Assédio moral na gestão pública Maria da Graça Corrêa Jacques Introdução Apresentação. Envolvimento com o tema. Especificidades da gestão pública. Um ponto de partida e de chegada. Construção Chico Buarque “(...) dançou e gargalhou como se ouvisse música E tropeçou no céu como se fosse um bêbado E flutuou no ar como se fosse um pássaro E se acabou no chão como um pacote flácido Agonizou no meio do passeio público Morreu na contramão atrapalhando o tráfego Morreu na contramão atrapalhando o sábado”. O que é assédio moral no trabalho “(...) qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho”. Hirigoyen “A deliberada degradação das condições de trabalho através do estabelecimento de comunicações não éticas (abusivas) que se caracterizam pela repetição por longo tempo de duração de um comportamento hostil que um superior ou colega(s) desenvolve(m) contra um indivíduo que apresenta como reação, um quadro de miséria física, psicológica e social duradoura”. Leymann “Assediar significa uma operação ou conjunto de sinais que estabelece um cerco com a finalidade de exercer domínio” Barreto Fonte:Ruwer & Canoas, 2010, p. 285. Implicações... Assédio remete à área psicológica. Moral remete à perspectiva de bem ou de mal, correto ou incorreto. Importância do combate ao assédio moral no trabalho Positividade do trabalho Promotor de saúde. Valor cultural e simbólico. Mediador de integração e inserção social. Fundamental no âmbito afetivo e relacional. Permite a expressão das habilidades psíquicas. Eixo central da identidade psicológica. Constitutivo nos modos de ser e de viver. Registros conceituais diferenciais VIOLÊNCIA implica constranger, violar, oprimir,ferir, impor, interesses, vontades, ações... ESTRESSE: “estado manifesto por uma síndrome específica, constituída por todas as alterações inespecíficas produzidas em um sistema biológico” (Selye). SOFRIMENTO: “vivência subjetiva intermediária entre a doença mental descompessada e o conforto ou bem-estar psíquico”. Contexto Cenário da pós-modernidade (Bauman) Mobilidade da vida contemporânea. Resignificação das noções de tempo e espaço. Exacerbação do consumo. Frágeis laços sociais. Liquidez da existência. O mundo do trabalho Desemprego, subemprego, empregos super qualificados. Jornadas extensivas de trabalho através do contato permanente. Exigências técnicas, de qualificação e de disponibilidade permanente. Competitividade entre os pares e “banalização” de modelos perversos de gestão. Avaliações fundamentadas na meritocracia. A gestão pública Lutas de poder sedimentadas em práticas de saber/poder (Foucault) Jogos políticos partidários e descontinuidade de gestão. Discurso neo-liberal em relação ao papel do Estado. Regras técnico-burocráticas nas políticas e práticas de gestão X modelo de valorização da gestão privada. Características de conduta do assédio moral na gestão pública Conduta abusiva deliberada e não simplesmente uma decorrência do trabalho. O ato abusivo é reiteradamente cometido; ato isolado, mesmo doloso, não é assédio moral. Há dano à integridade psíquica (e, comumente e por decorrência, física) da pessoa vitimada. A subordinação jurídica da situação do servidor público proporciona ao agente a convicção de impunidade. Consequências Isolamento social, vergonha, medo, desvalorização, insegurança, repetição da violência em outros espaços sociais, quebra dos laços afetivos. Choro frequente, insônia, ideação suicida. Transtornos psíquicos como angústia, depressão, síndrome do pânico, burn-out. Transtornos psíquicos e do comportamento ocupam a 3ª posição como causa para afastamento do trabalho. Relato de caso (adaptado de Barreto & Heloani, 2010, para fins didáticos) Funcionário de 45 anos, há 15 no serviço público em área técnica. Sua atividade exige alto nível de competência e criatividade. Cumpridor do horário, atendia a todas as solicitações e sentia orgulho de ser servidor público. Candidatou-se e foi eleito dirigente do sindicato dos funcionários públicos daquela instância de governo. Foi informado que funcionários não concursados estavam recebendo salários mais altos para exercerem a mesma função de servidores concursados. Programou uma série de manifestações sobre os fatos, inclusive através da imprensa local. Após este episódio notou mudanças na relação com seus superiores hierárquicos. Foi transferido de setor, indo realizar uma função de complexidade inferior à que realizava. Passou a ser chamado de “mau elemento”, “macaco”, “mau caráter”. Recebia ordens contraditórias, sendo muitas vezes interrompido em suas tarefas e desviado para outras funções. Foi isolado do grupo e colocado em um canto. Seu chefe imediato passou a cumprimentá-lo raramente. Era vigiado, mesmo quando ia ao banheiro. Cansado, solicitou explicações ao seu chefe. A reação foi seu deslocamento para outras tarefas estranhas a sua formação. Era desautorizado em frente aos colegas e frequentemente recebia ordens através de terceiros. Foi proibido de fazer ligações para sua residência, mesmo com problemas familiares. Aos poucos, começou a sentir que “não tinha clima para trabalhar”. Convivia com rumores de que aproveitava o cargo de diretor sindical para obter regalias. Os comentários e atitudes do chefe contagiaram o coletivo, pois seus colegas eram ameaçados quando conversavam com o servidor. As conversas eram só no espaço do sindicato. Ainda, era ridicularizado por ser gordo e por suas convicções religiosas. Passou a não sentir prazer no trabalho, temia encontrar de manhã cedo seu chefe, e as segundas-feiras eram os dias de maior ansiedade. Engordou 12 kg. No período. Quando ia ao médico e retornava com atestado das horas afastadas, ouvia que seus problemas eram porque era “maloqueiro”, “boêmio” e “cachaceiro”. Alguns meses depois, antes de começar a trabalhar, foi surpreendido pelo diretor geral que o acusou de obstaculizar a gestão. Naquele momento, sentiu fortes dores na cabeça e na região cervical e dormência nos membros. Foi levado ao Pronto Socorro e ficou de licença por 15 dias. Ao retornar, foi novamente surpreendido pelo diretor geral com acusações de fingimento. Diante das ofensas, sentiuse mal e solicitou uma ambulância para se dirigir ao pronto-socorro. Como foi negado o pedido, foi a um telefone público e solicitou o serviço. No prontosocorro foi diagnosticada “crise emocional”. Dias depois foi afastado do trabalho, pois sua condição de saúde estava piorando. Foi afastado por hipertensão arterial sistêmica. Sempre se questiona o porquê de estar passando por tudo isso”. “E se acabou no chão como um pacote flácido Agonizou no meio do passeio público Morreu na contramão atrapalhando o tráfego Morreu na contramão atrapalhando o sábado”.