Gabinete
Gabinete do Conselheiro Antônio Carlos Andrada
Fls. _____
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TCEMG
PROCESSO: 703604
NATUREZA: Processo Administrativo
ÓRGÃO: Prefeitura Municipal de Diogo de Vasconcelos
PERÍODO: janeiro de 2003 a março de 2004
INTERESSADOS: Aroldo Fernandes Costa (Prefeito Municipal e ordenador de
despesas, à época) e Enderson Marcos da Silva (Agente Fiscal e ordenador de
despesas, à época)
PROCURADORA: Juliana Campos Horta de Andrade
Trata-se de processo administrativo originado a partir da conversão do relatório de
inspeção realizada junto à Prefeitura Municipal de Diogo de Vasconcelos, objetivando
examinar a regularidade dos atos e despesas relativas ao período de janeiro de 2003 a
março de 2004.
Embora regularmente citados, os interessados não apresentaram defesa, conforme
certidão acostada à fl. 1459 dos autos.
A Auditoria e o Ministério Público junto a este Tribunal manifestaram-se em fls.
1461/1462 e 1463, respectivamente.
Quando da sessão da Primeira Câmara do dia 19/05/09, o Auditor Licurgo Mourão, em
sua Proposta de Voto, suscitou, em sede de preliminar, a questão da possibilidade de
responsabilização do agente delegante quanto aos atos praticados pelo delegado, tendo
em vista que no presente caso as despesas foram ordenadas pelo servidor Enderson
Marcos da Silva, ocupante do cargo de agente fiscal, consoante ato de delegação
contido no Decreto nº 1, de 02/01/2001, reproduzido à fl. 52.
Em seu entendimento, a responsabilidade pela prática dos atos irregulares deve recair
não apenas sobre o agente delegado, mas também sobre o agente delegante, sob o
argumento de que ao se transferir a outrem a prática de determinado ato privativo, não
há que se falar em transferência da competência, e tampouco da responsabilidade.
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A Conselheira Adriene Andrade manifestou-se de acordo com o entendimento do
Auditor Licurgo Mourão.
Naquela ocasião, solicitei vista dos autos para refletir mais detidamente sobre a
matéria. No entanto, pude verificar que o momento era inoportuno, visto que o
Conselheiro Gilberto Diniz ainda não havia proferido o seu voto.
Sendo assim, devolvo os autos ao relator para que seja colhido o voto do Conselheiro
Gilberto Diniz.
À CAAP.
Incluir em Pauta.
Tribunal de Contas, em 25.06.2009
Conselheiro Antônio Carlos Andrada
LMA
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PROCESSO: 703604
NATUREZA: Processo Administrativo
ÓRGÃO: Prefeitura Municipal de Diogo de Vasconcelos
PERÍODO: janeiro de 2003 a março de 2004
INTERESSADOS: Aroldo Fernandes Costa (Prefeito Municipal e ordenador de
despesas, à época) e Enderson Marcos da Silva (Agente Fiscal e ordenador de
despesas, à época)
PROCURADORA: Juliana Campos Horta de Andrade
FUNDAMENTAÇÃO
Embora a questão em apreço se restrinja apenas à análise da possibilidade de
responsabilização do agente delegante quanto aos atos praticados pelo delegado, é
imprescindível uma digressão teórica sobre o assunto, eis que se trata de um tema
recorrente, nesta e em outras Cortes de Contas.
A matéria em estudo está disciplinada no Decreto-Lei Federal n° 200/67 (Estatuto da
Reforma Administrativa Federal), na Lei Federal n° 101/2000 (Lei de
Responsabilidade Fiscal), na Lei Federal nº 4.320/64 (Normas Gerais de Direito
Financeiro), na Lei Federal n° 9.784/99 (Lei do Processo Administrativo Federal) e, no
âmbito estadual, na Lei n° 14.184/02 (Lei do Processo Administrativo Estadual).
Primeiramente, cumpre esclarecer que no caso dos autos afigura-se clara a hipótese de
possibilidade de delegação de competência, senão vejamos.
A delegação de competência, que é considerada princípio autônomo pelo Decreto Lei
nº 200/67, possibilita que autoridades da Administração transfiram aos seus
subordinados, mediante ato específico, atribuições que lhes são próprias, visando com
isso assegurar maior rapidez, objetividade e eficiência às decisões.
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Poderá ser objeto de delegação a competência para a prática de atos e decisões
administrativas. Entretanto, não serão delegados o exercício de atos de natureza
política, como a proposta orçamentária, a sanção e o veto, ou o poder de tributar. Mais
especificamente, a Lei n° 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da
Administração Pública Federal, bem como a Lei nº 14.184/02, que regula o processo
administrativo no âmbito da Administração Pública Estadual dispõem ainda que não
podem ser objeto de delegação a edição de atos de caráter normativo, decisões de
recursos administrativos e as matérias de competência exclusiva do órgão ou
autoridade.
Quanto à função de ordenar despesas, é cediço nesta Corte de Contas que não há óbice
à sua delegação.
No presente caso, o então Prefeito Municipal de Diogo de Vasconcelos, por meio do
Decreto nº 1, de 02/01/2001, reproduzido à fl. 52, delegou ao servidor Enderson
Marcos da Silva a competência para ordenar despesas.
Segundo a tradicional obra de José Teixeira Machado Júnior e Heraldo da Costa Reis,
o empenho de despesa
“deve emanar de autoridade competente: o Chefe do Executivo, em
princípio, e, por delegação de competência, o Diretor ou Secretário
de Fazenda, os Diretores dos demais Departamentos, ou outro
funcionário devidamente credenciado. Em suma, estes são os
1
ordenadores da despesa”.
Referido tema foi tratado na Consulta (TC) 724177, examinada em Sessão do Pleno
deste Tribunal em data de 22/08/2007, oportunidade em que se firmou o entendimento
de que “é possível a delegação de competência do ato de ordenação de despesa,
mediante norma legal expressa autorizadora”.
Passando-se à apreciação da questão específica, que abarca a possibilidade de
responsabilização do agente delegante pelos atos praticados pelo agente delegado,
observa-se que o douto Auditor Licurgo Mourão, em sua Proposta de Voto, citou a
Consulta (TC) acima mencionada, a qual lhe serviu de base para firmar o seu
posicionamento de que “o delegante, ao transferir a servidor a prática de ato que lhe é
privativo, não decai de sua competência e da sua responsabilidade, ou seja, a
responsabilidade permanece, ainda que tenha sido delegada a prática do ato”.
Em análise ao conteúdo da citada Consulta, verifica-se que seu tema principal,
contrário sensu, refere-se à possibilidade da delegação de competência para ordenar
despesas. No entanto, no que tange à responsabilização do agente delegante quanto aos
1
MACHADO JR., J. Teixeira; REIS, Heraldo da Costa. A Lei 4320 Comentada, 28. Ed. Rio de Janeiro: IBAM,
1998, p. 116 - grifei e destaquei.
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atos irregularmente praticados pelo delegado, a questão foi tratada de forma genérica,
fixando-se o entendimento de que “a delegação não transfere responsabilidade(...)a
responsabilidade permanece, ainda que tenha sido delegada a prática do ato.”
Sem discordar do posicionamento conferido na referida Consulta, mas exercendo
sobre ela uma atividade hermenêutica que deve permear toda a classificação de
normas, entendo que primeiramente deverá ser analisada a situação concreta, para só
então imputar a responsabilidade ao agente delegante, se for o caso.
Acerca do assunto, em que pese haver divergências, excelente apreciação foi feita pelo
Tribunal de Contas da União, tendo como relator o Ministro Marcos Villaça, no
acórdão 66/1998 proferido em Plenário.
Segundo o entendimento esposado no citado acórdão, se o delegado é quem pratica o
ato, em princípio não compete ao delegante responder por erros ou ilegalidades por
aquele cometidos.
Na delegação de competência, o delegado atua no exercício da competência recebida,
e não em nome do delegante. O que existe é um ato administrativo, que pode estar
consubstanciado em portaria, decreto ou outro veículo, e não deve ser confundido com
mandato.2
Nesse sentido, valendo-me do relatório do acórdão em epígrafe, extraio o
posicionamento doutrinário de Firmino Ferreira, em sua obra “Delegação de
Competência”, segundo o qual “a delegação de competência para a prática de atos
administrativos de qualquer natureza exclui, da autoridade delegante, a autoria da
prática de tais atos”. 3
Seguindo essa mesma linha de raciocínio, Lafayette Pondé, em sua obra “Da
Delegação Administrativa” aduz que “na relação entre um e outro, o ato do delegado é
da responsabilidade pessoal deste, e não do delegante, salvo na delegação de
assinatura”.4
No entanto, essa escusa da responsabilidade do delegante no que tange aos atos
praticados pelo delegado, não pode ser entendida como absoluta. A Autoridade que
transferiu ao seu subordinado a competência para o exercício de determinado ato
poderá sim, responder pelos erros ou ilegalidades porventura cometidos, mas apenas
em algumas situações específicas, a serem analisadas caso a caso.
2
GASPARINI, Diógenes.
FERREIRA, Firmino; Delegação de Competência; Revista de Direito Administrativo nº 91, p. 420/423;
Acórdão TCU 66/1998 – Plenário.
4
PONDÉ, Lafayette; Da Delegação Administrativa; Revista de Direito Administrativo nº 140, p. 1/15; Acórdão
TCU 66/1998 – Plenário.
3
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Primeiramente, sabe-se que é o próprio detentor da competência originária, valendo-se
de seu poder discricionário, quem elege o agente que irá exercer o ato que se pretende
delegar. No entanto, no momento dessa escolha, deverá ser observado pelo agente
delegante se o sujeito escolhido possui a qualificação adequada para o exercício da
função.
Caso a autoridade delegante, exemplificadamente, venha a nomear pessoa
desqualificada para o exercício do ato, poderá incorrer em culpa in eligendo, devendo,
desse modo, responder pelos atos irregulares praticados por esta.
Outrossim, cumpre registrar que os atos delegados são passíveis de supervisão e
controle pela autoridade delegante. Porém, não é possível ou mesmo razoável que
todos os atos delegados sejam controlados, sob pena de desatender o real objetivo do
instituto da delegação de competência, que, conforme mencionado outrora, visa dar
maior rapidez e eficiência às decisões.
Nesse sentido, “levando-se em conta aspectos de materialidade, amplitude, diversidade
das funções do órgão, grau de proximidade do ato com suas atividades-fim, dentre
outros inerentes à especificidade de cada caso”, far-se-á uma avaliação de quais atos
dos agentes delegados devem ser obrigatoriamente supervisionados pelo delegante. 5
Concluindo-se pela necessidade de controle de determinados atos delegados, o qual
deverá ser feito pela própria autoridade que os delegou, caso haja erro ou ilegalidade
na sua execução, não há dúvidas de que a pessoa do delegante incorrerá em culpa in
vigilando, recaindo, também, sobre ela a responsabilização por tais atos irregularmente
praticados.
Por outro lado, existem determinados atos que necessitam não apenas de fiscalização,
mas de uma prévia aprovação da autoridade competente antes de serem postos em
prática. Nessas situações, em que há uma aprovação do agente delegante precedente à
execução do ato, é óbvio que aquele responderá pelas irregularidades porventura
advindas da realização do ato.
Nota-se, em ambos os casos, que o agente delegante, embora não tenha praticado o
ato, participou diretamente de sua execução, tendo pleno conhecimento e ingerência
nas gestões do delegado.
Finalmente, ressalte-se que a autoridade competente, ao transferir a prática de
determinado ato que lhe é privativo, não perde a sua competência, porém essa ficará
suspensa. Segundo Régis Fernandes de Oliveira, “O delegante tem o exercício de sua
5
JACOBY FERNANDES, Jorge Ulisses. Responsabilidade Fiscal na função do ordenador de despesa; na
terceirização da mão-de-obra; na função do controle administrativo. Brasília: Brasília Jurídica, 2001; p. 173 –
Acórdão TCU 66/1998 – Plenário.
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competência suspenso em relação à matéria objeto da delegação; não pode prover
sobre o assunto concomitantemente com o delegado”. 6
Assim, uma vez delegada a competência, não poderá o delegante exercê-la enquanto
vigorar a delegação, que possui caráter facultativo e transitório e permanecerá
enquanto a autoridade não retomar sua competência, seja para atribuí-la a outrem ou
para que a exerça pessoalmente.
De outro lado, consoante os ensinamentos de José dos Santos Carvalho Filho, “se o
delegante atrair para sua esfera decisória a prática de ato objeto de delegação, dar-se-á
o fenômeno inverso, ou seja, a avocação, sem dúvida um meio de evitar decisões
concorrentes e eventualmente contraditórias”.7
A avocação é o meio através do qual o superior hierárquico chama para si as
atribuições conferidas ao órgão ou agente subordinado. Na avocação, o regime de
responsabilização paira somente sobre aquele que pratica o ato, sendo o agente inferior
desonerado da responsabilidade. Aqui, quem pratica o ato é a própria autoridade
superior, uma vez que retomou a sua competência originária, e por isso mesmo deverá
ser a única responsável pelos erros ou ilegalidades cometidos.
Em conclusão a todo o exposto, pode-se extrair que via de regra a responsabilidade
recairá somente sobre aquele que cometeu erro ou ilegalidade na execução de um
determinado ato, ficando isenta a autoridade que delegou sua prática. Porém,
excepcionalmente, a autoridade delegante poderá vir a ser responsabilizada por atos
irregulares praticados pelo agente delegado, nos casos em que for constatada a
ocorrência de culpa in eligendo, culpa in vigilando, necessidade de prévia aprovação
do ato executado e, por fim, a avocação, sendo que, nesse último caso, nem há que se
falar em responsabilização da autoridade delegante por atos praticados pelo agente
delegado, já que quem praticou o ato foi o próprio delegante, após retomar sua
competência.
Portanto, antes de se definir se a autoridade delegante responderá pelos atos irregulares
praticados pelo agente delegado, o caso concreto deverá ser analisado.
Compulsando os autos, e por tudo exposto, constata-se que não restou configurada
nenhuma das hipóteses em que é possível responsabilizar a autoridade delegante, in
casu, o então Prefeito Municipal de Diogo de Vasconcelos, pelos atos irregulares
praticados por Enderson Marcos da Silva, devendo este ser o único responsável pelas
falhas detectadas quando de sua atuação como ordenador de despesas.
6
OLIVEIRA, Régis Fernandes.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 12. Ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen
Júris, 2005, p. 102/103.
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VOTO
À vista do exposto, peço vênia para discordar do posicionamento proferido em
preliminar pelo Auditor Licurgo Mourão em sua proposta de voto, de modo a
responsabilizar somente o ordenador de despesas Enderson Marcos da Silva caso
sejam julgados, no mérito, irregulares os atos praticados pelo mesmo.
Na oportunidade, retorno os autos ao relator.
Tribunal de Contas, em 25.06.2009
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Leia o voto na íntegra - Conselheiro Antônio Carlos Andrada