas aulas dos instrutores da língua oficial
contratados pelo governo, nas reuniões públicas em geral comandadas por
revolucionários ou seus representantes, dentre outras formas de assembléias, buscou-se
introduzir símbolos identificatórios que possibilitassem o sentimento de identificação
nos indivíduos. Os clubes seriam locais onde os indivíduos revolucionários poderiam
divulgar a língua oficial e criar um ambiente propício para a criação deste sentimento:
(...) Le club tient tout ensemble de l’école, du cours d’orateur, du
journal, de la section de parti et du groupe parlementaire. Ecole, il l’est
par les leçons de civisme et de morale républicaine qu’il dispense à ses
adhérents : en l’absence d’un enseignement populaire sont la Révolution
a bien proposé le principe, mais qu’elle n’esut ni le temps ni les moyens
de généraliser, les clubs amorcent ce que fera, un siècle plus tard, la IIIe
République avec l’école primaire de village et de quartier. Cours
d’orateur : les discussions où tout le monde est admis à prendre la
parole sont l’occasion pour les débutants d’apprendre les rudiments de
l’art oratoire, pour les orateurs déjà confirmés d’essayer leur talent et
leur pouvoir sur l’auditoire. Elles relaient les journaux en portant leur
contenu à la connaissance des illettrés. 4
REMOND, René : La vie politique en France (1789-1848), A. Colin,
Paris, 1965.
4
(...) O clube mantém-se junto da escola, do curso de orador, do jornal, da sessão de partido e do grupo
parlamentar. Escola, ele o é pelas lições de civismo e de moral republicana que dispensa a seus adeptos: a
ausência de um ensino popular sobre a Revolução, bem propôs o princípio, mas ela não sabe nem os
tempo nem os meios de generalizar, os clubes dividem o que fará, um século mais tarde, a III República
com a escola primária de vilarejo e de bairro. Curso de orador: as discussões onde todo mundo é apto a
tomar a palavra são a ocasião para os debutantes do aprendizado dos rudimentos da arte da oratória, para
os oradores já confirmados ao tentar seu talento e seu poder sobre a auditória. Elas retransmitiam os
jornais reportando seu conteúdo ao conhecimento dos iletrados.
13
Um dos sentimentos mais apregoados nestes clubes, seria o orgulho de pertencer a
esta nação que se voltou para a liberdade de seus membros e, agora, estava
possibilitando ideologicamente a todos o direito de serem cidadãos libertos de todos os
deveres feudais. Deveres estes que eram bastante cultivados nas províncias falantes das
variantes regionais, mas que agora, deveriam ser eliminados desta nova forma de
organizar a sociedade.
A partir deste fator, os indivíduos necessitariam sentir-se cidadãos atuantes nos
projetos desenvolvidos para esta sociedade. Eles não deveriam ver-se mais como
pessoas sem voz de voto. Eram agora parte atuante e formuladora de todos os interesses
sociais e políticos da Revolução. Logo, esta voz teria que ser somente em francês, e não
houve assim projetos com a finalidade de adaptar as leis ou os documentos da época em
variantes regionais. Entretanto, seria privar língua padrão de seu trunfo principal, o de
possuir a modalidade escrita oficial no território francês, enquanto as variantes não
possuíam escrita.
Desta forma, por se tratarem de línguas ágrafas em sua grande maioria,
desenvolveu-se a crença de que as variantes regionais seriam facilmente eliminadas
através da aquisição da escrita em língua francesa, que seria adotada também como fala
dos sujeitos. O que não pôde ser confirmado, já que estes mesmos indivíduos passaram
a usar o francês em determinados momentos e, estas variantes, no ambiente familiar
dando continuidade a esta situação de diglossia. Este contexto, segundo Jean-Louis
Calvet, em seu livro La guerre des langues et les politiques linguistiques (CALVET,
1999), representa a oposição e a convivência na mesma atmosfera da a língua pai, que
seria a língua imposta, a língua da pátria, a língua oficial, ou aquela que traria a
liberdade da Revolução Francesa aos indivíduos e, língua mãe, a língua mais familiar, a
14
de identidade típica de cada região. E, qual seria o contexto em que estas variantes
regionais estavam inseridas?
No período da Idade Média, houve o surgimento de falares regionais oriundos de
variações do latim falado, assim como a resistência de comunidades de origem celtas ao
poder incontestável do latim no território francês. Foram alcunhados de patoás de
maneira depreciativa pelos parisienses e pelas pessoas ligadas à corte francesa, pois
estariam distanciando-se da língua da nobreza parisiense, logo, eram vistos como falares
marginalizados. Já no período da Revolução Francesa, estes falares foram enquadrados
como ameaças ao novo regime político e social que surgia, pois impossibilitavam não só
a compreensão das novas entidades políticas e suas leis, como a necessidade de adequar
os indivíduos às novas formas de produção oriundas da Revolução pré-industrial que se
desenvolvia na Europa, já que a França encontrava-se com algum atraso tecnológico no
que tange à produção de bens em relação à Inglaterra. Acreditava-se, que as variantes
regionais atrasariam a criação de indústrias futuras, assim, esperava-se que ao impor a
língua oficial seria o meio mais eficaz para eliminar as variantes regionais, marcantes no
território francês.
Estes falares são bastante numerosos, pois somente na região ao norte da França,
denominada área de langue d’oïl, existiam - e ainda são presentes em nossa época várias variantes regionais distintas, como o normando, o picardo, dentre outros. E na
região ao sul, denominada de langue d’oc, ou occitano, há a realização de variantes
como o catalão, o provençal, o gascon, dentre outros. Além da presença no conjunto do
território de variantes de outras famílias lingüísticas, como o bretão, o flamando e o
basco.
Neste ambiente de diglossia, as variantes regionais eram vistas simbolicamente
como falares das paixões, como expressões daqueles indivíduos que não sabiam utilizar
15
a razão para o exercício da fala. E também, como ágrafas, ou seja, sem expressão
escrita, mesmo que tivessem obras impressas, como as em provençal, foram
enquadradas ainda como demonstrações de marginalidade e falta de identificação com
os símbolos da nação francesa.
Com isto, a partir do período revolucionário do final do século XVIII, as variantes
regionais foram atacadas de várias formas, para que se construísse uma população mais
adequada à civilidade oriunda dos princípios revolucionários. Esta sociedade, seria a
que pudesse utilizar a língua da pátria, a forma de se comunicar que seria a mais
adequada aos planos políticos e sociais da época. Desta forma, as variantes regionais
seriam vistas como ameaçadoras a estes planos da nova governabilidade francesa,
assim, acreditava-se ser necessário introduzir a língua oficial no contexto destes povos.
Ela seria sua libertadora da tirania em que foram inseridos, seria vista como a língua da
liberdade.
O símbolo de língua Francesa que fora criado no Humanismo e estava sendo
legitimado com a Revolução, teve um momento de grande difusão neste mesmo
período, já que as novas leis e decretos eram escritos nesta modalidade de língua.
Assim, a maioria das mídias impressas procurava enquadrar-se e seguir o caminho
criado pelos revolucionários, pois os responsáveis pelos mesmos acreditavam que a
língua oficial seria de extrema importância para a difusão das novas leis escritas com a
Revolução, e para que os indivíduos no território francês pudessem identificar-se com
esta nova idéia de nação.
Com símbolos fortes e de total apelo popular, os revolucionários conseguiram que
muitos das comunidades falantes das variantes regionais começassem a se identificar
com este idioma e com esta nação até então fora de seu alcance. Porém, algumas delas,
16
como a dos indivíduos falantes do bretão, não aceitaram com tanta tranqüilidade esta
imposição.
O ambiente propício para que a imposição ocorresse de forma mais clara e objetiva,
seria a escola, pois além de divulgar a modalidade de língua escrita, já que a maioria dos
indivíduos falantes dos variantes regionais não sabia escrever e não tinha acesso ao
francês e oficializado, desenvolveria a fala nesta língua imposta.
Neste espaço,
pensava-se que se poderia não só fazer com que indivíduos começassem a dominar a
língua francesa, como também através dela, propiciaria a criação da imagem de cidadão
francês que o novo sistema político-social exigia. E, assim, as variantes regionais
poderiam ser eliminadas de forma cada vez mais eficaz, como se acreditava.
Na grande maioria destas comunidades de fala, existia um amplo sentimento de
identificação dos indivíduos falantes das variantes regionais com o seu falar, logo, os
governantes acreditavam que seria necessária a imposição do francês de maneira
drástica. Para isto, os responsáveis pela imposição engajaram-se em mostrá-las de forma
depreciada e divulgaram a imagem de uma língua francesa que os levariam à liberdade
tanto apregoada nos ideais revolucionários. O abade Henri Grégoire foi um destes
membros da Convenção, que se engajou fortemente na difusão da língua oficial para
toda a população francesa.
Henri Grégoire (1750 -1831) nasceu em Vého próximo de Lunéville. Foi padre
constitucional da cidade de Blois e membro assíduo da Convenção, órgão em que fora
uma personalidade de grande força no que diz respeito à difusão do francês. Cobrava a
sua difusão a fim de que os indivíduos pudessem civilizar-se, pois falar o francês seria
mostra de civilidade, de pertencimento a esta nação livre que surgia.
Assim, desenvolveu uma pesquisa sobre o francês e os patoás, como o próprio
definia as variantes regionais, no período de 1790 a 1794, procurando enquadrar estas
17
línguas marginalizadas como línguas mortas, que deveriam ser guardadas em museus,
pois seriam parte da riqueza histórica de seu país. Deste modo, o francês era mostrado
como a língua que trazia a claridade a todos os que a dominavam, sendo somente
através dela que o povo francês poderia entender o que seria a liberdade. Então, os
indivíduos que percebessem a importância de se dominar esta língua, estariam dispostos
também a serem cidadãos franceses, na medida em que poderiam ter acesso às novas
leis e reformulações de sua sociedade. Mostrando ser intolerante com a existência das
variantes regionais, o abade defendeu a sua aniquilação: a escola seria o local deste ato,
segundo o abade.
Em sua enquête, o abade Grégoire desenvolveu uma grande estratégia de
desvalorização das variantes regionais, utilizando imagens depreciativas muito fortes e
populares. Como, por exemplo, na questão: O seu patoá tem muitos termos compostos?,
ou ainda: A escrita deste patoá possui traços, caracteres outros que o francês?, ou Há
gramáticas, dicionários destes dialetos?.
O abade ainda escreveu vários relatórios ao Comitê de Saúde Pública sobre a
importância da aniquilação das variantes regionais e, do uso do francês como língua
materna em todo o território. No relatório intitulado Rapport sur les idiomes et patois
répandus dans les différentes contrées de la République, 1794, podemos verificar todo o
seu engajamento para depreciar as variantes regionais, que eram tratadas como vestígios
do Antigo Regime. Assim, deveriam ser eliminadas, na medida em que todas as
instituições feudais estavam sendo abolidas da sociedade francesa. Usou, desta forma,
de argumentos agressivos com relação aos indivíduos falantes das variantes regionais,
chamando tal atitude de barbárie e que estes mesmos necessitavam civilizar-se para que
conseguissem entender todos os bens advindos com a Revolução.
18
Neste sentido, com o seu questionário e suas correspondências com os
representantes de cada região, que podiam falar e escrever em francês, pôde fazer uma
campanha muito engajada no que diz respeito à difusão do francês e, ao mesmo tempo,
a propagação não só do ideário da Revolução, como também de um certo nacionalismo
que possibilitou a sua imposição.
Assim, pretende-se com este trabalho, através do auxilio dos documentos escritos
por Grégoire, assim como relatórios e decretos de outros revolucionários, no que tange
as políticas lingüísticas de imposição da época e, as respostas ao questionário do abade,
avaliar quais foram os meios ideológicos utilizados pelos governantes para que
houvesse esta imposição e, verificar também quais foram os símbolos que
possibilitaram a crença dos indivíduos de estarem tornando-se cidadãos pertencentes a
esta nação francesa. E, assim, avaliar este ambiente de diglossia.
Avaliaremos, desta forma, quais seriam as forças que possibilitaram a imposição de
uma variante lingüística em detrimento da desvalorização, de variantes tidas como
dialetos de menor importância para os novos projetos da nação. E, desta forma, analisar
quais eram os símbolos de nação impostos a esta sociedade, para que pudesse haver
uma eficaz identificação com esta França em adaptação política e social. Com isto,
avaliaremos a investigação desenvolvida pelo abade Grégoire, que em 1790 organizou
uma pesquisa nas comunidades onde as variantes regionais eram tidas como línguas
maternas. Defendeu a imposição da variante oficial utilizando símbolos fortes de
depreciação destes falares regionais e, ao mesmo tempo, desenvolvendo um símbolo
forte de liberdade que somente viria a ser compreendido por aqueles que se
expressassem com a língua que estava sendo imposta.
Para esta avaliação, utilizaremos os arcabouços teóricos de autores como de JeanLouis Calvet, em seu livro La guerre des langues et les politiques linguistiques
19
(CALVET, 1999), dentre outras obras deste autor sociolingüista, assim como Willian
Labov (1972), que procurou mostrar que a atitude dos indivíduos não é isolada com
relação à atitude lingüística de sua sociedade; trabalhos de Benedict Anderson (1983),
que procurou apresentar a língua como edificadora dos estados nacionais em
desenvolvimento, do mesmo modo que Henri Meschonnic (1987) em seus textos mostra
como se criou o mito de que a língua francesa seria o idioma da nitidez, tudo dentro dos
conteúdos trabalhados pela sociolingüística histórica, além dos trabalhos de Balibar &
Laporte e de Certeau, Julia e Revel (1974), autores que pesquisaram sobre as políticas
lingüísticas durante a Revolução.
Assim, observaremos como se desenvolveu o mito de língua francesa unificadora e
criadora de um sentimento de nacionalismo jamais visto neste território e no mundo; e
nós observaremos este fato a partir dos documentos produzidos pelo Abade Grégoire
(1750 -1831), que tratam das políticas lingüísticas para a difusão da língua francesa e as
possibilidades de negar as variantes regionais nesta sociedade renovada. Nós
verificaremos os argumentos que o abade utiliza para nos mostrar o valor da língua
oficial e, quais imagens ela possuía a fim de possibilitar esta onda de tentativas de
civilizar5 todo o povo do território francês. Com isto, nos baseamos nos princípios da
Sociolingüística Histórica e das Representações para analisar estes documentos e
verificar quais seriam as ideologias utilizadas para representar a variação em questão ao
mesmo tempo em que depreciar as variantes desprestigiadas. Graças aos trabalhos de
Henri Meschonnic (1987) a propósito da imagem de língua perfeita, aos estudos de
Stuart Hall (2000) sobre o tema da identidade cultural, aos textos escritos por Benedict
Anderson (1983) no que tange o nacionalismo e de Louis-Jean Calvet (2000, 2002,
2004) sobre a diglossia na França. Logo, observaremos este contexto de conflito
5
Civilizar - termo que viera do latim civita, significa em sua origem cidade.
20
linguistico e quais são seus prováveis resultados na sociedade francesa. Deste modo,
tentarmos entender como esta problemática acentua até os tempos de hoje este quadro
de diglossia. Verificaremos também como fora desenvolvida esta luta pelo mito de uma
língua pura através da desvalorização daquelas tidas como de menor importância para
os projetos revolucionários da época e, de que maneira os representantes destas línguas
regionais reagiram a esta tentativa de eliminação de seus falares. Tudo isto com o
objetivo de apurar quais são as imagens de língua escrita e língua oral desenvolvidas
pelo senso comum e, desta forma, averiguar como estes mitos tornaram-se símbolos na
construção de um sentimento nacional desenvolvido neste período.
21
2- A origem da língua oficial na França:
2.1 – A norma de língua escolhida
Il y a cent ans, ou environ, je crois, un homme
d'esprit disait: « On cherche une langue pour l'usage commun de
tous les peuples; elle est toute trouvée: c'est la langue
française6 ». Soyons modestes, et rabattons beaucoup de ces
éloges et de cette ambition; il restera vrai que notre langue est
une des plus belles et des plus riches que l'on parle sur la terre,
une de celles qui ont produit le plus de belles oeuvres en vers et
en prose. Elle exprime au plus haut degré le génie de notre
nation: elle est une des meilleures parties de l'héritage que nos
pères nous ont légué. Et pourtant nous ne la connaissons, nous ne
l'étudions guère qu’en vue de la pratique. Ses origines et la suite
de son développement sont choses, fort négligées, non-seulement
de ceux qui écrivent l'histoire générale de la France, mais de
ceux mêmes qui nous racontent l'histoire de la littérature
française7. Nous avons, il est vrai, sous le nom d'École des
Chartes, un établissement où l'on professe, entre autres sujets
d'étude, la science du vieux français.8
EGGER, Emile. De l'histoire et du bon usage de la langue
française, Paris, Librairie de L. Hachette et Cie, 1868. 9
Na grande maioria das comunidades de fala estudadas pelos lingüistas, há sempre a
necessidade de se unificar a forma como se organizam as variedades de língua dispostas
6
Este assunto está disposto no espirituoso discurso de Rivarol (1784) e em duas obras bastante
instrutivas: uma alemã de Schwab (1803, traduzida em francês por Robelot), outra francesa, de Allou
(Paris, 1828).
7
Este outro pode ser encontrado em obras de Geruzez (1861) e de Demogeot (terceira edição. 1857).
8
Há cem anos, ou aproximadamente, creio, um homem de espírito dizia : Procura-se uma língua para o
uso comum de todos os povos; ela fora encontrada : é a língua francesa . Sejamos modestos, e rebatemos
muito estes elogios e esta ambição; será verdade que nossa língua é uma das mais belas e das mais ricas
que se fala sobre a terra, uma daquelas que produziu a mais bela das obras em prosa. Ela exprime o mais
alto nível do gênio da nossa nação: ela é uma das melhores partes da herança que nossos pais nos
levaram. E entretanto nós não a conhecemos, nós só estudamo-la na prática. Suas origens e a continuação
de seu desenvolvimento são coisas, muito negligenciadas, não somente daqueles que escrevem a história
geral da França, mas daqueles mesmos que nos contam a história da literatura francesa. Nós temos,
certamente, sob o nome de Escola de Chartes, um estabelecimento onde professa-se, entre outros assuntos
de estudo, a ciência do velho francês.
9
Emile foi um membro do Instituto, professor da Faculdade de Letras de Paris. Este escrito citado faz
parte da série de Conferências populares feitas para o Asile impérial de Vincennes sob o comando de S.
M. a Imperatriz.
22
nestas sociedades. Isto se dá através de uma hierarquização dos modos de línguas
aceitas ou não por uma determinada associação de indivíduos e, desta forma, os falares
e os escritos ligados aos mesmos (ou vice-versa) poderiam auxiliar no estabelecimento
de uma organização lingüística dentro de um contexto específico.
Esta conjuntura para muitos estudiosos da linguagem recebe o nome de diglossia,
10
bilingüismo, polilingüismo, multilingüismo , etc., em que podemos verificar a
existência de conflitos lingüísticos em determinadas comunidades, como na Francesa,
onde coexistem variantes de língua chamadas de regionais - ou pejorativamente de
patoás, variantes sociais oprimidas pela existência de um idioma oficial não geográfico
- que sempre disputaram e ainda concorrem um lugar mais representativo em sua
sociedade diante de uma língua com o status de língua oficial, a que fora denominada de
a língua francesa, na medida em que ela representaria não só a nação francesa, mas
também o seu próprio povo e suas características pessoas; ou podemos verificar também
a coexistência menos violenta de variantes e da língua oficial dentro de um mesmo
território específico, como podemos observar na Espanha, país em que com o
franquismo
11
houve uma grande resistência das comunidades dos falares regionais, cujo
objetivo era de manter seus falares apesar de toda a repressão e censura que sofriam. No
início deste regime elas foram perseguidas, porém toda a obstinação de seus falantes
possibilitou as suas valorizações no regime político seguinte, e assim, passaram a ser
vistas como propriedades culturais do mesmo.
10
Segundo Jean Dubois (2001), podemos observar a seguinte definição para o termo diglossia:
Historicamente, caracterizava-se pela situação lingüística oriunda da instalação de uma monarquia
bavária no poder da Grécia e na qual o katharevousa (língua grega arcaica) era a única língua
reconhecida pelo Estado, logo as formas, pronunciação e palavras do cotidiano eram denominadas
‘demóticas’ (dhémotiki). Em seguida, o termo foi empregado, em oposição ao bilingüismo, em todas as
situações analógicas à da Grécia. Os critérios eram os seguintes: coexistência de dois sistemas
lingüísticos “diferentes” mas próximos entre si e derivados de uma mesma língua, hierarquização social
destes sistemas, em que um seria considerado como alto e o outro, baixo, distribuição das funções (os
usos na sociedade) de cada uma destas variações.
11
Movimento político-social desenvolvido na Espanha a partir de 1939, onde o General Franco
assumindo o poder tornou o governo espanhol autoritário, revelando ser um modelo de fascismo.
23
De fato, podemos entender os termos citados para classificar os contatos
lingüísticos como possibilitadores de construção dialética dentro das ciências da
linguagem, já que possibilitam um melhor enquadramento das situações lingüística
apresentadas. Podemos dizer, então, que estas noções de diglossia, bilingüismo,
polilingüismo, multilingüismo, dentre outras, na verdade, são elementos que se
entrecruzam e se completam, podendo até ser verificadas como denominações
diferentes de uma mesma problemática que é a questão das línguas em contato. Com
isto, podemos entender que é através do contato entre elas que proporciona a criação de
seus papéis na sociedade, havendo o enquadramento das mesmas em línguas de maior
ou de menor valor no contexto em que estão presentes.
Assim, verificaremos como este processo de contato lingüístico possibilitou uma
hierarquização bastante eficiente no que tange à imposição de uma variante hegemônica
no território francês. Exporemos quais as formas de representação social desta mesma,
como elas puderam permitir a sua oficialização e quais seriam seus papéis diante desta
sociedade. Este seria um processo ligado ao período Histórico denominado de
Renascimento e tiveram embasamentos mais contingentes nos acontecimentos políticos
da Revolução Francesa. Com isto, observaremos o desenvolvimento desta norma de
língua que se tornou oficial e representante da nação francesa.
2.2 - Os escritos fundadores da norma e seu grupo de intelectuais
Le beau français s’est purifié peu à peu par la culture de la
cour et des écrivains, sans que les patois aient été beaucoup
altérés.12
12
O belo francês purificou-se pouco a pouco pela cultura da corte e dos escritores, sem que os patoás
tenham sido muito alterados.
24
Jérémie-Jacques Oberlin, em um documento revolucionário sobre
a existência de uma variante regional na Lorena.
A França a partir do século XVI passou por um grande processo de modificações
políticas e sociais ocasionado por uma maior possibilidade de centralização política
oriunda do Absolutismo, período em que observamos o começo de uma tentativa de
valorização dos falares vulgares na Europa diante da língua que fora dominante por
vários séculos, o latim. Este latim se manteve por muito tempo como a língua oficial na
Europa, pois era a língua das instituições religiosas, e assim, políticas, durante o grande
período nomeado de Idade Média.
Língua que por muito tempo fora considerada vulgar diante do latim, fora
originalmente utilizada por grupos de indivíduos que se localizavam ao norte do país.
Havia, assim, na Idade Média, uma divisão do território em duas partes distintas: ao sul
do país tínhamos o domínio de langue d’oïl e, ao sul, o de langue d’oc, como
convencionou-se chamar pelos lingüistas, historiadores e sociólogos. Esta divisão se
baseava nas diferenças existentes entre os falares do país, mas logicamente, não
conseguia dar conta de todas as especificidades de realidade lingüística existentes nestas
terras, já que havia falares milenares como o basco e o bretão, falares regionais bastante
significativos no que tange a resistência à dominação lingüística desenvolvida a partir
do século citado.
Este falar hegemônico fora desenvolvido durante muitos séculos e, não possuía
nenhum meio de uniformização até o momento. Porém, a partir do século XVI, fora
adotado por filósofos que paralelamente à Renascença artística, constituíram uma
literatura renovada, influenciada pela Itália e pela antiguidade grego-romana. Este
movimento exaltava a língua francesa ao mesmo tempo em que a transformava na
língua a ser seguida, na medida em que a corte francesa, apreciando essa forma de
25
organizar e expressar os pensamentos começou a moldar sua fala a partir da escrita
destes filósofos. Assim, estudaremos os principais autores dos três séculos que
consideramos os mais representativos na criação e desenvolvimento desta língua, os
séculos XVI, XVII e XVIII. Para tal, teremos o auxílio da Coleção Literária de Lagard
& Michard (1970), e da obra de Bezbakh (2003), Petit Larousse de l`histoire de France.
Des origines à nos jours, dentre outras obras sobre a história da França e de sua língua.
O século XVI, século que para Lagard & Michard (1970) fora o período em que a
arte, a literatura e língua francesas da Idade Média foram introduzidas no Classissismo,
na medida em que os autores possuíam a intenção de criar uma imagem do francês
semelhante a já adquirida pelo latim e o grego, autores como Guillaume Budé (14671540), o mais antigo dos humanistas13 franceses, publica escritos sobre Direito, sobre o
dinheiro, sobre a língua grega e, após sua morte, divulga-se a obra L’Institution du
prince (1547), livro em que faz apologia do saber e do progresso do conhecimento
humano; François Rabelais (1494-1553) cujos romances, para Bezbakh (2003), deram
ao francês suas primeiras letras de nobreza, na medida em que, segundo o autor,
substituíam com total capacidade os escritos que outrora eram organizados em latim ou
grego; Joachim du Bellay (1522-1560), autor que escreve a obra Défense et illustration
de la langue française, obra esta que proporciona ao movimento renascentista alicerces
para continuar a construção seja da imagem de língua francesa quanto da mesma;
Pierre de Ronsard (1524-1585), após afirmar seu estilo pessoal com a obra Hymnes
14
(1556), ele funda uma nova escola, a Pléiade , em que reúne autores como du Bellay e
13
Movimento intelectual chamado de Humanismo. Possuía autores que defendiam a importância de todos
os homens em todos os tipos de sociedade. O homem era o centro de toda a instituição social e, por isso,
seu discurso era mais que válido em todas as situações, independente de seu papel em sua comunidade.
14
Movimento artístico que se caracterizava pela defesa dos valores antigos, sendo eles vinculados à
Antiguidade greco-romana, com seus autores influenciando as obras, como Platão e Sócrates. Ronsard
reuniu em torno de si mesmo seis autores como Jean Dorat, Antoine de Baïf, Remi Belleau, Pontus de
Tyard, além dos outros já citados mais acima. Este movimento defendia que a língua francesa seria uma
espécie de herdeira das línguas latina e grega no que tange a sua racionalidade e perfeição de estrutura,
como acreditavam e, fizeram desta idéia a representação da mesma diante de várias sociedades.
26
Étienne Jodelle; Michel de Montaigne (1533-1592), publica seus Essais (Ensaios) nos
quais defende a moral e a reforma do homem; dentre outros não menos importantes para
o movimento.
O último autor citado fora de grande importância no que tange a possibilidade de
tornar a língua francesa uma língua oficial, na medida em que com seus escritos eram
vistos como modelo para a nova e mais aceitável forma de língua culta desenvolvida na
França. Seus escritos eram construídos em uma língua bem moldada, o que
proporcionou a impressão de os indivíduos estarem diante da língua perfeita, daquela
que poderia traduzir o mais claro e racional dos pensamentos humanos. Assim, autores
dos séculos seguintes começaram a dar este mesmo significado a língua que ajudavam a
moldar com seus escritos.
Deste modo, no século XVII, com o regime absolutista tornando-se cada vez mais
forte através do processo de centralização do poder político, houve também uma
centralização econômica e cultural voltadas somente para o suserano. Em conseqüência,
uma nova safra de autores engajou-se na formação de registros em língua oficial ,
porém, agora, a própria corte começava a assumi-la como parte de seus privilégios, na
medida em que começou a moldar as falas de seus representantes a partir dos escritos da
época. Com isto, os autores considerados como clássicos, já que exortavam a
antiguidade greco-romana através de suas obras, surgiram com um novo gênero o teatro
francês. Um destes é Pierre Corneille (1606-1684), autor que recebeu benefícios e
proteção do cardeal Richelieu, como cita em sua obra Bezbakh (2003). Corneille
compôs inúmeras peças para o Teatro do Marais, onde vários membros da corte
prestigiavam-nas, logo, peças como Le Cid (1636-1637), e a partir de 1640, produziu
suas grandes tragédias, como Horácio (1640), Rodogune (1644), Andromède (1650),
dentre outras, e comédias como Le Menteur (1643). Fora eleito membro da Academia
27
Francesa em 1647, instituição fundada em 1635 no governo de Luís XIII, o que nos
mostra mais um exemplo de como a corte francesa era ligada ao discurso literário, e
assim, ao desenvolvimento da língua que fora designada para representar o povo
francês. Desta forma, o autor Jean Racine (1639-1699) também fora um grande
colaborador para esta empreitada lingüística não intencional. Em suas obras, conseguiu
trazer o mundo clássico através de suas tragédias. Estas foram bastante apreciadas pela
nobreza que se reunia para apreciar obras como: Andromaque, Britannicus, Phèdre,
dentre outras não menos importantes escritas de 1667 a 1677. O seu discurso fora
bastante apreciado, já que possuía os estudos religiosos ensinados em Port-Royal,
instituição muito importante para a criação da língua francesa, na medida em que
desenvolveu escritos para que se houvesse a manutenção desta língua. Racine, porém,
no período em que criava suas obras, questionou Port-Royal organizando polêmicas
teatrais e literárias, alguns anos após, reconcilia-se com a instituição. Fora também, em
sua carreira, nomeado por Luís XIV para ser seu historiador, o que mostra sua grande
influência na corte, e a mesma, adotaria seus escritos como mais uma forma de se
distinguir do povo.
Outro autor que merece um grande destaque no que tange a influência artística na
corte no século XVII é Jean-Baptiste Poquelin, Molière (1622-1673), como o
responsável pelo teatro na corte de Luís XIV, após receber o privilégio de apresentar-se
diante do rei no Palais-Royal em 1660. Fortemente influenciado pelo teatro italiano e
suas comédias, criou um estilo totalmente cativante, cujo objetivo era ironizar os modos
de sua época, além de criar para divertir o rei e sua corte, como podemos ver nas
seguintes obras: les Précieuses ridicules (1659), l’École de maris (1661), le Bourgeois
gentilhomme (1670), esta última sendo criada em parceria com o compositor, violinista
e coreógrafo Jean-Baptiste Lully (1632-1687), formando a mesma no estilo teatral
28
chamado de comédie-ballet, assim como les Fourberies de Scapin (1670) e le Malade
imaginaire (1673), dentre outras. As peças de Molière auxiliaram na divulgação da
língua moldada na escrita, já que utilizava textos que se tornavam bastante cativantes
para o público na medida em que eram falados de forma lúdica. Na obra le Bourgeois
gentilhomme, vemos o tema da burguesia emergente que começava a infiltrar-se aos
poucos na corte, assim, a peça mostrava de forma bem satírica as tentativas de um
burguês possuidor de muitos bens para tornar-se um homem nobre, e com isto, possuir
não só o status, mas a fala dos mesmos. Ele gostaria de descobrir as boas coisas da vida
(Molière, 1670), e para isto, deveria adaptar-se à fala dos nobres também. Vemos este
exemplo na aula de filosofia em que o personagem do burguês tenta entender a
linguagem que estaria tentando dominar. O mestre de filosofia ensina a oralidade da
língua, mas, diz que apresenta a ortografia ao burguês. Neste sentido, observamos o
quanto à fala e a escrita estavam concatenadas, já que o burguês aprendia a fonética
nesta aula de ortografia, e aprendia também gêneros literários (prosa e poesia). A prosa
fora associada à fala pelo mestre de filosofia, e o burguês ficara maravilhado por saber
que falava prosa e não se dava conta. Assim, a corte encantava-se com a farsa15 de
Molière, na medida em que podia rir dos outros estratos de sua sociedade, afirmando
sua hegemonia e a superioridade de sua fala totalmente ligada à escrita.
Neste mesmo século, uma nova corrente filosófica e literária desenvolvia-se: a
descrição dos modos, com autores como René Descartes (1596-1650), autor que criou
o famoso Discours de la méthode (1637), obra em que escreve a famosa frase Je pense,
donc je suis.16, também desenvolveu as obras filosóficas seguintes: les Méditations
15
Farsa: gênero de peça cômica popular muito simples em que dominam os jogos de cena. Destinado a
brincar com a imagem de alguém ou de fazer rir através da exploração cômica da mesma.
16
A frase citada é bastante representativa no que tange os escritos que se seguiram na França, já que ela é
considerada pelo povo Francês como o ponto de partida de toda a reflexão humana, ela permite ao
homem de conhecer-se e de avaliar o mundo que está inserido. Ela quer dizer em português: Penso, logo
existo.
29
(1641), les Passions de l’âme (1649), le Traité du Monde (1633), dentre outras. Este
autor influenciou várias correntes filosóficas como o misticismo de Malebranche e o
racionalismo de Diderot (Bezbakh, 2003). Outro autor que se aproximou de Descartes
através da mistura de temas religiosos e a matemática, fora Blaise Pascal (1623-1662).
Escreveu obras como: Écrits sur la Grace (1656) e Pensées (1658). Vemos também
Jacques Bénigne Bossuet (1627-1704), autor conhecido pelos seus sermões em forma
de oração fúnebre, como a de Anne d’Autriche (1667), entra para a Academia Francesa
em 1671. Temos, nesta época, autores chamados de moralistas, que trabalham a moral
através de fábulas, como Jean de La Fontaine (1621-1695), baseadas nos textos do
autor da Antiguidade grega Esopo; François de la Rochefoucauld (1613-1680), que
segundo Bezbakh, sua vida ilustra a evolução da nobreza do século XVII, freqüentando
o salão de Madame de Lafayette, onde é reconhecido por suas obras: Réflexions ou
Sentences e Maximes Morales (1664); Jean de la Bruyère (1645- 1696), autor que em
1688 escreve Caractères ou les Moeurs de ce siècle; e Nicolas de Boileau (1636-1711)
que publica Satires, em 1666, em seguida, divulga l’Art poétique, obra bastante
representativa da época, na medida em que observamos que todos os autores citados
possuem protetores da nobreza e a mesma estava muito engajada em retomar a arte
greco-romana, criando assim, base para a discussão desenvolvida na época entre vários
autores que defendiam de um lado o respeito às regras de escrita, como Racine, La
Fontaine ou Boileau, e aqueles que acreditavam na existência de gêneros novos, como
Perrault, autor de contos de fada, e Fontenelle. Este último publica em 1688 a obra
intitulada Digression sur les Anciens et les Modernes.
No século XVIII, dois autores foram importantíssimos para as tomadas de decisão
neste período: Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e François Marie Arouet, dito
Voltaire (1694-1718). O primeiro usou em seus escritos uma temática de reabilitação
30
das virtudes da natureza, a generosidade e a simplicidade, face aos meios mundanos
sofisticados de sua época e aos meios de dificultar o progresso humano que acreditava
estar diante. Escreveu obras capitais para o movimento filosófico, como A
Enciclopédia17, obra em que junto com Denis Diderot (1713-1784), Bernard Le
Bovier de Fontenelle (1657-1757), Jean le Rond, dit d’Alembert (1717-1783),
Charles de Secondat, barão de la Brède et de Montesquieu (1689-1755), Étienne
Bonnot de Condillac (1715-1780), Jean Antoine de Caritat, o marquês de Condorcet
(1743-1794) - autor que veremos mais adiante através de seu Rapport Condorcet de
abril de 1792, cujo objetivo era ajudar a formar leis de planificação da educação
nacional -, e André Chénier (1762-1794), desenvolveu escritos que divulgavam não só
suas idéias inovadoras, como a defesa de conceitos democráticos e igualitários que
inspiraram a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, mas divulgavam
também a modalidade de língua que seria chamada de língua francesa. Escreveu
também: Discours sur l’origine de l’inégalité, obra bastante venerada pelos
revolucionários, sendo assim visto como um dos autores que possibilitaram as novas
formas de manifestações e novas maneiras do indivíduo se perceber em sua sociedade.
Já Voltaire engajou-se em formar escritos mais literários, como Candide (1759),
um conto filosófico, La Mort de César (1735), uma de suas tragédias históricas, Zadig
(1747), Sémiramis (1748) e Oreste (1750), estas o autor escreveu quando fazia parte da
Academia Francesa. Criou peças que foram encenadas na Comédie-Française, como
Irene, e engajou-se também na escrita de obras filosóficas, como Traité sur la tolérance
e Dictinnaire philosophique. Sua obra em geral perseguia um objetivo estrito: lutar
contra a injustiça, a intolerância religiosa, o absolutismo político e a filosofia metafísica,
17
Obra escrita em 17 volumes por vários autores contribuintes – 140 no total - e organizada por Diderot e
d’Alembert no período de 1751 a 1782. Fora chamada também de Dictionnaire Raisonné des Sciences,
des Arts et des Métiers já que objetivava classificar o conhecimento humano e deixá-lo ao alcance de
todos os tipos de leitores e interesses.
31
temas bastante inovadores para o período. Como conseqüência disto, fora considerado
um dos precursores das idéias revolucionárias e inspirador do espírito da Revolução.
Fora também um dos autores que mais defenderam a imagem de língua perfeita
desenvolvida a partir do século XVI, como já vimos. Um exemplo desta defesa está
registrado em sua obra Correspondance18, em sua carta de número 4432 de 1762,
afirmou que a língua francesa era aquela que possuía mais obras-primas em todo o
mundo. Esta afirmação fora escrita em protesto diante da obra de Deodati de Tovazzi,
autor italiano que escreveu sua Dissertação sobre a Excelência da língua italiana, em
1761, e que enviou um exemplar para o filósofo francês. Veremos um extrato desta
interessante resposta:
Je suis très sensible, monsieur, à l’honneur que vous me faites de m’envoyer votre
livre de l’Excellence de la langue italienne; c’est envoyer à un amant l’éloge de sa
maîtresse. Permettez-moi cependant quelques réflexions en faveur de la langue
française, que vous paraissez dépriser un peu trop. On prend souvent le parti de sa
femme, quand la maîtresse ne la ménage pas assez. (...)
J’ai toujours respecté les Italiens comme nos maîtres; mais vous avouerez que vous
avez fait de fort bons disciples. Presque toutes les langues de l’Europe ont des beautés
et des défauts qui se compensent. Vous n’avez point les mélodieuses et nobles
terminaisons des mots espagnols, qu’un heureux concours de voyelles et de consonnes
rend si sonores: Los rios, los hombres, las historias, las costumbres. Il vous manque
aussi les diphtongues, qui, dans notre langue, font un effet si harmonieux: Les rois, les
empereurs, les exploits, les histoires. Vous nous reprochez nos e muets comme un son
triste et sourd qui expire dans notre bouche; mais c’est précisément dans ces e muets
que consiste la grande harmonie de notre prose et de nos vers. Empire, couronne,
diadème, flamme, tendresse, victoire; toutes ces désinences heureuses laissent dans
l’oreille un son qui subsiste encore après le mot prononcé, comme un clavecin qui
résonne quand les doigts ne frappent plus les touches.
Avouez, monsieur, que la prodigieuse variété de toutes ces désinences peut avoir
quelque avantage sur les cinq terminaisons de tous les mots de votre langue. Encore, de
ces cinq terminaisons faut-il retrancher la dernière, car vous n’avez que sept ou huit
mots qui se terminent en u; reste donc quatre sons, a, e, i, o, qui finissent tous les mots
italiens.
Pensez-vous, de bonne foi, que l’oreille d’un étranger soit bien flattée, quand il lit,
pour la première fois,
. . . . . . . . . . . e ‘1 Capitano
Che ‘l gran sepolcro liberò di Cristo;.
et
18
Obra em que Voltaire discute temas recorrentes da época com autores de várias partes da Europa.
32
Molto egli oprò col senno e con la mano?
(Le Tasse, Jerus. deliv., ch. i.)
Croyez-vous que tous ces o soient bien agréables à une oreille qui n’y est pas
accoutumée? Comparez à cette triste uniformité, si fatigante pour un étranger;
comparez à cette sécheresse ces deux vers simples de Corneille:
Le destin se déclare, et nous venons d’entendre
Ce qu’il a résolu du beau-père et du gendre.
(La Mort de Pompée, acte I, scène 1.)
Vous voyez que chaque mot se termine différemment. (...)
Je finis cette lettre trop longue par une seule réflexion. Si le peuple a formé les
langues, les grands hommes les perfectionnent par les bons livres; et la première de
toutes les langues est celle qui a le plus d’excellents ouvrages.
J’ai l’honneur d’être, monsieur, avec beaucoup d’estime pour vous et pour la langue
italienne, etc.19
VOLTAIRE, Correspondance, carta 4432 (extrato).
Através desta singular resposta podemos verificar um pouco mais as imagens de
língua que se desenvolviam na época. A língua francesa concorria em status com a
19
Estou muito sensibilizado, senhor, com a honraria que você me fez ao enviar-me seu livro sobre a
Excelência da língua italiana; é enviar a um amante um elogio de sua amada. Permita-me, entretanto,
algumas reflexões a favor da língua francesa, que você pareceu-me menosprezar um pouco em demasia.
Toma-se freqüentemente partido de sua mulher, quando a empregada não a auxilia o bastante. (...)
Sempre respeitei os Italianos como nossos mestres; mas você confessa que fez bons discípulos. Quase
todas as línguas da Europa possuem belezas e defeitos que se compensam. Vocês não possuem mais as
melodiosas e nobres terminações das palavras em espanhol, que um feliz concurso de vogais e consoantes
torna tão sonoras: Los rios, los hombres, las historias, las costumbres. Faltam para vocês os ditongos, que
em nossa língua, fazem um efeito harmonioso: Les rois, les empereurs, les exploits, les histoires. Você
reprova nossos e mudos como um som triste e surdo que expira d nossa boca; mas é precisamente nestes e
mudos que consiste a grande harmonia de nossa prosa e de nossos versos. Empire, couronne, diadème,
flamme, tendresse, victoire; todas estas felizes desinências deixam na orelha um som que subsiste ainda
após a palavra pronunciada, como uma clave que ressoa quando os dedos não as tocam mais. Confesse
senhor, que a prodigiosa verdade de todas estas desinências pode ter alguma vantagem sobre as cinco
terminações de todas as palavras de sua língua. Ainda, desta cinco terminações, é necessário separar a
última, pois vocês só possuem sete ou oito palavras que terminam em u; resta então quatro sons, a,e,i,o,
que terminam todas as palavras italianas. Você acha de boa fé, que a orelha de um estrangeiro seja bem
tocada, quando ele lê, pela primeira vez,
. . . . . . . e ‘1 Capitano
Che ‘l gran sepolcro liberò di Cristo;. e
Molto egli oprò col senno e con la mano?
(Le Tasse, Jerus. deliv., ch. i.)
Você acredita que todos estes o sejam bem agradáveis a uma orelha que não está acostumada ? Compare
a esta triste unifomidade, tão cansativa para um estrangeiro; compare a esta secura destes dois versos
simples de Corneille :
Le destin se déclare, et nous venons d’entendre
Ce qu’il a résolu du beau-père et du gendre.
(La Mort de Pompée, acte I, scène 1.)
Vê que cada palavra termina de forma diferente. (...) Termino esta carta muito longa com uma só
reflexão. Si o povo formou as línguas, os granes homens as aperfeiçoaram através dos bons livros; e a
primeira de todas as línguas é aquela que possui as mais excelentes obras. Tenho a honra de estar, senhor,
com muita estima por você e pela língua italiana, etc.
33
italiana, que possuía uma imagem bastante sólida de língua representante das clássicas,
a de uma distinta e copiada tradição literária e uma das mais bem organizadas no que
tange seu sistema, seu vocabulário, etc. O francês disputava a possibilidade de tornar-se
hegemônica diante de uma Europa bastante criativa em arte, sobretudo em literatura,
portanto, em sua dissertação, Deodati de Tovazzi tentava mostrar que a língua italiana
não perdia em excelência para a francesa, e seu ato de enviá-la a Voltaire nos permite
entender a luta na época pela hegemonia lingüística no campo intelectual e literário. E,
também podemos observar que a imagem de língua perfeita designada à francesa era
parte do imaginário europeu, não só francês.
Assim, a partir da imagem de língua perfeita desenvolvida pelos membros dos
movimentos literários e intelectuais dos três séculos citados, temos como conseqüência
a aceitação da mesma pela corte francesa. Ela fora aceita gradualmente por seus
indivíduos e fora adotada como mais uma característica de sua camada social, apesar
dos escritos não terem sido originalmente feitos com este intuito. Fora considerada,
desta forma, mais uma forma de distinção social, porém, com o tempo, uma delas
começava a tornar-se gradualmente bastante presente no Estado francês, e com isso,
passava a adotar esta forma de fala para estar próxima à elite dominante. Este grupo fora
designado de burguesia20, e começava a tornar-se cada vez mais forte na medida em que
fazia parte das decisões políticas, desta forma, deveria adaptar-se à língua da elite para
ser aceita em seu convívio, e para obter status também diante de um grupo tão restrito e
não aberto a nenhum meio de ascensão a ela. A nobreza tolerava a presença da
burguesia emergente, pois se encontrava cada vez mais sem suas riquezas, assim, a
mesma tinha a obrigação de enquadrar-se nos modos nobres. Desta maneira, a língua
20
Burguesia é um vocábulo derivado do termo burgo, que chegara ao francês através do latim burgus-i e
que designava castelo ou fortaleza. Originalmente, viera do germânico burgs, que queria dizer cidade
pequena, forte. Temos, então em francês o surgimento de expressões como burguês, que denominava os
indivíduos que se estabeleceram nos burgos da Idade Média e, posteriormente nas cidades derivadas dos
mesmos, e onde havia atividades lucrativas. (Cunha, 2001).
34
francesa era a representante não só da elite francesa, mas também, com a Revolução
passou a representar a imagem da nação francesa. Esta língua recebeu até a
nomenclatura de língua francesa, o que proporciona a ela a responsabilidade de
representar um povo (ANDERSON, 1983), responsabilidade esta que pode ser
considerada oriunda destes juízos sobre a mesma. Deste modo, observaremos a seguir
alguns resultados que estas imagens de língua trouxeram para a corte e a sociedade
francesa nos anos seguintes.
2.3 - A corte francesa e a adoção do falar baseado na escrita
Le français, par un privilège unique, est seul resté fidèle à
l'ordre direct (...) la syntaxe française est incorruptible. C'est de
là que résulte cette admirable clarté, base éternelle de notre
langue. Ce qui n'est pas clair n'est pas français21.
Antoine Rivarol, Discours sur l'Universalité de la langue
française.
A língua francesa defendida pelos autores do século XVI, passa a fazer parte da
grande maioria dos meios intelectuais do país, além de ser instituída como língua oficial
dos meios políticos nos séculos seguintes. Isto se dá pelo fato de ela possuir uma escrita
em vias de se oficializar 22 desenvolvida pelos autores citados. Esta escrita possibilitou a
divulgação da mesma por grande parte do território europeu e, com a imagem de língua
perfeita e com o amparo muito representativo dos intelectuais franceses e, sobretudo, de
sua corte, ela passa a ser cada vez mais valorizada pelas elites européias.
21
O francês, por um privilégio único, ficou só na fidelidade a ordem direta, (...) a sintaxe francesa é
incorruptível. É lá que resulta esta admirável claridade, base eterna de nossa língua. O que não é claro,
não é francês.
22
Esta escrita oficial passou por um processo bastante significativo de implantação, pois teve que
destronar o latim, base escrita padrão em todos os reinos cristãos durante muitos séculos. Fora imposta
por François I no século XVI, havendo assim, o começo da difusão do francês escrito, e da mesma forma,
este fato proporcionou a o movimento renascentista na França.
35
23
No século XVII, o poder real, através dos atos governamentais de Richelieu ,
percebe que a língua oficial é um instrumento político muito eficaz para a tentativa de
unificação do reino, pois os agrupamentos de indivíduos oriundos dos isolamentos da
Idade Média eram sempre vistos como um desafio a vencer e um empecilho aos
objetivos de qualquer reinado francês; além disto, a língua francesa possibilitaria uma
maior representatividade do reino em atos diplomáticos. Tudo isto através do gênio de
língua que a francesa pretendia carregar.
Desta maneira, a Academia Francesa é criada em 1635, a fim de tornar oficiais os
trabalhos gramaticais que poderiam desenvolver uma maior estruturação à língua e
ampliar o status que a mesma possuía. No artigo 24 de seu estatuto, a Academia
demonstra o seguinte objetivo:
La principale fonction de l’Académie sera de travailler, avec tout le
soin et toute la diligence possibles, à donner des règles certaines à notre
langue et à la rendre pure, éloquente et capable de traiter les arts et les
sciences. 24
Site oficial da Academia Francesa
http://www.academie-francaise.fr/role/defense.html
Assim, com esta missão de tornar mais pura a língua francesa, a Academia cria
obras como um dicionário. O Dicionário da Academia Francesa teve sua primeira
edição publicada em 1694, e teve o compromisso com a ortografia antiga, influenciada
pela etimologia. Porém, a gramática que tanto motivou fora realizada por Port-Royal25:
23
Cardeal e representante mais importante da corte francesa no reinado de Luís XIII. Ele fizera com que o
reino assumisse economicamente essa língua, tornando-a a língua do poder.
24
A principal função da Academia será o de trabalhar, com todo o empenho e toda a diligência possíveis,
de proporcionar algumas regras à nossa língua e torná-la pura, eloqüente e capaz de tratar das artes e das
ciências.
25
Port-Royal fora uma abadia de mulheres que desde a sua fundação em 1204 cuidava da educação de
indivíduos da elite francesa.
36
La Grammaire de Port-Royal, gramática considerada a base de todas as outras no que
tange a defesa do purismo da língua francesa.
Se no reinado de Luís XII temos atos políticos bastante representativos para a
oficialização da língua francesa, como a criação da Academia, na regência de seu filho,
Luís XIV, tem-se códigos de conduta que moldavam os atos da corte para que pudessem
estar sempre ao seu lado, na medida em que o rei via a necessidade de um cerimonial
compreendido em uma etiqueta, esta era a forma de moldar as mentalidades dos homens
próximos a ele, funcionando assim, como uma grande estrutura de poder em sua
sociedade (Elias, 2001). Dentre estes atos moldadores de sua corte, o rei organizara leis
que impunham o uso da língua oficial em todos os tipos de formas artísticas
apresentadas em seu séquito. Como podemos verificar na página oficial da Comédie
Française, na parte em que trata do repertório das obras apresentadas ou a serem
apresentadas:
En 1680, le monopole accordé par le roi aux seuls ComédiensFrançais de jouer les pièces en langue française à Paris et dans ses
faubourgs crée un fonds de répertoire qui rassemble toute la littérature
dramatique existante. Puis le répertoire s'enrichit au jour le jour avec les
nouvelles pièces jouées à la Comédie-Française.
Aujourd'hui, une pièce ne peut être inscrite au répertoire de la salle
Richelieu qu'après avoir été proposée par l'Administrateur général et
reçue par le Comité de lecture.26
Site oficial de La Comédie Française:
http://www.comedie-francaise.fr
Apesar de todos os atos políticos feitos por estes reinados a fim de difundir a língua
oficial e unificar o território, não houve um verdadeiro comprometimento para a
26
Em 1680, o monopólio concedido pelo rei aos únicos Comédiens-Français de atuar em peças de língua
francesa em Paris e em seus subúrbios criar um fundo de repertório que se assemelha com toda a
literatura dramática existente. Assim, o repertório se enriquecerá cada dia mais com as novas peças
representadas na Comédie-Française.
Hoje em dia, uma peça só pode ser inscrita no repertório da sala Richelieu depois de ter sido proposta
à Administração geral e reconhecida pelo Comitê de leitura.
37
tentativa de implementação da língua oficial em regiões onde se desenvolveram outras
línguas, na medida em que esta própria língua, tecida por intelectuais, estava por se
estabelecer como o padrão de língua da elite francesa, a casta que tinha o poder de
governar. Desta forma, mesmo que se quisesse haver a divulgação desta língua, ela
estava ligada aos bens da elite francesa, ela era encarada como mais um privilégio, e,
além disto, a difusão da mesma estaria ligada ao ato de leitura, pois ela era baseada em
escritos, o que a grande maioria dos indivíduos não conseguiria se adaptar, já que a
maior parte dos franceses era analfabeta no Antigo Regime. E, as variantes regionais
eram vista como as responsáveis pela falta de instrução do povo, pois elas eliminavam
toda a possibilidade de adaptação dos seus falantes à língua padrão, na medida em que
eram vistos pela sociedade francesa como enclausurados em seus pequenos mundos,
impossibilitados de interagir entre si mesmos e com o grupo da elite. Porém, era de
interesse do Antigo Regime manter seu grupo isolado, só havendo aos poucos a
interferência da burguesia emergente, por simples interesse material. Como já vimos, a
infiltração deste outro grupo social culminou com a tomada do poder pela mesma, nos
movimentos revolucionários do fim do século XVIII, e assim, com o fim dos privilégios
e da desvalorização cada vez mais forte da nobreza, temos a tomada da língua oficial
pela camada vencedora, na medida em que esta língua obteve a responsabilidade de ser
aquela que traduziria o discurso revolucionário e, que unificaria os indivíduos do
território francês. Para isto, os mesmos deveriam tornar-se cidadãos, uma nova maneira
de encararem-se como sujeitos em sua sociedade. Estes cidadãos teriam que possuir não
só o discurso revolucionário, mas também a própria língua que os trariam a ele. Neste
caso, a imposição da língua oficial seria uma forma necessária nos primeiros anos de
Revolução, na medida em que as variantes regionais eram vista como parte do Antigo
Regime, já que eram consideradas como resquícios feudais – mesmo algumas sendo
38
oriundas das línguas celtas27, como o bretão, o basco –, e a imposição era baseada na
existência de uma escrita padrão da língua oficial versus a existência ágrafa das
variantes regionais. Assim, veremos no próximo capítulo a importância da imagem de
escrita que possuía o discurso revolucionário na imposição desta língua oficial e, as
políticas lingüísticas que a exaltavam e a impunham como a língua da nação francesa.
27
Os povos celtas viveram na Europa antes e durante a expansão econômica e cultural romana. Povos de
língua indo-européia, cuja população estendia-se pela Europa ocidental durante os séculos X ao III a.C.
Os gregos os designavam sob o nome de Keltoi, os romanos sob o de Celtae, de Galatae ou de Galli. Na
França, tribos célticas habitaram a região que passou a se chamar Gália por causa da tribo que
predominava no território, os gauleses.
39
3 - A importância da escrita na imposição da língua oficial
3.1 – As comunidades de fala e as comunidades de escrita
(...) la présence ou l’absence d’écriture dans une culture a
souvent été utilisée pour valoriser ou péjorer cette culture, dans
le cadre d’une vision idéologique qui fait de la transcription
graphique le support de la connaissance: les sociétés de tradition
orale sont communément considérées de façon privative comme
des sociétés sans écriture, ce qui est une façon très réductrice de
les définir, en même temps qu’une façon de les péjorer par
comparaison avec les sociétés occidentales.28
Louis-Jean Calvet (1999)
O homem em sua linguagem possui várias maneiras de exteriorizar e de apreender
informações. Dentre elas, há duas formas que são em si bastante distintas no que tange
seus papéis sociais: a linguagem oral e a linguagem escrita. A primeira seria
vinculada, segundo as crenças populares, e por vezes, legitimadas por intelectuais, à
imagem do espontâneo, das paixões, da falta de lucidez, enfim, do que pode ser perdido
rapidamente, já que segundo um ditado da Roma antiga, as palavras voam29. Esta
linguagem, que por muito tempo e, até os nossos dias, possui então a imagem de
linguagem secundária se comparada à segunda modalidade citada.
Já a linguagem escrita é atrelada à imagem de racionalismo, de clareza de
pensamento, de possibilidade de armazenar informações em seu sentido prático. Logo,
28
(...) A presença ou a ausência de escrita em uma cultura frequentemente fora utilizada para valorizar ou
tornar pejorativa esta cultura, neste quadro de uma visão ideológica que faz a transcrição gráfica o suporte
do conhecimento: as sociedades de tradição oral são comumente consideradas de forma privativa como
das sociedades sem escrita, o que é uma maneira muito reduzida de defini-los, ao mesmo que uma
maneira de torná-las pejorativas por comparação com as sociedades ocidentais.
29
Verba volent, scripta manent, ditado romano que quer dizer: As palavras voam, os escritos ficam. O
que mostra a valorização da escrita desde a Antigüidade, a partir da visão de armazenamento e de troca de
informações. Esta idéia surgiu nos anos de 3500 a 3000 a.C. com o povo Sumério que criara uma forma
de anotar os números de suas vendas através de pictogramas - símbolos que transcrevem a idéia do que é
expresso, não contendo nenhum vínculo com a transcrição oral. No caso do latim, seria o contrário, já que
com a invenção do alfabeto pelos fenícios e o desenvolvimento do mesmo pelos gregos, há a
possibilidade de representar os sons da fala em sua escrita.
40
ela possui uma posição elevada em uma sociedade como a francesa, a espanhola, a
brasileira ou argentina e muitas outras em que vemos a máxima sempre utilizada por
seus indivíduos: Vale o que está escrito, na medida em que é comparada ao papel da
fala. Neste caso, a escrita proporciona uma maior confiança tanto na leitura dos fatos
quanto no registro dos mesmos, ainda que eles não sejam comprovados, por isto, ela
auxilia na criação de representações de uma comunidade de língua. Mesmo que a
própria possua tradições artísticas e históricas orais, como nas comunidades de fala que
utilizam o provençal, o picardo ou o loreno em seus ambientes familiares, se seus
indivíduos não os registrarem através da escrita em caracteres gráficos reconhecidos
socialmente, eles não terão o mesmo status que uma obra escrita, pois se percebe que
podem ser perdidos com o tempo. Assim, a linguagem escrita configura-se como o
único meio eficaz para armazenar a memória de sociedades – função mnemônica30 da
escrita: preservar informações –, e com isto, manter suas imagens e representações por
mais tempo em várias gerações de seus sujeitos, configurando-se, com isto, a idéia de
continuidade da escrita e dos mitos de nações específicas. Ela é, por vazes, a liga que
permite grupos de indivíduos sentirem-se unidos, como podemos ver nas comunidades
cristãs e islâmicas, que através de seus escritos sagrados seus sujeitos identificam-se e
definem-se como povos de uma determinada religião ou de um determinado grupo
religioso (Anderson, 1983). Deste modo, o quadro mencionado possibilita um ambiente
mergulhado em conflitos oriundos destas representações sociais incutidas nos papéis da
fala da escrita, pois dentro de comunidades lingüísticas específicas, há o ato de
depreciar e/ou valorizar seus usos em determinados registros de linguagem.
30
A função mnemônica da linguagem está ligada à memória dos indivíduos, ou em grupos de indivíduos
que podem manter tradições e cultos em suas comunidades através de séculos na medida em que passam
de geração à geração suas experiências apreendidas por meio de suas interações com o mundo onde
vivem.
41
Neste ambiente de tensão, vemos a fala e a escrita de uma comunidade serem
questionadas por seus utilizadores, na medida em que o senso comum traz a idéia da
escrita como representação da oralidade. Este conceito não é confirmado nas línguas
que possuem o alfabeto latino para representá-las, pois com o tempo estas duas
modalidades foram tendo desenvolvimentos distintos: enquanto a fala fora se adaptando
a cada tempo e camada da sociedade, a escrita não conseguiu acompanhar esse processo
evolutivo, na medida em que se tornava cada vez mais uma instituição tradicional destes
povos.
Por outro lado, há uma modalidade de fala moldada pela escrita, já que seus
indivíduos, sendo alfabetizados e, assim, inseridos no mundo das representações visuais
de uma língua, baseiam-se no ato de fala em sua escrita. Isto equivale dizer que para um
indivíduo ser aceito dentro da comunidade onde vive e, possuir direitos e deveres
específicos, deve dominar a escrita e a fala oficial. Esta modalidade seria a que
chamamos de norma culta de uma língua.
Um exemplo de ambiente de tensão entre norma culta e fala muito representativo é
o que podemos verificar na França, país que possui uma imagem de língua oficial muito
bem definido, cujo mito de clareza e bom uso está ligado à fala moldada pela escrita.
Neste sentido, a variante oficial passou por processos de imposição sobre todos os
outros falares do território francês, durante vários séculos, porém, só foram tentativas,
havendo somente uma ação mais objetiva com os atos políticos do começo da
Revolução, o que veremos mais adiante. Os falares postos em prova com a imposição
seriam as variantes regionais, que durante séculos e até o atual momento são chamadas
pejorativamente de patoás, que sem prestígio e sem escrita institucionalizada, ou seja,
recebem a denominação de línguas ágrafas, deveriam ser aniquilados para haver a
afirmação do francês como língua oficial em todo o território desta nação.
42
Percebe-se, deste modo, a divisão social feita pelos indivíduos de uma determinada
sociedade: a separação da mesma em comunidades de fala, no caso, aquelas em que a
maioria de seus sujeitos não tem acesso à escrita da língua de domínio, porém, possuem
formas de fala coerentes com sua situação na sociedade em que fazem parte, como
vemos indivíduos falantes de alsasciano, de basco, de flamengo na Bélgica, e mesmo de
línguas crioulas, tais quais os falares desenvolvidos nas Antilhas. E, aquelas em que a
escrita está presente e tem-se a fala vinculada a ela, com suas existências reguladas pelo
Estado, estas seriam as comunidades de escrita31, como vemos nas que usam as
línguas oficiais: a francesa, a portuguesa, a italiana, etc. No caso francês, esta divisão
fora bastante presente na medida em que o símbolo de língua escrita e de fala vinculada
a ela possibilitou um ambiente de extrema tensão entre a resistência dos falares
regionais e a imposição da língua oficial, no período da Revolução, que para nós, é um
dos mais representativos desta diglossia em questão. Mas, antes de verificarmos mais
profundamente esta tensão, mostraremos como o mito de escrita superior à oralidade
fora construído através dos tempos.
31
Porém, estes fatos são de ordem puramente estatística (Guisan, 2005), pois se tratam de mitos que
possibilitam a criação de símbolos sociais para cada uma das comunidades em questão. Acredita-se que
os indivíduos possuidores de uma língua sem escrita são da comunidade de fala, mas, não classificam
como sendo desta os outros que não sabem ler nem escrever e são de uma comunidade possuidora de
escrita.
43
3.2 - Escrita e oralidade: O mito da escrita superior à fala
A escrita na Antigüidade era inicialmente usada a fim de guardar informações sobre
o comércio. Isto acontecia com o povo sumério através de sua escrita cuneiforme32 para
representar os números do que vendiam ou compravam. Não havia, neste sentido, uma
escrita que pudesse representar a fala, na medida em que sua função principal seria a de
oficializar contratos. Após alguns séculos, com a chegada do alfabeto fenício e, em
seguida do grego e do latino altamente influenciados pelo primeiro, temos a escrita
como representação da oralidade, com cada letra reproduzindo um som da fala humana.
Com esta possibilidade, a escrita passou a ser um meio visto como infalível no
armazenamento de informações, já que ela seria responsável pela captação da expressão
oral. Assim, neste período, começa a criação da imagem de uma escrita superior à fala.
Primeiro, pela necessidade do armazenamento já citado, pois era necessário haver trocas
de informações, agora que os povos começavam a se relacionar por causa do comércio
em desenvolvimento e, a necessidade de guardar seus bens culturais; temos, assim,
incutido nas sociedades possuidoras de escrita o valor da lei propiciado pelo mito da
confiabilidade da escrita. Segundo, com a Idade Média, temos a escrita ligada à
dominação de camadas da sociedade que não tinham acesso à alfabetização, estas
seriam todas as que estariam longe do pequeno círculo de alfabetizados criado pela
Igreja. Logo, nestes tempos, havia a crença de que quem possuísse a arte da escrita e da
leitura seria visto como indivíduo superior aos outros, pois era privilegiado por ter este
acesso.
Mas, com a Renascença, a leitura passa a ser mais acessível a algumas camadas do
povo – ainda assim, restritas –. A partir deste período, temos a necessidade de registrar
32
Escrita em forma de cunha. Esta seria uma peça de ferro ou de madeira que se introduz em uma pedra
para fender e criar símbolos gráficos (Calvet, 1996).
44
os feitos da sociedade que se expandia para novas formas de explorar o mundo e, o livro
passa a ser um bem individual, uma mercadoria. Desta forma, a escrita passou a ser
vista como a modalidade da razão, a que poderia representar de forma mais civilizada a
expressão humana, em oposição à fala sem ser espelhada à grafia, que era simbolizada
como pertencente ao homem primitivo e suas formas de expressão.
Porém, para alguns autores como Olson33, a escrita não consegue representar tudo o
que é expresso na fala humana, já que possui entonações e sutilezas que, por vezes, a
escrita não consegue representar, por mais que se pense em sua total eficácia. É por
causa desta idéia que a fala e o gestual são considerados como a forma mais natural de
comunicação. E, segundo Claire Blanche Benveniste (1997), em algumas situações, o
gestual consegue traduzir de maneira mais fiel o que se pretende comunicar. Com isto,
observamos a existência de vertentes de pesquisa que não acreditam nesta escrita que
transcreve a oralidade. E, assim, podemos afirmar que se prova em nossos tempos que a
escrita e a oralidade são modalidades independentes entre si. Entretanto, o mito de que
uma estaria subordinada à outra é bastante presente no nosso senso comum.
Deste modo, observaremos um caso onde este mito de superioridade fora levado às
últimas conseqüências, já que, na Revolução Francesa, houve a necessidade da
implantação de novos códigos de leis em todo o território deste país. E, para isto, todo
habitante do mesmo deveria enquadrar-se neste estereótipo de indivíduo falante, leitor e
escritor do idioma que estaria lhe sendo imposto. Neste caso, os mesmos não deveriam
mais precisar de seus falares regionais, já que as leis e documentos oficiais da nação
seriam escritos na variante padrão. Logo, seus falares deveriam ser eliminados, pois,
sobretudo, eram considerados pela sociedade em questão, como línguas ágrafas, pelo
fato de não possuírem uma escrita institucionalizada.
33
Olson, R. David. The World on Paper: The Conceptual and Cognitive Implications of Writing and
Reading. Paperback: 1996.
45
3.3 - A escrita em Francês oficial:
Sua importância para as bases políticas da Revolução Francesa
O símbolo de língua francesa que fora desenvolvido no Humanismo e nos seus
séculos seguintes, e fora legitimado com os movimentos revolucionários, teve um
momento de grande difusão neste mesmo período, já que as novas leis e protestos eram
escritos nesta modalidade de língua, a forma escrita oficial da mesma. Por ser a norma
culta, ela fora adotada pela nova elite que a defendia e começava a tomar o poder. Logo,
ela seria de extrema importância para a difusão das novas leis proferidas com a
Revolução e, para que os indivíduos no território francês pudessem identificar-se com
esta nova idéia de Estado.
Com símbolos fortes e de total apelo popular, pois a grande maioria dos
camponeses era formada por pessoas sem acesso à língua francesa padrão, isso quer
dizer, à escrita e à fala moldada por ela, os revolucionários conseguiram que muitas das
comunidades falantes das variantes regionais começassem a identificar-se com o idioma
e com a idéia de nação posta ao seu alcance neste período.
Este símbolo de língua fora um dos principais mitos responsáveis pela criação do
sentimento de indivíduo francês, possuidor de uma língua comum para toda a nação da
qual fazia parte – que também já é um mito –. E, esta compreenderia um outro grande
mito: o de que seria a língua da clareza34, a que desenvolveria o raciocínio lógico em
todos os sujeitos que a sentissem como sendo sua. Portanto, o francês possui até os
nossos tempos a imagem de língua perfeita35, o que para Calvet (1996) o caso francês
de línguas em contato seria oriundo da uma política de superposição de um dialeto sobre
34
Cf. Meschonnic,1987.
O sentido de língua perfeita estaria ligado ao de bom uso da língua francesa, como vimos com os
autores humanistas, ou seja, este seria o uso aceito pelas convenções sociais. Convenções estas que se
baseiam na modalidade escrita como representante desta língua em questão.
35
46
o outro, já que mesmo estas denominações de língua, dialeto, patoás, etc., seriam os
níveis de aceitação pela elite dominante de cada falar distinto. O que ocorreu no
momento citado fora a existência de um novo grupo dominante que viera com os
acontecimentos antecessores à Revolução e, com isto, adotou a língua da oficial como
representante de seu discurso. Desta forma, os representantes da nova elite viram ser
necessário a divulgação de seu discurso considerado pelos mesmos como libertador por
todo o território.
Assim, a partir desta imagem de língua como edificadora da nação de indivíduos
livres em seus atos e pensamentos, vemos a estratégia de ligar o domínio total da
própria como único meio de haver acesso a toda a liberdade pregada com a Revolução,
na medida em que este símbolo de liberdade trazia em si a imagem de um sujeito ideal,
possuidor agora dos direitos tão sonhados por toda a sociedade francesa durante muito
tempo. Deste modo, observamos que a escrita fora a base de todo o processo de
imposição da língua francesa sobre os falares regionais presentes no território. E, para
isto, verificaremos como esta imagem de língua fora utilizada pelos novos governantes
do país e, assim, procurarmos entender esse contexto histórico de diglossia através das
políticas lingüísticas que possibilitaram sua planificação.
3.4 – A planificação lingüística na França
A partir da tensão oriunda dos papéis da fala e da escrita em uma sociedade temos
questionamentos sobre o próprio lugar delas na mesma. Em geral, esta tensão existe
pelo status de cada uma na coletividade que representam, já que, por vezes, uma não
pode ser diretamente ligada à outra, pelo fato de não se corresponderem em ambientes
47
de registros distintos. No caso da língua francesa, vemos este conflito bastante presente,
pois como já mencionamos, a língua oficial fora desenvolvida através de uma escrita
muito bem elaborada. Então, ocorreu na França, o que chamamos de planificação
lingüística36. Termo este cuja definição sempre nos leva a observar a necessidade de
enquadramento dos indivíduos falantes aos conjuntos de regras de língua presentes em
sua sociedade, seja por aceitação ou por adequação ao meio em que estão expostos. Este
termo usado se configura para designar as situações em que por uma ação do Estado,
cria-se a necessidade de unificação lingüística em um território, como Weinreich (1954)
define:
Planificação lingüística é a elaboração de uma ortografia normativa, de
uma gramática e de um dicionário para guiar a utilização escrita e oral
em uma comunidade lingüística não homogênea.
Uriel Weinreich (1954).
Desta forma, pelo fato de a sociedade francesa ser em sua constituição, um grupo
homogêneo de indivíduos, a criação desta nova forma de se encarar a escrita e fala
poderia unir estes povos, na medida em que esta língua estaria documentada em obras
literárias e científicas, havendo também dicionários e gramáticas normativas bem
definidas, ou por via da própria imprensa que vinha ganhando cada vez mais terreno a
partir do século XVII juntamente com o grupo de intelectuais já mencionado. Através
deste argumento, fora desenvolvido o hábito da leitura em muitas províncias deste país,
nos séculos anteriores à Revolução, onde os indivíduos alfabetizados, que configuravam
a menor parte da sociedade, teriam cada vez mais acesso a esta língua modelo.
Assim, a escrita se configurou como o modelo da fala da sociedade francesa através
da sua aceitação pela elite real. Logo, ela seria usada como uma forma de distinção
social e de sobreposição de uma camada da sociedade sobre a outra, seria com isto, um
36
O termo language planning fora criado por Einar Haugen em 1959.
48
grande instrumento político. Haveria, com isto, gradativamente o aumento da separação
entre os povos homogêneos deste país, na medida em que a instituição governamental
não se importava com a forma de fala de seus indivíduos, a partir do reinado de Luís
XIV. Reinado este que configurou a afirmação do poder real diante de qualquer grupo
de sujeitos.
Entretanto, com o declínio da nobreza no século XVIII, esta língua pertenceria à
nova elite que tomara o poder, na medida em que a sua imagem traria à tona as idéias de
liberdade e justiça desenvolvidas no discurso dos intelectuais do século XVII. Este
grupo dominante, a burguesia, consegue modificar tudo o que era conhecido como
forma de governar, criando símbolos até então nunca vistos, como a nação, a igualdade
de direitos, a identidade do cidadão francês, etc. Para isto, os detentores do poder
usaram de estratégias ligadas sempre ao uso do discurso desenvolvido pelos filósofos já
citados. Na medida em que os políticos da época avisavam aos sujeitos que eles
possuíam agora uma voz e que eram livres para agir em prol do novo sistema, a escrita
tomava uma grande importância, já que levava aos mesmos todas as informações que
eram necessárias à implantação do novo governo37. Propagando, assim, o próprio
discurso revolucionário.
Este discurso difundiria a imagem de língua libertadora e evitaria, segundo seus
representantes, as contra-revoluções – atos que a existência das variantes regionais não
estariam ligadas, mas fora um argumento bastante convincente para a tentativa de
eliminá-las –, mantendo assim, as conquistas conseguidas a partir da Revolução em
segurança e, a possibilidade de ampliá-las através da transformação social de sua
sociedade.
37
Esta tendência unificadora e centralizadora jacobina encontrou alguma resistência – revolucionária
também - , dita gerundina: as grandes cidades de Marselha, Lyon e Bordeaux, por exemplo.
49
Assim, o discurso da liberdade fora divulgado e apreendido por grande maioria da
população francesa. Porém, a mesma não possuía uma unidade lingüística, o que tornou
a difusão da língua francesa uma meta latente para todos os governantes do período.
Como podemos observar no decreto 2 Thermidor (20 julho de 1794) sancionado por
Robespierre :
Article 1
À compter du jour de la publication de la présente loi, nul acte public ne pourra, dans
quelque partie que ce soit du territoire de la République, être écrit qu'en langue française.
Article 2
Après le mois qui suivra la publication de la présente loi, il ne pourra être enregistré aucun
acte, même sous seing privé, s'il n'est écrit en langue française.
Article 3
Tout fonctionnaire ou officier public, tout agent du Gouvernement qui, à dater du jour de
la publication de la présente loi, dressera, écrira ou souscrira, dans l'exercice de ses
fonctions, des procès-verbaux, jugements, contrats ou autres actes généralement
quelconques conçus en idiomes ou langues autres que la française, sera traduit devant le
tribunal de police correctionnelle de sa résidence, condamné à six mois d'emprisonnement,
et destitué.
Article 4
La même peine aura lieu contre tout receveur du droit d'enregistrement qui, après le mois
de la publication de la présente loi, enregistrera des actes, même sous seing privé, écrits en
idiomes ou langues autres que le français.
38
38
Artigo 1 - A contar do dia da publicação da presente lei, qualquer ato público só poderá, em qualquer
parte que seja do território da República, ser escrito em língua francesa.
Artigo 2 - Após o mês da publicação da presente lei, não poderá ser registrado nenhum ato, mesmo com
assinatura privada, se ele não for escrito em língua francesa.
Artigo 3 - Todo funcionário público, todo agente do Governo que, a datar do dia da publicação da
presente lei, endereçará, escreverá ou subscreverá, no exercício de suas funções, processos-verbais,
julgamentos, contratos ou outros atos quaisquer concebidos em idiomas ou outras línguas que a francesa,
será traduzido diante do tribunal de polícia correcional de sua residência, condenado a seis meses de
prisão, e destituído.
Artigo 4 - A mesma pena ocorrerá contra todo receptor do direito de ensinar que, após o mês da
publicação da presente lei, só registrará seus atos, mesmo sob assinatura privada, escritos em idiomas ou
outras línguas em francês.
50
Histoire du Français, www.tlfq.ulaval.ca/axl/francophonie
Desta maneira, podemos verificar que com essas tentativas de unificar
lingüisticamente o território, os governantes puderam cada vez mais implantar o novo
sistema de organização social, na medida em que através de uma única língua, os
mesmos poderiam preparar todas as regiões do país para a grande mudança que viria
com o começo de uma Revolução Industrial. Estes governantes tiveram em suas mãos
uma grande aliada no que tange a implantação de leis e a imposição da língua em
questão, que era a modalidade escrita da mesma, cujo objetivo era dar credibilidade a
todos os atos por ela descritos, além de possuir um status enorme diante de uma
sociedade em sua grande maioria sem indivíduos alfabetizados.
A partir deste fato, temos uma grande campanha civilizatória no país, que
objetivava aniquilar todas as formas diferentes de fala. Esta possibilitou a implantação
dos alicerces governamentais que o governo jacobino tanto precisava além de impedir,
como se acreditava a ocorrência de prováveis contra-revoluções que pudessem vir à
tona através da não identificação de algum grupo de indivíduos que não falasse a língua
francesa e que possuísse outras formas de cultura. A cultura agora seria a do sujeito
cidadão. E este sujeito o indivíduo que possuísse não só o discurso da liberdade, mas o
que o divulgasse e o que utilizasse a língua francesa modelada através da escrita.
51
4 - A difusão do discurso revolucionário / língua oficial:
4.1 – O discurso revolucionário jacobino
L’instruction tenait toujours une place importante dans le
déroulement des séances ; elle devint prépondérante au printemps
de l’an II, lorsque les sociétés tombèrent sous la dépendance des
autorités jacobines et gouvernamentales. Lecture des journaux
patriotes, des discours prononcés à la Convenion ou aux
Jacobins, ds décrets et des lois, discours civiques ou moraux par
des militants, récitation par des enfants de l’Acte constitutionnel
ou de la Déclaration desdroits : les scéances commençaient
généralement ainsi. La société sectionnaire de la République
entendait à chacune de ses séances la lecture du Journal du soir,
du bulletin de la Convenion, des arrêtés de la Commune, de
l’ordre du jour de la Garde nationale. Le 27 pluviôse, un enfant
de sept ans récite à la tribune la Déclaration des droits ; le 4
ventôse, lecture d’un discours sur la plantation d’un arbre de la
liberté, (...) le rapport déjà ancien de Robespierre sur les
principes du Gouvernement révolutionnaire est lu le 17 germinal.
39
A. Saboul, Les Sans-Culottes parisiens en l’An II, mouvement
populaire et Gouvernement révolutionnaire (1793-1794) Ed. du
Seuil, Paris, 1968. 40
Partindo dos ideais revolucionários, surgem crenças – agora nacionais – de que a
liberdade chegaria para todos os indivíduos no território francês. Esta idéia de liberdade
vinculava-se à eliminação da tirania dos reis, o fim das limitações sociais do
feudalismo, a independência dos indivíduos diante de sua própria existência – eles não
seriam mais fixos em grupos de menor valor social, eram agora donos de seus destinos e
39
A instrução pública era sempre um assunto importante na seqüência das audiências públicas, ela tornase preponderante na primavera do ano II, quando as sociedades caíram sobre a dependência das
autoridades jacobinas e governamentais. Leitura dos jornais patriotas, dos discursos ditos para a
Convenção ou para os Jacobinos, os decretos e as leis, discursos cívicos ou morais pelos militantes, a
leitura por crianças do Ato constitucional ou da Declaração dos direitos: as audiências começavam
geralmente assim. A sociedade setorizada da República escutava em cada uma das audiêcias a leitura do
Jornal da tarde, do boletim da Convenção, dos textos da Comuna, da ordem do dia da Guarda nacional.
No 27 pluviôse, uma criança de sete anos recita na tribuna a Declaração dos direitos ; no 4 ventôse,
leitura de um discurso sobre a planificação de uma árvore da liberdade, o relatório já antigo de
Robespierre sobre os princípios do Governo revolucionário é lido no 17 germinal.
40
Autor citado por Renée Balibar e Dominique Laporte (1974) como grande conhecedor dos arquivos de
lei parisienses.
52
imaginavam que poderiam agora ser iguais dentro de seus contextos sociais – e, o
surgimento dos sujeitos portadores do discurso revolucionário, portanto, de pessoas
providas de voz perante o mundo em que viviam – esta seria sempre vinculada ao
discurso escrito e à fala moldada pelo mesmo –. A voz mencionada era vista como meio
fundamental para cobrar direitos, criticar e situar-se socialmente, na medida em que seu
falante seria agora uma parte muito importante na comunidade, pois ajudaria a decidir
seus rumos. Neste sentido, a máxima pregoada no período de Liberdade, Igualdade e
Fraternidade, configurava o sentimento de pertencer a uma nação próspera no que
tange as relações entre seus indivíduos. Assim, a comunicação entre os mesmos deveria
ser a mais ampla possível a fim de suprir o fluxo de informações novas em que faziam
parte.
Surge, então, uma onda de publicações de mídia impressa jamais vista até o
momento em toda a Europa. Ela fora desenvolvida através da divulgação de jornais
populares, relatórios do novo governo, declarações e discursos revolucionários vindos
dos clubes, dentre outras maneiras de difusão de comunicações. Todos os escritos
publicados eram em língua oficial, já que a mesma fora vista como uma das
responsáveis pela nova forma de encarar o mundo e de encarar-se, além de ser vista
como elo unificador de seus povos tão heterogêneos. Ela deveria ser manipulada de
forma bastante coerente por seus representantes, na medida em que trazia à tona a
possibilidade de organização do discurso revolucionário. Ela era vista como o próprio
discurso da Revolução, já que não se conseguia desmembrar um do outro. Deste modo,
surgem grupos que organizavam discursos através de documentos, mas os mesmos
deveriam ser ligados ao movimento, para isto, surgem clubes revolucionários com o
objetivo de trocarem informações que possibilitariam a união do mesmo e a manutenção
do discurso revolucionário.
53
Os clubes formavam uma gama de grupos de indivíduos, cidadãos neste momento,
que se reuniam para discutir os rumos de sua nação. Apoiavam feitos, criticavam e
cobravam o cumprimento da nova ordem. Possuíam o intuito de criar reflexões sobre a
política, e reuniam-se em grupos de burgueses e de nobres liberais desde o fim do
século XVIII, multiplicando-se com a Revolução. Deputados e burgueses da elite
revolucionária reuniam-se em clubes como o clube dos Jacobinos41, um dos mais
importantes no que tange a divulgação dos escritos revolucionários; o clube dos
Girondinos, grupo formado durante a Revolução, considerado um grupo político
moderado e, era chefiado por Jacques-Pierre Brissot (1754-1793), constituído pela alta
burguesia e fazia oposição aos jacobinos de Robespierre; o dos Cordeliers, também
chamados de Amigos dos Direitos do Homem, em que faziam parte Danton e
Desmoulins, criticavam os atos do clube que seguirá na medida em que era mais
popular que o Jacobino que dirigia o grupo seguinte; o dos Montanheses42, em que
podemos verificar a presença de Robespierre, Saint-Just, Couthon, Carnot, etc.,
revolucionários que se tornaram deputados durante o período da Convenção, eram
favoráveis ao Terror de 1793, com seus representantes promovendo atos de afirmação
do regime, mas deforma bastante violenta, como o uso da ditadura dos comitês de Saúde
Pública - comissões que veremos mais a frente com o abade Henri Grégoire e seus atos
de instrução pública e a tentativa de eliminação das variantes regionais -, e a eliminação
dos símbolos vinculados à idéia de tirania, o que culminou com o rei morto na
guilhotina; o dos Sans-culottes, grupo que cobrou a República após o regime do Terror
41
Clube de deputados bretões que se tornou aberto a todos os franceses a partir da tomada de Paris pela
Assembléia Nacional Constituinte. Era também chamado de Sociedade dos Amigos da Constituição.
Considerado um dos mais fortes, só fechou suas reuniões com a chegada do Diretório.
42
Deputados que se sentavam sobre os bancos mais altos da arquibancada da sala de reunião. Opunhamse aos deputados Girondinos, que foram eliminados pelos primeiros, já que todos os indivíduos que eram
considerados como opositores da Revolução tornavam-se inimigos em potencial da própria. No período,
até mesmo alguns representantes da Montanha, foram guilhotinados por seus companheiros por serem
considerados contra os ideais revolucionários.
54
dos Montanheses, dentre outros como os clubes das minorias, qual o das mulheres na
Revolução.
Eles engajavam-se na busca pela destruição rápida de todos os elementos políticos e
sociais possíveis do antigo regime a fim de transformar sua realidade (Chartier, 1990).
A transformação viria através do uso do discurso libertador que cativava de forma
fervorosa a maior parte da população francesa que, mesmo sendo analfabeta em sua
grande maioria e não possuir a língua oficial como seu guia na Revolução, interessavase cada vez mais pelos acontecimentos em que estavam envolvidos involuntariamente.
Assim, estes clubes ofereciam aos populares cursos de oradotória – aqui sempre
presente o processo verbal escrito (Balibar & Laporte, 1974) – a fim de que
conseguissem mais representantes para a divulgação de suas idéias, e desta forma,
também divulgar a língua revolucionária como um direito de todos.
Esta forma de oratória era utilizada por representantes de regiões distintas para que
seus habitantes pudessem ter acesso às leis e documentos revolucionários, neste sentido,
no começo da transmissão de documentos, a realização da língua nacional era
praticamente nula em comunidades falantes das variantes regionais, logo seria
necessário haver uma introdução do discurso revolucionário de forma mais acessível
aos mesmos. Haveria, então, a necessidade de se criar políticas lingüísticas que
pudessem auxiliar de forma Estatal esta empreitada. Com isto, temos no decreto do dia
8 pluviôse ano II43, o seguinte artigo:
Art. 6. – Les sociétés populaires sont invitées à propager l’établissement
des clubs pour la traduction vocale des décrets et à multiplier les moyens
de faire connaître la langue française dans les campagnes les plus
reculées. 44
43
No calendário latino, esta data corresponde a 8 de janeiro de 1891.
As sociedades populares são convidadas a propagar a fundação dos clubes para a tradução vocal dos
decretos e a multiplicar os meios de fazer-se conhecida a língua francesa nas regiões mais distantes.
Os grifos são meus.
44
55
Citado por BRUNOT45, Histoire de la langue française des
origines à 1900.
Através de artigos de lei como este, podemos observar a importância dada à escrita
em língua nacional, mesmo que seus documentos fossem traduzidos oralmente em
língua local, era inevitavelmente proibido todo o escrito que não fosse criado na padrão,
na medida em que as variantes regionais não possuíam escrita oficial, como vemos na
língua provençal que possui escritos bastante divulgados mesmo antes do advento da
língua francesa diante do poderoso latim da Idade Média46, e que tudo o que fosse
falado em discurso revolucionário teria que passar pelo crivo de ter a origem em língua
padrão. Após os decretos do período do Terror e os relatórios sobre a importância de
haver somente a língua francesa e a aniquilação das variantes regionais, a tradução dos
escritos foram interditadas, já que vemos o discurso revolucionário ter cada vez mais
divulgação e os clubes alastrar-se. Desta forma, tentaremos entender como a imprensa
revolucionária se propagou no território francês.
4.2 - O advento da imprensa revolucionária
A imprensa francesa, que desde o século XV obteve respaldo político através de
atos legislativos e de projetos regulamentáveis oriundos da corte, não possuía uma
amplitude tão significativa quanto à adquirida com os eventos da Revolução. Durante o
período antecessor a ela, temos uma imprensa restrita à corte e seus representantes, e
45
Historiador bastante citado por Laporte e Balibar, pois os autores basearam-se em sua obra Histoire de
la langue française, obra bastante rica em artigos de lei sobre a língua oficial.
46
Período em que o latim era a língua que unia todos os povos dentro dos territórios europeus. Era a
língua litúrgica e, como na época a Igreja possuía todos os poderes administrativos no que tange a
organização das comunidades de indivíduos no continente.
56
aos burgueses com a sua infiltração na liderança do país. Porém, na medida em que
tomavam o poder no período revolucionário, entenderam a importância da divulgação
de suas idéias e de seus atos, a fim de resguardar seus poderes políticos ganhos através
de lutas ideológicas e, também manter o símbolo do movimento evitando assim, como
se acreditava, a organização de agitações contra-revolucionárias. O que para Balibar e
Laporte (1974) esta idéia de contra-revoluções não passava de mais uma forma de
movimentação ideológica para a formação de blocos auxiliadores na divulgação da
língua oficial. Deste modo, a imprensa revolucionária criava símbolos de proteção e de
exaltação a seus ideais. Para isto, contava com a grande força do aparelho ideológico de
Nação criado e mantido pelo Estado. A língua passava agora a ser propriedade do
governo e a imprensa deveria auxiliar em sua imposição, logo, o Estado daria a mesma
um respaldo grandioso no que tange a sua liberdade, como podemos ver na Déclaration
des droits de l’homme47, em seu artigo décimo primeiro:
La libre communication des pensées et des opinions est un
des droits les plus precieux de l’homme; tout citoyen peut dont
parler, écrire, imprimer librement; sauf à répondre de l’abus de
cette liberté dans les cas determines par la loi.48
No período absolutista havia quatro jornais de temática política que circulavam no
reino, como a Gazette de France, o Mercure de France, o Journal de Paris e o Journal
de la France. Só não possuíam a liberdade de expressão e de divulgação adquiridas em
1789, mas objetivavam informar aos representantes da corte em várias regiões do país
47
Em 4 de agosto de1789, a Assembléia decreta o fim do regime feudal e, em 26 do mesmo mês a mesma
vota a Declaração dos direitos do homem, com a exigência de reformas nas instituições governamentais.
Tornando-se assim, uma espécie de evangelho para os revolucionários, na medida em que sua divulgação
fora cada vez mais abrangente no território, mobilizando grande parte da população para sua causa.
48
A livre comunicação de idéias e opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem; todo cidadão
pode, assim, escrever, imprimir livremente; exceto responder ao abuso desta liberdade nos casos
determinados pela lei.
57
seus atos governamentais e seus atos cotidianos. Estes jornais auxiliaram na propagação
das inovações e transformações lexicológicas da língua oficial desenvolvidas pelos
filósofos e escritores dos séculos XVI e XVII, na medida em que começava a haver um
maior intercâmbio lingüístico entre os indivíduos por causa das transformações do
comércio francês com a conquista do comércio interior com a burguesia. O
desenvolvimento de um mercado nacional pressupõe um aumento das necessidades
comunicativas e, assim, o desenvolvimento dos meios de comunicação. Segundo
Balibar e Laporte (1974) quando citam Brunot, temos em 1789 cerca de 40000
quilômetros de estrada, o que significa que para os fins de unificação social e lingüística
entre os povos habitantes do território francês este seria um bom momento para
dinamizar a comunicação nacional. Assim, a imprensa começa a possui um papel
unificador também, no que tange a socialização das informações governamentais e,
sobretudo, comerciais entre as regiões mais distintas, através deste fato, a língua oficial
tornava-se cada vez mais acessível aos indivíduos.
Temos como exemplo do papel bastante significativo da imprensa francesa para a
divulgação do idioma nacional a reflexão de Brunot:
La langue circule le long des routes.
Jadis l’imprimérie avait mis du temps pour produire ses effets. Si on
aperçoit du premier coup comment elle a servi la pensée, il faut réfléchir
pour comprendre pourquoi elle a changé le caractère de la langue,
troublé son évolution intérieure et augmenté son importance dans le
royaume. De même pour les routes. Leurs avantages économiques et
politiques devinrent bientôt sensibles. Leur influence sur le langage a été
moins rapide, moins directe : elle n’en est pas moins très grande.
C’est le réseau routier qui a fourni le grand instrument de
pénétration à travers les campagnes. En l’exécutant, la monarchie, sans
chercher ce résultat, sans le prévoir même, servait une seconde fois la
langue de tout son pouvoir. En ordonnant jadis de faire les écritures
administratives et judiciaires en français, elle avait assuré la victoire sur
le latin ; au XVIII siècle, en créant des chemins, elle préparait la victoire
sur les idiomes parlés.49
49
A língua circula ao longo das estradas
58
BRUNOT, Histoire de la langue française, citado por Balibar e
Laporte, 1974.
Neste sentido, percebemos que Brunot adota a idéia de que a divulgação lingüística
fora bastante lenta ou quase nula no período chamado de Antigo Regime, na medida em
que, como se constatou, a maioria da população não tinha acesso nem à escrita em latim
nem em língua oficial. Porém, verificamos que há a preocupação em mostrar que
mesmo antes da Revolução a língua oficial possuía um papel bastante unificador, já que
mostrava aos indivíduos – mesmo aos sem acesso à escrita – que uma ordem maior
perpassava às suas, e um idioma de maior importância social que os seus fazia parte de
suas vidas. Deste modo, a imprensa que mostrava aos habitantes das regiões distantes da
capital os atos administrativos e judiciários em seu território, torna-se um instrumento
bastante eficaz na divulgação do discurso revolucionário, em um tempo mais adiante.
Por conseguinte, desde a reunião dos estados gerais, Mirabeau50 (1749-1791) lança
o Journal des états généraux, que fora substituído por Lettres à mes commettants, os
dois possuíam conteúdo revolucionário e mostravam o intercâmbio de informações
entre os membros do movimento revolucionário. Assim, com a liberdade de expressão
adquirida, os jornais políticos começaram a multiplicarem-se, segundo Brunot, podemos
Outrora a imprensa tomara tempo para produzir seus efeitos. Si percebíamos rapidamente como ela serviu
ao pensamento, é necessário refletir a fim de compreender porque ela modificou o caráter da língua,
tornou opaca sua evolução interior e aumentou sua importância no reino. O mesmo para as rodovias. Suas
vantagens econômicas e políticas tornaram-se sensíveis. Sua influência sobre a linguagem fora menos
rápida, menos direta: ela não é muito grande.
É a rede viária que forneceu o grande instrumento de penetração a través dos campos. Executando-a, a
monarquia, sem procurar este resultado, sem mesmo prevê-lo, servia uma segunda vez à língua de todo o
seu poder. Ordenando outrora a feitura de escritos administrativos e judiciais em francês, ela tinha
assegurado a vitória sobre o latim, no século XVIII, criando caminhos, ela prepara a vitória sobre os
idiomas falados.
50
Honoré Gabriel Riqueti, ou conde de Mirabeau. Como nobre, defendeu dentro da Revolução uma
monarquia constitucional, ficando disponível secretamente ao serviço do rei. Porém, em seus escritos e
discursos públicos – fora considerado um orador muito prestigiado - mostrava-se engajado nos atos
revolucionários, como podemos observar em sua famosa frase dita ao marquês de Dreux-Brézé: Allez dire
au roi que nous sommes ici par la volonté du peuple et que nous n’en sortirons que par la force des
baïonettes (23 de junho de 1789).
Tradução: Vá dizer ao rei que nós estamos aqui pela vontade do povo e que nós só sairemos pela força
das baionetas.
59
contar cerca de 1500 periódicos no território francês entre 1789 e 1799. Alguns
desapareceram em alguns números, como os jornais de temática simplesmente instrutiva
sobre os movimentos revolucionários, tais quais o Moniteur universel, Panckoucke e le
Journal des débats. A imprensa tornava-se um instrumento de combate em que
indivíduos unidos pelos mesmos ideais lutavam para continuar a modificação do
sistema. Havendo, deste modo, um fenômeno de que quase todos os políticos no
período revolucionário faziam parte : a maioria dos mesmos possuía um informativo
onde poderia defender suas idéias com veemência.
Temos, assim, jornais como le Patriote français, dirigido por Brissot51 (17541793), já Desmoulins52 (1760-1794) elabora Les Révolutions de France et de Brabant,
jornal criado em 1789 e tirado de circulação em 1791 com o declínio dos Girondinos,
com isto, o autor cria um novo jornal chamado le Vieux Cordelier (1793), Mercier com
L'Orateur du peuple, Collot d'Herbois coordenava Les Annales patriotiques,
Marat orientava les Révolutions de Paris; dentre outros. Todos exaltavam as idéias e
ideais novos exaltando a pátria e a oratória do cidadão do povo, com a finalidade de
haver cada vez mais divulgação do discurso revolucionário. Seguindo, observaremos
um exemplar do jornal coordenado por Hébert intitulado l'Ami du peuple, que podemos
verificar no anexo 1 deste trabalho.
Jean-Paul Marat (1743-1793) fora um revolucionário bastante apreciado pelos sansculottes já que fundara o jornal predileto dos mesmos, que fora o jornal L’Ami du
Peuple. Fora também membro do grupo dos Cordeliers e, como deputado na
Convenção, votara pela morte do rei e logo após, entra em conflito com o Girondinos,
contribuindo para o fim dos mesmos, em 2 de julho de 1793. Denominava seu jornal
como político e imparcial, em que discutia assuntos sobre as decisões políticas
51
52
Brissot de Warville fora deputado pela Convenção como um dos chefes dos Girondinos.
Camille Desmoulins, advogado republicano, fora guilhotinado com Danton.
60
vinculadas ao povo em geral, o que agradava os sans-culottes que, como membros do
povo, engajavam-se em divulgá-lo com o auxílio de oradores.
Mesmo com todo o esforço para divulgar o discurso revolucionário através da
imprensa, sem o suporte dos oradores este ato seria quase impossível, na medida em que
os mesmos traduziam, por vezes, em língua local os atos públicos e os documentos
revolucionários. Porém, a partir de leis sancionadas por Robespierre (ver no capítulo
anterior) influenciadas pelos relatórios e artigos de políticos como Condorcet e
Grégoire, que se engajaram na tentativa de popularizar e propagar a educação, e assim,
a língua oficial, por grande maioria do território, viu-se que seria urgente a unificação
lingüística para que as transformações políticas pudessem ser aceitas e implantadas no
país inteiro. Assim, com o decorrer da Revolução começava a tentativa de criar uma
rede de alfabetização na maior parte possível do território.
4.3 - A escola e seu papel civilizador
A escola, segundo Balibar e Laporte, 1974, quando citam Brunot em seu capítulo
dedicado à educação pública do Antigo Regime, é definida como instituição formadora
da mentalidade de um grupo social – no caso, do período citado, ela era restrita a poucos
indivíduos e voltada para a manutenção de privilégios e a divisão e/ou organização
social da coletividade em castas distintas – e responsável pela união e conservação do
próprio povo como um grupo identificável através de símbolos comuns aos mesmos.
Para os autores, ela possui uma característica bastante singular no que tange seu papel
social, na medida em que aplica ideologias classificatórias e de inserção de seus
indivíduos em seus ambientes específicos: clero, nobreza, burguesia e povo em geral –
que na maior parte das vezes, não tinha acesso a nenhum tipo de escola, nem formal,
61
nem seu oposto - . Para isto, o francês oficial era uma ferramenta e um objetivo
primordial na empreitada ideológica de seu governo, já que a mesma não poderia ser
alcançada pela grande maioria de seu povo, mantendo-se assim, uma considerável
distância da elite governante. Neste sentido, os mesmos autores caracterizam a prática
do francês oficial na escola absolutista em a prática dominante e a aristocráticoburguesa.
A prática dominante fora classificada como o exercício da língua do rei, ou seja, a
que teria sentido somente se fosse pronunciada pelos indivíduos específicos, que seriam
os representantes da nobreza. Porém, com a penetração da burguesia nas camadas
sociais de mais prestígio, temos a criação dos Collèges53, que eram destinadas aos
nobres e a algumas franjas superiores da burguesia, encarregadas das altas funções
administrativas e jurídicas do Estado monárquico. Eram colégios abertos pelo Estado e
ministrados pelos Jesuítas que não dispensavam o ensino do latim, mas começavam a
abrirem-se cada vez mais ao estudo da língua francesa a partir de reivindicações
numerosas, sobretudo em meados do século XVIII. Como exemplo desta nova
empreitada nos estabelecimentos de ensino franceses, temos em 1765 na Universidade,
dentre os muitos livros recomendados para o estudo de base sobre a instrução da
juventude, vemos a obra de De Wailly54, intitulada Principes généreaux et particuliers
de la Langue française. E, em 1762, com o fechamento dos Colégios dos Jesuítas, o
Parlamento confia os mesmos aos Beneditinos, organizadores que colocam em prática
os primeiros elementos de um ensino de gramática comparada (franco-latina), através
53
Segundo Brunot, os primeiros colégios foram instaurados no século XVI, em 1551 a Companhia de
Jesus recebe do rei Henri II a autorização de criar um Colégio em Paris, em 1563 o colégio de Clermont
(futuro colégios Louis-le-Grand) é inaugurado. Sobre a pressão do Parlamento, da Universidade e dos
Jansenistas, os Jesuítas foram expulsos da França em 1762 e os Colégios foram provisoriamente fechados
até a chegada da administração Beneditina dos mesmos.
54
Noel François de Wailly (1724 – 1801), célebre gramático e lexicólogo. Em 1771, Noël de Wailly
compôs a obra Les Moyens simples et raisonnés de diminuer les imperfections de notre orthographe.
62
do ensino do francês literário. Brunot exemplifica em sua obra essa ascensão do status
da língua francesa no reino através da seguinte informação:
A Langres, par exemple, dans toutes les classes on analysait
les historiens, soit latins, soit français, qu’on expliquait, on
comparait les pièces « qui ont des correspondances dans les deux
langues »55
Com a ascensão social cada vez mais forte da língua francesa diante do latim nos
séculos XVII e XVIII, temos nas escolas – ainda reduzidas e feitas para os
representantes da classe dominante e a alta burguesia, todos estes, crianças – a
existência do francês comum – este seria para os autores a chamada prática burguesa do
francês oficial – a todos os indivíduos destas classes sociais distintas, havendo também,
a origem gradual de um sentimento propriamente dito nacionalista, na medida em que se
identificava a língua e os mesmos como representantes desta comunidade de fala e,
sobretudo, de escrita oficial de um idioma considerado padrão por toda a Europa. Este
francês comum e as idéias revolucionárias propagadas com os discursos formaram as
bases para a criação do sentimento de pertencimento não mais diferenciado a esta nação,
podendo trazer aos seus indivíduos a imagem de sujeitos semelhantes em direitos e de
portadores e divulgadores do discurso revolucionário, nasce através destes fatos a
imagem de sujeito cidadão, responsável por assegurar as transformações adquiridas
com a Revolução.
Assim, com os movimentos revolucionários e a ascensão de seu discurso, havia a
necessidade de criar meios para que a maior parte possível dos cidadãos franceses
pudessem ter acesso às novas leis e à língua da liberdade, como sua imagem era
55
Histoire de la Langue Française, VII, p.105.
Tradução : Em Langres, por exemplo, em todas as classes analisam-se os historiadores, sejam latinos,
sejam franceses, que se explicava, comparavam-se as obras que tinham correspondências nas duas
línguas.
63
divulgada popularmente. Deste modo, no período da revolução cultural burguesa, como
caracterizam Balibar e Laporte em suas visões marxistas, observamos uma tentativa de
estruturação do francês escolar de base a fim de fornecer à escola do povo a gramática
francesa somente, aos liceus e colégios burgueses o jogo completo das duas gramáticas,
a francesa e a latina, o que para os autores, demonstrava que uma nova configuração da
sociedade estava sendo fundada, na medida em que os descendentes dessa nova elite
que surgia estavam sendo preparados para manter seu status dispondo-se com mais
capital dito do intelecto e, o povo em sua grande maioria deveria aprender a língua
comum para que pudesse engajar-se como proletário nesta sociedade renovada. E,
assim, temos a nova organização social e escolar que possibilitam, como os autores
acreditam, a divisão daqueles que conheceriam o suficiente da língua oficial para
compreenderem e interagirem com os mais escolarizados.
Neste ambiente revolucionário, verificamos que durante o período chamado de
Terror56, que fora aproximadamente nos primeiros cinco anos da Revolução, a tentativa
de escolarizar o povo e divulgar a língua oficial passava pela criação de instrutores de
língua francesa, como foram chamados os seus divulgadores. Estes não foram os
precursores da educação primária na França, como veremos mais adiante, mas foram os
representantes transitórios de uma prática diferente de escolarização, inscrita numa
política de terror lingüístico, na medida em que havia punição para todos que em sala
de aula falassem as variantes regionais. Elas eram mostradas aos aprendizes como algo
a se eliminar de seus convívios, já que não precisariam mais delas para serem os
cidadãos franceses que tanto pregavam. No período, era urgente uniformizar ainda o
discurso político em sua prática, havendo assim, várias tentativas de eliminar as
56
Período em que os políticos jacobinos eram muito ativos na administração governamental francesa,
utilizavam de muita violência para impor suas idéias e atitudes e fazerem-se ser aceitos. Foi nesse período
que vários nobres e girondinos acabaram por fenecerem na guilhotina, como o rei e a rainha, Danton,
dentre muitos outros.
64
traduções vocais em variantes regionais dos textos revolucionários. Estes instrutores não
possuíam uma qualificação oficial, trabalhando assim, com a gramática padrão
francesa57, com isto, isolavam o aprendizado do francês e a formação da vida política e
profissional. Os dois últimos eram mais urgentes. Neste sentido, os instrutores
engajaram-se em uma empreitada política e de adequação social dos indivíduos, o que
era mais urgente no momento.
Assim, vemos junto com as transformações políticas e sociais da Revolução, uma
mudança considerável do conceito de escola e escolarização. Os novos projetos de
escolarização objetivavam a introdução dos indivíduos no discurso revolucionário, para
isto, os instrutores utilizaram uma gramática adaptada para o ensino do primeiro nível.
Havendo a inserção dentro do novo calendário de festas cívicas, como a celebração da
tomada da Bastilha, dentre outras, o que indica a necessidade de se criar uma nova visão
comunitária destes sujeitos, que agora seriam cidadãos de uma nação mais liberta e
unida, como acreditavam. E estes cidadãos deveriam dominar o modelo de língua
francesa elementar validada pela Revolução, que teria vindo a este período emprestada
do Antigo Regime, através da pedagogia utilizada nos Colégios do século XVIII – a
Gramática francesa de Lhomond.
Neste sentido, o francês elementar passava por um processo de nacionalização que
a partir das iniciativas políticas educacionais dos Jacobinos no período da Convenção,
pode-se ao menos organizar idéias do que poderia ser o seu ensino em todo o país. Com
políticos muito presentes no que tange o domínio da educação e da divulgação da língua
oficial, pode-se realizar decretos e relatórios com o objetivo de popularizar a educação e
criar uma comunidade unilíngüe.
57
Gramática francesa de Lhomond, utilizada nos Colégios do século XVIII. Fora lançada em 1780, com
o nome de Eléments de la Grammaire française.
65
Assim, em 14 de outubro de 1791 a Assembléia Legislativa declara a criação de um
Comitê de Instrução pública composto de vinte e cinco membros. Dentre eles, temos
Henri Grégoire, político bastante ativo no que tange a difusão da língua oficial e a
eliminação das variantes regionais, autor que veremos mais adiante, e Condorcet (17431794)58, deputado da Convenção que criou em abril de 1792 o Relatório Condorcet.
Este relatório deveria servir de base para todos os projetos educacionais do país,
contendo um plano de quatro níveis de instrução: sua base seria composta por escolas
primárias laicas e gratuitas, onde estudariam juntos meninos e meninas; escolas de nível
secundário, que em três anos poderiam conduzir os alunos aos institutos – equivalentes
aos liceus futuramente – , estes teriam cinco anos de estudos que levariam os mesmos
aos estabelecimentos de ensino superior, denominados de liceus ou escolas do quarto
nível. Elabora também em seu relatório, indicações para a composição e a escolha dos
manuais de instrução pública. Veremos um pequeno extrato de seu relatório:
Dans les Écoles Primaires et Secondaires, les livres
élélmentaires seront le résultat d’un concours ouvert à
tous les citoyens, à tous les hommes qui seront jaloux de
contribuer à l’instruction publique ; mais on désignera les
auteurs des livres élémentaires pour les institutions. 59
Rapport Condorcet, abril de 1792.
Observamos também que todos os objetivos pedagógicos de alfabetização em
língua francesa encontrados em seu relatório, partem do pressuposto de que os alunos
deveriam aprender a língua através da leitura, o que nos remonta à importância dada à
58
Marie Jean Antoine Cariat, marquês de Condorcet. Deputado da Assembléia Legislativa, apresentou
um plano grandioso sobre a instrução pública.Fora acusado de ser um girondino e morrera envenenado ao
saber que seria condenado à guilhotina.
59
Nas Escolas Primárias e Secundárias, os livros elementares serão o resultado de um concurso aberto a
todos os cidadãos, a todos os homens que serão zelosos de contribuir a instrução pública ; mas designara
os autores dos livros elementares para as instituições.
66
escrita e à fala moldada pela mesma, na medida em que o deputado engaja-se em incitar
as primeiras leituras dos jovens, a fim de motivar o hábito de leitura em todo o país, e
para isto, com os Beneditinos fazendo parte da organização dos Colégios, os alunos
estudariam através de obras literárias escritas em francês oficial e também com o auxílio
de métodos com frases simplificadas no começo de seus estudos, havendo assim, com o
seu avanço, níveis mais complexos de estruturação verbal. Como vemos no extrato
seguinte de seu relatório:
On sent que les livres destines à donner aux enfants la
première habitude de lire, ne doivent renfermer que des phrases
d’une construction simple et facile à saisir. (...) Par exemple,
comme la plupart même des hommes faits, ils n’auront qu’une
idée très vague et très peu précise des mots grammaticaux, et
même des relations grammaticales que ces mots expriment. 60
Rapport Condorcet, abril de 1792.
A partir do hábito da leitura, segundo Condorcet, os indivíduos sublimariam seus
espíritos e, assim, sua linguagem tornar-se-ia o veículo de visão de mundo mais
adequado ao momento específico de sua nação e aos tempos novos que viriam, de tal
modo, transformar-se-iam em pessoas esclarecidas e mais ajustadas à sociedade em
questão.
Assim, com esse grande auxílio, a Assembléia vota o projeto de lei que fora
apresentado à convenção em nome da Comissão de Educação em 29 vendémiaire ano II
(20 de outubro de 1793), como veremos a seguir:
60
Sente-se que os livros destinados a dar aos filhos o primeiro hábito de ler, só devem possuir frases de
uma construção simples e fácil para seguir. (...) Por exemplo, como mesmo a maior parte dos homens
feitos, eles só terão uma idéia muito vaga e muito pouco precisa das palavras gramaticais, e mesmo das
relações gramaticais que estas palavras exprimem.
67
Art. 5. – Les écoles de l’enfance se divisent en premières et secondes écoles.
L’enseignement est essentiellement le même dans toutes les écoles nationales,
mais modifié et gradué selon l’âge et la capacité des élèves. 61
Art. 12. – La Commission d’Education nationale et le Comité d’Instruction
publique réunis sont chargés de faire les programmes qui doivent ouvrir le
concours pour la composition des ouvrages nécessaires aux ouvrages nécessaires
aux écoles nationales.62
Observamos que no período revolucionário temos a imagem de escola não mais
fechada para uma casta distinta, mas para todos os cidadãos que deveriam estar
preparados para fazer parte dela e de sua sociedade também. Nestes artigos citados,
vemos que ela é tratada agora como escola nacional, isto quer dizer que os sentimentos
unificadores dos povos partiriam também e sobretudo, na medida em que prepararia as
novas gerações, por ela; e podemos fazer referência igualmente ao novo status adquirido
pelos indivíduos dentro de seu país, seriam prontamente caracterizados de cidadãos
quando possuíssem o discurso revolucionário e a capacidade de proferi-lo. Todos estes
objetivos passariam pelo víeis da escola que no momento, sendo nacional, seria
regulada e assistida pelo Estado.
Porém, mesmo com todos os esforços no período revolucionário, não se conseguiu
pôr em prática a escola imaginada e pregada nas leis redigidas, já que se procurava além
de implantar o novo regime, fazer as modificações políticas necessárias para sua
manutenção e impor as mesmas em todo o território, e ainda as correntes políticas
encontravam-se em disputas acirradas e contínuas com Jacobinos e Girondinos em total
desacordo uns com os outros, o que impossibilitava qualquer ação mais concreta no que
diz respeito à educação. O que seria uma mudança radical na forma de ensino na
61
Art. 5. – As escolas de infância se dividem em primeiras e segundas escolas. O ensino é essencialmente
o mesmo em todas as escolas nacionais, mas modificado e graduado segundo a idade e a capacidade dos
alunos.
62
Art. 12. – A Comissão de Educação nacional e o Comitê de Instrução pública reunidos estão
encarregados de fazer os programas que devem abrir o concurso para a composição das obras necessárias
às escolas nacionais.
68
França, tornou-se uma tentativa de implantação de uma nova escola, com a
responsabilidade de ensinar a língua oficial e de organizar as instituições de ensino nas
localidades falantes de variantes regionais exclusivamente dos instrutores de francês.
Como vemos no extrato da obra de Certeau, Julia e Revel (1974), quando citam o
relatório de Barère63 ao Comitê de saúde pública, na sessão sobre os idiomas64 :
L’éducation publique ne peut s’y établir, la régénération
nationale y est impossible. C’est un fédéralisme indestrctible que
celui qui est fondé sur le défaut de communication des pensées ;
et si les divers départements, seulement dans les campagnes,
parlaient divers idiomes, de tels fédéralistes ne pourraient être
corrigés qu’avec des instituteurs et des maîtres d’école dans
plusieurs années seulement. 65
Barère, Rapport du Comité de salut publique sur les idiomes.
Barère em seu relatório, mostra sempre a superioridade da língua oficial e a
importância de se valorizar os instrutores, pois somente através deles poderia haver um
começo de ensino popular e, assim, a divulgação e a imposição da língua oficial teria
início na França, podendo, deste modo, como se acreditava, eliminar as variantes
regionais e formar um país unilíngüe, com a língua oficial podendo representar todo o
povo desta nação. O deputado acreditava que a República poderia fazer com que o país
pudesse se fechar nele próprio e, com isto, possibilitar o falar da língua que permitiu a
escrita da Declaração dos Direitos do Homem em todo o território. Após seu relatório,
cria-se o projeto que fora decretado alguns dias após. Veremos este decreto a seguir :
63
Barère de Vieuzac (1755-1841), deputado dos Estados Gerais em 1789 e da Convenção. Fora também
membro assíduo do Comitê de saúde pública.
64
Os autores Certeau, Julia e Revel retiraram esta relatório da seguinte obra: Archives parlementaires, 1re
série, t. LXXXIII, séance du 8 pluviôse na II, nº 18, 713-713. Paris, Ed. C.N.R.S., 1961.
65
A educação pública não pode instalar-se, a regeneração nacional é impossível. É um federalismo
indestrutível fundado na falta de comunicação de idéias, e si os diversos departamentos, somente nos
campos, falavam diversos idiomas, de tais federalistas só poderiam ser corrigidos com os instrutores e os
mestres da escola em muitos anos somente.
69
La Convention nationale, après avoir entendu le rapport de son comité de salut
public, décrète :
Art. I. Il sera établi dans dix jours, à compter du jour de la publication du présent
décret, un instituteur de la langue française dans chaque commune de campagne
des départements du Morgihan, du Finistère, des Côtes-du-Nord, d’Ille-etVilaine, et dans la partie de la Loic-Inférieure dont les habitants parlent l’idiome
applé bas-breton.
Art. II. Il sera procédé à la même nomination d’un instuteur de la langue
française dans chaque commune des campagnes des departements du Haut et
Bas-Rhin, dans le département de la Corse, dans la partie du département de la
Moselle, du département du Nord, du Mont-Terrible, des Alpes maritimes, et
dans la partie des Basses-Pyrénées, dont les habitants parlent un idiome étranger.
Art. III. Il ne pourra être choisi un instruteur parmi les ministres d’un culte
quelconque, ni parmi ceux qui auront appartenu à des castes ci-devant
privilégiées; ils seront nommés par des représentants du peuple, sur l’indication
faite par les sociétés populaires.
Art. IV. Les instituteurs seront tenus d’enseigner tous les jours la langue
française et la Déclaration des Droits de l’Homme à tous les jeunes citoyens des
deux sexes que les pères, mères et tuteurs seront tenus d’envoyer dans les écoles
publiques ; les jours de décade, ils donneront lecture au peuple et traduiront
vocalement les lois de la République en préférant celles relatives à l’àgriculture
et aux droits des citoyens.
Art. V. Les instituteurs recevront du trésor public un traitement de 1500 livres
par an, payables à la fin de chaque mois , à la caisse du district, sur le certificat
de résidence donné par les municipalités, d’assiduité et de zèle à leurs fonctions
donné par l’argent national près chaque commune. Les sociétés populaires sont
invitées à propager l’établissement des clubs pour la traduction vocale des
décrets et des lois de la République, et à multiplier les moyens de faire connaître
la langue française dans les campagnes les plus reculées.66
66
A Convenção nacional, após ter ouvido o relatório de seu comitê de saúde pública, decreta :
Art. I. Será estabelecido em dez dias, a contar do dia da publicação do presente decreto, um instrutor da
língua francesa em cada comuna de campo dos departamentos do Morgihan, do Finistère, das Côtes-duNord, de Ille-et-Vilaine, e na parte da Loic-Inférieure cujos habitantes falam o idioma chamado baixobreton.
Art. II. Será procedido a mesma nominação de um instrutor da língua francesa em cada comuna dos
campos dos departamentos do Alto e Baixo-Rhin, no departamento da Córsega, na parte do departamento
da Moselle, do departamento do Norte, do Mont-Terrible, dos Alpes marítimos, e na parte dos BaixosPirineus, cujos habitantes falam um idioma estrangeiro.
Art. III. Não poderá ser escolhido um instrutor entre os ministros de um culto qualquer, nem entre aqueles
que teriam feito parte de castas anteriormente privilegiadas; eles serão nomeados pelos representantes do
povo, sobre a indicação feita pelas sociedades populares.
Art. IV. Os instrutores serão encarregados de ensinar todos os dias a língua francesa e a Declaração dos
Direitos do Homem a todos os jovens cidadãos dos dois sexos que os pais, as mães e tutores serão
encarregados de enviar às escolas públicas; em dez dias, eles lerão para o povo e traduzirão vocalmente as
leis da República preferindo aquelas relativas à agricultura e aos direitos dos cidadãos.
Art. V. Os instrutores receberão do tesouro público um montante de 1500 libras por ano, pagas no fim de
cada mês, na caixa do distrito, sobre o certificado de residência dado pelos municípios, de assiduidade e
de zelo a suas funções dadas pelo dinheiro nacional perto de cada comuna. As sociedades populares são
convidadas a propagar o estabelecimento dos clubes para a tradução vocal dos decretos e das leis da
República, e a multiplicar os meios de fazer-se conhecer a língua francesa nos campos mais distantes.
70
Ainda com todos os esforços dos instrutores - que por vezes eram tratados com
violência pois eram porta-vozes do discurso revolucionário e pregavam a eliminação de
seus falares e torna-los indivíduos adeptos e inseridos na República, e não eram bem
vindos em localidades como a Bretanha, onde seus habitantes reagiam à idéia de
extinguir seus falares locais -, não fora possível instaurar uma rede de ensino totalmente
engajado na divulgação da língua oficial, na medida em que as condições de trabalho
eram precárias e não havia interesse algum nas localidades falantes de variantes
regionais de haver uma eliminação tão violenta, e inesperada, de seus falares. As leis e
decretos eram traduzidos em sua grande maioria para que fossem compreendidos e
respeitados em ambientes de reuniões sociais e, por vezes, nas escolas.
Mesmo assim, este tipo de escola voltada para a divulgação do discurso
revolucionário e a imposição da língua oficial conseguiu avanços em sua empreitada,
porém, não conseguira eliminar as variantes regionais, ficando seus falantes por muito
tempo ainda sem o domínio da língua padrão. Havendo, assim, uma tentativa de
implantação de uma escola mais eficaz e organizada efetivamente pelo Estado fora
posta em prática com Jules Ferry67, ministro da instrução pública no período de 1879 a
1883, político que criou uma legislação escolar totalmente inovadora para o momento.
Esta proposta de escola possuía três pilares: obrigação, gratuidade e laicidade do ensino
67
Jules Ferry (1832-1893), deputado republicano no fim do Império, responsável pela implantação da
escola moderna na França. Em 1882, compõe a lei sobre a instrução pública:
L’enseignement primaire obligatoire
Article 1 – L’enseignement primaire comprend: l’instruction morale et civique; la lecture et l’écriture; la
langue et les éléments de la littérature française; la géographie particulièrement celle de la France;
l’histoire particulièrement celle de la France jusqu’à nos jours; (…)
Article 4 – L’instruction primaire est obligatoire pour les enfants des deux sexes âgés de 6 ans révolus à
13 ans révolus.
Tradução :
O ensino primário obrigatório
Artigo 1 – O ensino primário compreende: a instrução moral e cívica; a leitura e a escrita, a língua e os
elementos da literatura francesa, a geografia particularmente a francesa, a história particularmente a
francesa até nossos dias; (…).
Artigo 2 – A instrução primária é obrigatória para as crianças dos dois sexos de seis anos completos aos
13 completos.
71
primário. Fora uma proposta muito bem aceita e os governos a seguiram com afinco,
havendo um considerável desenvolvimento do ensino público, mas o objetivo de
eliminar as variantes regionais não fora alcançado, na medida em que seus falantes
possuíam um sentimento muito intenso de identificação com as mesmas. Seria preciso
haver um fator extremamente forte para que pudessem deixar suas línguas e adotarem a
francesa como sendo parte de seus bens culturais.
Assim, seria necessário que os falantes das variantes regionais mudassem seus
modos de encarar o mundo em que viviam e a si mesmos, neste sentido, haveriam de
aceitar o discurso revolucionário como sendo parte dos movimentos de liberdade em
que estavam sendo inseridos. Havia a necessidade de transformar estes indivíduos em
cidadãos68 propriamente ditos - como se configurava na época revolucionária portadores da língua padrão, que os auxiliaria na vivência nesta sociedade que se tornara
nação.
68
Cidadão etimologicamente está ligado aos termos cidade, que viera do latim civitas –atis, que significa
uma concentração populacional não agrícola, um complexo demográfico, social e econômico. Neste
sentido, cidadão vincula-se ao indivíduo que faz parte de um desses aglomerados de pessoas, com uma
organização específica das mesmas. Assim, cidadania pretende incutir nestes indivíduos a qualidade de
cidadão, ou seja, de sujeito adequado a uma determinada sociedade.
72
5 - O surgimento de uma nova imagem de indivíduo: o cidadão.
5.1 - O processo civilizatório do indivíduo possibilitado pelos símbolos de nação.
Création de la modernité, l’individu est ce personnage
prétendument autonome qui occuperait le centre du monde. Ce
monde se caractérise en effet par un « je ne sais quoi »
d’aristotélien, car, si le « divin Aristote » affirmait que la Terre
est le centre de l’univers, notre époque clame haut et fort que
l’univers, tout entier tourne autour de ce personnage devenu
central : l’individu. (...)
On imagine couramment que l’individu est ce qui s’oppose à
la masse, or il n’y a pas de masse sans la construction préalable
d’une sérialisation, sans la déconstruction du lieu social par la
formation de l’individu, qui est l’atome et le nom de l’ensemble
d’une massification. Il n’y a donc pas, d’une côté, l’individu et, de
l’autre, les masses. Là où l’individu se trouve, la masse se trouve
aussi, car l’individu est l’instance fondamentale de toute
massification. Bien que la culture et le sens commun opposent
individu et société, (...) « individu » est pourtant le nom d’une
organisation sociale, d’une cosmogonie et d’un pouvoir. 69
BELASAYAG, Miguel. Le mythe de l’individu, Éditions La
Découverte, Paris, 2004.70
Durante o período da Revolução Francesa, houve no país muitas campanhas
políticas e sociais para pôr em prática os valores defendidos por seus representantes.
Estes queriam reorganizar o país com a ajuda dos apelos populares que vieram com os
atos revolucionários. Desta maneira, era necessário reorganizar também os seus
indivíduos dentro do território, pois a maior parte dos grupos de franceses estava desde
69
Criação da modernidade, o indivíduo é este personagem pretensamente autônomo, que ocuparia o
centro do mundo. Este mundo se caracteriza efetivamente por um não sei o quê de aristotélico, pois, si o
« divino Aristóteles » afirmava que a Terra é o centro do universo, nossa época clama auto e forte que o
universo, inteiramente gira em torno deste personagem que se tornara central: o indivíduo.
Imagina-se freqüentemente que o indivíduo é aquele que se opõe à massa, ou não há massa sem a
construção prévia de uma serialização, sem a desconstrução do local social para a formação do indivíduo,
que é autônomo e o nome do conjunto de uma massificação. Não há, então, de um lado, o indivíduo e, de
outro, as massas. Lá onde o indivíduo encontra-se, a massa encontra-se também, pois o indivíduo é a
instância fundamental de toda a massificação. Ainda que a cultura e o senso comum oponham indivíduo e
sociedade, (...) indivíduo é entretanto, o nome de uma organização social, de uma cosmogonia e de um
poder.
70
Miguel Benasayag, autor argentino traduzido em francês por Anne Weinfeld.
73
muitos séculos inseridos em um contexto de isolamento das outras regiões, isto quer
dizer, que havia muitas comunidades que não tinham acesso às informações produzidas
pelos revolucionários, comunidades estas que não se identificavam como parte da nova
nação e, sobretudo, que não conheciam a língua falada e escrita pelos revolucionários
como mais um de seus bens culturais.
Na época, a língua oficial vinha ganhando cada vez mais valor político, pois tinha o
papel de representar a imagem de nação criada a partir dos movimentos revolucionários
e, assim, ela recebera a denominação de Língua Francesa71. Este status, de poder
representar o povo francês, estava baseado na imagem de língua clara, perfeita e que
possibilitaria uma expressão mais precisa de pensamentos. Deste modo, ela possuía para
os indivíduos deste país e em toda a Europa um grande gênio (Meschonnic, 1987). Este
gênio poderia mostrar as características mais elevadas no que tange a idéia de
linguagem, pois desenvolveria em quem a dominasse a capacidade de organizar e
proferir discursos perfeitos a nível de coerência e coesão, o que podemos ver nos
escritos de Léon Bérard, em sua obra La langue française et la formation des sprits, em
que define a o gênio da língua francesa como:
L’art de bien dire et l’art de bien penser.
BENARD, 1955, citado por Meschonnic.
Esta língua e sua imagem – ou gênio – foram aceitas pela corte francesa a partir do
século XVI. Com isto, a corte possuía uma nova forma de se distinguir do restante do
povo. Ela marcava identidade, ou seja, a representação do papel que estes sujeitos
possuíam em sua sociedade. Seus papéis foram desenvolvidos no período da Idade
71
Língua Francesa é uma denominação que representa o espírito de agrupamento de indivíduos
desenvolvido neste momento histórico, em que se ligava a língua e a nação dentro de um mesmo
contexto e, estes dois elementos simbolizavam o povo, seu criador e conservador. O contexto citado
configura-se através do sentimento nacionalista para com a pátria, que deveria ser indivisível, logo, não
poderia haver formas distintas de fala dentro do território francês.
74
Média72 deste país, configurando-se uma situação na qual podemos verificar que, de
uma parte, havia a camada mais elevada da sociedade, a nobreza, possuidora do direito
de formular e de impor sua maneira de viver; entretanto, esta maneira só pertenciam a
este grupo social, na medida em que, elas eram usadas para distingui-lo do resto dos
sujeitos pertencentes ao mesmo país. Neste sentido, a distinção social passava pelo víeis
de sua própria maneira de falar, pois em outras regiões da França não era usual falar
como na corte, já que os indivíduos das outras camadas sociais não conviviam com esta
elite.
Para o povo – nele está incluído o grupo social de comerciantes, chamado de
burguesia – , outra camada social francesa em que havia a maior parte da população e
que estava espalhada por suas províncias, a língua oficial não poderia representá-los, já
que possuíam seus próprios falares que traduziam suas visões do ambiente onde viviam
e a si mesmos, porém, não tinham escrita oficializada e, com isto, não conferiam status
de língua as mesmas, tendo seus indivíduos falantes imagens pejorativas diante da elite
governante e, mesmo diante de um grupo falante de uma variante regional diferenciada
da sua. Além de haver também o clero, camada que controlava de forma mais presente
o grupo do povo e, o mesmo a respeitava singularmente, na medida em que formavam
um conjunto de indivíduos próximos. Os próprios párocos falavam as variantes
regionais a fim de levar aos provincianos as informações necessárias para a manutenção
da ordem do reino. Os sacerdotes serviam como porta-vozes do reinado, fazendo a
tradução oralmente dos documentos governamentais, porém, usavam o latim como
língua oficial em suas liturgias durante muito tempo, o que não prejudicava suas
relações com o povo em geral.
72
Com a partilha de seu Império, Carlos Magno criara castas que organizavam e administravam suas
regiões. Havia fidelidade entre elas e o Imperador, o que as tornara distintas dos outros grupos do povo.
Desenvolvia-se, assim, a nobreza européia.
75
Assim, podemos verificar que os meios de vida do conjunto de indivíduos
representados pelo povo eram muito distintos dos hábitos referentes às camadas
superiores da sociedade francesa, pois se isolaram durante séculos em regiões que não
possuíam o costume de estarem em contato umas com as outras. Do mesmo modo,
ocorreu que cada grupo de indivíduos possuía uma variação de língua distinta, o que se
pode verificar com a divisão do território francês, que durante muito tempo era mapeado
através da demarcação de lange d’oc e langue d’oil, em que a primeira região era a do
sul e a segunda a do norte. Esta divisão fora construída através da distinção dos falares
de cada região. Porém, esta divisão não leva em conta a diferenciação dos muitos falares
diferentes que existiam no interior dos dois domínios de língua. Esta divisão pode ser
representada da seguinte maneira:
http://site.voila.fr/langues_cultures
A parte da população que não possuía a língua francesa como língua materna, era
marcada pelas suas formas de fala, cujo status das variantes lingüísticas era - e continua
sendo - muito marginalizado na sociedade francesa. Elas são chamadas de patoás,
terminologia que designa de maneira muito pejorativa as línguas de menor importância
política de uma sociedade. Logo, o termo significa para o senso comum e, também
76
sempre fora propagado por grupos de intelectuais, ou políticos como « o falar do baixo
povo ». Podemos observar a denominação pejorativa das variantes regionais nas
palavras do Abade de Sauvages73, um Enciclopedista da região de Languedoc :
PATES ou patoués. Le mot patois est un terme général qu’on
applique aux différents jargons grossiers & rustiques que parle le bas
peuple, soit dans les Provinces, soit dans la Capitale : puisqu’on dit le
patois normand, champenois, & le patois des halles : mais il paroît que
cette sorte de langage n’est réputé rustique & grossier que relativement
à un autre de même genre qui est plus pur, plus correct, plus cultivé, que
parlent les personnes lettrées, ou bien élevées. (...) parce que ce langage
du peuple de Normandie, est du françois corrompu ou altéré & fort
inférieur à celui de la Cour & des honnêtes gens de la Capitale : en un
mot, c’est un langage dégéneré d’une langue plus parfaite ; mais de
même genre & qui ont l’un & l’autre une origine commune. (...) 74
Abée de Sauvages, Dictionnaire languedocien-françois, Nîmes, 1785.
Neste quadro de diglossia, no qual observamos as imagens das línguas bastante
definidas, já que o valor de uma depende da desvalorização da outra, temos, a partir de
1780, a idéia de unificação lingüística na França. O projeto de padronização lingüística
francês aproveita-se da imagem unificadora que a língua oficial possuía na época, pois
ela era a responsável pela tentativa de civilizar o povo na medida em que representava a
nação neste momento. Ela era também a expressão do espírito das Luzes, isto quer
dizer, a manifestação de uma língua pura - aquela que faria despertar nos espíritos
precisão e claridade no que tange seus pensamentos. Com esta imagem, a possibilidade
73
Abade de Sauvages, escreveu seu Dictionnaire languedocien, obra em que pretendia preservar o
languedocien dos galicismos, e também Dictionnaire languedocien-françois, obra em que pretendia
demonstrar um conjunto dos principais erros cometidos pelos franceses meridionais a nível de pronúncia.
74
A palavra patois é um termo geral que se aplica aos diferentes jargões grosseiros & rústicos que fala o
baixo povo, seja em Províncias, seja na Capital: já que se diz o patois normando, champenois, o patois
dos halles: mas, parece que esta espécie de linguagem é reputada de rústica e grosseira que relativamente
a uma outra do mesmo gênero que é mais puro, mais correto, mais culto, que as pessoas letradas falam, ou
as bem educadas (...) pois esta linguagem do povo da Normandia, é o francês corrompido ou alterado &
muito inferior àquele da Corte & dos honestos homens da Capital: em uma palavra, é uma linguagem
degenerada de uma língua mais perfeita: mas de mesmo gênero & que possuem uma e outra uma origem
comum.
77
de unificação cultural e lingüística seria bastante provável, como acreditavam os
revolucionários. Mas, havia as variantes regionais para serem eliminadas, já que
impediam os planos de difusão do sentimento de pátria desenvolvido na época.
Assim, vários símbolos construtores de identidade foram desenvolvidos com os
acontecimentos revolucionários, como o símbolo de sujeito dono de sua própria
existência, imagem constituída através da idéia de liberdade tanto apregoada no período.
Os seres agora seriam livres para tornarem-se cidadãos, portadores do discurso de
liberdade que os tirara da tirania de séculos. O símbolo de liberdade surge, como o
salvador de todas as classes reprimidas, logo, ela não seria um atributo individual, mas
um bem coletivo e, para alcançá-la, acreditava-se que todo o indivíduo francês deveria
possuir a mesma língua e, assim, adaptar-se ao discurso revolucionário a fim de tornarse um cidadão francês não sendo mais classificado como baixo povo sem direito a fala
dentro de sua sociedade. Era agora um sujeito ativo dentro da mesma, com poderes para
criticar, exigir e elaborar o seu papel social, na medida em que acreditava ser
importantíssimo em seu país. Porém, todas essas reformulações só poderiam vir com a
mudança em seu discurso.
5.2 - O indivíduo portador do discurso revolucionário, com escrita e fala cidadãs
(...) Seul celui qui assimile cette tradition peut incarner à son
tour le génie de la nation.
CURTIUS, Ernest-Robert, Essai sur la France, Paris, Grasset,
1941. Autor citado por Meschonnic quando reflete sobre a
importância da tradição em criatividade do gênio da língua
francesa, no que tange a literatura.
Antes da Revolução Francesa e mesmo antes dos movimentos vinculados ao
Humanismo, os papéis sociais eram bem definidos nos formatos da sociedade feudal.
78
Havia incutido em cada sujeito dessa comunidade a idéia de que não seria possível a
mudança destas funções sociais, já que tudo dependia da camada social de seu
nascimento. Assim, os mesmos sabiam pelos passos de seus antepassados o que a
sociedade reservava para que pudessem dispor de suas vidas. Com isto, no imaginário
coletivo, havia a representação social de cada indivíduo de acordo com sua função: rei,
senhor feudal, vassalo, cavaleiro, etc. Neste ambiente de isolamento de cada feudo, as
regiões francesas distantes da capital e de sua corte foram desenvolvendo falares
distintos. Daí o surgimento da diglossia em questão, na medida em que o falar da corte
era o que se sobrepunha sobre os outros, porém, era parcialmente ou totalmente
desconhecido pelos mesmos. Assim, surgia o prestígio e o desprestígio no contexto
destas línguas em contato.
Mas, com os ideais desenvolvidos no Humanismo e postos em prática com a
Revolução Francesa, vemos os papéis sociais serem questionados, na medida em que
teoricamente, cada indivíduo tinha agora direito à liberdade e à igualdade de social
oriundo do fim dos privilégios75. Assim, surge a imagem do indivíduo cidadão. Cidadão
seria o sujeito que possuía os símbolos nacionais bem compreendidos e, cultivava desta
forma o sentimento de amor a esta imagem de nação republicana. E, este indivíduo
seria, portanto, o cidadão possuidor da identidade francesa, que o habilitava a ser
também um difusor dos ideais simbólicos de liberdade, fraternidade e igualdade.
Seria também o Cidadão Delormel76, que proferia discursos sobre a língua universal de
todo o cidadão, e que acreditava no objetivo seguinte para a legitimidade da mesma:
75
Nota-se que na verdade fora uma reorganização dos papéis sociais, já que com a tomada do poder pela
burguesia, houve uma nova forma de representação social de seus indivíduos. Haveria agora os que
deteriam os meios de produção e os que não teriam acesso aos mesmos. Seria uma nova ordem social
resultante das conquistas burguesas da Revolução.
76
Jean Delormel, chamado pelos revolucionários de Cidadão Delormel, em 1795, apresentou à
Convenção Nacional, para que impusesse o seu uso, um projeto de língua mundial a priori, que o
seu autor justificava com a necessidade de unir os homens e os povos por meio de laços delicados
de fraternidade. Acolhido com entusiasmo pela Convenção, a reação internacional, que asfixiou a
França, não permitiu, porém, que tal projeto chegasse a ser posto em prática.
79
para aproximar os povos e os homens pelos laços de fraternidade, citado por Paulo
Rónai (1970) em seu livro Babel & Antibabel.
Todo esse processo viria a partir do domínio dos discursos escritos pelos
revolucionários. Estes deveriam ser articulados somente em língua francesa oficial, pois
era a variante social privilegiada e, aquela que uniformizaria todos os discursos
pronunciados e escritos no território.
Logo, a partir do período revolucionário, o cidadão modelo seria aquele oriundo das
camadas da sociedade que desenvolviam trabalhos intelectuais e defendiam os novos
meios de organização de seu país. Este mesmo seria o patriota, o que lutaria com todo o
fervor pela imagem de sua nação de liberdade. E, para isto, estaria disposto a deixar
todos os resquícios do antigo sistema de governo, assim como o que restaria dos seus
antigos papéis sociais. Neste sentido, para haver esta adaptação à nova sociedade,
deveria surgir um cidadão disposto, do mesmo modo, a aprender os códigos da
Revolução e, fundamentalmente a sua língua. Este indivíduo perceberia que somente
através dela teria meios de atingir os benefícios prometidos pelos revolucionários.
Porém, mesmo com todas estas sedutoras promessas de uma sociedade mais justa
através do símbolo de liberdade articulados em discursos e atos, houve um grande
repúdio à idéia de aniquilação dos falares regionais, pois seria para seus falantes o
mesmo que eliminar suas histórias e, assim, a si mesmas. Portanto, há até nossos dias,
um grande movimento de afirmação e, ao mesmo tempo, de conservação desta parte da
identidade regional em todo o território francês, como também observamos em outras
nações européias, qual a Alemanha, a Espanha, a Suíça, etc. Observamos, então, que
algumas comunidades de fala reagiram a esta imposição lingüística e a campanha
civilizatória organizada pelos governantes a partir da Revolução Francesa.
80
A campanha civilizadora começa com o período chamado de Terror, período em
que os governantes tinham o objetivo de impor seus planos a fim de comandar a
sociedade inteira e, deste modo, evitar as contra-revoluções oriundas de comunidades
que se expressavam através das variantes regionais e possuíam culturas muito bem
identificadas aos seus indivíduos. Então, com a imagem de sujeito livre e com direitos
iguais aos seus compatriotas, muito bem enquadrados aos projetos revolucionários, e
com uma vida mais intelectualizada e racional, os governantes escreviam as leis
lingüísticas de imposição do francês oficial e de refutação do uso das variantes regionais
para escrever documentos de qualquer tipo ou para realizar reuniões públicas em
qualquer parte da França (LODGE, 1993). Podemos observar este fato no decreto do 2
Thermidor (20 de julho de 1794) sancionado por Robespierre, que podemos ver no
capítulo três deste trabalho.
Com este decreto e outros documentos revolucionários, como os relatórios de
Barère e do abade Grégoire, desencadeia-se na França uma espécie de Terror
Lingüístico em que observamos a tentativa de legitimar a língua oficial a partir de sua
imagem de língua documentada, isto quer dizer, de ser uma língua possuidora de uma
escrita oficializada, enquanto as chamadas variantes regionais não possuíam nenhuma
forma de escrita oficial. Por causa deste fato, os governantes decidiram fazer uma
batalha contra as mesmas, pois pensavam que elas seriam descartadas a partir do
momento que seus indivíduos falantes dominassem a língua oficial, mas elas possuíam
um papel bastante representativo para eles.
A língua francesa era vista pelos indivíduos de regiões falantes das variantes
regionais como a língua dos sujeitos mais valorizados sociedade e, deste modo, sentiamse muito distantes do grupo da nobreza, como eles viveram durante muitos séculos.
Mas, para os mesmos, a expressão de suas línguas seria uma maneira de valorizar
81
também suas culturas e suas formas de representar o mundo, assim, familiarizavam-se
mais com os seus próprios costumes que acreditavam ser mais naturais e espontâneos
que os praticados na corte. Entretanto, com a Revolução, eles tiveram a necessidade de
modificar suas maneiras de encarar sua língua materna e a língua oficial, já que a padrão
estava sendo imposta através do corpo governamental do país.
O indivíduo deveria ser reformulado neste momento para poder compreender os
benefícios assegurados aos sujeitos através da Revolução, isto era um outro argumento
utilizado pelos revolucionários cujo objetivo era o de imporem-se diante dos muitos
grupos de indivíduos existentes no país, como o bretão, o basco, o alsaciano, etc. Tudo
isto com a finalidade de modernizar a França que se mantinha até o momento, rural em
relação à Inglaterra, país que já se encontrava em sua Revolução Industrial. Com isto,
acreditava-se que para haver a modernização do país o indivíduo francês deveria
primordialmente falar a língua que lhe proporcionaria a liberdade assegurada pela
Revolução e, quem não aceitasse este fato, seria um inimigo da pátria francesa.
Assim, com as leis de imposição da língua francesa em todo o território, temos a
construção de um imaginário de indivíduo francês que o abade Grégoire e os outros
políticos revolucionários objetivavam para a nação, que seria o cidadão, um sujeito que
dominaria o idioma da claridade e seu discurso libertador e, o que possuiria direitos
assegurados pela pátria em desenvolvimento.
5.3 - A importância das políticas lingüísticas na construção de uma nova maneira
de encarar o mundo
L’histoire de la France commence avec la langue Française. La
langue est le principal signe d’une société. Le premier monument de la
nôtre, c’est le serment proféré par Charles, le Chauve, destiné à son
frère, dans le traité de 843. C’est à la moitié du siècle suivant que les
82
plusieurs parties de la France, jusqu’à ce temps confondues dans une
vague et obscure unité, se caractérisaient chacune par un héritage
feodal. Les populations, par longtemps instables, enfin se sont fixées et
se sont installées. Nous savons maintenant où les trouver et, elles
existent et agissent à la fois d’une manière séparée, peu à peu ont
voix; chacune a son histoire, chacune parle de soi.77
MICHELET, Les Images de la France. Éditions Olivier Orban, Paris,
198778.
Durante a Revolução, os acontecimentos bastante violentos e novos na vida dos
Franceses deixavam os indivíduos totalmente sem suas referências, mesmo aqueles que
se engajaram em seus projetos, como o próprio Robespierre e seus companheiros, que
modificaram a maneira de governar o país através de seus atos inesperados no período
chamado de Terror pelos historiadores. Desta maneira, podemos dizer que para os
franceses da época havia um sentimento de vertigem (Fabrício & Moita Lopes, 2002)
diante do abismo provocado entre a falta de certezas políticas e sociais, entre o novo
sistema que estava sendo posto em prática e as tradições muito fortes de vários séculos
que os acompanha e, entre a evolução política e a estagnação da linguagem, assim como
de modos de vida e da forma de encarar o mundo em várias províncias francesas.
Seria necessário, neste sentido, introduzir estratégias políticas e sociais ao mesmo
tempo em que seria imperativo organizar o povo em seus novos papéis na sociedade.
Deste modo, foram sendo modificados os contratos sociais de polidez, como por
exemplo, durante a Revolução, os representantes e os indivíduos que tiveram seus juízos
de si mesmos e seus modos de viva transformados, utilizavam o tratamento de
77
A história da França começa com a língua francesa. A língua é o principal signo de uma nacionalidade.
O primeiro monumento da nossa é o juramento proferido por Carlos, o Calvo, a seu irmão, no tratado de
843. É no meio século seguinte que as diversas partes da França, até então confundidas numa vaga e
obscura unidade, caracterizavam-se cada uma por uma dinastia feudal. As populações, por tanto tempo
instáveis, enfim fixaram-se e assentaram-se. Sabemos agora onde achá-las e, ao mesmo tempo em que
elas existem e agem separadamente, pouco a pouco tomam uma voz; cada uma te sua história, cada uma
fala de si mesma.
78
Michelet fora o autor que se autodeclarou historiador da Revolução, já que publicara escritos em 1789 e
nos anos que seguiram, sobre os acontecimentos do período. Fora considerado após um romântico e
grande propagador da imagem de língua perfeita associada à língua francesa.
83
Cidadão79 para substituir Monsieur, Madame ou Mademoiselle80 e, ao mesmo tempo
que substituíram estas palavras por pessoa, indivíduo, sujeito, etc. A palavra cidadão
representava o homem provido de liberdade, de direitos universais da humanidade e
possuidor de uma capacidade grande de racionalizar seus atos e suas falas proferidas a
favor da nação. Assim, a única maneira de expressar o pensamento de um cidadão, para
que o próprio pudesse ser escutado e também compreender os outros concidadãos, seria
através da utilização da língua da liberdade. Ela traria a liberdade e a igualdade para
todos os indivíduos que a dominassem e que a encarassem como um elo com a pátria
livre e justa que este povo acreditava estar construindo. Para isto, o governo criara
decretos de leis para começar a desenvolver a transformação dos povos no território
francês:
Section III. – Du premier degré d’instruction.
1º La convention nationale charge son Comité d’Instruction de lui présenter les
livres élémentaires des connaissances absolument nécessaires pour former les
citoyens et déclare que les premiers de ces livres sont les Droits de l’Homme, la
Constitution, le tableau des actions héroïques ou vertueuses.
2º Les citoyens et citoyennes qui se borneront à enseigner à lire, à écrire, et les
premières règles de l’arithmétique, seront tenus de se conformer, dans leurs
enseignements, aux livres élémentaires adoptés et publiés à cet effet par la
représentation nationale.81
Decreto Bouquier do 29 frimaire ano II (19 de dezembro de 1793)
relativo à organização geral da instrução pública.82
79
Esta questão é desenvolvida nos dicionários mais conhecidos da língua francesa, como no Le Petit
Robert ou Le Larousse em suas versões mais modernas.
80
Formas de tratamento bastante utilizadas para expressar polidez.
81
Seção III. – Sobre o primeiro nível de instrução.
1º A convenção nacional encarrega seu Comitê de Instrução de apresentar-lhe os livros de níveis
elementares dos conhecimentos absolutamente necessários para formar os cidadãos e declara que os
primeiros destes livros são os Direitos do Homem, a Constituição, o quadro das ações heróicas ou
virtuosas.
2º Os cidadãos e cidadãs que se limitarão a ensinar a ler, a escrever, e as primeiras regras da aritmética,
serão obrigados a se conformar, em seus ensinos, aos livros elementares adotados e publicados à este
efeito pela representação nacional.
Os grifos são meus.
82
Projeto de decreto fora citado a partir do livro L’Enseignement français de la Révolution à nos jours,
t.2, pp.22-23 et p.26, por Laporte & Balibar (1974).
84
O cidadão tinha necessidade de acreditar na nova França que estava surgindo. Para
isto, os governantes utilizaram de apelos bastante populares a fim de engajar o povo no
aprendizado da língua francesa e, assim, possuir uma forte identificação com o
sentimento de nacionalismo que se difundia em todas as partes. Esta identificação
passaria através da língua oficial, na medida em que ela possuía a imagem do discurso
revolucionário e, assim, ela era vista igualmente como um fruto da Revolução, já que
mobilizaria o povo para a unificação do país e para a padronização dos discursos, assim
como possibilitaria a modernização do país. Quem não estivesse de acordo com a
imagem de sujeito cidadão, era visto como inimigo da liberdade e, sobretudo, um
inimigo da nação. Como podemos observar nos escritos de Robespierre escritos para a
Convenção de 1794 :
La révolution est la guerre de la liberté contre ses ennemis.
ROBESPIERRE, Discours à la Convention83, 1794.
Quem não estivesse preparado para tornar-se um cidadão totalmente identificado
ao modelo de homem livre e possuidor do pensamento racional e detentor da língua
revolucionária encontrava-se me perigo na época do Terror.
Assim, a identidade de cidadão da pátria francesa seria este modelo. Ele estaria em
contraste com o exemplo de homem da ignorância, que seria aquele com as idéias
tradicionais e folclóricas as quais representavam a Idade Média e seu discurso de
incompreensão e inconsciência, como se acreditava na Revolução, e, esta seria a época
de anular todos os vestígios do passado medieval. Em razão deste fato, seria necessário
aniquilar os falares que se acreditava terem sido desenvolvidos com o período de
isolamento social. Deste modo, seria necessário também que os cidadãos esquecessem
estas variantes regionais para aproveitarem da língua da liberdade.
83
A Revolução é a guerra da liberdade contra seus inimigos, Robespierre, (1794).
85
5.4 - A imposição do dialeto vencedor aos cidadãos franceses
A partir das políticas lingüísticas do período revolucionário, temos a campanha
civilizadora tentando se desenvolver efetivamente em todo o território, através da
introdução do ensino obrigatório e gratuito para todo o povo. Como podemos verificar
no extrato do decreto a seguir:
Les écoles primaires formeront le premier dégré d’instruction, on y
enseignera les connaissances rigoureusement nécessaires à tous les
citoyens ; les personnes chargées de l’enseignement das ces écoles
s’appeleront instituteurs.84
Decreto do dia 30 de dezembro de 1792.
Entretanto, as províncias estavam muito ligadas aos seus costumes e, sobretudo à
sua língua materna, por este fato, ocorreram conflitos por toda a parte, já que a tentativa
de eliminar uma identidade construída através de séculos para a introdução de outra fora
um ato em que se incutiam muitas formas de violência.
Este fato nos mostra a problemática da identidade posta em questão, pois os
indivíduos que possuíam as variantes regionais como línguas maternas não tinham a
intenção de deixar nenhum órgão governamental tentar eliminá-las. A identidade do
povo que falava o gascão, o basco, o provençal, o catalão, o bretão, o normando, a
variante de Auvergne, o limousin, o flamando, dentre outras, estava sendo discutida e,
os sujeitos tiveram que enfrentar conflitos identitários, na medida em que deveriam
aceitar a imposição de uma variante de língua que para os mesmos continha a imagem
da língua de seus opressores pertencentes à nobreza. Todavia, eles tinham consciência
de que deveriam modificar suas maneiras de viver, e a língua francesa estaria à
84
As escolas primárias formarão o primeiro nível de instrução, ensinarão os conhecimentos rigorosos
necessários a todos os cidadãos ; as pessoas encarregadas do ensino nas escolas chamar-se-ão instrutores.
86
disposição de todos que queriam fazer parte da nação francesa e, sobretudo de
aproveitar as conquistas adquiridas com a Revolução. O que podemos ver em um
extrato do relatório proferido à Convenção pelo abade Grégoire:
(...) On peut uniformer la langue d’une grande nation de manière que tous les
citoyens qui la composent puissent sans obstacle se communiquer leurs pensées.
Cette entreprise, qui ne fut pleinemet exécutée chez aucun peuple, est digne du
peuple français, qui centralise toutes les branches de l’organisation sociale, et
qui doit être jaloux de consacrer au plutôt, dans une République une et
indivisible, l’usage unique et invariable de la langue de la liberté. 85
Grégoire, Rapport sur les idiomes et patois répandus dans les différentes
contrées de la République, 1794.
Assim, a fim de impor a língua francesa em todo o território, os governantes
elaboraram leis a partir de relatórios como os de Grégoire e Barère. Estas leis eram
baseadas em sua grande maioria na existência de uma língua documentada, no caso, a
padrão, contrastando sempre com a condição de línguas sem escrita padronizada das
variantes regionais. Desta maneira, os mesmos criaram narrações sobre a nação, como
os hinos que exortavam o sentimento de patriotismo, as datas comemorativas e, logo,
criaram narrações que simbolizavam pertencimento e identificação à pátria.
Desenvolveram também a imagem da necessidade de conhecimento apurado da sua
língua a fim de poder compreender as leis, assim como obedecê-las e difundi-las. E, por
este fato, o uso da língua francesa seria fundamental na medida em que possibilitaria
uma modernização do país e a implantação do novo sistema de governar. Desta
maneira, os políticos deste período criaram discursos vinculados à língua nacional,
valorizando sempre sua utilização, e produziram escritos sobre as variantes regionais
como expressão de ignorância e de pobreza do pensamento humano.
85
Pode-se uniformizar a língua de uma grande nação de maneira que todos os cidadãos que a compõem
pudessem sem obstáculo se comunicar seus pensamentos. Esta empreitada, que foi plenamente executada
em alguns povos, é digna do povo francês, que centraliza todos os ramos da organização social, e que
deve estar zeloso de consagrar o mais breve, em uma República uma e indivisível, o uso único e universal
da língua da liberdade.
87
Um destes políticos, representantes da Convenção, estava o abade Henri Grégoire,
deputado bastante ativo no que tange a difusão do francês e a conseqüente tentativa de
eliminação das variantes regionais. Segundo Grégoire, a existência dessas variantes
impossibilitaria a difusão do francês oficial e, deste modo, não haveria meios de tornar a
nação mais adequada ao novo regime, o que a deixaria no mesmo nível em que estaria
na Idade Média e no Antigo Regime. Assim, sendo um deputado do período conhecido
como Terror, desenvolveu uma pesquisa em várias províncias do território francês com
a finalidade de divulgar a campanha de difusão da língua oficial, através do
questionamento da importância das variantes regionais para seus falantes e para o
próprio país. Desenvolveu também relatórios que auxiliaram na criação de políticas
lingüísticas no período de 1790 em diante.
Com a intenção de criar um ambiente de valorização da língua oficial, tentou
instituir uma política de eliminação das variantes regionais através de seus
questionamentos por seus próprios representantes. Assim, veremos as formas em que o
abade utilizou para tentar pôr em prática sua campanha.
88
6 - Abade Grégoire, sua pesquisa, as políticas lingüísticas defendidas e as reações a
sua enquête
6.1 - A pesquisa e sua tentativa de aniquilar as variantes regionais
(...) C’est surtout l’ignorance de l’idiome national qui tient
tant d’individus à une si grande distance de la vérité; cepandant,
si vous ne les mettez en communication directe avec les hommes
et les livres, leurs erreurs, accumulées, enracinées depuis des
siècles, seront indestructibles.
Pour perfectionner l’agriculture et toutes les branches de
l’économie rurale, si arriérées chez nous, la connaissance de la
langue nationale est également indispensable (...).
Tout ce qu’on vient de dire appelle la conclusion, que pour
extirper tous les préjugés, développer toutes les vérités, tous les
talents, toutes les vertus, fondre tous les citoyens dans la masse
nationale, simplifier le méchanisme et faciliter le jeu de la
machine politique, il faut identité de langage (...) l’unité d’idiome
est une partie intégrante de la Révolution, et, dès lors, plus on
m’opposera de difficultés, plus on me prouvera la nécessité
d’opposer des moyens pour les combattre.86
Grégoire, Rapport sur les idiomes et patois répandus dans les
différentes contrées de la République, 1794.
A tentativa de difusão da língua oficial organizada pelos membros da Convenção
possuía um grande personagem. Este seria o abade Henri Grégoire87, que com suas
idéias de unificação lingüística conseguiu engajar-se na feitura de relatórios e projetos
de lei cujo objetivo seria o de criar um ambiente de união política e social no território
86
(...) É sobretudo a ignorância do idioma nacional que põe tantos indivíduos a uma tão grande distância
da verdade; entretanto, si você não os coloca em comunicação direta com os homens e os livros, seus
erros, acumulados, enraizados depois de séculos, serão indestrutíveis.
Para aperfeiçoar a agricultura e todos os ramos da economia rural, tão atrasada entre nós, o conhecimento
da língua nacional é igualmente indispensável (...).
Tudo o que acabamos de falar chama a conclusão, que para extirpar todos os preconceitos, desenvolver
todas as verdades, todos os talentos, todas as virtudes, funda todos os cidadãos na massa nacional,
simplificar a mecanismo e facilitar o jogo da máquina política, é necessário identidade de linguagem (...)
unidade de idioma é uma integrante da Revolução, e, logo que, mais me opuserem de dificuldades, mais
me provarão a necessidade de opor meios para combatê-los.
87
Henri Grégoire, nasceu em Vého próximo da cidade de Lunéville. Foi padre constitucional em Blois e
membro assíduo da Convenção, órgão em que fora uma personalidade de grande força no que diz respeito
à difusão do francês.
89
francês. Acreditava que a partir desta campanha, os indivíduos estariam dispostos a
seguir seus ideais e engajar-se-iam no aprendizado da língua da liberdade. Para isto,
deveriam deixar que seus falares fossem eliminados e, assim, tornarem-se cidadãos
franceses.
Grégoire cobrava a difusão do francês oficial a fim de que os indivíduos pudessem
civilizar-se, pois falar o francês seria mostra de civilidade. Seria, deste modo, o único
meio de chegar ao nível de aceitação social cobrado no período, que estaria composta
por indivíduos esclarecidos sobre seus direitos e sabedores de seus deveres, sendo
assim, politizados, como se acreditava, o que transformaria seus papéis na sociedade
francesa, e traria aos mesmos o sentimento de pertencimento a esta nação livre que
surgia.
Assim, desenvolveu uma enquête sobre o francês oficial e os chamados pelo mesmo
de patoás, no período de 1790 a 1794. Esta pesquisa configurava-se da seguinte
maneira: Grégoire apresenta o projeto de pesquisa à Convenção no ano I revolucionário,
em seguida, com as 43 perguntas elaboradas pelo mesmo, envia-as para a maior parte de
representantes das regiões falantes de variantes regionais. Segue seu questionário sobre
os patoás (como o próprio abade designou as variantes regionais) e os modos das
pessoas das províncias francesas:
1 – L’usage de la langue française est-il universel dans votre contrée. Y parle-t-on un ou
plusieurs patois ?
2 – Ce patois a-t-il une origine ancienne et connue ?
3 – A-t-il beaucoup de termes radicaux, beaucoup de termes composés ?
4 – Y trouve-t-on des mots dérivés du celtique, du grec, du latin, et en général des
langues anciennes et modernes ?
5 – A-t-il une affinité marquée avec le français, avec le dialecte des contrées voisines,
avec celui de certains lieux éloignés, où des émigrants, des colons de votre contrée, sont
allés anciennement s’établir ?
6 – En quoi s’éloigne-t-il le plus de l’idiome national ? n’est-ce pas spécialement pour
les noms des plantes, des maladies, les termes des arts et métiers, des instruments
90
aratoires, des diverses espèces de grains, du commerce et du droit coutumier ? On
désirerait avoir cette nomenclature.
7 – Y touve-t-on fréquemment plusieurs mots pour désigner la même chose ?
8 – Pour quels genres de chose, d’occupations, de passions, ce patois est-il plus
abondant ?
9 – A-t-il beaucoup de mots pour exprimer les nuances des idées et les objets
intellectuels ?
10 – A-t-il beaucoup de termes contraires à la pudeur ? Ce que l’on doit en inférer
relativement à la pureté ou à la corruption des moeurs ?
11 – A-t-il beaucoup de jurements et d’expressions particulières aux grands
mouvements de colère ?
12 – Trouve-t-on dans ce patois des termes, des locutions très-énergiques, et même qui
manquent à l’idiome français
13 – Les finales sont-elles plus communément voyelles que consonnes ?
14 – Quel est le caractère de la prononciation ? Est-elle gutturale, sifflante, douce, peu
ou fortement accentué ?
15 – L’écriture de ce patois a-t-elle des traits, des caractères autres que le français ?
16 – Ce patois varie-t-il beaucoup de village à village ?
17 – Le parle-t-on dans les villes ?
18 – Quelle est l’étendue territoriale où il est usité ?
19 – Les campagnards savent-ils également s’énoncer en français ?
20 – Prêchait-on jadis en patois ? Cet usage a-t-il cessé ?
21 – A-t-on des grammaires et des dictionnaires de ce dialecte ?
22 – Trouve-t-on des inscriptions patoises dans les églises, les cimetières, les places
publiques, etc. ?
23 – Avez-vous des ouvrages en patois, imprimés ou manuscrits, anciens ou modernes,
comme droit coutumier, actes publics, chroniques, prières, sermons, livres ascétiques,
cantiques, chansons, almanachs, poésie, traductions, etc. ?
24 – Quel est le mérite de ces divers ouvrages ?
25 – Serait-il possible de se les procurer facilement ?
26 – Avez-vous beaucoup de proverbes patois particuliers à votre contrée ?
27 – Quelle est l’influence respective du patois sur les moeurs, et de celles-ci sur votre
dialecte ?
28 – Remarque-t-on qu’il se rapproche insensiblement de l’idiome français, que certains
mots disparaissent, et depuis quand ?
29 – Quelle serait l’importance religieuse et politique de détruire entièrement ce patois ?
30 – Quels en seraient les moyens ?
31 – Dans les écoles de campagne, l’enseignement se fait-il en français ? les livres sontils uniformes ?
32 – Chaque village est-il pourvu de maîtres et de maîtresses d’école ?
33 – Outre l’art de lire, décrire, de chiffrer et le catéchisme, enseigne-t-on autre chose
dans ces écoles ?
34 – Sont-elles assidûment surveillées par MM. les Curés et Vicaires ?
35 – Ont-ils un assortiment de livres pour prêter à leurs paroissiens ?
36 – Les gens de la campagne ont-ils le goût de la lecture ?
37 – Quelles espèces de livres trouve-t-on plus communément chez eux ?
38 – Ont-ils beaucoup de préjugés, et dans quel genre ?
39 – Depuis une vingtaine d’années, sont-ils plus éclairés ? leurs moeurs sont-elles plus
dépravées ? leurs principes religieux ne sont-ils pas affaiblis ?
40 – Quelles sont les causes et quels seraient les remèdes à ces maux ?
91
41 – Quels effets moraux produit chez la révolution actuelle ?
42 – Trouve-t-on chez eux du patriotisme, ou seulement les affections qu’inspire
l’intérêt personnel ?
43 – Les ecclésiastiques et les ci-devant nobles ne sont-ils pas en butte aux injures
grossières, aux outrages des paysans et au despotisme des maires et des municipalités ?
88
88
1 – O uso da língua é universal em sua região. Fala-se um ou muitos patois ?
2 – Este patois tem uma origem antiga e conhecida ?
3 – Há muitos termos radicais, muitos termos compostos ?
4 – Encontram-se palavras derivadas do celta, do grego, do latim, e em geral das línguas antigas e
modernas?
5 – Há uma afinidade marcada com o francês, com o dialeto das regiões vizinhas, com de certos lugares
distantes, onde os emigrantes, os colonos de sua região, foram antigamente estabelecer-se?
6 – Em que se distancia do idioma nacional ? Não seria pelos nomes das plantas, das doenças, os termos
das artes e trabalhos, dos instrumentos de arado, das diversas espécies de grãos do comércio e do direito
costumeiro? Gostaríamos de ter esta nomenclatura.
7 – Acha-se frequentemente muitas palavras para designar a mesma coisa ?
8 – Em quais gêneros de coisas, de ocupações, de paixões, este patois é mais abundante ?
9 – Há muitas palavras para expressar as nuances das idéias e os assuntos intelectuais ?
10 – Há muitos termos contrários ao pudor ? O que devemos relacionar relativamente à pureza ou à
corrupção dos modos ?
11 – Há muitos juramentos e expressões particulares aos grandes movimentos de cólera ?
12 – Acham-se neste patois termos, locuções muito enérgicas, e mesmo que faltam ao idioma francês?
13 – As finais são mais comumente vogais ou consoantes ?
14 – Qual é a característica da pronúncia? Ela é gutural, sibilante, doce, pouco ou fortemente acentuada ?
15 – A escrita deste patois possui traços, caracteres outros que o francês ?
16 – Este patois varia muito de vilarejo a vilarejo?
17 – Falam-no nas cidades ?
18 – Qual é extensão territorial onde ele é utilizado?
19 – Os camponeses sabem igualmente se pronunciar em francês ?
20 – Reza-se em patois ? Este uso cessou ?
21 – Há gramáticas e dicionários deste dialeto ?
22 – Acham-se inscrições em patois nas igrejas, nos cemitérios, nas praças públicas, etc. ?
23 – Vocês possuem obras em patois, impressas ou manuscritas, antigas ou modernas, como direito
costumeiro, atos públicos, crônicas, rezas, sermões, livros ascéticos, cânticos, canções, almanaques,
poesias, traduções, etc. ?
24 – Qual é o mérito destas diversas obras ?
25 – Seria possível de encontrá-las facilmente ?
26 – Vocês possuem muitos provérbios em patois particulares a sua região ?
27 – Qual é a influência respective du patois sur les moeurs, et de celles-ci sur votre dialecte ?
28 – Observa-se que ele se aproxima insensívelmente do idioma frances, que certains mots disparaissent,
et depuis quand ?
29 – Qual seria a importância religiosa e política de destruir inteiramente este patois ?
30 – Quais seriam os meios ?
31 – Nas escolas do campo, o ensino se faz em francês ? Os livros são uniformes ?
32 – Cada vilarejo é provido de mestres e de mestras de escola ?
33 – Outra arte de ler, de descrever, de numerar e o catecismo, ensina-se outra coisa nas escolas ?
34 – Elas são assiduamente supervisadas por Vossas Santidades os Curas e Vicários ?
35 – Eles possuem livros sortidos para emprestar em suas paróquias ?
36 – As pessoas do campo têm o gosto pela leitura ?
37 – Quais espécies de livros acham-se mais comumente entre elas ?
38 – Elas possuem muitos preconceitos, e em que gênero ?
39 – A partir de uma vintena de anos, elas estão mais esclarecidas ? Seus modos estão mais depravados ?
40 – Quais são as causas e quais seriam os remédios para estes males?
41 – Quais efeitos morais produzem na revolução atual ?
42 – Encontra-se dentre elas patriotismo, ou somente as efeitos que inspiram o interesse pessoal ?
43 – Os eclesiásticos e os nobres não sofrem injúrias grosseiras, ultrajes dos camponeses e despotismos
dos prefeitos e dos municípios ?
92
Neste projeto, Grégoire coloca em evidência o plano de reorganizar os indivíduos e
seus papéis na sociedade francesa, através de uma consulta, que deveria informar e
mobiliza-los para a onda de engajamento social oriunda da Revolução. Os mesmos, a
partir do conhecimento desta campanha de difusão da língua oficial, deveriam engajarse na adaptação da mesma em seus modos de vida e, a engajarem-se na sua propagação
pelo território. Este objetivo partiria da idéia patriota de engajamento nacional e
também de um ideal político ideológico de igualdade social e de progresso.
Desta maneira, o abade em seu questionário explora os seguintes temas: nas
questões 29 e 30, temos a meta principal de sua pesquisa, que seria engajar indivíduos
na empreitada de destruição das variantes regionais; na 41, observamos a conjuntura
política, na medida em que tenta pôr em evidência os efeitos da Revolução; vemos
também uma questão sobre a provável adesão ao patriotismo, a de número 42; a
situação dos eclesiásticos e nobres nas províncias francesas, questão 43; o conhecimento
do uso da língua oficial nestes territórios, o que vemos na questão de número 1, assim
como a utilização e o número de variantes regionais faladas em cada província; os
papéis destas variantes regionais para seus povos falantes, questões 17 e 18; a sua
realização lexicológica e fonética, nas questões 7, 8, 9, 10, 11, 13 e 14; seu papel diante
da língua oficial, o que o abade pôs em destaque a fim de depreciar as variantes
regionais em meio a seus utilizadores, questões 5 e 12; sua expressão no que tange os
modos e costumes sociais, questões 9, 10, e sobretudo nas de número 38, 40 e 41; a
destruição de seus papéis sociais e, assim, das mesmas, questões 29 e 30; a importância
e o uso da língua oficial, questões 19 e 20; e sobretudo, a importância de se marcar a
inexistência de uma escrita oficial, com as questões sobre as obras literárias, ou
inscrições registradas em variantes regionais e, a existência provável de gramáticas ou
dicionários, questões 21, 22, 23, 24 e 25, o que podemos verificar a preocupação em
93
apresentar uma língua provida de escrita oficial e de obras muito aceitas em toda
Europa, na medida em que a comparação tende a inferiorizar as variantes regionais, que
em sua grande maioria encontravam-se ágrafas, e mesmo aquelas providas de alguma
obra escrita, como vemos na variante provençal, não havia um status superior a língua
utilizada pelos filósofos do século XVII e, pelos revolucionários da época. Podemos
observar esta problemática a partir nos estudos propostos por Certeau, Julia e Revel
(1974).
No questionário redigido por Grégoire, vemos a presença de um conjunto de
questões referentes à literatura em variante regional – inscrições, obras impressas ou
manuscritas, gramáticas ou dicionários – . As respostas nos mostram o quadro a seguir
adaptado da obra de Certeau, Julia e Revel (1974), que contêm:
1 – Inscrições: gravuras sobre pedra, bronze, etc.
2 – Cartas: atos manuscritos antigos, etc.
3 – Canções e cantigas (poesias tradicional e popular).
4 – Obras de autores (uma literatura ligada a uma cultura ou a um nome próprio –
mesmo sendo desconhecido).
5 – Traduções de textos estrangeiros (obras de eclesiásticos, com intuito pedagógico).
Estas informações destes cinco setores estão representadas da seguinte maneira:

Nada (nenhum documento conhecido).

OOOO
Oral (expressões não escritas).

&&&&&
Escrito gravado ou manuscrito.
******

Impresso.

########
O branco significa a ausência de resposta.
94
Corpus literário das variantes regionais:
Lugares
Bibliografia
Dicionário
Gramática
1.Bordeaux
Fontes
Inscrições
Cartas
OOOOO
******
Canções
e cantigas
########
Obras
OOOOO
******
########
******
&&&&&
OOOO
******
########
######
########
######
########
OOOO
Traduções
######
2.Périgueux
3.Périgord
4.Périgord
5.Gascogne
6.Gers (Auch)
********
Nenhum
Nenhuma
7.Gers (Auch)
OOOOO
8.Hautes-
********
########
######
########
Pyrénées
********
########
######
########
&&
######
#########
###
######
#########
&&
######
###
######
11.Valence
&&&&&
######
d’Agen
&&&&&
######
&&&&&
######
********
******
######
9.Lot-et-Garonne
10.Nérac
Nenhum
Nenhum
Nenhuma
Nenhuma
OOOO
#########
********
OOOOO
******
12.Aveyron
Um
Nenhuma
******
13.Perpignan
Vários
Várias
********
14.Cascassonne
Nenhum
Nenhuma
OOOOO
******
########
16.Provence
Vários
Várias
OOOOO
******
########
17.Drôme
Nenhum
Nenhuma
18.Lyon
Nenhum
Nenhuma
OOOOO
******
&&&&&
*********
########
15.Montpellier
########
OOOO
OOOOOO
19.Ain
20.Maconnais
21.Bourgogne
OOOOO
Vários
######
22.Mâcon
23.Bresse
Nenhum
Nenhuma
OOOOO
********
24.Saint-Claude
Nenhum
Nenhuma
&&&&&
25.Saint-Claude
Nenhum
Nenhuma
&&&&&
OOOO
OOOOOO
OOOO
OOOOOO
26.Franche-Comté
27.Alsace
28.Lorraine
OOOOO
########
29.Lorraine
OOOOO
########
OOOOO
OOOOO
30.Bouillon
Um
95
31.Bouillon
Vários
32.Flandre-
Vários
Uma
Maritime
********
******
########
######
********
******
########
######
#########
********
******
########
######
#########
******
33.Nord
34.Artois
Vários
Uma
********
Vários
Várias
********
######
35.Soissons
36.Léon. Tréguier
******
******
###
37.Morbihan etc.
Vários
Várias
Vários
Várias
OOOOO
********
******
38.Saint-Calais
39.Poitou
40.Bas-Poitou
41.Haute-Vienne
Vários
42.Limagne
Nenhum
Nenhuma
########
OOOOO
########
######
********
********
******
OOOOO
********
*********
43.Berri
Observamos neste quadro, que das 43 regiões com respostas ao questionário, muitas
não possuíam resposta para questões bastante objetivas, como a existência de
gramáticas e dicionários, talvez pela falta de conhecimento ou por uma possível revolta
contra a possibilidade da eliminação de seus falares, já que estariam assumindo a
inexistência de registros em suas variantes regionais. A sua aniquilação, termo bastante
usado pelo abade em seus escritos, acarretaria a destruição do lado mais representativo
de seus povos, pois seus falares traduziam as suas existências, na medida em que
contavam suas histórias e seus folclores através de cantigas e canções, obras como a
Chanson de Roland89, em um dialeto anglo-normando, dentre outras que nos mostram a
89
Canção de Roland, poema épico da Idade Média. Faz parte das canções de gesta desenvolvidas neste
período, poemas cantados em variantes regionais, em que se entoam feitos heróicos de cavaleiros e reis
do período. Na Canção de Roland, encontramos a história do personagem Roland que fora um dos doze
pairs de Carlos Magno e modelo de cavaleiro cristão. É a canção de gesta mais conhecida na Europa e
fora encontrada no Manuscrito de Oxford em dialeto anglo-normando. Veremos um extrato desta obra em
seu dialeto original e em francês oficial:
Ço sent Rollant que la mort le tresprent,
Devers la teste sur le quer li descent
Desuz un pin i est alet curant,
Roland sent que la mort le prend tout entier
et que de as tête elle descend vers son coeur.
Sous un pin il est allé em courant;
96
importância para estes povos de conservá-las a fim de conservar suas próprias
identidades, porém, sabiam que algo deveria ser mudado no que tange os papéis de seus
falares na sociedade francesa.
Assim, Grégoire juntamente com sua pesquisa e seus atos políticos e ideológicos,
surge com imagens opostas diante de seus povos e, sobretudo de seus falares, já que, se
de um lado, representava o salvador, na medida em que estaria ofertando aos indivíduos
a possibilidade de enquadrarem-se nas mudanças políticas e sociais de sua nação, de
outro lado, representava o carrasco que levaria a guilhotina seus falares, seus modos e
suas tradições tão amadas.
Neste sentido, o abade procurou enquadrar as variantes regionais como línguas
marginalizadas e, sobretudo, como línguas mortas, logo deveriam ser guardadas em
museus, pois seriam parte da riqueza histórica de seu país, como observamos em suas
questões de número 21 a 25, pois trata da possibilidade de constituir um museu com os
escritos em variantes regionais, além de tratar da conservação da riqueza histórica da
França, como o abade acreditava. Põe em evidência também em seu questionário a
literatura oral, quando questiona a existência dos provérbios em variantes regionais, na
questão de número 26, mostrando sempre que a oralidade não seria para o mesmo tão
importante quanto à escrita, já que o número de questões dedicadas ao registro escrito
de suas obras é bem maior. Assegurando, assim, mais uma vez a superioridade da língua
oficial.
Sur l’erbe verte s’i est culchet adenz
Desuz lui met s’espee e l’olifan
Turbat as teste vers la paiene gent;
Pur co l’at diet e voelt veirement
Que Carles diet e trestute as gent.
Li gentilz quens, quil fut mort cunquerant.
Cleiment as culpe e menut e servent;
Pur ses pecchez Deu em puroffid guant.
sur l’herbe verte il s’est couché face contre terre.
Il met sous lui son épée et l’olifant,
il tourne as tête du côté du peuple païen:
il l’a fait parce qu’il veut coûte que coûte
que Charles dise, ainsi que tous sés gens,
du noble comte, qu’il est mort em conquérant
Il bat as coulpe à petits coups repetes
Pour sés péchés il tend à Dieu son gant.
97
O francês oficial era mostrado ideologicamente em seu questionário como a língua
civilizada que traria a claridade a todos os que a dominassem, sendo somente através
dela que o povo francês poderia entender o que seria realmente a liberdade pregada na
Revolução. Os indivíduos que percebessem a importância de se dominar esta língua,
estariam dispostos também a serem cidadãos franceses, na medida em que poderiam ter
acesso às novas leis e reformulações de sua sociedade. Assim, mostrando ser intolerante
com a existência dos patoás, o abade defendeu a sua aniquilação, e a escola seria o local
específico deste ato. Para isto, deveria criar um ambiente de crença neste tipo de
tratamento contra as prováveis doenças do campo, como os preconceitos enquadrados
somente aos povos do campo, como os maus modos contrários em sua grande maioria
ao pudor e, havendo a aniquilação dos falares que traduziam estas características, os
povos poderiam civilizarem-se. Esta crença estaria ligada a uma idéia de cruzada90, pois
necessitaria de um aceitamento social. Ela se autorizaria, na medida em que os
indivíduos a aceitassem e a divulgassem.
Deste modo, esta cruzada de divulgação e imposição da língua oficial passaria por
uma zona perigosa, segundo Certeau, Julia e Revel (1974), na medida em que transitaria
entre o que se cria por muitos séculos, mostrado sempre pelo abade como superstição e,
o que se faria crer, o que seria as novas formas de organização social pregadas pelos
revolucionários. Este entrecruzamento de crenças poderia criar um ambiente de
anarquia extrema expressa por revoltas, ou uma atmosfera de grande patriotismo através
do fim da idéia de poder local para a aceitação do governo nacional oriundo das idéias
de razão popularizadas pelos revolucionários.
90
As cruzadas foram movimentos criados por grupos de cristãos no período da Idade Média. Seriam
expedições com o objetivo de libertar os Lugares santos ocupados pelos muçulmanos. Assim, este termo
é sempre utilizado para designar movimentos de opinião transformados em luta. Temos, neste sentido,
cruzadas contra a destruição do meio ambiente, cruzadas contra o tabagismo, contra a violência, etc.
98
Assim, o abade Grégoire observou em sua pesquisa sobre o uso das variantes
regionais na França que existiam 30 delas – que em seu relatório intitulado: Sur la
nécessité et les moyens d’anéantir les patois et d’universaliser l’usage de la langue
française91 foram citadas como as únicas que possuíam um nome conhecido pelos
falantes da língua oficial – distribuídas por todo território. Acreditava também que elas
estavam dispostas mais ao sul do país e ao norte, nas regiões mais distantes da corte e,
sobretudo nas comunidades em que as pessoas não se sentiam cidadãs francesas e,
assim, não se identificavam com a língua da que estaria sendo imposta, pois estas
acreditavam já possuir suas línguas e identidades muito bem definidas. O abade as
enumera da seguinte maneira em seu relatório:
Peut-être n'est-il pas inutile d'en faire l'énumération : Le bas-breton, le
normand, le picard, le rouchi ou wallon, le flamand, le champenois, le
messin, le lorrain, le franc-comtois, le bourguignon, le bressan, le
lyonnais, le dauphinois, l'auvergnat, le poitevin, le limousin, le picard, le
provençal, le languedocien, le velayen, le catalan, le béarnois, le basque,
le rouergat et le gascon; ce dernier seul est parlé sur une surface de 60
lieus en tout sens.
Au nombre des patois, on doit placer encore l'italien de la Corse, des
Alpes-Maritimes, et l'Allemand des Hauts et Bas-Rhin, parce que ces
deux idiomes y sont très dégénérés.92
GREGOIRE, Sur la nécessité et les moyens d’anéantir les patois et
d’universaliser l’usage de la langue française.
Com este extrato de seu relatório, podemos observar sua preocupação em mostrar a
língua oficial como superior a todos os falares e também a todas as línguas utilizados no
território francês. Línguas na medida em que cita o alemão e o italiano falados em
91
Sobre a necessidade de eliminar os patois e de universalizar o uso a língua francesa.
Talvez não seja inútil enumerá-los : o baixo-bretão, o normando, o picardo, o rouchi ou wallon, o
flamando, o champenois, o messin, o loreno, o franco-comtois, o bourguignon, o bressan, o lyonnais, o
dauphinois, o auvergnat, o poitevin, o limousin, o picardo, o provençal, o languedocien, o velayen, o
catalão, o béarnois, o basco, o rouergat e o gascon; este último é falado somente em uma superfície de 60
lugares ao todo.
Ao número de patois, deve-se colocar ainda o italiano da Córsega, dos Alpes-Marítimos, e o Alemão
dos Altos e Baixos Rhin, porque estes dois idiomas são muito degenerados.
92
99
regiões específicas. Este status de língua não seria utilizado por Grégoire para definir as
variantes regionais, já que não possuiam na sociedade francesa uma representação muito
bem aceita por toda a nação. Deste modo, segundo seus planos, seria mais fácil eliminar
tudo o que se acreditava das mesmas e, logo, destrui-las seria muito mais coerente a
partir de então. Acreditava também que receberia muitas adesões para a sua campanha a
partir da difusão de sua enquete.
Neste sentido, a enquête do abade recebeu ao todo 49 respostas, segundo A.Gazier
(1880), contendo protestos, aceitação, recusa a responder, exaltação a língua oficial,
pedidos e envio de obras em variantes regionais. O que nos mostra a total desigualdade
de sentimentos diante desta problemática. Veremos assim, um quadro que procura
salientar os resultados de sua pesquisa:
Respostas à enquête (1790 – 1792), segundo Albert Gazier em sua obra Lettres à
Grégoire sur les patois de France : 1790-1794 : documents inédits sur la langue, les
moeurs et l'état dans les diverses régions de la France au début de la Révolution93,
citado por Certeau, Julia e Revel (1974).
Nº
Correspondente
Região coberta pela resposta
Data
4/09/1790
1
Pierre Bernadau
Distrito de Bordeaux
21/07/1791
2
Amigos da Constituição do
Anúncio de envio de uma
Clube de Périgueux
resposta
28/11/1790
3
Fournier de la Charmine
Périgord
Sem data
4
Abade Fonvielhe
Província de Périgord
20/01/1791
Gascogne
93
GAZIER, Albert Lettres à Grégoire sur les patois de France : 1790-1794 : documents inédits sur la
langue, les moeurs et l'état dans les diverses régions de la France au début de la Révolution, Paris, 1880.
Obra em que podemos encontrar a maioria das respostas ao questionário de Grégoire, pois algumas delas
se perderam, como a de Jérémie-Jacques Oberlin correspondente das regiões de Alsácia e Lorena.
100
5
6
7
Amigos da Constituição de
(triângulo Bordeaux-Toulouse-
Sem data
Mont-de-Marsan
Bayonne – 60 lugares ao todo)
Amigos da Constituição
Departamento do Gers
d’Auch 1
Todo o Armangnac
Sem data
Departamento do Gers
Sem data
Amigos da Constituição
d’Auch 2
8
Departamento de
Abade Barrère
Hautes-Pyrénées
Sem data
Amigos da Constituição
Departamento do Lot-et-
27/02/1791
d’Agen
Garonne
10
Anônimo
Distrito de Nérac
22/09/1790
11
Abade Grégoire
País de Valence d’Agen
27/02/1791
12
François Chabot
Departamento de Aveyron
4-8/09/1790
9
Sem data mas
13
Amigos da Constituição de
Distrito de Perpignan
Perpignan
anterior ao
29/01/1791
Amigos da Constituição de
14
Carcassone
Distrito de Carcassone
Sem data
15
Augustin Rigaud
Montpellier
28/01/1791
16
Abade Rolland
Provence
Sem data
17
Coulaud la Salcette
Departamento da Drôme
12/01/1790
18
Morel l’aîné
Província de Lyon
02/11/1790
19
20
Amigos da Constituição de
d’Ambérieu
Anônimo
Departamento de Ain
Mâconnais-Dombes-Bresse
16/12/1790
Sem data
21
Abade Bouillotte
Bourgogne
Sem data
22
Abade Bernardet
23
Jean-Baptiste de Cherval
Paróquia de Mazille
(diocese de Mâcon)
Bresse
28/12/1790
22/09/1790
24
Lorain filho
Distrito de Saint-Claude
14/09/1790
25
Joly
Bailliage94 de Saint-Claude
07/09/1790
Abade Rochejean
Franche-Comté
Tournon
15/02/1791
15/03/1791
94
Circunscrição administrativa e jurídica de um bailli (na França da Idade Média e do Antigo Regime,
este indivíduo era um agente do rei encarregado das funções administrativas e jurídicas).
101
Beaumarchais em Brie
francesa
Sully e entorno
26
Alsace (?)
Província de Lorraine
15/03/1791
28/08/1790
13/09/1790
17/08/1790
27
28
29
30
31
32
33
34
Jérémie-Jacques Oberlin
Frédéric-Ignace de Mirbeck
15/03/1791
Amigos da Constituição de
Commercy
Frédéric Grünwaldet
irmão Léon Lefebvre
Lorraine
Sem data
Ducado de Bouillon 1
01/09/1790
Abade Aubry
Ducado de Bouillon 2
06/02/1791
26/02/1792
Abade Andriès
Virchaux
Chanoine Hennerbert
35
Abade Asselin
36
Pierre Riou
37
Lequinio
38
Frandres Maritimes
(dois distritos de Bergues e
de Hazebrouck)
Departamento do Norte
Toda extensão de Artois e
mesmo do departamento
excetuando o Artois Flamand
Distrito de Château-Thierry e
Soissons
Paróquia de Leon e Tréguier
02/09/1790
05/12/1790
26/09/1790
Sem data
17/10/1790
15/11/1790
39
Sociedade patriótica de
Saint-Calais
Abade Pressac
Morbihan, Finistère,
Cotes-du-Nord
15 lugares entorno de
Saint-Calais
Poitou 1
40
Abade Perreau
Todo o Baixo Poitou 2
11/11/1790
41
Sociedade dos Amigos da
Constituição de Limoges
Amigos da Constituição de
Maringues
Abade Poupard
Departamento de HauteVienne
Limagne
06/11/1790
Sem data
Antiga província de Berri
09/09/1790
42
43
Sem data
Sem data
As respostas de acompanhamento, as recusas e respostas, ou os fragmentos:
44
Sénard
45
Abade Chambon
46
Abade Verdier
De Toulouse:
Recusa a responder
De Perpignan:
Envio de uma canção em
variante regional
De Tauves, Puy-de-Dôme :
Carta de acompanhamento
Em torno de Château-Salins:
01/09/1790
29/01/1791
31/08/1790
Data
102
47
48
Anônimo
Madame de Valincourt
49
Anônimo
fragmento
Envio de duas obras-primas da
Picardie
Pas-de-Calais:
fragmento
desconhecida
08/11/1790
Data
desconhecida
Assim, com este quadro, podemos observar que a adesão total imaginada pelo
abade não acontecera realmente, já que alguns correspondentes mostraram que em suas
províncias não havia nenhuma vontade de eliminar seus falares, na medida em que para
os mesmos seria também a eliminação de seus próprios povos. Porém, apontaram que as
imagens de língua oficial e de variantes trabalhadas por Grégoire foram bastante
eficazes ao menos no que tange a apresentação da diglossia em todo o território francês.
A maioria dos correspondentes engajou-se ao máximo para pesquisar sobre as variantes
regionais e procuraram mostrar suas posições e a de seus povos em suas respostas,
possibilitando, assim, o começo de um mapeamento lingüístico do território francês
idealizado pelo abade Grégoire.
6.2 - As respostas ao questionário do abade: os símbolos de línguas - nacional e
regionais vistas pelos correspondentes
Je ne crois pas qu’il soit important pour la Religion
ni pour la politique de détruire le patois dans les villages.
On remarque que les paysans qui savent parler françois
sont, il est vrai, moins grossier en général dans la
conversation, mais aussi ils sont plus libertins et plus
vivieux. Le voisinage des villes les gâte, et ils corrompent
à leurs tour la jeunesse de leur village. Les filles y sont
plus coquettes & plus faciles à séduire que dans les
villages éloignés. 95
95
Não creio que seja importante para a Religião nem para a política destruir o patois nos vilarejos.
Destaca-se que os camponeses que sabem falar francês são, é certo, menos grosseiros em geral na
conversação, mas também são mais libertinos e mais vivos. A vizinhança das cidades os estraga e, eles
103
Morel l’aîné, procurador e correspondente da cidade de
Lyon, em resposta a questão 29 da enquête de Grégoire.
Henri Grégoire em sua pesquisa sobre os patoás (as variantes regionais
denominadas desta forma pelo próprio abade) e os modos das pessoas do campo
recebeu ao todo 49 respostas, dentre elas existem fragmentos de resposta, recusa e
adesão ao movimento de difusão da língua da liberdade. Destas respostas, observaremos
as enviadas pelas regiões de Guyanne, Dordogne, Lyon, Bergues e Saint-Calais, além de
documentos políticos revolucionários, como o dossiê alsaciano. Ressaltaremos, assim,
dentre as respostas e os documentos apresentados a problemática da diglossia
apresentada pelos correspondentes através da comparação dos símbolos de língua oficial
e de variantes regionais oriundos de seus discursos, para deste modo, poder verificar
quais poderiam ter sido as forças que possibilitaram a imposição da língua oficial em
todo o território francês. Para isto, contaremos com o auxílio das visões de gênio de
língua francesa desenvolvidas por Meschonnic (1987), além dos estudos de diglossia
pesquisados por Calvet (1999, 2000, 2001), os de Anderson (1987) sobre o
nacionalismo e, os postulados de sociolingüística orientados por Willian Labov, para
assim, analisar a importância da escrita neste ambiente de línguas em contato.
Neste sentido, nas respostas estudadas pudemos perceber a tomada de consciência
dos indivíduos franceses sobre a nova configuração de sua sociedade, seja a nova forma
de encarar a mesma social e politicamente, seja a nova maneira de olhar seus falares
diante da sua coletividade. Esta conjuntura de deixar seus falares para engajarem-se no
aprendizado e na divulgação da língua oficial fora realmente conflituosa, na medida em
que seria necessário eliminar – ou adequar ao novo apresentado – suas tradições, suas
experiências, seus meios de traduzir sua existência e interações sociais, além de
corrompem a juventude de seu vilarejo. As moças são mais charmosas & mais fáceis para seduzir que nas
cidades distantes.
104
reorganizar suas próprias identidades. Deste modo, temos a problemática explicitada por
dicotomias explícitas, já que o indivíduo estaria agora em um estágio de vida dupla:
deixar de falar sua língua e adaptar-se a língua oficial que estaria a sua disposição.
Observamos, assim, o que Calvet (1999) trabalha em sua obra La guerre des
langues et les politiques linguistiques quando redige sobre o mito de Babel a fim de
tentar classificar a diglossia no Haiti. O autor citando Barthes96, cria um ambiente de
dicotomia ao definir o crioulo haitiano como a língua materna97, na medida em que
expressaria a emoção, a que seria vista como provedora de seus pensamentos e de suas
formas de encarar a vida e o ambiente onde vivem, ou seja, seria a primeira língua
apresentada ao indivíduo e, o francês oficial no solo haitiano fora definido como a
língua paterna, uma vez que representaria a pátria, a razão e o padrão de modos para
encarar a própria sociedade. Podemos, através desta reflexão, representar a diglossia
mostrada pelos correspondentes de Grégoire e pelo próprio da seguinte maneira:
Língua oficial
Variante regional
Língua paterna
Língua da razão
Língua oficial
Língua padrão
Língua documentada
Língua com escrita oficial
Língua materna
Língua da emoção
Língua familiar
Língua secundária
Língua de tradição oral
Língua com alguma escrita não
oficializada
Língua local
Língua da ignorância98
Língua de modos ultrapassados
Língua da inocência
Língua nacional
Língua da liberdade, das luzes
Língua revolucionária
Língua da civilidade
96
BARTHES, Mythologies, Seuil Points Essais, Paris, 1992.
_________, L’ovie et l’obtus, Seuil Points Essais, Paris, 1992.
97
O conceito de língua materna pode ser encontrado nos escritos de Jean Dubois (2001), que caracteriza
o termo como língua usada no país de origem do locutor e que o mesmo a adquiriu desde sua infância, em
meio a seus aprendizados. Reflexiona também sobre o nível de língua, que seriam as variações dentro da
própria língua, o que as torna mais familiares, contendo jargões e sotaques específicos. Definição que
para nós não cabe a problemática destas línguas em contato.
98
Idéia não compartilhada por um número considerável de correspondentes, porém, bastante defendida
por Grégoire.
105
Estas dicotomias são bastante expressadas em suas respostas ao questionário de
Grégoire, pois mesmo os correspondentes mais engajados em sua campanha, não se
mostraram muito à vontade em eliminar seus falares, como podemos ver na resposta do
correspondente da província de Périgord, o abade Fonvielhe, um dos correspondentes
mais detalhistas, segundo A. Gazier, em que descreve a existência de três variantes
regionais em sua região:
Question 13 - Les finales sont-elles plus communément voyelles que
consonnes ?
(Após uma passagem sobre a pronuncia, parecida com o gascon e com o
espanhol. Não reproduzida por A. Gazier, nem por Certeau, Julia e Revel.)
... Le peuple de la campagne parle toujours le patois et même les gens qui
parlent bien le français parlent souvent le patois en famille et avec leurs amis ;
c’est que le patois a une naïveté qui plaît beaucoup. Cette naïveté fait le charme
de nos vieux français tels que Froissard, Amiot, qui semblent en effet ne parler
que le patois. Dans les villes tout ce qu’on appelait le bas peuple parle patois
excepté quand il a bu. Les artistes parlent presque tous français et c’est parce
qu’ils ont voyagé longtemps, cependant ils perdent beaucoup de l’usage français
et abâtissent en peu d’années. J’ai vu des personnes qui parlaient très bien il y
a dix ans et qui aujourd’hui parlent moitié patois moitié français et d’une
manière presque intelligible.99
A resposta de número 13 do correspondente de Périgord nos mostra a conjuntura
citada acima, onde vemos a variante regional com um papel bem definido na província
diante de uma língua oficial que vinha cada vez tomando mais espaço em suas vidas.
Este papel seria o de língua familiar, em que seus falantes estariam tomando consciência
99
O povo do campo fala sempre o patois e mesmo as pessoas que falam freqüentemente... O patois em
família e com seus amigos; é que o patois tem uma inocência que agrada muito. Esta inocência faz o
charme dos nossos velhos franceses como Froissard, Amiot que parece só falar o patoá. Nas cidades tudo
o que se chamava baixo povo fala patois excetuando quando bebeu. Os artistas falam quase todos o
francês e é porque viajaram por muito tempo, entretanto eles perdem muito do uso do francês e o perdem
em poucos anos. Vi pessoas que falavam muito bem há dez anos e que hoje falam metade patois metade
francês e de uma maneira quase compreensível.
106
de que deveriam passar a utilizá-la somente em ambientes específicos, ou seja, os mais
íntimos possíveis e, o uso da língua oficial seria condicionado aos momentos mais
distantes da familiaridade. Observamos, deste modo, que os indivíduos vistos por este
abade deveriam tornando-se pessoas condicionadas aos seus ambientes de fala e escrita,
e aos sujeitos com os quais se relacionavam. Como vemos nos postulados
desenvolvidos pelo sociolingüista William Labov, que procurou enquadrar os
comportamentos dos sujeitos como não sendo autônomos com relação à atitude
lingüística de suas comunidades de fala, tendo que se habituarem aos condicionamentos
externos (Labov, 1972). Estes condicionamentos viriam a partir das próprias imagens
que a língua oficial proporcionaria aos sujeitos falantes das variantes regionais. Estas
variantes também teriam um imaginário lingüístico definido por seus utilizadores, como
podemos ver na carta de apresentação da resposta a enquête de Morel l’aîné, procurador
e correspondente da cidade de Lyon:
Le patois a moins de conjugaisons irrégulières que le
françois, parce que l’habitant de la campagne cherche moins à
raffiner sur le langage & à l’adoucir. Il a suivi tout uniment les
règles générales des conjugaisons que l’usage avoit introduites
chez lui, sans s’amuser à faire des exceptions, qui lui auroient
coûté de la peine. Le génie des langues se développe plus dans les
verbes que dans les autres mots, parce que les modes, les temps,
les personnes et les nombres, qui en sont les accidents, offrent
plus de variétés et plus d’observations à faire. Ces accidents dans
le patois sont les mêmes que dans le françois : il a les mêmes
temps simples et les mêmes composés, et les auxiliaires y sont les
mêmes.100
Outro correspondente, mostrando-se um pouco mais realista que os outros, sem as
imagens comuns de língua, apresenta um quadro de diglossia em que a variante regional
100
O patois possui menos conjugações irregulares que o francês, pois o habitante da província procura se
rafinar menos no que tange a linguagem & a amenizar. Seguiu unicamente as regras gerais das
conjugações que o uso tinha introduzido, sem se divertir fazendo exceções, que lhe teria custado dores. O
gênio das línguas desenvolve-se mais nos verbos que nas outras palavras, pois os modos, os tempos, as
pessoas e os números, que são os acidentes, oferecem mais verdades e mais observações a fazer.
107
se sobrepõe à língua oficial, na medida em que seu autor a caracteriza a língua padrão
como também um patoá quando a compara com o flamando. As duas línguas
possuiriam, assim, segundo o correspondente, as mesmas origens no que diz respeito a
algumas palavras em latim e em grego. E, assim, mostra que seu povo é
predominantemente bilíngüe em sua grande maioria, quando responde a questão 1:
Quoique la langue française soit pour ainsi dire
universellement connue dans notre ville, son usage néanmoins n’y
est pas universel : il y a même un grand nombre de citoyens qui
ne le savent point parler : peu de gens cependant se dispensent de
l’apprendre. La langue naturelle dans notre contrée est la
flamande. Le peuple en général ne parle que deux langues, savoir
la française, mais plus communément la flamande. 101
Abade Andriès, professor do colégio de Bergues a partir de 1784.
O mesmo correspondente mostra um aspecto muito singular no que tange a
diglossia em sua região. Acredita que o uso do francês aumentava gradualmente, mas,
não se configurava como uma ameaça, já que o correspondente encarava o fato como a
introdução da língua da moda. Acreditava, desta maneira, que a língua oficial seria
como uma língua moderna. Assim, termos franceses infiltravam-se no léxico flamando,
mostrando um status de língua oficial diferente do que fora questionado por Grégoire na
pergunta de número 16, na medida em que o autor da resposta enquadra-a como
secundária diante do flamando em sua sociedade.
Depuis plus d’un siècle, on se sert (surtout em cette
contrée) des mots français pour exprimer les idées des
choses nouvelles.102
101
Embora a língua francesa seja por assim dizer universalmente conhecida em nossa cidade, seu uso
entretanto não é universal aqui : há mesmo um grande número de cidadãos que não sabem fala-lo poucas
pessoas entretanto dispensam de aprendê-lo. A língua natural em nossa região é a flamanda. O povo em
geral só fala duas línguas, sabem a francesa, porém, mas comumente a flamanda. .
102
Desde mais de um século, utiliza-se (sobretudo nesta região) palavras francesas para exprimir idéias
das coisas novas.
108
Observamos, também no dossiê alsaciano encontrado no livro de Certeau, Julia e
Revel (1974) a diglossia mais extenuada ainda, pois a língua oficial estaria competindo
pelo lugar dado à língua alemã em sua região. Este dossiê fora primeiramente o discurso
pronunciado por André Ulrich, secretário e intérprete da cidade de Strasbourg, na sessão
alemã da Sociedade dos Amigos da Constituição de Strasbourg, em 6 de julho de 1790.
O intérprete explicita a necessidade dos habitantes desta região tornarem-se bilíngües,
pois também defendia a língua alemã como uma língua apta a traduzir os movimentos
políticos e ideológicos de seu período, mostrando que poderia existir na Alsácia o
bilingüismo político, como podemos ver no extrato de seu discurso a seguir:
(...) les Magistrats et leurs employés doivent être les organes et les interprètes
des voeux de leurs Commettants, que ni religion, ni langue, ni coutumes ne
contribuent en quoi que ce soit, ni à l’unité de la Constitution, ni au patriotisme,
ni au bonheur des peuples. Il est donc instant de s’occuper enfin des moyens de
tempérer cette suprématie et cette espèce d’aristocratie, que la langue française
excerçait jusqu’ici dans une province où elle n’était guère entendue. Je dois
répondre ici à une objection, à laquelle ne doivent sans doute pas s’attendre
ceux qui connaissent l’ignorance des campagnards, les ruses et les intrigues de
leurs oppresseurs et l’imperfection de nos élections. On a dit que l’élection des
Administrateurs et des juges étant libres, les ci-devant Alsaciens ne choisiront
que ceux qui savent les deux langues. 103
Neste sentido, no mesmo documento o representante da região da Alsácia tenta
mostrar que o status da língua alemã seria o mesmo que o da francesa, pois as duas
teriam escrita oficializada, o que seria mais um argumento para não haver a eliminação
da língua local para a introdução da francesa. Porém, declarou que a língua escrita em
contratos,
103
notificações,
decisões,
julgamentos,
assim
como
os
documentos
(...) os Magistrados e seus empregados devem ser os órgãos e os intérpretes das vozes de seus
Mandadátios, pois nem a religião, nem a língua, nem os costumes não contribuem em nada que seja, nem
na unidade da Constituição, nem no patriotismo, nem na felicidade dos povos. É o momento, enfim, de
ocupar-se dos meios de amenizar esta supremacia e esta espécie de aristocracia, que a língua francesa
exercia até aqui nas províncias onde não era escutada. Devo responder aqui a uma objeção, pela qual não
devem talvez esperar aqueles que conhecem a ignorância dos camponeses, as artimanhas e as intrigas de
seus opressores e a imperfeição de nossas eleições. Disseram que a eleição dos Administradores e dos
juízes sendo livres, os antes alsacianos só escolherão aqueles que sabem as duas línguas.
109
administrativos e referentes à justiça eram compostos em língua francesa. O que criaria
um ambiente de adaptação para os habitantes, pois segundo Ulrich, ninguém estaria
contra a Constituição somente por falar alemão em solo francês. Esta problemática o faz
questionar também a nacionalidade do povo alsaciano, seria alemão ou francês?
On a fait une seconde objection: on a demandé : Les Districts sontils Allemands ou Français ? J’y réponds par une autre question : Les
filles et les femmes qui portent des Tresses et des Schneppenhaubens,
sont-elles moins citoyennes ? sont-elles moins attachés à la Constitution
que celles qui sont sont coiffées à la française ? je demanderai : sont-ce
les écrivains français ou allemands qui ont appris au peuple Alsacien à
aimer la nouvelle Constitution ? 104
Assim, mesmo com a problemática identitária apresentada pelo correspondente, que
podia também ser encontrada em outras regiões, como as da Bretanha ou as das regiões
falantes da variante catalã, flamanda ou basca, percebemos o quanto a escrita oficial de
uma língua pôde dar-lhe algum status melhor dentro de uma diglossia como a
desenvolvida na Revolução Francesa. Entretanto, em regiões que possuíam variantes
regionais possuidoras de qualquer tipo de obra ou documento escrito sem ter escrita
padronizada, seus correspondentes mostraram-se ora defensores de seus documentos
escritos, ora exaltadores da escrita em língua oficial, depreciando, desta forma, suas
obras impressas, como podemos ver na reposta do correspondente de Dordogne, o abade
Fonvielhe:
(...) je ne connais point des livres de dévotion ou autre écrit en
patois ; il existe seulement quelques cantiques que j’ai recueillis
de mon mieux et que je vous envoie. Le peuple de ce pays ci
chante beaucoup de chansons patoises qui ne sont point
104
Fizemos uma segunda objeção : perguntamos : Os distritos são alemães ou franceses? Respondi
através de uma questão : As moças e as mulheres que usam tranças e Schneppenhaubens, são menos
cidadãs ? são menos ligadas a Constituição que aquelas que são penteadas da forma francesa?
Perguntaria: são os escritores franceses ou alemães que ensinaram ao povo alsaciano a amar a
constituição?
110
imprimées et qui ne méritent pas de l’être parce qu’elles ne
signifient rien.105
Vemos a imagem de que as variantes regionais seriam predominantemente orais em
várias respostas, como o correspondente de Lyon nos mostra sobre a escrita oficial da
língua oficial e sua influência nas tentativas de registrar em documentos escritos nas
línguas maternas:
15 – L’écriture de ce patois a-t-elle des traits, des caractères autres que le
français ?
Ceux qui savent écrire savent aussi parler françois tant bien que mal. Ils
croiroient faire tort à leurs connoissances s’ils écrivoient en patois ; et si
quelquefois il leur échappe des mots patois en écrivant, ils emploient pour les
peindre les mêmes caractères dont on fait usage pour le françois. 106
Em outro documento, uma carta enviada Comitê de Instrução Pública da
Assembléia Constituinte, redigida em francês por um indivíduo que se apresenta como
agricultor de Montaubanm Gautier-Sauzin, em 18 de dezembro de 1791, podemos
verificar a exaltação da variante regional, na medida em que com sua posição
federalista, o mesmo defende a adaptação dos documentos revolucionários em variantes
regionais para que o povo tivesse acesso rápido aos mesmos e, ao mesmo tempo
valorizar as variantes regionais e seus falantes. Defende também a utilização de uma
única ortografia para cada variante regional para que as mesmas fossem conservadas em
seus territórios:
Enfin, on établirait pour chacun de ces idiomes méridionaux
une ortographe uniforme et invariable.107
105
(...) não conheço livros de devoção ou outro escrito em patois ; existe somente algumas cantigas que
recolhi do meu melhor e que lhe envio. O povo deste país canta muitas canções patoises que não são
impressas e que não merecem sê-lo pois elas não significam nada.
106
Aqueles que sabem escrever também sabem falar francês como podem. Eles acreditariam fazer mal a
seus conhecimentos se escrevessem em patois; e se algumas vezes escapa-lhes palavras patois no ato de
escrever, empregam para moldá-las os mesmos caracteres que se faz uso no francês.
107
Enfim, estabelecer-se-ia para cada um destes idiomas meridionais uma ortografia uniforme e
invariável.
111
Dentro deste contexto de luta, com as políticas de educação nacional sendo
implantadas e, as reações a idéia de eliminação das variantes regionais deixando a
província francesa indecisa, encontramos nas respostas ao abade e em documentos de
afirmação destas variantes, o sentimento de amor a sua fala, o que a maioria dos
correspondentes deixou claro para o abade. Mesmo aqueles que seriam a favor da
difusão do francês através da alfabetização de seu povo, não gostariam de ver seus
falares eliminados. Deste modo, podemos verificar nestas respostas, uma gama enorme
de declarações de resistência à aniquilação de suas variantes regionais, na medida em
que tentaram mostrar a importância de seus falares, mesmo que não possuíssem uma
escrita padrão, deveriam continuar a fazer parte da nação francesa.
6.3 - Formas de resistência mostradas pelos correspondentes em suas respostas ao
abade Grégoire e por autores de documentos políticos revolucionários
Pour le détruire, il faudrait détruire le soleil, la fraîcheur des
nuits, le genre d’aliments, la qualité des eaux, l’homme tout
entier.108
Resposta da Sociedade dos Amigos da Constituição de Perpignan.
(...) les hommes, ils sont déterminés par le climat et par la
nature du sol. C’est donc aussi par les mêmes causes qu’il faut
expliquer la diversité des langues et l’opposition de leurs
caractères.109
Jean-Jacques Rousseau
Com o axioma de que todas as variantes regionais faladas na França eram
minoritárias e, que todos estes falares deveriam ter vindo do mesmo falar corrompido
desenvolvido nos tempos obscuros da existência de seu país, visto pelo abade como a
108
Para destruí-lo, é necessário destruir o sol, o frescor das noites, o gênero dos alimentos, a qualidade
das águas, o homem inteiro.
109
Os homens, são determinados pelo clima e pela natureza do solo. Então, é também pelas mesmas
causas que se torna necessário explicar a diversidade das línguas e a oposição de suas características.
112
época da tirania, o abade Grégoire desenvolveu, junto com os revolucionários
representantes da Convenção e da Comissão de Instrução Pública, o discurso sobre a
existência de um sistema de parentesco (Certeau, Julia, Revel, 1974), que seria oriundo
do imaginário de uma familiaridade entre estas muitas variantes regionais. Para
sustentar este mito, usou-se a denominação de patoá para englobar todos os falares não
aceitos mais neste momento de seu país. A idéia em questão não deveria ser contestada
pois se tratava de uma norma, tal quais as leis 110 desenvolvidas pelos mesmos, de algo
para ser aceito, já que em seu texto oriundo do pensamento racional de difusão da
liberdade, a origem das línguas está diretamente ligada a uma voz: a de que todas as
línguas têm uma grande afinidade entre elas, sendo assim, análogas. Porém, ao mesmo
tempo, os falares corrompidos se distanciaram do caminho da razão e da claridade que
a língua francesa, ligada à escrita das Luzes e, em seguida à escrita Revolucionária,
havia conseguido atingir. A representação desta idéia de falares corrompidos pode ser
vista também na resposta de número 2 do correspondente de Lyon Morel l’aîné ao
referir-se à origem de sua variante regional:
Il est résulté de ces mélanges différents idiomes qui paroissent avoir
une origine commune. Mais ces différents idiomes, si l’on excepte le
Provençal, le Languedocien, le Boourguignon et le Bas-Breton, n’ont
aucun principe, aucune règle. 111
Entretanto, apesar de toda a campanha de imposição de uma variante sobre a outra,
os falantes das variantes regionais não aceitaram a idéia de aniquilação dos falares.
110
Lei a partir do momento que era proferida por um legislador de Paris, de um representante do governo
revolucionário, que seria responsável pela reformulação de sua sociedade. Desta forma, ela não deveria
ser questionada pois se formulara por um homem portador do discurso da liberdade, do discurso
revolucionário, enfim, de um difusor do sentimento patriótico .
111
Ele é o resultado destas misturas de diferenciados idiomas que parecem ter uma origem comum. Mas
estes diferentes idiomas, se tirarmos o Provençal, o Languedocien, o Boourguignon, o Baixo-Bretão não
possuem nenhum princípio, nenhuma regra.
113
Falares estes que podiam traduzir seus costumes, seus modos de encarar a vida e, acima
de tudo, aquela língua que manifestava os sentimentos de comunidade, de familiaridade
entre os seus, enfim, que os unia. Deste modo, em meio às respostas ao questionário de
Grégoire, houve uma grande contestação dos correspondentes a partir de mensagens
com textos escritos em patoás - como na região de Perpignan que enviou uma canção
em patoás e, a região de Picardie, que despachou duas obras-primas em picárdio - e,
respostas em francês mostrando a possibilidade de haver um bilingüismo em
determinadas localidades.
Havia, neste sentido, um sentimento de proximidade com as variantes regionais da
parte de seus falantes, de pertencimento à comunidade bretã, catalã, a de língua
flamanda, provençal, gascona, dentre outras e, sobretudo alemã em Alsácia e Lorena e
italiana na Córsega. Este conflito só poderia fazer com que seus falantes se unissem e
sentissem mais vontade de explicitar a importância de suas falas e, como elas seriam
estimadas em suas regiões, na medida em que tornara seus povos unidos, como
podemos ver na resposta do correspondente de Périgord:
(...) Le patois rapproche les hommes, les unis, c’est la langue de
frères et d’amis. Le peuple néanmoins entend parler français sans
avoir beaucoup voyagé, mais il se méfie de celui qui lui parle
toujours français quand il s’agit de ses affaires. (...) ainsi la
destrction du patois sera longtemps impossible et ne peut pas
s’opérer que graduellement, en rendant le français plus commun,
plus populaire ce qui est très possible, ce qui serait même d’une
haute importance et religieuse et politique.112
Abade Fonvielhe, correspondente da província de Périgord.
112
(...) O patois aproxima os homens, os une, é a língua de irmãos e de amigos. O povo entretanto ouve
falar francês sem ter viajado muito, mas desconfia daquele que lhe fala em francês quando se trata de seus
negócios. (...) Assim a destruição do patois será impossível por muito tempo e não pode operar-se
gradualmente, tornando o francês mais comum, mais popular o que é bem possível, o que seria mesmo de
uma grande importância religiosa e política.
114
Este correspondente explicita a impossibilidade da destruição da variante regional
de sua região no momento revolucionário, mas acredita que a mesma poderia ser
eliminada gradualmente a partir da possibilidade de se criarem ambientes onde a língua
oficial fosse posta como freqüente aos cidadãos franceses. O mesmo correspondente não
se opõe ao projeto de destruição mostrado por Grégoire, posição compartilhada por
outros, que como Pierre Bernadaux, correspondente do distrito de Bordeaux, tenta
informar ao abade membro da Convenção, a o valor de sua variante regional ao mesmo
tempo em que declara não haver importância na sua destruição:
Il n’y aurait, je pense, aucune importance à détruire le gascon dans
nos cantons ; mais les moyens m’en paraissent introuvables et,
d’ailleurs, peu utiles. Le bas peuple des villes, les habitants des
campagnes, corrompront toujours la langue et en feront un jargon,
comme cela se voit en Angleterre, en Allemagne et à Paris. 113
Verificamos, desta forma, que correspondentes como os dois citados, mostravam-se
dispostos a divulgar e engajarem-se na campanha de Grégoire e do governo de
Robespierre, porém, acreditam não haver meios disponíveis para que esta empreitada
fosse aceita e incorporada em todas as localidades da França, na medida em que as
variantes regionais eram bastante queridas por seus falantes, pois elas os ligavam e os
mantinha unidos. Assim, afirmamos que este tipo de correspondente não seria contra a
existência dos falares regionais, mas também não gostariam de mostrar-se contra as
novas formas de governo e suas campanhas. Defendendo haver, neste sentido, a
introdução gradual da língua francesa em suas regiões, ao traduzirem os decretos e
artigos de lei enviados pela Assembléia. Um exemplo deste fato é a tentativa de uma
113
Não teria, penso eu, nenhuma importância em destruir o gascon em nossas regiões ; mas os meios me
parecem impossíveis de se encontrar e, aliás, pouco úteis. O baixo povo das cidades, os habitantes das
províncias, corromperão sempre a língua e farão dela um jargão, como vê-se na Inglaterra, na Alemanha e
em Paris.
115
tradução escrita em gascon dos Direitos do Homem e do cidadão, que o correspondente
de Bordeaux apresenta ao abade juntamente com as respostas à sua enquête:
Les Droits de l’Homme et du Citoyen
Mis en patois le plus généralement approprié aux diverses nuances du gascon que
l’on parle dans le district de Bordeaux, avec la traduction interlinéaire mot par mot, afin
d’aprétier la fidélité de cette version sur l’original français, par Pierre Bernadau, avocatcitoyen au département de la Gironde.
Bordeaux, le 10 septembre, l’an second dde la Révolution de France (1790).
Les Droits de l’Homme
Lous Dreyts de l’Ome
Les députés de tous les Français pour les représenter, et qui forment l’Assemblée
Lous députats de tous lous Francês per lous représenta, et que formen l’Assemblade
nationale, envisageant que les abus qui sont dans le Royaume et tous les malheurs
natiounale, embisatgean que lous abeous que soun dens lou Rouiaumy, et tous lous malheurs
publics arrivés viennent de ce que tant les petits particuliers que les riches et les gens en
puplics arribats benen de ce que tan lous petits particuliers que lous riches et les gens en cargue
charge ont publié ou méprisé les francs droits de l’homme, ont résolu de rappeler les
an oblidat ou mesprisat lous frans dreyts de l’ome, an résoulut de rapela lous
droits naturels, véritables, et qu’on ne peut pas faire perdre aux hommes. (...)
dreyts naturels, béritables, et que ne poden pas fa perdre aux omes. (...)114
O mesmo correspondente envia nas respostas a enquête textos em gascon, como
podemos observar na sua resposta a questão de número 30, em que faz uma comparação
do antigo e do moderno patoá:
114
Os Direitos do Homem e do Cidadão
Posto em patois o mais apropriado às diversas nuances do gascon que se fala no distrito de Bordeaux,
com a tradução interlinear palavra por palavra, afim de apreciar a fidelidade desta versão sobre o original
francês, por Pierre Bernadau, advogado-cidadão do departamento da Gironda.
Bordeaux, 10 de setembro, ano dois da Revolução Francesa (1790).
Os Direitos do Homem
Os deputados de todos os franceses designados para reapresentá-los, e que formam a Assembléia
nacional, observam que os abusos que estão no Reino e todos os maus públicos acontecidos vêm disto
que tanto os pequenos proprietários quanto os ricos e as pessoas com posição privilegiada publicaram ou
desdenharam os francos direitos do homem, decidiram de lembrar os direitos naturais, verdadeiros, e que
não se pode fazer perder para os homens. (...)
116
Comparação do antigo e do moderno patoá
Un calonge fo sepelit cum um capeau, et era calonge de S. Andriu ; et los massous
qui lo aveven sepelit lo désepeliren et osteren los sous vestimens ; per que foren penduts
et traginats ; quar ed eran be ettats paguats de lor tribalh.
(costume de Bordeaux nos anos de 1291.)
Versão em gascon na época da resposta a enquete de Grégoire
Un chanoine fut enséb ilitéabec un capot, et ere chanoine de Sent André. Lous
massous qui l’abében entarrat lou desentarreren et ly priren sous habits, perqué furen
penduts e traynats, car eren be estats paguats de lur trabail.
Em francês
Un chanoine fut inhumé avec son camail, et il était de St-André. Les maçons qui
l’avaient enseveli l’exhumèrent et lui enlevèrent ses habits. En conséquence, ils furent
pendus et traînés sur la claie, ayant d’ailleurs été bien payés de leur travail.115
Podemos observar, com esta citação acima, que se procurava mostrar algum tipo de
escrita em variante regional, mesmo que fossem utilizados os caracteres latinos para
representar as falas de seus habitantes e, sobretudo, mesmo que não houvesse uma
escrita padronizada. Desta forma, observamos que este tipo de representação das
variantes regionais são tentativas de valorizá-las, de torná-las conhecidas, como o
próprio correspondente quis fazer ao apresentar a variante regional de seu território a
fim de que o abade a conhecesse. Seria necessário mais que um questionário e políticas
educacionais não postas em prática para tentar um começo de adaptação dos falantes
das províncias à língua oficial e, o que seria mais problemático: a eliminação de falares
centenários de grupos sociais distintos.
Este último fato era apontado nas respostas ao abade, ou em documentos políticos e
revolucionários, em que vemos sobressair o sentimento de perda ao cogitar-se a
115
Um cônego foi enterrado com seu camail, e era de Santo - André. Os pedreiros que o tinham enterrado
exumaram-no e levaram suas vestes. Em conseqüência, foram enforcados e arrastados na grade, tendo
aliás sidos bem pagos por seu trabalho.
117
eliminação de variantes regionais em solo francês. Como podemos verificar na resposta
do abade Andriès às questões de número 29 e 30 da enquête de Grégoire:
(...)En un mot je suis persuadé que la supression des
instructions flamandes ne nuirait pas seulement à la chose
publique, mais qui plus est, qu’elle en empêcherait entièrement le
bonheur. 116
E, no discurso de Gautier-Sauzin, que se apresenta como agricultor, e que escreveu
cartas para o jornal La Feuille Villageoise, uma tentativa bastante singular de
resistência, em que manifesta o valor das variantes regionais, assim como o da língua
oficial:
Ces divers idiomes méridionaux ne sont que de purs jargons: ce sont
de vraies langues, tout aussi anciennes que la plupart de nos langues
modernes ; tout aussi riches, tout aussi abondantes en expressions nobles
et hardies, en tropes, en métaphores, qu’aucune des langues de
l’Europe : les poésies immortelles de Goudelin117 en sont une preuve
sans réplique. 118
As formas de resistência também viriam pelo viéis da escrita em variante regional,
pois havia obras cultuadas no território francês, como as canções de gesta e poesias,
além de gramáticas e dicionários, enumerados pelo correspondente de Bergues ao
responder a questão de número 21 do questionário de Grégoire.
Ces dictionnaires sont le Lexicon de Pitiscus, deux volumes in 4° latinflamand... Le Dictionnaire de Vanhoogstraten flamand-latin, deux volumes in
4°, Le Dictionnaire de Halma français-flamand et flamand-français, deux
volumes in 4°.
116
(...) Em uma palavra sou persuadido que a eliminação das instruções flamandas não prejudicará
somente a coisa pública, porém que é mais, que ela impedirá inteiramente a felicidade.
117
Pierre Goudelin (1580 – 1649), poeta que compôs obras em provençal.
118
Estes diversos idiomas regionais são só puros jargões : são verdadeiras línguas,também antigas como a
maior parte de nossas línguas modernas ; também ricas, também abundantes em expressões nobres e
ousadas, em tropes, em metáforas, que nenhuma língua da Europa: as poesias imortais de Godelin são
uma prova sem réplica.
118
E, verificamos a defesa das variantes regionais dentro do ambiente escolar,
mostrado como o único meio de ensinar a língua oficial, ou os indivíduos não
conseguiriam assimilar as informações novas de sua sociedade. Tudo deveria ser
gradual e, viria também através da aceitação das mesmas como parte do patrimônio
cultural francês, como explicitado por Gautier-Sauzin. Em seu discurso, vemos a
preocupação em retratar as variações de sons que poderiam ser expostas em alfabetos
impressos em cada variante regional:
(...) Il s’agirait d’abord d’imprimer des Alphabets purement gascons,
languedociens, provençaux, etc. Dans lesquels on assignerait avec soin à
chaque lettre sa force et sa valeur. On pourrait peut-être même en retrancher
quelques-unes telles que notre V qui, se confondant absolument, au moins dans
le gascon, avec le B devient parfaitement inutile. De plus, je ne voudrais point
qu’on fit prononcer dans bien des cas l’U comme OU mais plutôt qu’on
exprimât cette diphtongue partout où elle se fait entendre distinctement, excepté
toutefois dans le latin dont on ne peut raisonnablement changer l’ortographe
pour la commodité de nos paysans. Par exemple, pour exprimer en gascon le
mot Dieu, que Goudelin écrit Dius, j’écrirais Dïous, les deux points sur l’ï
servant à indiquer qu’il faut traîner et doubler en quelque sorte cette voyelle.119
Em outras regiões, tal como na Alsacia, houve uma grande problemática no que
tange a eliminação da língua alemã, havendo, neste sentido, documentos proferidos por
intelectuais e políticos da região, em que as sessões da Sala da Sociedade dos Amigos
da Constituição eram dividas em sessões em língua alemã e em língua francesa,
oferecidas em dias e horários alternados.
119
(...) tratar-se-ia primeiramente de imprimir Alfabetos puramente gascons, languedocianos, provençais,
etc. Nos quais assinalaria com afinco a cada letra sua força e seu valor. Poderia talvez mesmo destacar
algumas como nosso V que, confunde-se, ao menos no gascon, com o B torna-se perfeitamente inútil.
Além disso, eu não gostaria que se pronunciasse em muitos casos o U como OU mas de preferência que
se exprimisse este ditongo em todos os lugares onde ele faz-se ouvir distintamente, excetuando entretanto
no latim que não se pode razoavelmente mudar a ortografia para a comodidade de nossos camponeses.
Por exemplo, para expressar em gascon a palavra Deus, que Goubelin escreve Dius , escreveria Dïous, os
dois pontos sobre o ï servem para indicar que é necessário dobrar algumas vezes esta vogal.
119
La Salle de la Société des Amis de la Constitution est au poêle des
cordonniers rue de la chaîne. Les lectures allemandes commenceront dimanche
25 juillet à une heure et un quart. Les lectures françaises commencetont lundi 26
– à deux heures et demie.120
Mas, esta idéia de bilingüismo não fora muito bem aceita pelos governantes, que
através de decretos, tentaram evitar as traduções dos documentos em língua oficial,
sobretudo em forma escrita. Surgiram, deste modo, movimentos de contestação que
objetivavam tornar acessíveis em todas as regiões os escritos políticos, havendo do
mesmo modo, questionamentos sobre as nacionalidades dos indivíduos falantes das
variantes regionais, além de campanhas a favor da escrita em seus falares, como
podemos ver neste documento alsaciano, redigido por André Ulrich, secretário e
intérprete da cidade de Strasbourg:
Opinion sur la nécessité des deux langues, françoise et allemande, dans les
officiers de justice et les greffiers de la province d’Alsace
La partie la plus considérable des habitants de la province d’Alsace est
composé d’Allemands.
Tout le petit peuple des villes et le plus grand nombre des habitants de la
campagne, ignorent parfaitement l’usage de la langue françoise.
La situation topographique de l’Alsace est telle, ses rapports de commerce
avec l’Allemagne sont si habituels e si urgents que la langue allemande y est
constamment entretenue ; que la province et surtout les grandes villes, sont
continuellement recrutées d’Allemands qui viennent s’y fixer de toutes les
contrées de l’Empire.
Ces circonstances retarderont même toujours le progrès de la langue
françoise, telles mesures que prenne le gouvernement pour en favoriser
l’introduction.
Il devient dès lors indispensable que les actes publics du plus grand nombre
des citoyens soient couchés dans la langue du pays qui est l’allemande et que les
officiers publics chargés de les rédiger soient imbus de cette langue. 121
120
A Sala da Sociedade dos Amigos da Constituição encontra-se no estabelecimento dos sapateiros na rua
da chaîne. As leituras alemãs começarão no domingo dia 25 de julho à uma hora e quinze minutos. As
leituras francesas começarão na segunda, dia 26, às duas horas e meia.
121
Opinião sobre a necessidade de duas línguas, francesa e alemã, nos organismos de justiça e nos
escrivãos da província da Alsácia
A parte mais considerável de habitantes da província da Alsácia é composta por alemães.
Todo o pequeno povo das cidades e o maior número de habitantes do campo, ignoram perfeitamente o
uso da língua francesa.
120
Assim, defendendo suas falas, suas obra escritas, seus costumes e suas identidades,
ao mesmo tempo em que objetivava participar deste novo país que estava começando a
ser organizado, o povo heterogêneo que fazia parte da nação francesa mostrou-se
bastante adequado ao novo regime. Criara um ambiente de adaptação social no que
tange o seu engajamento aos novos papéis desenvolvidos, assim como a sua
conseqüente adaptação aos ideais de direitos e deveres incutidos no imaginário de
cidadão, tentando apreender as informações propagadas na língua da liberdade através
de intérpretes, além de divulgar seus escritos revolucionários através de jornais e
informativos e, ao mesmo tempo, criara uma atmosfera de resistência ao que diz
respeito ao ideal de eliminação de suas variantes regionais. Neste sentido, vemos o
quanto à existência da escrita oficial fora primordial na diglossia em questão, pois se
configurou como tradutora dos movimentos revolucionários, sobrepondo-se, assim, aos
falares regionais, que tiveram uma reorganização de seus papéis na sociedade francesa.
Não havia como lutar com o gênio da língua francesa e seus efeitos na nação
revolucionária.
A situação topográfica da Alsácia é tal, suas relações de comércio com a Alemanha são tão habituais e
tão urgentes quanto à língua alemã é constantemente ouvida; que a província e sobretudo as grandes
cidades, são continuamente recrutadas de alemães que vêm se fixar de todos os cantos do Império.
Estas circunstâncias retardarão sempre o progresso da língua francesa, tais medidas o governo toma
para favorizar a introdução
Torna-se desde agora indispensável que os atos públicos do maior número de cidadãos sejam postos
na língua da região que é a alemã e que os organismos públicos encarregados de redigi-los sejam
imbuídos desta língua.
121
7 – Conclusão
Ce n’est pas possible, m’écrivez-vous; cela n’est pas français.
Napoleão Primeiro em uma carta em 9 de julho de 1813 ao general
Lemarois, comandante de Magdebourg que tinha dificuldades para falar.
A escrita em sua origem não fora desenvolvida para ser um instrumento de
dominação social. Ela fora utilizada primeiramente para a preservação de informações,
sobretudo, comerciais e em contratos, no caso de algumas sociedades da Antigüidade,
como na dos Sumérios. Porém, com as sociedades começando a utilizar o alfabeto para
expressar suas idéias, sua cultura e seus decretos e leis, como no caso da Grega e da
Romana, passou-se a verificar a grande força que as sociedades incutem na modalidade
escrita da língua. Seja pelo fato de seu poder de armazenamento de informações para
serem consultadas quando fosse necessário, ou pelo fato de que é vista habitualmente
como o elemento principal para a captação de tudo o que a fala pode expressar. Neste
sentido, ela teria o poder de representar a própria voz de indivíduos e, assim, com estas
crenças passadas de geração a geração, observamos que a escrita passou a ter uma
importância social muito maior que a fala do homem. Moldando, desta maneira, a
própria fala dos indivíduos, a partir de seu prestígio como língua padrão.
Neste contexto de padronização da fala humana através de seu registro escrito,
temos em algumas sociedades um certo número de questões pendentes oriundas de
línguas em contato. Como observamos na sociedade francesa em sua Revolução,
quando se desenvolveu a tentativa de imposição de uma variante lingüística forjada por
intelectuais e, utilizada pela elite sobre os outros falares existentes em todo o território
francês. Para este objetivo, o ideal jacobino acreditava ser necessário eliminar as falas
não padronizadas e não aceitas nessa sociedade, os chamados patoás designação dada
122
pejorativamente às variantes regionais e, o argumento utilizado pelos seus
representantes a fim de concretiza-lo passava pelo víeis da prática de uma só língua
para a nação francesa. A língua oficial possuiria imagens de língua perfeita
desenvolvidas durante séculos e, baseadas na existência de uma escrita que poderia
expressar a mais pura razão do pensamento humano, o que traria uma vantagem
bastante significativa no que tange seu embate com as variantes regionais, línguas
ágrafas em sua grande maioria. A língua que se tornaria oficial poderia expressar e
armazenar os sentimentos de liberdade e suas conseqüentes resoluções.
Esta língua trazia em si todo o sentimento de transformação social que pregava a
Revolução. Desta forma, os indivíduos franceses deveriam falar, escrever e ler esta
língua, pois se acreditava que através dela todos os indivíduos teriam acesso à
consciência de liberdade, igualdade e fraternidade, lema tanto pregado no período.
Para isto, os sujeitos deveriam entender a importância de estarem totalmente ligados à
nação livre das instituições do Antigo Regime. Esta crença possibilitou a muitas
comunidades de fala francesas o criação do sentimento de pertencerem à nação
francesa, de serem cidadãos possuidores deste ideal de patriotismo e de serem sujeitos
ativos neste novo sistema de governo. Logo, a língua francesa em sua modalidade
escrita seria a edificadora desta nação que se construía com seus indivíduos em plena
inserção no ambiente patriótico, na medida em que se comportava como a língua da
liberdade e, mobilizaria grande parte de sua sociedade para a aquisição das informações
libertadoras registradas em jornais, decretos e registros revolucionários.
Porém, observa-se que mesmo as variantes regionais possuíam registros escritos,
em menor quantidade, sem o status de terem sido usadas pelos intelectuais do século
XVII, sem um gênio de língua bem definido que pudesse ser confrontado com o da
língua oficial e, sem uma convenção para cada escrita em variante regional. Por isso
123
estes escritos eram tidos pelo senso comum dos adeptos da aniquilação de seus falares
como representações de uma fala corrompida, marginalizada. Contudo, para seus
falantes, a representação de suas vozes era mais que um registro, era a certeza de sua
identidade estar sendo mostrada a todos da nação. Nestas reações à imposição da língua
francesa e à eliminação de seus falares, vemos o sentimento de regionalismo ser mais
acentuado, havendo até violências de ordem identitária, já que algumas comunidades
rejeitavam o estereotipo de cidadão francês apregoado em todo o território.
Então, podemos visualizar melhor este quadro de diglossia através da idéia de
batalha ideológica do francês oficial para ser imposto sobre as variantes regionais. A
imposição seria feita, como se acreditava, a partir da criação de lei lingüísticas de
censura dos escritos em variante regional, além de haver a criação de leis públicas de
alfabetização do povo francês. A escola seria o local apropriado para a eliminação dos
regionalismos e a criação de indivíduos apropriados ao momento de industrialização e
reorganização social que a França estaria seguindo. Entretanto, no período da
Convenção nacional, não havia meios de criar um ambiente de alfabetização em massa,
pois a idéia mostrada de escola vinha com a imagem de violência, na medida em que
seus representantes – instrutores da língua oficial, deputados, representantes da
administração pública – carregavam o ideário de eliminação, transformação de seus
indivíduos, o que trouxe bastantes conflitos identitários.
Anderson (1987), em sua obra Imagined Communities, cita John Lynch (18081826), autor que menciona a política sobre os bárbaros, formulada por Pedro Fermín de
Varlas, um liberal colombiano do século XIX, para explicitar a problemática da
tentativa de civilizar os indígenas em seu país, como podemos observar no extrato
abaixo:
Para expandir nossa agricultura havia a necessidade de
hispanizar nossos índios. Sua ociosidade, estupidez e
124
indiferença faziam os esforços humanos normais nos leva
a pensar que provêm de uma raça degenerada que se
deteriora em proporção a distância de sua origem (...)
seria muito conveniente que se extinguissem os índios,
mesclando-os com os brancos, declarando-os livres do
tributo e encargos pagos, e outorgando-os a propriedade
privada da terra.
John Lynch, The Spanish-american Revolutions, 18081826.
A comparação proposta nos ajuda a concluir sobre o ideário de nacionalismo
desenvolvido na Revolução Francesa. Com a campanha civilizatória criada pelos
jacobinos e propagada através de Grégoire e seu projeto de eliminação das variantes
regionais, só tornar-se-ia cidadão francês o indivíduo que estivesse disposto a deixar o
mundo selvagem que se encontrava para conseguir alcançar o domínio da língua
libertadora que lhe era proposto. Eliminar, se entendermos as imagens passadas em sua
pesquisa, seria englobar, para deste modo, acabar com as diferenças. Segundo Certeau,
Julia e Revel (1974), a pesquisa do abade afirma uma unidade encontrada além da
diferença, o que nos mostra que se acreditava ser necessário haver uma organização
desta problemática. Organizar seria eliminar as altercações para manter a unidade. Só o
cidadão francês era liberto realmente.
Assim, com o objetivo de eliminar as diferenças, a difusão da língua oficial fora
proposta e seguida por muitos no período jacobino. Esta campanha traria consigo a
tentativa de se eliminar as variantes regionais, a obrigatoriedade dos escritos
revolucionários serem compostos em língua padrão, o que implicaria na criação de
políticas lingüísticas urgentes e, a tentativa de pô-las em prática com os instrutores de
língua em várias regiões do país. Tornava-se, do mesmo modo, expressamente
conflituosa a questão identitária ligada à aquisição da língua revolucionária. Esta, ligada
125
à existência de uma escrita oficial e com o status de língua da razão, compunha uma
diglossia singular na nação francesa, na medida em que entrava em contato com falantes
de línguas ágrafas em sua grande maioria e, sem o domínio da escrita, pois a maior parte
do povo francês encontrava-se analfabeto.
Encontramos neste período Revolucionário grandes conflitos internos que
mobilizaram grande parte da sociedade francesa. Conflitos identitários, no que diz
respeito à eliminação de variantes regionais e os costumes de povos que viviam
harmoniosamente através de séculos, conflitos lingüísticos, pois nem todos os
indivíduos teriam acesso à língua oficial imposta aos habitantes do território francês,
conflitos estes condicionados a partir de políticas lingüísticas voltadas para a
valorização da escrita oficial da língua oficial. O que possibilitou a tentativa de
aniquilação das variantes regionais criada por Grégoire, porém, esta empreitada não fora
bem acolhida, já que se configurou um ambiente de resistência dos povos falantes destas
variantes e, ao mesmo tempo, não havia meios práticos de realizar as políticas
lingüísticas em questão. Deste modo, as variantes regionais conseguiram encontrar um
lugar específico em sua sociedade e, os indivíduos engajaram-se em dar valor às
mesmas após o momento de terror lingüístico que o abade fazia parte.
A ideologia defendida por Grégoire morreu com os jacobinos. E, nas épocas
seguintes, criou-se um ambiente de valorização dos modos, do folclore e dos falares dos
povos distintos na França. A política de Napoleão engajou-se em uma etnologia da
província, desenvolvendo enquêtes nas prefeituras sobre os modos e as variantes
regionais. Com isto, em 1805, a Academia celta em sua primeira assembléia pública
explicita seu principal objetivo, que seria o de encontrar um começo lingüístico na
França e, assim preservar as imagens das variantes regionais. Propõe, logo, um
questionário em francês sobre a história, os modos, os falares e as obras dos povos de
126
variantes regionais. Assim, percebemos que a campanha de imposição da língua oficial
não surtira o efeito desejado, no que tange a desvalorização destes falares e sua
conseqüente eliminação. Porém, a soberania da língua da liberdade não fora tocada,
com o seu status de língua da razão desenvolvido por seus escritores e organizadores. O
que restou fora a idéia de vincular nação-estado moderno à língua fora um sucesso
universal.
127
8 – Anexos:
Anexo I :
Um exemplar do jornal criado por Marat, intitulado: L’Ami du Peuple. Jornal de
número 678 de 13 de agosto de 1792.
http://home.nordnet.fr/~blatouche/D8.html
128
Anexo 2:
Carta escrita pelo correspondente de Saint-Calais (Sarthe), Mousseron-Mellève,
secretário da Sociedade patriótica da cidade. O correspondente fora também procurador
e síndico da comuna. Trata-se de um homem engajado com a Revolução e, assim, com a
imposição da língua da liberdade. Em sua resposta, podemos observar a importância que
se dá à escrita e, o correspondente mostra, neste sentido a ligação muito próxima entre
língua oficial e escrita, além de sua resposta ser consagrada quase em sua totalidade às
superstições da província.
St Calais
Sarthe
[19 novembre 1790]
Monsieur,
La Société patriotique de St Calais est trop flattée de l’honneur de correspondre
avec vous pour n’avoir pas aussi tôt pris en considération les questions que vous lui
avez adressées. Elle m’a chargé d’y répondre promtement. C’est une commission qui
m’est agréable ; mais je sens malheureusement que pour la remplir avec sérieux, les
lumières devroient répondre à mon zèle. Cette contrée est située à l’intérieur du
royaume ; la langue françoise est la seule qu’on y parle ; il n’y a pas de patois ; on ne se
rapelle nullement qu’il en ait existé. La corruption dans le langage se fait remarquer tant
à la campagne que dans nos villes et bourgs. Ce vice est sûrement général chez tous les
gens qui ont été privés d’instruction. Souvent la pronunciation est fautive, ce que
j’attribue à la même cause; l’on dit ils aimant au lieu d’ils aiment. L’usage où l’on est
d’apprendre à lire en latin, langue où tous les sons sont pleins, a sûrement contribué à ce
défaut.
Ce premier article peut s’appliquer à tout le canton qui ne s’éloigne que d’environ
quinze lieues de la ville de St Calais ; ils s’ensuit que je ne dois fournir aucune autre
réponse à vos trente premières questions.
Il n’y a malheureusement de maîtresses ou maîtres d’école, ou fondés ou
d’habitude, dans presqu’aucun village ou petit bourg ; les gros en manquent souvent ;
quelque fois une soeur de curé ou un vicaire rendent ce service. Les gens des campagnes
n’ont pas de goût pour cette instruction. Notre communauté contient quatre cent quatre
vingts citoyens actifs ; peu de laboureurs y savent lire ; deux membres de notre
municipalité, et tous deux sont plongés dans cette ignorance. Communément le peuple,
même le plus pauvre de notre cité, sait lire ; la moitié sait écrire.
129
Quand il y a école, il est rare qu’on y apprenne à chiffrer ; souvent il n’est pas
question de catéchisme ; l’écriture n’est pas toujours enseignée. Même dans nos villes et
bourgs l’instruction ne s’étand pas au-delà des quatre parties que vous indiquez, excepté
lorsqu’il s’y trouve un collège fondé pour le latin ; alors si on s’occupe de
mathématique, d’histoire, de physique, de géographie, etc., ces avantages ne sont dûs
qu’à une volonté passagère du principal ou du supérieurs.
Nulle question de la part de MM. Les curés ou vicaires dans cette partie.
Un curé sur douze possèdera peut-être une bibliothèque ; il n’en aide pas ses
paroissiens ; s’il le fait, ce sera en faveur d’un ami particulier qu’il voudra soumettre à
son opinion.
Vous êtes persuadé, Monsieur, d’après ces réponses, que nos gens de campagne ne
sont doués d’aucun goût pour la lecture.
Par ces mêmes raisons, généralement on ne trouve aucun livre chez eux ; car je
compte pour rien quelques individus qui, sachant mal lire, ont des heures, quelque fois
l’ancien testament ; si cette bibliothèque s’accroît, ce sera du nouveau testament, ensuite
d’un almanach du plus vil prix, enfin de quelques mauvais contes de près de deux cents
ans d’impression.
Les préjugés, Monsieur, sont très nombreux dans les campagnes et même chez le
peuple des villes et des bourgs ; nos bourgeois n’en sont pas exemple. Je ne vous
donnerai pas la liste de tous ceux que j’ai recueillis, il en est de trop minutieux. Je vais
cependant vous faire part de quelques uns de ceux-ci afin que vous en puissiez prendre
une idée ; ensuite je rangerai dans une seconde classe ceux qui sont d’une grande
importance.
Nos gens de campagne ont beaucoup de respect pour tout ce qui est écrit ou
imprimé.
La nuit de Noël on met dans le feu un gros morceau de bois appelé tréfous, on en
retire les restes pour les placer sous les lits, et l’on est instrument persuadé qu’avec cette
précaution la maison sera préservée du tonnerre pendant une année.
On prétend que la bonté ou la médiocrité des récoltes procient du vent qui a régné
le jour des rameaux, du temps qu’il a fait le jour des rogations.
Le vendredi saint les enfants et les jeunes bestieux sont exposés à l’air pour
acquérir de la force.
Pour le même effet les enfants sont assis à nu sur la table qui a servi de reposoir les
jours de fête.
Quiconque a porté un buis grainé le jour des rameaux s’attend aux plus grands
malheurs, et même à la mort, ainsi que ceux qui ont mangé treize à table. La paix ne
doit pas régner dans un mariage, si, tandis qu’on le célébroit, la femme s’est levée la
première à l’Évangile ; l’empire appartiendra au mari ou à l’épuse suivant que l’anneau
aura été plus ou moins avancé sur le doigt de cette dernière.
Suivant que les cierges du côté de chaque contractant ontbrûlé vite ou lentement, on
augure la bonne ou mauvaise santé, la mort prochaine oula longue vie de l’un d’eux ou
des deux.
Une femme qui après une couche paroît à l’église pour se faire relever, ne doit pas
perdre l’eau bénite elle-même, il faut que quelqu’un ait la charité de lui en mettre au
front, sinon sa profanation seroit punie de mort dans l’année.
Ce dernier préjugé est un peu plus considérable que les autres ; il m’aura en quelque
sorte servi de transition pour vous entretenir de ceux de la seconde classe.
Je ne fais pas difficulté d’y ranger la plus grande fois que l’on a dans telles ou telles
reliques, dans tels Saints, dans telle chapelle de tel Saint, dans la Vierge, que dans l’être
Suprême. Malheureusement les ecclésiastiques ont fomenté cette superstition, et ils
130
crieroient encore anathème contre celui qui les blâmeroit, s’il était homme à se laisser
intimider ou à dépendre du peuple.
Nos gens de campagne peuplent les airs de génies secondaires qu’ils nomment
feux-folets. Ils leurs attribuent de se livrer des combats et de pousser des cris aigus ; ils
les font aussi descendre sur terre pour y jouer des tours aux humains, tantôt par une
apparitions subite et momentanée dans un bois, dans un chemin, tantôt en tressant les
crins aux chevaux dans les prairies de manière à ne pouvoir être démêlés, d’autre fois en
brouillant les divers effets qui sont les maisons.
Ils croient également aux loups-garous. Celui qui le coure, suivant le plus ou moins
grand pacte qu’il a fait avec le Diable, prend des formes plus variées et se diversifie à sa
volonté, possède plus de force et plus de puissance. C’est toujours à la même heure
qu’un homme prend son travestissement. Il est singulier que les gens soient censés
courir le loup-garou pour avoir commis quelque mouvaise action, avoir été
excommuniés ou parce qu’ils sont plus instruits que d’autres, enfin celui qui coure le
loup-garou est libéré de sa punition ou privé de sa vertu si l’on répand son sang alors
qu’il est ainsi déguisé.
L’imagination des gens de campagne et du peuple est aussi intimidée par les
revenants. C’est particulièrement dans les cimetières dans les églises qu’on les loge ; ils
errent unpeu dans les chemins qui les avoisinent ; on les redoute dans tous les lieux
obscurs ; ils paroissent surtout dans les endroits qu’ils habitoient et fréquentoient, et
principalement dans leur dernière demeure ; ils demandent pardon à leurs créanciers, à
ceux à qui ils ont manqué ; ils troublent le repos de ceux dont ils ont à se plaindre ; enfin
ils exigent des messes de leurs femmes, enfants ou héritiers. Devenons-nous d’après
cela être surpris qu’un tel préjugé ne soit pas déraciné ?
Les Sorciers ont trop d’identité avec ces chimères pour ne pas être aussi l’objet de
la croyance. Cette espèce a son (sic) hiérarchie. Un sort jetté peut faire périr ou maigrir
l’animal ou l’homme qui en a été atteint. Il faut pour le lever être au moins aussi
puissant que celui qui en est l’auteur. On gagne de l’argent à ce métier. Il est inutile de
remarquer que l’on peut rendre une pierre immobile, empêcher l’eau de servir à aucune
cuisson, etc., etc.
Il y a dix-huit mois un jeune paysan dit confidentiellement à deux amis qu’il croyait
que son père et quatre boeufs avoient été ensorcelés par un nommé Camus ; ce dernier
présenta requête en réparation d’honneur et dommages intérêts au lieutenant général
criminel de St Calais et obtint l’adjudication de ses conclusions malgré les plaidoyers
philosophi-comiques de son adversaire. Surpris de ce baroc jugement, j’en demandoi les
motifs au président ; il me fut répondu qu’il falloit ménager l’opinion des gens de
campagne.
Il y a trois mois les parents d’un garçon qui étoit tombé en démence arrêtèrent dans
notre ville de St Calais une jeune fille qu’ils soupçonnoient de sortilège. Tout le quartier
s’attroupa.
On somma la malheureuse fille de lever le sort. Ce fut bien inutile. Alors elle fut
battue, on lui exposa les pieds au feu. Sa mort auroit peut-être la suite de leurs cruautés,
si sa famille ne fut venue la délivrer. Considérez par ces traits la profondeur du préjugé.
Je préfère suivre la série de vos questions à l’enchaînement de mes idées.
Les préjugés n’ont pas diminué depuis vingt ans : nulle lumière n’a pénétré dans les
campagnes ; seelement quelques laboureurs ont semé des trèfles et des luisernes. Ils sont
fort attachés à leur routine.
Les moeurs se sont insensiblement dépravés dans les campagnes et
considérablement dans les villes et bourgs. On accuse nos paysans de manquer de
probité. La plupart des fermes sont à colonies partiaires. La corruption de ce qu’on
131
appelle plus précisément les moeurs provient du peu d’instruction, dela grossièreté des
conversations, des sens, ou, pour mieux dire, de l’appétit animal. Nos citadins se vantent
beaucoup de la facilité et de la gratuité des femmes de campagne.
On ne sauroit dire que les principes religieux des gens de campagne soient affoiblis.
C’est avec la même exactitude qu’ils se livrent au culte extérieur. Jamais ils n’ont connu
les principes. La superstition est leur unique frein. On croit plus à l’enfer qu’à Dieu ; on
craint plus son curé que le diable. Pourvu qu’il ignore les fautes, on se croit innocent, on
ne pense pas nécessaire de s’en accuser. Les filles disent hautement qu’il faut qu’elles
soient enceintes pour qu’il y ait matière à confession.
Les causes de ces maux proviennent de l’ignorance, de la grossièreté et de la
misère. Dans les environs surtout de notre ville la pauvreté est grande. Selon les
apparences ils auront longtemps à en souffrir. Toutes les métaieries ou bourges sont
presqu’à moitié, ce qu’on nomme autrement colonie partiaire. Cette manière d’affermer
est très lucrative pour le propriétaire, mais elle exténue le colon ; elle tue son activité et
son industrie, parce que le succès en seroit partagé. La plupart des maîtres interdisent le
commence à leurs fermiers.
Vous demandez, monsieur, le remède à ces maux. Et n’est-ce pas votre plume
bienfaisante, énergique, et patriotique qu’on doit les attendre ? je vais cependant
hazarder quelques idées.
L’instruction en différents genres me paroît nécessaire. Il seroit bon qu’on apprit à
lire et à écrire ; mais il faudroit renoncerà la manière de commencer par apprendre à lire
en latin. Il y a longtemps que je déclame contre cet usage sans trouver beaucoup
d’auditeurs de bonne foi. Il n’est pas rare de rencontrer des gens qui aient fréquenté
longtemps une école sans avoir lu dans le françois : on accorde cet avantage comme une
grâce à ceux qui, selon la courte vue des maîtres, sont d´jà habiles. Il en résulte des
inconvénients et nulle utilité. La prononciation devient vivieuse par la différence des
deux langues, où le même assemblage de lettres ne produit pas les mêmes sons. Des
leçons en un idiôme étranger et inconnu engendrent l’insipidité, et diminuent le succès
qui devroit des peines et du temps. C’est dans l’enfance que la mémoire est la plus
heureuse ; pourquoi ne pas profiter de ce premier âge pour apprendre par la répétition
des leçons les droits, les devoirs de l’homme, ceux du chrétien, les premiers éléments et
principes des fonsctions auxquelles on sera destiné.
Je pense que la plus part des préjugés et des maux pourroient se dissiper si l’on
expliquoit aux gens de campagne et au peuple de nos cités la morale et quelques parties
de la physique.
Je désirerois que nos paysans prissent des biens nationaux à ferme : ce seroit un
moyen d’alleger leur misère. Pour cela, il faudroit empêcher que d’autres les
affermassent pour y gagner en les leur donnant à moitié. On pourroit parer à cet
inconvénient en insérant dans les adjucations la cause d’exploiter par soi-même. Avant
de prendre ce parti, il seroit indispensable de calculer si le défaut de fortune leur
permettroit de faire les premières avances.
Il y auroit de grands avantages à sacrifier quelques sommes et quelques terrains
pour les employer, à leurs yeux, en expériences sur l’agriculture dont les résultats leur
prouvassent que leurs usages sont susceptibles de perfection.
La révolution n’a pas produit d’effets moraux sur ces êtres malheureusement trop
grossiers, que la stupidité ou l’habitude porte toujours à ce regarder inférieurs à
certaines personnes, à les croire comme des oracles, à leu déférer sur tout. Qu’ils sont à
pleindre de n’avoir été que le jouet des passions d’autrui et d’avoir suivi tantôt une
impression, tantôt une autre ! (...)
132
Il n’y a pas de patriotisme chez les gens de campagne : c’est à qui ne sera pas dans
les places municipales ; ils ne se seroient pas présentés aux assemblées primaires sans la
crainte d’une drosse amende, dont on avoit la lâcheté de les menacer. Leur intérêt
personnel est leur passion dominante.
Si deux ou trois ecclésiastiques ou nobles ont éprouvé des désa gréments, c’est
qu’ils étoient détéstés depuis quinze ou vingt ans, ou que quelqu’un excitoit les gens
contre eux par vengeance. La suppression des armoirieries, et partant de ce qu’on
appeloit les poteaux, a fomenté quelques rumeurs pendant les assemblées primaires.
Bintôt le repentir s’est manifesté. Heureusement notre canton a été le plus tranquille.
Notre ville, entre autres, est le paradis terrestre des prêtres. Quoiqu’on les méprise
depuis longtemps, à cause de leurs moeurs et de leur inutilité, et que dans les
cirsconstances ils se soient démasqués en prouvant qu’ils n’avoient ni religion ni
principe d’honneur, ils vivent on ne peut pas plus paisibles : nous les avons maintenus
en sûreté. Un d’eux, assez estimé, avoient été chassé par une cabale abominable de gens
riches ; au bout de deux jours ils ont été confondus ; il est revenu triomphant. Un aure,
haï et méprisé depuis longtemps, a cru nécessaire de se bannier quelques mois : sa
présence a rappelé le mécontentement ; un cheveu n’est pas tombé de sa tête. Ce
misérable dinoit dernièrement chez ma mère et osa dire qu’il désiroit que le
renouvellement de notre municipalité ne donnât que des paysans afin qu’elle fût mal
gouvernée.
Le Clergé a cruellement abusé de la paix que nous lui avons conservée. Tous les
jours il se livre dans nos sociétés aux prédications de l’aristocratie la plus forcenée, dont
notre ville est le repaire le plus infecté. Ce reproche ne doit pas frapper la plus grande
partie des prêtres de nos campagnes.
Les maires et les municipalités de ville et de campagne se livrent à leur despotisme
sans vouloir sortir de leur ignorance. Leurs volontés, leurs projets sont préférés à
l’exécution de la loi. Les prêtres et les nobles n’en sont pas plus victimes que le reste du
public.
La municipalité de Cogners se distingue seule par son patriotisme. Tous les
dimanches, à l’issue des vêpres, on fait assembler la paroisse, on lui donne lecture des
Décrets, et on invite chacun à demander des explications sur les articles qu’il ne
comprend pas.
Tels sont, Monsieur, les reinseignements que je puis vous procurrer. Je voudrais
que leur mérite fût aussi étendu que l’estime avec laquelle je suis très fraternellement
Votre très humble et très obéissant serviteur
Mousseron-Mellève
Secrétaire de la Société patriotique
133
Anexo 3 :
O relatório de Henri Grégoire.
CONVENTION NATIONALE
RAPPORT
Sur la nécessité et les moyens d'anéantir les patois, et d'universaliser
l'usage de la langue française.
PAR GREGOIRE
Séance du 16 prairial, l'an deuxième de la République une et indivisible ;
Suivi du Décret de la Convention Nationale
Et envoyés aux autorités constituées, aux sociétés populaires,
et à toutes les communes de la République.
La langue Française a conquis l'estime de l'Europe, et depuis un siècle elle y est
classique : mon but n'est pas d'assigner les causes qui ont assuré cette prérogative. Il y a
dix ans qu'au fond de l'Allemagne (à Berlin) on discuta savamment cette question, qui,
suivant l'expression d'un écrivain, eut flatté l'orgueil de Rome empressée à la consacrer
dans son histoire comme une de ses belles époques. On connaît les tentatives de la
politique romaine pour universaliser sa langue: elle défendait d'en employer d'autre pour
haranguer les ambassadeurs étrangers, pour négocier avec eux; et malgré ses efforts, elle
n'obtint qu'imparfaitement ce qu'un assentiment libre accorde à la langue française. On
sait qu'en 1774 elle servit à rédiger le traité entre les Turcs et les Russes. Depuis la paix
de Nimégue elle a été prostituée, pour ainsi dire, aux intrigues des cabinets d'Europe.
Dans la marche claire et méthodique, la pensée se découle facilement ; c'est ce qui lui
donne un caractère de raison, de probité, que les fourbes eux-mêmes trouvent plus
propre à les garantir des ruses diplomatiques.
Si notre idiome a reçu un tel accueil des tyrans et des cours, à qui la France
monarchique donnait des théâtres, des pompons, des modes et des manières, quel
accueil ne doit-il pas se promettre de la part des peuples, à qui la France républicaine
révèle leurs droits en leur ouvrant la porte de la liberté ?
Mais cet idiome, admis dans les transactions politiques, usité dans plusieurs villes
d'Allemagne, d'Italie, des Pays-Bas, dans une partie du pays de Liège, du Luxembourg,
de la Suisse, même dans le Canada et sue les bords du Mississipi, par quelle fatalité estil encore ignoré d'une très grande partie des Français ?
A travers toutes les révolutions, le celtique qui fut le premier idiome de l' Europe,
s'est maintenu dans une contrée de la France et dans quelques cantons des îles
britanniques. On fait que les Gallois, les Cornoualliens et les Bas-Bretons s'entendent:
134
cette langue indigène éprouva des modifications successives. Les Phocéens fondèrent, il
y a vingt-quatre siècles, de brillantes colonies sur les bords de la méditerranée; et dans
une chanson des environs de Marseille, on trouvé récemment des fragments grecs d'une
ode de Pindare sur les vendanges. Les Catharginois franchirent les Pyrénées, et Plybe
nous dit que beaucoup de Gaulois apprirent le punique pour converser avec les soldats
d'Annibal.
Du joug des Romains, la Gaule passa sous la domination des Francs. Les Alains, les
Goths, les Arabes et les Anglais, après y avoir pénétré tour-à-tour, en furent chassés ; et
notre langue, ainsi que les divers dialectes usités en France, portent encore les
empreintes du passage ou du séjour de ces divers peuples.
La féodalité qui vint ensuite morceler ce beau pays, y conserva soigneusement cette
disparité idiome comme un moyen de reconnaître, de ressaisir les serfs fugitifs et de
river leurs chaînes. Actuellement encore l'étendue territoriale où certains patois sont
usités, est déterminée par les limites de l'ancienne domination féodale. C'est ce qui
explique la presque identité des patois de Douillon et de Nancy, qui sont à 40 lieues de
distances, et qui furent jadis soumis aux mêmes tyrans, tandis que le dialecte de Metz,
situé à quelques lieus de Nancy, en diffère beaucoup, parce que pendant plusieurs
siècles le pays Messin, organisé dans une forme presque républicaine, fut en guerre
continuelle avec la Lorraine.
Il n'y a qu'environ quinze départements de l'intérieur où la langue française soit
exclusivement parlée. Encore y éprouve-t-elle des altérations sensibles, soit dans la
prononciation, soit par l'emploi de termes impropres et surannés, surtout vers Sancerre,
où l'on retrouve une partie des expressions de Rabelais, Amyot et Montaigne.
Nous n'avons plus de provinces, et nous avons encore environ trente patois qui en
rappellent les noms.
Peut-être n'est-il pas inutile d'en faire l'énumération : Le bas-breton, le normand, le
picard, le rouchi ou wallon, le flamand, le champenois, le messin, le lorrain, le franccomtois, le bourguignon, le bressan, le lyonnais, le dauphinois, l'auvergnat, le poitevin,
le limousin, le picard, le provençal, le languedocien, le velayen, le catalan, le béarnois,
le basque, le rouergat et le gascon; ce dernier seul est parlé sur une surface de 60 lieus
en tout sens.
Au nombre des patois, on doit placer encore l'italien de la Corse, des AlpesMaritimes, et l'Allemand des Hauts et Bas-Rhin, parce que ces deux idiomes y sont très
dégénérés.
Enfin, les Nègres de nos colonies, dont vous avez fait des hommes, ont une espèce
d'idiome pauvre comme celui des Hottentais, comme la langue franque, qui, dans tous
les verbes, ne connaît guère que l'infinitif.
Plusieurs de ces dialectes, à la vérité, sont génériquement les mêmes; ils ont un
fonds de physionomie ressemblante et seulement quelques traits métis tellement
nuancés, que des villages voisins, que les divers faubourgs, d'une même commune,
telles que Salins et Commune-Affranchie, offrent des variantes.
Cette disparité s'est conservée d'une manière plus tranchante dans des villages situés
sur les bords opposés d'une rivière, où à défaut de pont, les communications étaient
autrefois plus rare. Le passage de Strasbourg à Brest est actuellement plus facile que ne
l'étaient jadis certaines courses de vingt lieues ; et l'on cite encore vers St Claude, dans
le département du Jura, des testaments faits (est-il dit), à la veille d'un grand voyage, car
il s'agissait d'aller à Besançon, qui était la capitale de la province.
On peut assurer sans exagérations qu'au moins six millions de Français, surtout
dans les campagnes, ignorent la langue nationale ; qu'un nombre égal est à peu près
incapable de soutenir une conversation suivie ; qu'en dernier résultat, le nombre de ceux
135
qui la parlent purement n'exède pas trois million ; et probablement le nombre de ceux
qui l'écrivent correctement est encore moindre. Ainsi, avec trente patois différents, nous
sommes encore, pour le langage à la tour de Babel , tandis que pour la liberté nous
formons l'avant-garde des nations.
Quoiqu'il y ait possibilité de diminuer le nombre des idiomes reçus en Europe, l'état
politique du globe bannit l'espérance de ramener les peuples à une langue commune.
Cette conception, formée par quelques écrivains est également hardie et chimérique.
Une langue universelle est dans son genre ce que la pierre philosophale est en chimie.
Mais au moins on peut uniformer le langage d'une grande nation, de manière que
tous les citoyens qui la composent, puissent sans obstacles se communiquer leurs
pensées. Cette entreprise, qui ne fut pleinement exécutée chez aucun peuple, est digne
du peuple français, qui centralise toutes les branches de l'organisation sociale, et qui doit
être jaloux de consacrer au plutôt, dans une République une et indivisible, l'usage
unique et invariable de la la langue de la liberté.
Sur le rapport de son comité de salut public , la Convention nationale, le 8 pluviôse,
qu'il serait établi des instituteurs pour enseigner notre langue dans les départements où
elle est moins connue. Cette mesure, très salutaire, mais qui ne s'étend pas à tous ceux
où l'on parle patois, doit être secondée par le zèle des citoyens. La voix douce de la
persuasion peut accélérer l'époque où ces idiomes féodaux auront disparu. Un des
moyens les plus efficaces peu-être pour électriser les citoyens, c'est leur prouver que la
connaissance et l'usage de la langue nationale importent à la conservation de la liberté.
Aux vrais républicains, il suffit de montrer le bien; on est dispenser de le leur
commander.
Les deux sciences les plus utiles et les plus négligées sont la culture de l'homme et
celle de la terre : personne n'a mieux senti le prix de l'une et de l'autre que nos frères les
américains, chez qui tout le monde sait lire, écrire et parler la langue nationale.
L'homme sauvage n'est, pour ainsi dire, qu'ébauché : en Europe, l'homme civilisé
est pire; il est dégradé.
La résurrection de la France s'est opéré d'une manière imposante; elle se soutient
avec majesté: mais le retour d'un peuple à la liberté ne peut en consolider l'existence que
par les mœurs et les lumières. Avouons qu'il nous reste beaucoup à faire à cet égard.
Tous les membres du souverain sont admissibles à toutes les places; il est à désirer que
tous puissent successivement les remplir ; et retourner à leurs professions agricoles ou
mécaniques. Cet états de choses nous présentes l'alternative suivantes: Si ces places sont
occupées par des hommes incapables de s'énoncer, d'écrire correctement dans la langue
nationale, les droits des citoyens seront-ils bien garantis par des actes dont la rédaction
présentera l'impropriété des termes, l'imprécision des idées, en un mot, tous les
symptômes de l'ignorance? Si au contraire cette ignorance exclut des places, bientôt
renaîtra cette aristocratie qui jadis employait le patois pour montrer son affabilité
protectrice à ceux qu'on appelait insolemment les petites gens. Bientôt la société sera
réinfectée de gens comme il faut; la liberté des suffrages sera restreinte, les cabales
seront plus faciles à nouer, plus difficiles à rompre; et , par le fait, entre deux classes
séparées s'établira une sorte d'hiérarchie. Ainsi l'ignorance de la langue compromettrait
le bonheur social, ou détruiront l'égalité.
Le peuple doit connaître les lois pour les sanctionner et leur obéir ; et telle était
l'ignorance de quelques communes dans les premières époques de la révolution, que
confondant toutes les notions, associant de idées incohérentes et absurdes, elles s'étaient
persuadé que le mot décret signifiait un décret de prise de corps ; qu'en conséquence
devait intervenir un décret pour tuer tous les ci-devant privilégiés ; et l'on m'écrivait à ce
sujet une anecdote qui serait plaisante, si elle n'était déplorable. Dans une commune les
136
citoyens disaient: « Ce serait pourtant bien dur de tuer M. Geffry ; mais au moins il ne
faudrait pas le faire souffrir ». Dans cette anecdote, à travers l'enveloppe de l'ignorance,
on voit percer le sentiment naïf d'hommes qui d'avance calculent les moyens de
concilier l'humanité avec l'obéissance.
Proposerez-vous de suppléer à cette ignorance par des traductions? alors vous
multipliez les dépenses: en compliquant les rouages politiques, vous en ralentissez le
mouvement. Ajoutons que la majeure partie des dialectes vulgaires résistent à la
traduction, ou n'en promettent que d'infidèles. Si dans notre langue la partie politique est
à peine créer, que peut-elle être dans des idiomes dont les uns abondent à la vérité en
expressions sentimentales, pour peindre les douces effusions du cœur, mais sont
absolument dénués de termes relatifs à la politique; les autres sont des jargons lourds et
grossiers, sans syntaxes déterminée, parce que la langue est toujours la mesure du génie
d'un peuple: les mots ne croissent qu'avec la progression des idées et des besoins.
Leibnitz avait raison: les mots sont les lettres de change de l'entendement; si donc il
acquiert de nouvelles idées, il lui faut des termes nouveaux; sans quoi l'équilibre serait
rompu. Plutôt que d'abandonner cette fabrication aux caprices de l'ignorance, il vaut
mieux certainement lui donner votre langue; d'ailleurs, l'homme des campagnes, peu
accoutumé à généraliser ses idées, manquera toujours de termes abstraits; et cette
inévitable pauvreté du langage qui resserre l'esprit; mutilera vos adresses et vos décrets,
si même elle ne les rend intraduisibles.
Cette disparité des dialectes a souvent contrarié les opérations de vos commissaires
dans les départements. Ceux qui se trouvaient aux Pyrénées-Orientales en octobre 1792
vous écrivaient que, chez les Basques; peuple doux et braves, un grand nombre était
accessible au fanatisme, parce que l'idiome est un obstacle à la propagation des
lumières. La même chose est arrivée dans d'autres départements, où les scélérats
fondaient sur l'ignorance de notre langue, le succès de leurs machinations contrerévolutionnaires.
C'est surtout vers nos frontières que les dialectes, communs aux peuples des limites
opposées, établissent avec nos ennemies des relations dangereuses, tandis que dans
l'étendue de la République tant de jargons sont autant de barrières qui gênent les
mouvements du commerce, et atténuent les relations sociales. Par l'influence respectives
des mœurs sur le langage, du langage sur les mœurs; ils empêchent l'amalgame
politique, et d'un seul peuple en font trente. Cette observation acquiert un grand poids, si
l'on considère que, faute de s'entendre, tant d'hommes se font égorgés, et que souvent
les querelles sanguinaires des nations, comme les querelles ridicules des scolastiques,
n'ont été que de véritables logomachies. Il faut donc que l'unité de langue entre les
enfants de la même famille éteigne les restes des préventions résultantes des anciennes
divisions provinciales, et resserre les liens d'amitié qui doivent unir des frères.
Des considérations d'un autre genre viennent à l'appui de nos raisonnements. Toutes
les erreurs se tiennent comme toutes les vérités: les préjugés les plus absurdes peuvent
entraîner les conséquences les plus funestes. Dans quelques cantons, ces préjugés sont
affaiblis; mais dans la plupart des campagnes ils exercent encore leur empire. Un enfant
ne tombe pas en convulsion, la contagion ne frappe pas une étable, sans faire naître
l'idée qu'on a jeté un sort: c'est le terme. Si dans le voisinage il est quelque fripon connu
sous le nom de devin, la crédulité va lui porter son argent, et le soupçons personnels
font éclater des vengeances. Il suffirait de remonter a très peu d'années, pour trouver des
assassinats commis sous prétexte de maléfice.
Les erreurs antiques ne font-elles donc que changer de formes en parcourant les
siècles? Que du temps de Virgile on ait supposer aux magiciennes de Thessalie la
puissance d'obscurcir le soleil et de jeter la lune dans un puits; que dix-huit siècles après
137
on ait cru pouvoir évoquer le diable; je ne vois là que des inepties diversement
modifiées.
En veut-on un exemple plus frappant ? Le génie noir chez les Celtes; plus noir que
la poix, dit l'Edda ; l'éphiall Grecs, les lémures des Romains, les incubes du moyen-âge,
le sotre vers Lunéville, le drac dans le ci-devant Languedoc, le chaouce-bieille dans
quelques coins de la ci-devant Gascogne, font depuis 40 siècles le texte de mille contes
puérils, pour expliquer ce que les médecins nomment le cochemar.
Les Romains croyaient qu'il était dangereux de se marier au mois de mai; cette idée
s'est perpétuée chez les Juifs; Astruc l'a retrouvée dans le ci-devant Languedoc.
Actuellement encore les cultivateurs, pour la plupart, sont insaturés de toutes les
idées superstitieuses que des auteurs anciens, estimables d'ailleurs, comme Aristote,
Elien, Pline et Columelle, ont consignées dans leurs écrits: tel est un prétendu secret
pour faire périr les insectes, qui des Grecs est passé aux Romains, et que nos faiseurs de
maisons rustiques ont répété. C'est surtout l'ignorance de l'idiome national qui tient tant
d'individus à une grande distance de la vérité: cependant si vous ne les mettez en
communication directe avec les hommes et les livres, leurs erreurs accumulées,
enracinées depuis des siècles, seront indestructibles.
Pour perfectionner l'agriculture et toutes les branches de l'économie rurale, si
arriérées chez nous, la connaissance de la langue nationale est également indispensable.
Rozier observe que, d'un village à l'autre, les cultivateurs ne s'entendent pas ; après cela,
dit-il, comment les auteurs qui traitent de la vigne prétendent-ils qu'on les entendra ?
Pour fortifier son observation, j'ajoute que, dans quelques contrées méridionales de la
France, le même cep de vigne a trente noms différents. Il en est de même de l'art
nautique, de l'extraction des minéraux, des instruments ruraux, des maladies, des grains,
et spécialement des plantes. Sur ce dernier article, la nomenclature varie non seulement
dans des localités très voisines, mais encore dans des époques très rapprochés. Le
botaniste Villars, qui en donne plusieurs preuves, cite Sollier, qui, plus que personne,
ayant fait des recherches,dans les villages, sur les dénominations vulgaires des
végétaux, n'en a trouvé qu'une centaine bien nommés. Il en résulte que les livres les plus
usuels sont souvent inintelligibles pour les citoyens des campagnes.Il faut donc en
révolutionnant les arts, uniformer leur idiome technique ; il faut que les connaissances
disséminées éclairent toute la surface du territoire français, semblables à ces réverbères
qui, sagement distribués dans toutes les parties d'une cité, y répartissent la lumière. Un
poète a dit :
Peut-être qu'un Lycurgue, un Cicéron sauvage,
Est chantre de paroisse ou maire de village.
Les développements du génie attesteront cette vérité et prouveront que, surtout,
parmi les hommes de la nature se trouvent les grands hommes.
Les relations des voyageurs étrangers insistent sur le désagrément qu ils
éprouvaient de ne pouvoir recueillir des renseignements dans les parties de la France où
le peuple ne parle pas français. Ils nous comparent malignement aux Islandais, qui,
au milieu des frimas d'une région sauvage, connaissent tous l'histoire de leur pays, afin
de nous donner le désavantage du parallèle. Un Anglais, dans un écrit qui décèle
souvent la jalousie, s'égaie sur le compte d'un marchand qui lui demandait si , en
Angleterre, il y avait des arbres et des rivières et à qui il persuada que, d'ici à la Chine, il
y avait environ 200 lieues. Les Français, si redoutables aux Anglais par leurs
baïonnettes, doivent leur prouver encore qu'ils ont sur eux la supériorité du génie,
comme celle de la loyauté: il leur suffit de vouloir.
138
Quelques objections m'ont été faites sur l'utilité du plan que je propose. Je vais les
discuter.
Pensez-vous m'a-t-on dit, que les Français méridionaux se résoudront facilement à
quitter un langage qu'ils chérissent par habitude et par sentiment? Leurs dialectes,
appropriés au génie d'un peuple qui pense vivement et s'exprime de même, ont une
syntaxe où l'on rencontre moins d'anomalie que dans notre langue. Par leurs richesses et
leurs prosodies éclatantes ils rivalisent avec la douceur de l'italien et la gravité de
l'espagnol; et probablement, au lieu de la langue des trouvères, nous parlerions celle des
troubadours, si Paris, le centre du Gouvernement, avait été situé sur la rive gauche de la
Loire.
Ceux qui nous font cette objection ne prétendent pas sans doute que d'Astros et
Goudouli soutiendront le parallèle avec Pascal Fénelon et Jean-Jacques. L'Europe a
prononcé sur cette langue, qui, tour à tour embellie par la main des grâces, insinue dans
les cœurs les charmes de la vertu, ou qui, faisant retentir les accents fiers de la liberté,
porte l'effroi dans le repaire des tyrans. Ne faisons point à nos frères du Midi l'injure de
penser qu'ils repousseront une idée utile à la patrie. Ils ont abjuré et combattu 18
fédéralisme politique; ils combattront avec la même énergie celui des idiomes. Notre
langue et nos cœurs doivent être à l'unisson. Cependant la connaissance des dialectes
peut jeter du jour sur quelques monuments du moyen âge. L'histoire et les langues se
prêtent un secours mutuel pour juger les habitudes ou le génie d'un peuple vertueux ou
corrompu, commerçant, navigateur ou agricole. La filiation des termes conduit à celle
des idées; par la comparaison des mots radicaux, des usages, des formules
philosophiques ou proverbes, qui sont les fruits de l'expérience, on remonte à l'origine
des nations.
L'histoire étymologique des langues, dit le célèbre Sulzer, serait la meilleure
histoire des progrès de l'esprit humain. Les recherches de Peloutier, Bochart, Gebelin,
Bochat, Lebrigand, etc., ont déjà révélé‚ des faits assez étonnants pour éveiller la
curiosité et se promettre de grands résultats. Les rapports de l'allemand au persan, du
suédois à l'hébreu, de la langue basque à celle du Malabar, de celle-ci à celle des
Bohémiens errants, de celle du pays de Vaud à l'irlandais, la presque identité de
l'irlandais, qui a l'alphabet de Cadmus, composé de dix-sept lettres, avec le punique; son
analogie avec l'ancien celtique, qui, conservé traditionnellement dans le nord de
l'Ecosse, nous a transmis les chefs-d'oeuvre d'Ossian; les rapports démontés entre les
langues de l'ancien et du nouveau Monde, en établissant l'affinité des peuples par celle
des idiomes, prouveront d'une manière irréfragable l'unité de la famille humaine et de
son langage, et, par la réunion d'un petit nombre d'éléments connus, rapprocheront les
langues, en faciliteront l'étude et en diminueront le nombre.
Ainsi la philosophie, qui promène son flambeau dans toute la sphère des
connaissances humaines, ne croira pas indigne d'elle de descendre à l'examen des patois,
et, dans ce moment favorable pour révolutionner notre langue, elle leur dérobera peutêtre des expressions enflammées, des tours naïfs qui nous manquent. Elle puisera
surtout dans le provençal, qui est encore rempli d'hellénismes, et que les Anglais même,
mais surtout les Italiens, ont mis si souvent à contribution.
Presque tous les idiomes ont des ouvrages qui jouissent d'une certaine réputation.
Déjà la Commission des arts, dans son instruction, a recommandé de recueillir ces
monuments imprimés ou manuscrits; il faut chercher des perles jusque dans le fumier
d'Ennius.
Une objection, plus grave en apparence, contre la destruction des dialectes
rustiques, est la crainte de voir les mœurs s'altérer dans les campagnes. On cite
spécialement le Haut-Pont, qui, à la porte de Saint-Omer, présente une colonie
139
laborieuse de trois mille individus, distingués par leurs habits courts à la manière des
Gaulois, par leurs usages, leur idiome, et surtout par cette probité patriarcale et cette
simplicité du premier âge.
Comme rien ne peut compenser la perte des mœurs, il n'y a pas à balancer pour le
choix entre le vice éclairé et l'innocence vertueuse. L'objection eût été insoluble sous le
règne du despotisme. Dans une monarchie, le scandale des palais insulte à la misère des
cabanes, et, comme il y a des gens qui ont trop, nécessairement d'autres ont trop peu. Le
luxe et l'orgueil de tyranneaux, prêtres, nobles, financiers et autres, enlevaient une foule
d'individus à l'agriculture et aux arts.
De là cette multitude de femmes de chambre, de valets de chambre, de laquais, qui
reportaient ensuite dans leurs hameaux des manières moins gauches, un langage moins
rustre, mais une dépravation contagieuse qui gangrenait les villages. De tous les
individus qui, après avoir habité les villes, retournaient sous le toit paternel, il n'y avait
guère de bons que les vieux soldats.
Le régime républicain a opéré la suppression de toutes les castes parasites, le
rapprochement des fortunes, le nivellement des conditions. Dans la crainte d'une
dégénération morale, des familles nombreuses, d'estimables campagnards, avaient pour
maxime de n'épouser que dans leur parenté. Cet isolement, n'aura plus lieu, parce qu'il
n'y a plus en France qu'une seule famille.
Ainsi la forme nouvelle de notre gouvernement et l'austérité de nos principes
repoussent toute parité entre l'ancien et le nouvel état de choses. La population refluera
dans les campagnes, et les grandes communes ne seront plus des foyers putrides d'où
sans cesse la fainéantise et l'opulence exhalaient le crime. C'est là surtout que les
ressorts moraux doivent avoir plus d'élasticité.
Des mœurs! sans elles point de République, et sans République point de mœurs.
Tout ce qu'on vient de dire appelle la conclusion, que pour extirper tous les préjugés,
développer toutes les vérités, tous les talents, toutes les vertus, fondre tous les citoyens
dans la masse nationale. simplifier le mécanisme et faciliter le jeu de la machine
politique, il faut identité de langage. Le temps amènera sans doute d'autres réformes
nécessaires dans le costume, les manières et les usages. Je ne citerai que celui d'ôter le
chapeau pour saluer, qui devrait être remplacé par une forme moins gênante et plus
expressive.
En avouant l'utilité d'anéantir les patois, quelques personnes en contestent la
possibilité; elles se fondent sur la ténacité du peuple dans ses usages. On m'allègue les
Morlaques, qui ne mangeaient pas de veau il y a quatorze siècles et qui sont restés
fidèles à cette abstinence; les Grecs, chez qui, selon Guys, se conserve avec éclat la
danse décrite, il y a trois mille ans, par Homère dans son bouclier d'Achille.
On cite Tournefort, au rapport duquel les Juifs de Prusse en Natolie, descendants de
ceux qui depuis longtemps avaient été chassés d'Espagne, parlaient espagnol comme à
Madrid.
On cite les protestants réfugiés a la révocation de l'Edit de Nantes, dont la postérité
a tellement, conservé l'idiome local, que, dans la Hessc et le Brandebourg on retrouve
les patois Gascon et, picard.
Je crois avoir établi que l'unité de l'idiome est une partie intégrante delà Révolution,
et, dès lors plus on m'opposera de difilcultés, plus on me prouvera la nécessité d'opposer
des moyens pour les combattre. Dût-on n'obtenir qu'un demi-succès, mieux vaudrait,
encore faire un peu de bien que de n'en point faire. Mais répondre par des faits; c'est
répondre péremptoirement, et tous ceux qui ont médité sur la manière dont les langues
naissent, vieillissent et meurent, regarderont la réussite comme infaillible.
Il y a un siècle qu'à Dieuse un homme fut exclus d'une place publique parce qu'il
140
ignorait l'allemand, et cette langue est déjà repoussée à la grande distance au delà de
cette commune. Il y a cinquante ans que, dans sa Bibtiothèque des auteurs de
Bourgogne, Papillon disait, en parlant des noëls de la Monnoie : Ils conserveront le
souvenir d'un idiome qui commence à se perdre comme la plupart des autres patois de
la France. Papon a remarqué la même chose dans la ci-devant Provence. L'usage de
prêcher en patois s'était conservé dans quelques contrées. Mais cet usage diminuait
sensiblement; il s'était même éteint dans quelques communes, comme à Limoges. Il y a
une vingtaine d'années qu'à Périgueux il était encore honteux de francimander, c'est-àdire de parler français. L'opinion a tellement changé, que bientôt, sans doute, il sera
honteux de s'énoncer autrement.
Partout ces dialectes se dégrossissent, se rapprochent de la langue nationale ; cette
vérité‚ résulte des renseignements que m'ont adressés beaucoup de sociétés populaires.
Déjà la révolution a fait passer un certain nombre de mots français dans tous les
départements, où ils sont presque universellement connus, et la nouvelle distribution du
territoire a établi de nouveaux rapports qui contribuent a propager la langue nationale.
La suppression de la dîme, de la féodalité‚ du droit coutumier, l'établissement du
nouveau système des poids et mesures, entraînent l'anéantissement d'une multitude de
termes qui n'étaient que d'un usage local.
Le style gothique de la chicane a presque entièrement disparu, et sans doute le Code
civil en secouera les derniers lambeaux.
En général, dans nos bataillons on parle français, et cette masse de républicains qui
en aura contracté l'usage le répandra dans ses foyers. Par l'effet de la révolution,
beaucoup de ci-devant citadins iront cultiver leurs terres. Il y aura plus d'aisance dans
les campagnes; on ouvrira des canaux et des routes; on prendra, pour la première fois,
des mesures efficaces pour améliorer les chemins vicinaux; les fêtes nationales, en
continuant à détruire les tripots, les jeux de hasard, qui ont désolé tant de familles,
donneront au peuple des plaisirs dignes de lui : l'action combinée de ces opérations
diverses doit tourner au profit de la langue française.
Quelques moyens moraux, et qui ne sont pas l'objet d'une loi, peuvent encore
accélérer la destruction des patois.
Le 14 janvier 1790, l'Assemblée constituante ordonna de traduire ses décrets en
dialectes vulgaires. Le tyran n'eut garde de faire une chose qu'il croyait utile à la liberté.
Au commencement de sa session, la Convention nationale s'occupa du même objet.
Cependant j'observerai que, si cette traduction est utile, il est un terme où cette mesure
doit cesser, car ce serait prolonger l'existence des dialectes que nous voulons proscrire,
et, s'il faut encore en faire usage, que ce soit pour exhorter le peuple à les abandonner.
Associez à vos travaux ce petit nombre d'écrivains qui rehaussent leurs talents par leur
républicanisme. Répandez avec profusion, dans les campagnes surtout, non de gros
livres (communément ils épouvantent le goût et la raison), mais une foule d'opuscules
patriotiques, qui contiendront des notions simples et lumineuses, que puisse saisir
l'homme à conception lente et dont les idées sont obtuses; qu'il y ait de ces opuscules
sur tous les objets relatifs à la politique et aux arts, dont j'ai déjà observé qu'il fallait
uniformer la nomenclature. C'est la partie la plus négligée de notre langue : car, malgré
les réclamations de Leibnitz, là ci-devant Académie française, a l'imitation de celle della
Crusca, ne jugea pas à propos d'embrasser cet objet dans la confection de son
dictionnaire, qui en a toujours fait désirer un autre.
Je voudrais des opuscules sur la météorologie, qui est d'une application immédiate à
l'agriculture. Elle est d'autant plus nécessaire, que jusqu'ici le campagnard, gouverné par
les sottises astrologiques, n'ose encore faucher son pré sans la permission de l'almanach.
J'en voudrais même sur la physique élémentaire. Ce moyen est propre à flétrir une foule
141
de préjugés; et, puisque inévitablement l'homme des campagnes se formera une idée sur
la configuration de la terre, pourquoi, dit quelqu'un, ne pas lui donner la véritable ?
Répétons-le : toutes les erreurs se donnent la main, comme toutes les vérités.
De bons journaux sont une mesure d'autant plus efficace, que chacun les lit; et l'on voit
avec intérêt les marchandes à la halle, les ouvriers dans les ateliers, se cotiser pour les
acheter, et de concert faire la tâche de celui qui lit.
Les journalistes (qui devraient donner plus à la partie morale) exercent une sorte de
magistrature d'opinion propre à seconder nos vues, en les reproduisant sous les yeux des
lecteurs : leur zèle à cet égard nous donnera la mesure de leur patriotisme.
Parmi les formes variées des ouvrages que nous proposons, celle du dialogue peut être
avantageusement employée. On sait combien elle a contribué au succès des Magasins
des enfants, des adolescents, etc.
Surtout qu'on n'oublie pas d'y mêler de l'historique. Les anecdotes sont le véhicule
du principe, et sans cela il s'échappera.
L'importance de cette observation sera sentie par tous ceux qui
connaissent le régime des campagnes.
Outre l'avantage de fixer les idées dans l'esprit d'un homme peu cultivé, par là, vous
mettez en jeu son amour-propre en lui donnant un moyen d'alimenter la conversation;
sinon quelque plat orateur s'en empare, pour répéter tous les contes puérils de la
bibliothèque bleue, des commères et du sabat, et l'on ose d'autant moins le contredire,
que c'est presque toujours un vieillard qui assure avoir ouï, vu et touché.
Le fruit des lectures utiles en donnera le goût, et bientôt seront vouées au mépris ces
brochures souillées de lubricité ou d'imprécations convulsives qui exaltent les passions
au lieu d'éclairer la raison; et même ces ouvrages prétendus moraux dont actuellement
on nous inonde, qui sont inspirés par l'amour du bien, mais à la rédaction desquels n'ont
présidé ni le goût, ni la philosophie.
Au risque d'essuyer des sarcasmes, dont il vaut mieux être l'objet que l'auteur, ne
craignons pas de dire que les chansons, les poésies lyriques importent également à la
propagation de la langue et du patriotisme : ce moyen est d'autant plus efficace, que la
construction symétrique des vers favorise la mémoire; elle y place le mot et la chose.
Il était bien pénétré de cette vérité‚ ce peuple harmonieux, pour ainsi dire, chez qui la
musique était un ressort entre les mains de la politique. Chrysippe ne crut pas se ravaler
en faisant des chansons pour les nourrices. Platon leur ordonne d'en enseigner aux
enfants. La Grèce en avait pour toutes les grandes époques de la vie et des saisons, pour
la naissance, les noces, les funérailles, la moisson, les vendanges; surtout elle en avait
pour célébrer la liberté. La chanson d'Harmodius et d'Aristogiton,
qu'Athénée nous a conservée, était chez eux ce qu'est parmi nous l'air des Marseillais; et
pourquoi le Comité d'instruction publique ne ferait-il pas, dans ce genre, un triage avoue
par le goût et le patriotisme ?
Des chansons historiques et instructives, qui ont la marche sentimentale de la
romance, ont pour les citoyens des campagnes un charme particulier. N'est-ce pas là
l'unique mérite de cette strophe mal agencée, qui fait fondre en larmes les nègres de l'île
de Saint-Vincent ? C'est une romance qui faisait pleurer les bons Morlaques, quoique le
voyageur Fortis, avec une âme sensible, n'en fût pas affecté. C'est là ce qui fit le succès
de Geneviève de Brabant, et qui assurera celui d'une pièce attendrissante de Berquin.
Avez-vous entendu les échos de la Suisse répéter, dans les montagnes, les airs dans
lesquels Lavater célèbre les fondateurs de la liberté helvétique? Voyez si l'enthousiasme
qu'inspirent ces chants républicains n'est pas bien supérieur aux tons langoureux des
barcaroles de Venise, lorsqu'ils répètent les octaves galantes du Tasse.
Substituons donc des couplets riants et décents à ces stances impures ou ridicules, dont
142
un vrai citoyen doit craindre de souiller sa bouche; que, sous le chaume et dans les
champs, les paisibles agriculteurs adoucissent leurs travaux en faisant retentir les
accents de la joie, de la vertu et du patriotisme. La carrière est ouverte aux talents;
espérons que les poètes nous feront oublier les torts des gens de lettres dans la
révolution.
Ceci conduit naturellement à parler des spectacles. La probité, la vertu, sont à
l'ordre du jour, et cet ordre du jour doit être éternel. Le théâtre ne s'en doute pas,
puisqu'on y voit encore, dit-on, tour à tour préconiser les mœurs et les insulter : il y a
peu qu'on a donné le Cocher supposé, par Hauteroche. Poursuivons l'immoralité sur la
scène, de plus, chassons-en le jargon, par lequel on établit encore entre les citoyens
égaux une sorte de démarcation. Sous un despote, Dufresny, Dancourt, etc., pouvaient
impunément amener sur le théâtre des acteurs qui en parlant un demi patois, excitaient
le rire ou la pitié : toutes les convenances doivent actuellement proscrire ce ton.
Vainement m'objecterez-vous que Plaute introduit dans ses pièces des hommes qui
articulaient le latin barbare des campagnes d'Ausonie; que les Italiens, et récemment
encore Goldoni, produisent sur la scène leur marchand vénitien, et le patois
bergamasque de Brighella, etc.
Ce qu'on nous cite pour un exemple à imiter n'est q'un abus à réformer.
Je voudrais que toutes les municipalités admissent, dans leurs discussions l'usage
exclusif de la langue nationale; je voudrais qu'une police sage fît rectifier cette foule
d'enseignes qui outragent la grammaire et fournissent aux étrangers l'occasion d'aiguiser
l'épigramme; je voudrais qu'un plan systématique répudiât les dénominations absurdes
des places, rues, quais et autres lieux publics. J'ai présenté‚ des vues à cet égard.
Quelques sociétés populaires du Midi discutent en provençal: la nécessité
d'universaliser notre idiome leur fournit une nouvelle occasion de bien mériter de la
patrie. Eh! pourquoi la Convention nationale ne ferait-elle pas aux citoyens l'invitation
civique de renoncer à ces dialectes et de s'énoncer constamment en français?
La plupart des législateurs anciens et modernes ont eu le tort de ne considérer le
mariage que sous le point de vue de la reproduction de l'espèce. Après avoir fait la
première faute de confondre la nubilité avec la puberté, qui ne sont des époques
identiques que chez l'homme de la nature, oublierons-nous que, lorsque les individus
veulent s'épouser, ils doivent garantir à la patrie qu'ils ont les qualités morales pour
remplir tous les devoirs de citoyens, tous les devoirs de la paternité? Dans certains
cantons de la Suisse, celui qui veut se marier doit préalablement justifier qu'il a son
habit militaire, son fusil et son sabre. En consacrant chez nous cet usage, pourquoi les
futurs époux ne seraient-ils pas soumis à prouver qu'ils savent lire, écrire et parler la
langue nationale ? Je conçois qu'il est facile de ridiculiser ces vues : il est moins facile
de démontrer qu'elles sont déraisonnables. Pour jouir du droit de cité, les Romains
n'étaient-ils pas obligés de faire preuve qu'ils savaient lire et nager ?
Encourageons tout ce qui peut être avantageux à la patrie ; que dès ce moment
l'idiome de la liberté soit à l'ordre du jour, et que le zèle des citoyens proscrive à jamais
les jargons, qui sont les derniers vestiges de la féodalité détruite. Celui qui, connaissant
à demi notre langue, ne la parlait que quand il était ivre ou en colère, sentira qu'on peut
en concilier l'habitude avec celle de la sobriété et de 1a douceur. Quelques locutions
bâtardes, quelques idiotismes, prolongeront encore leur existence dans le canton où ils
étaient connus. Malgré les efforts de Desgrouais, les Gasconismes corrigés sont encore à
corriger. Les citoyens de Saintes iront encore voir leur borderie; ceux de Blois;
leur closerie, et ceux de Paris, leur métairie. Vers Bordeaux, on défrichera des landes ;
vers Nimes, des garrigues.Mais enfin les vraies dénominations prévaudront même parmi
les ci-devant Basques et Bretons, à qui le gouvernement aura prodigué ses moyens, et,
143
sans pouvoir assigner l'époque fixe à laquelle ces idiomes auront entièrement disparu,
on peut augurer qu'elle est prochaine.
Les accents feront une plus longue résistance, et probablement les peuples voisins
des Pyrénées changeront encore, pendant quelque temps, les e muets en é fermés, le b
en v, les f en h. A la Convention nationale, on retrouve les inflexions et les accents de
toute la France. Les finales traînantes des uns, les consonnes gutturales ou nasales des
autres, ou même des nuances presque imperceptibles, décèlent presque toujours le
département de celui qui parle.
L'organisation, nous dit-on, y contribue. Quelques peuples ont une inflexibilité
d'organe qui se refuse à l'articulation de certaines lettres; tels sont les Chinois, qui ne
peuvent prononcer la dentale r; les Hurons qui, au rapport de La Hontan, n'ont pas de
labiale, etc. Cependant si la prononciation est communément plus douce dans les
plaines, plus fortement accentuée dans les montagnes ; si la langue est plus paresseuse
dans le Nord et plus souple dans le Midi; si, généralement parlant, les Vitriats et les
Marseillais grasseyent, quoique situés à des latitudes un peu différentes‚rentes, c'est
plutôt à l'habitude qu'à la nature qu'il faut en demander la raison; ainsi n'exagérons pas
l'influence du climat. Telle langue est articulée de la même manière dans des contrées
très-distantes, tandis que dans le même pays la même langue est diversement prononcée.
L'accent n'est donc pas plus irréformable que les mots. Je finirai ce discours en
présentant l'esquisse d'un projet vaste et dont l'exécution est digne de vous : c'est celui
de révolutionner notre langue. J'explique ma pensée : Les mots étant les liens de la
société et les dépositaires de toutes nos connaissances, il s'ensuit que l'imperfection des
langues est une grande source d'erreurs. Condillac voulait qu'on ne pût faire un
raisonnement faux sans faire un solécisme, et réciproquement : c'est peut-être exiger
trop. Il serait impossible de ramener une langue au plan de la nature et de l'affranchir
entièrement des caprices de l'usage. Le sort de toutes les langues est d'éprouver des
modifications; il n'est pas jusqu'aux lingères qui n'aient influé sur la nôtre, et supprimé
l'aspiration de l'h dans les toiles d'Hollande. Quand un peuple s'instruit, nécessairement
sa langue s'enrichit, parce que l'augmentation des connaissances établit des alliances
nouvelles entre les paroles et les pensées et nécessite des termes nouveaux. Vouloir
condamner une langue à l'invariabilité sous ce rapport, ce serait condamner le génie
national à devenir stationnaire; et si, comme on l'a remarqué depuis Homère jusqu'à
Plutarque, c'est-à-dire pendant mille ans, la langue grecque n a pas changé, c'est que le
peuple qui la parlait a fait très-peu de progrès durant ce laps de siècles.
Mais ne pourrait-on pas au moins donner un caractère plus prononcé, une consistance
plus décidée à notre syntaxe, à notre prosodie; faire à notre idiome les améliorations
dont il est susceptible, et, sans en altérer le fonds, l'enrichir, le simplifier, en faciliter
l'étude aux nationaux et aux autres peuples. Perfectionner une langue, dit Michaelis,
c'est augmenter le fonds de sagesse d'une nation. Sylvius, Duclos et quelques autres, ont
fait d'inutiles effortas pour assujettir la langue écrite à la langue parlée; et ceux qui
proposent encore aujourd'hui d'écrire comme on prononce seraient bien embarrassés
d'expliquer leur pensée, d'en faire l'application, puisque les rapports de l'écriture à la
parole étant purement conventionnels, la connaissance de l'une ne donnera jamais celle
de l'autre; toutefois il est possible d'opérer sur l'orthographe des rectifications utiles.
Quiconque a lu Vaugelas, Bouhours, Ménage, Hardouin, Olivet et quelques autres, a pu
se convaincre que notre est remplie d'équivoques et d'incertitudes. Il serait également
utile et facile de les fixer.
La richesse d'un idiome n'est pas d'avoir des synonymes ; s'il y en avait dans notre
langue, ce serait sans doute monarchie et crime, ce seraient république et vertu.
Qu'importe que l'Arabe ait trois cents mots pour exprimer toutes les pensées, tous les
144
sentiments et leurs nuances. Jamais sans doute le nombre des expressions n'atteindra
celui des affections et des idées : c'est un malheur inévitable auquel sont condamnés
toutes les langues, cependant on peut atténuer cette privation.
La plupart des idiomes, même ceux du Nord, y compris le russe qui est fils de
l'esclavon, ont beaucoup d'imitatifs, d'augmentatifs, de diminutifs et de péjoratifs. Notre
langue est une des plus indigentes à cet égard ; son génie paraît y répugner : cependant
sans encourir le ridicule qu'on répandit avec raison sur le boursouflage scientifique de
Bais, Ronsar et Jodelet, on peut se promettre quelques heureuses acquisitions ; déjà
Pougens a fait une ample moisson de privatifs, dont la majeure partie sera probablement
admise.
Dans le dictionnaire de Nicod, imprimé en 1606, sous le Z il n'y avait que six mots ;
dans celui de la ci-devant académie française, édition de 1718, il y en avait douze ; sous
la syllabe Be, Nicod n'avait que 45 termes ; celui de l'académie, même édition, en avait
217, preuve évidente que dans cet intervalle l'esprit humain a fait des progrès, puisque
ce sont des inventions nouvelles qui déterminent la création des mots ; et cependant
Barbasan, la Ravalière et tous ceux qui ont suivi les révolutions de la langue française,
déplorent la perte de beaucoup d'expressions énergiques et d'inversions hardies exilées
par le caprice, qui n'ont pas été remplacées et qu'il serait important de faire revivre.
Pour compléter nos familles de mots, il est encore d'autres moyens : le premier serait
d'emprunter des idiomes étrangers les termes qui nous manquent et de les adapter au
nôtre, sans toutefois se livrer aux excès d'un néologisme ridicule. Les Anglais ont usé de
la plus grande liberté à cet égard, et de tous les mots qu'ils ont adoptés, il n'en est pas
sans doute de mieux naturalisé chez eux que celui de perfidiousness.
Le second moyen, c'est de faire disparaître toutes les anomalies résultantes soit des
verbes réguliers et défectifs, soit des exceptions aux règles générales. A l'institution des
sourds-muets, les enfants qui apprennent la langue française ne peuvent concevoir cette
bizarrerie, qui contredit la marche de la nature dont ils sont les élèves; et c'est sous sa
dictée qu'ils donnent à chaque mot décliné, conjugué ou construit, toutes les
modifications qui, suivant l'analogie des choses, doivent en dériver.
« Il y a dans notre langue, disait un royaliste, une hiérarchie de style, parce que les
mots sont classés comme les sujets dans une monarchie. » Cet aveu est un trait de
lumière pour quiconque réfléchit. En appliquant l'inégalité des styles à celle des
conditions, on peut tirer des conséquences qui prouvent l'importance de mon projet dans
une démocratie.
Celui qui n'aurait pas senti cette vérité, serait-il digne d'être législateur d'un peuple
libre? Oui, la gloire de la nation et le maintien de ses principes commandent une
réforme.
On disait de Quinault qu'il avait désossé notre langue par tout ce que la galanterie a
de plus efféminé et tout ce que l'adulation a de plus abject. J'ai déjà fait observer que la
langue française avait la timidité de l'esclavage quand la corruption des courtisans lui
imposait des lois: c'était le jargon des coteries et des passions les plus viles.
L'exagération du discours plaçait toujours au delà ou en deçà la vérité. Au lieu d'être
peinés ou réjouis, on ne voyait que des gens désespérés ou enchantés; bientôt il ne serait
plus resté rien de laid ni de beau dans la nature : on n'aurait trouvé que de l'exécrable ou
du divin.
Il est temps que le style mensonger, que les formules serviles disparaissent, et que
la langue ait partout ce caractère de véracité et de fierté laconique qui est l'apanage des
républicains. Un tyran de Rome voulut autrefois introduire un mot nouveau; il échoua,
parce que la législation des langues fut toujours démocratique. C'est précisément cette
vérité qui vous garantit le succès. Prouvez à l'univers qu'au milieu des orages politiques,
145
tenant d'une main sûre le gouvernail de l'Etat, rien de ce qui intéresse la gloire de la
nation ne vous est étranger. Si la Convention nationale accueille les vues que je lui
soumets au nom du Comité d'instruction publique, encouragés par son suffrage, nous
ferons une invitation aux citoyens qui ont approfondi la théorie des langues pour
concourir à perfectionner la nôtre et une invitation à tous les citoyens pour universaliser
son usage. La nation entièrement rajeunie par vos soins, triomphera de tous les obstacles
et rien ne ralentira le cours d'une révolution qui doit améliorer le sort de l'espèce
humaine.
Décret
La Convention nationale, après avoir entendu le rapport de son comité d’instruction
publique, décrète :
Le comité d’Instruction publique présentera un rapport sur les moyens d’exécution
pour une nouvelle grammaire et un vocabulaire nouveau de la langue française. Il
présentera des vues sur les changements qui en faciliteront l’étude et lui donneront le
caractère qui convient à la langue de la liberté.
La Convention décrète que le rapport sera envoyé aux autorités constituées, aux
sociétés populaires et à toutes les communes de la République.
146
Anexo 4:
Um exemplo de documentação nos aparelhos revolucionários, segundo Certeau,
Julia e Revel (1974),:
Documento enviado à Paris:
Canton de Ballan
Liberté Egalité
Municipalité
De Joué
A Joué le 2 thermidor l’an 2 de la
République une et indivisible
Le Comitê de Surveillance de la Comune122 de Joué aus citoyens administrateurs du
district révolucionnaire de Tours
Citoyens
Nous vous faisons part qu’en conséquence d’un ordre du représentant du peuple
Ichay qui est à Tours notre municipalité a été organisée révolutionnairement le décadi
30 messidor dernier, et qu’il a été pris dans notre comité trois de nos membres des plus
instruits, qui sont Boussé, Beaulieu et Trougnion. Lesquels membres ont été només et
instalés dans notre nouvèle municipalité. A ce moyen nous ne somes plus nombre
compétant, n’étant plus que neuf membres au lieu de douze que nous devons être. Nous
vous engageons de nous faire nomer en peu trois membres, instruments, tant pour
compléter notre comité que pour nous mettre dans le cas de ne pas faire de fautes, qui
sont toujours dangereuses pour la chose publique. Et pour les membres nous vous
engageons à avoir égard à notre demande, et d’y faire droit sous peu.
Salut et fraternité.
Ladite lètre signée Rouleau président et Petibon-Paty.
122
Os termos sublinhados encontram-se como os reproduzidos na obra em questão.
147
Anexo 5 :
Mapa lingüístico da França com a presença das variantes regionais. Datado do
século XX, podemos perceber que a campanha de eliminação das mesmas não fora
realmente vitoriosa. A resistência de seus falantes permitiu suas continuidades.
Fonte: http://www.language-museum.com/
148
9 - Bibliografia:
ANDERSON, Benedict. Imagined Communities: Reflections on Origin and Spread of
Nationalism, Londres, 1983
ARENDT, Hannah. A dignidade da política, tradução de Frida Coelho, Helena Martins
Antonio Abranches, César Almeida, Cláudia Drucker e Fernando Rodrigues, Relume
Dumará, São Paulo, 2002.
BALIBAR & LAPORTE, Renée & Dominique, Le Français National, politique et pratique de la langue nationale sous la Révolution, Hachette Litérature, Paris, 1974.
BELASAYAG, Miguel. Le mythe de l’individu, Éditions La Découverte, Paris, 2004.
BERENBLUM, Andréa. A invenção da palavra oficial, identidade, língua nacional e
escola em tempos e globalização, Editora Autêntica, Belo Horizonte, 2001.
BLANCHE-BENVENISTE, Claire Blanche. Approches de la langue parlée en français.
Paris: Ophrys, 1997.
BEZBAKH, Pierre. Petit Larousse de l`histoire de France. Des origines à nos jours,
Larousse/Vuef, Paris, março de 2003.
BOYER, Henri. Introduction à la Sociolinguistique, Dunod, Paris, 2001.
BURKE & PORTER, Peter e Roy. História Social da Linguagem. São Paulo, Editora
UNESP, 1997.
CALVET, Jean-Louis. La guerre des langues et les politiques linguistiques.
Deuxième édition. Paris: Hachette Littératures, segunda edição, 1999.
________, Jean-Louis. Essais de Linguistique - La Langue est-elle une invention des
linguistes ?, Plon, Paris, 2004.
________, Jean-Louis. L’histoire de l’écriture, Plon, Paris, 1996.
________, Jean-Louis. Sociolinguistique, Plon, Paris, 1995.
CAVALLI-SFORZA, Luca. Gènes, Peuples et Langues, Editions Odile Jacob,
CERTEAU, JULIA & REVEL, Michel de, Dominique & Jacques. Une Politique de la
Langue – La Révolution Française et les patois, NRF, Éditions Gallimard, Paris, 1975.
CHARTIER, Roger. Les origines culturelles de la Révolution française, Paris, Le Seuil,
1990.
CUNHA, Antônio Geraldo. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, Nova
Fronteira, 14ª impressão, Rio de Janeiro, 2001.
149
DUBOIS, Jean. Dictionnaire de Linguistique, Larousse, Paris, 2001.
DUCROT & TODOROV, Oswald e Tzvetan. Dicionário das ciências da linguagem,
edição portuguesa orientada por Eduardo Prado Coelho, Publicações Dom Quixote
.
2ª edição, Lisboa, 1974.
DUPIN, E. L`hystérie identitaire. Paris : Le cherche midi.
ECO, Humberto. A busca da língua perfeita. Bauru: Edusc, 2001.
EGGER, Emile. De l'histoire et du bon usage de la langue française, Paris, Librairie
de L. Hachette et Cie, 1868.
ELIAS, Norbert. A sociedade de corte, tradução: Pedro Süsseking, Jorge Zahar Editor,
Rio de Janeiro, 2001.
Fabrício, B. F. & Moita Lopes, Discursos e vertigens: identidades em xeque em
narrativas contemporâneas, In: Ver. Est. Ling. Juiz de Fora., V.6, n.2, 2002.
FOUCAULT, Michel. Les mots et les choses, Éditions Gallimard, Paris, 1975.
___________, Michel. Surveiller et punir, Éditions Gallimard, Paris, 1975.
GAZIER, Albert Lettres à Grégoire sur les patois de France : 1790-1794 : documents
inédits sur la langue, les moeurs et l'état dans les diverses régions de la France au
début de la Révolution, Paris, 1880.
GAXOTTE, Pierre. La Révolution Française, Arthème Fayard, Paris, 1972.
GELLNER, Ernest. Nations et Nationalisme, Éditions Payot para edição em
língua francesa, Paris, 1989.
GUISAN, Pierre. Escrever, ler, falar : entre ilusões e solilóquios. Dos suportes às
implicações. Rio de Janeiro, 2005.
HOUDEBINE-GRAVAUD, Anne-Marie (organisadora da obra). L’Imaginaire
Linguistique, L’Harmattan, Paris, 2002.
HERMET, Guy. Histoire des nations et du nationalisme en Europe, Seuil, PARIS, 1996.
HOBSBAWN, Eric. Ecos de Marselhesa, Dois séculos revêem a Revolução Francesa,
Cia das Letras, S.P., 1996.
___________, Eric. A Revolução Francesa. Coleção Leitura, 4ª edição, editora Paz e
Terra, São Paulo, 2006.
HOBSBAWN, Guy. Nations et nationalisme depuis 1780, Programme, mythe, réalité
Gallimard, 1992.
150
KOCH, Ingedore. Argumentação e linguagem, 9a edição, Cortez Ediora, 1980.
LABOV, Willian. Sociolinguistic Patterns, Philadelphia, University of Pennsylvania
Press, 1972.
LAGARD, André & MICHARD, Laurent. Collection Littéraire –XVI, XVII et XVIII
siècles, Bordas, Paris, 1970.
LODGE, R. Anthony. Le français - Histoire d’un dialecte devenu langue, traduit de
l’anglais par Cyril Veken, Fayard, Paris, 1993.
MARTINET, André. (sous la direction de cet auteur) Le langage, Encyclopédie de la
Pléiade, Gallimard, NRF, Paris, 1968.
MAURAIS, Jacques. Politique et Aménagement Lingustiques, coletânea de textos
organizados por Jacques Maurais, Collection L’ordre des mots, Le Robert, Paris, .
1987.
MESCHONNIC, Henri. De La Langue Française - Essai sur une clarté obscure.
Pluriel, Hachette Littératures, Paris, 1987.
MICHELET, Les Images de la France. Éditions Olivier Orban, Paris, 1987.
MOLIÈRE, Jean-Baptiste Poquelin. le Borgeois gentilhomme, Librio, Paris 2003.
OLENDER, Les langues du paradis, Seuil, Paris, 2002.
OLSON, R. David. The World on Paper: The Conceptual and Cognitive Implications of
Writing and Reading. Paperback: 1996.
PICOCHE & MARCHELLO-NIZIA, Jacqueline et Christiane. Histoire de la
Langue Française. Nathan Université, Paris, 1994.
RENÉE, Balibar & LAPORTE, Dominique. Le français national – politique et
Pratique de la langue nationale sous la Révolution, Paris, Librairie Hachette, 1974.
RONAI, Paulo. Babel & Antibabel, série debates, Editora Perspectiva, 1970, São
Paulo.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Essai sur l’origine des langues, Édition Critique, A. G.
Nizet - Paris, 1999.
SAINT-ROBERT, Marie-Josée de. La politique de la langue française. PUF, Paris, 2000.
SAUSSURE, Curso de Lingüística Geral, Organizado por Charles Bally e Albert
Sechehaye, 5ª edição, Editora Coltrix, São Paulo, 1972.
TARALLO, Fernando. A Pesquisa Sócio-Lingüística, Série Princípios, Editora Ática,
São Paulo, 1986.
151
THIESSE, Anne-Marie. La création des identités nationales, Éditions du Seuil, 1999.
TRABANT, Jürgen. Et le génie des langues ?, Presses Universitaires de Vincennes,
Saint-Denis, 2000.
VERMES & BOUTET, G. et J. France, pays multilangue. Pratiques des langues en
France. Tomes 1 et 2. Logiques Sociales L`Harmattan, Paris, 1987.
VOLTAIRE, Correspondance, tomos 1, dezembro de 1704 - dezembro de 1738, e
tomo 2 janeiro de 1739 - dezembro de 1748, Edições da Pléiade,
WAQUET, Françoise. Parler comme un livre : L'Oralité et le Savoir (XVIe-XXe siècle),
Albin Michel, Paris, 2003.

Pesquisa em fontes virtuais, como fontes primárias:
http://www.abbe-gregoire.com/site_public_ab/programmes/accueil.php
http://www.academie-francaise.fr/role/defense.html
http://www.artezia.net/litterature/histoire_livre/histoire_livre.htm
http://www.assembleenationale.fr
http://www.comedie-francaise.fr
http://www.conseil-constitutionnel.fr
http://www.etudes-litteraires.com/langue-francaise.
http://www.language-museum.com/
http://www.languefrancaise.net.
http://www.legifrance.gouv.fr
http://www.54300luneville.com/abbegregoire.htm
http://www.persee.fr/showPage.do;jsessionid
http://www.textesrares.com/biblio.htm
http://www.tlfq.ulaval.ca/axl/francophonie
Download

por Cristiane Maria de Souza - Faculdade de Letras