1
A legitimidade das partes na reconvenção à luz da efetividade da tutela
jurisdicional*
Daniel Wunder Hachem**
Sumário: 1. Introdução: a legitimidade das partes como
pressuposto de admissibilidade da reconvenção; 2. A
interpretação do direito a partir dos princípios
constitucionais e dos direitos fundamentais; 3. O direito
fundamental à tutela jurisdicional efetiva e o ordenamento
jurídico-processual; 4. Os princípios da economia
processual, da celeridade da prestação jurisdicional e da
segurança jurídica; 5. Considerações finais: a interpretação
da reconvenção subjetivamente ampliativa sob a ótica da
tutela jurisdicional efetiva; 6. Referências bibliográficas.
Resumo
A reconvenção consiste numa ação do réu em face do autor, que poderia até mesmo
constituir um processo distinto. Por isso, deve preencher os mesmos requisitos exigidos
para qualquer outra ação: os pressupostos processuais e as condições da ação. Dentre os
pressupostos de admissibilidade da reconvenção, a legitimidade das partes apresenta
acentuada divergência na doutrina. A parte legítima para reconvir será sempre aquela
que figurar no pólo passivo da demanda inicial: o réu. Por sua vez, o autor, que figura
no pólo ativo da ação originária, será a parte legítima para constituir o pólo passivo da
demanda reconvencional. Contudo, a questão controversa consiste na possibilidade de o
réu e uma pessoa estranha à ação inicial proporem reconvenção, ou de o réu opor a
demanda reconvencional em face do autor e de outra pessoa que não estava presente no
processo. A partir desta controvérsia doutrinária, há que se investigar qual a melhor
forma de se interpretar o referido texto legal, de modo que a interpretação esteja mais
bem adequada aos princípios em que se baseia o instituto da reconvenção, vale dizer, à
luz da economia processual, da celeridade da prestação jurisdicional, da segurança
jurídica e, principalmente, da efetividade da tutela jurisdicional.
Palavras-chave: reconvenção; legitimidade das partes; efetividade da tutela
jurisdicional.
*
Artigo publicado nos Anais da VIII Jornada de Iniciação Científica da Faculdade de Direito da UFPR,
em 2006, p. 65-85, e classificado em 1º lugar na categoria de Direito Processual Civil no concurso de
artigos da Revista Jurídica Themis nº 19, em 2007.
**
Acadêmico do 5º ano noturno da Faculdade de Direito da UFPR. Bolsista do PET/Direito - UFPR.
Pesquisador do CNPq (IC-Voluntária).
2
1. Introdução: a legitimidade das partes como pressuposto de admissibilidade da
reconvenção
A reconvenção consiste em uma das possíveis respostas do réu à ação proposta
pelo autor. O art. 297 do CPC dispõe três formas de respostas do réu: contestação,
exceção e reconvenção. Todavia, esta última não possui finalidade defensiva, mas age
como contra-ataque do réu em relação ao autor. Por essa razão, além de ser uma
resposta, a reconvenção é uma demanda de provimento jurisdicional1.
Assim, a reconvenção configura uma importante modalidade de resposta, uma
vez que garante a possibilidade de o réu pleitear um direito que possui em relação ao
autor, perante o mesmo juízo onde foi proposta a ação inicial e tramitando no mesmo
processo.
A demanda do réu em face do autor poderia ser ajuizada separadamente.
Contudo, ela encontra na reconvenção uma forma de tramitar no mesmo processo da
demanda originária e ser julgada na mesma sentença, o que permite uma redução da
morosidade processual, uma economia de tempo e gastos processuais, e evita decisões
conflitantes acerca dos mesmos fatos, ou de fatos intimamente relacionados. Vale dizer
que o referido instituto funda-se nos princípios da economia processual, da celeridade
da prestação jurisdicional e da segurança jurídica2.
1
Giuseppe Chiovenda afirma ser a reconvenção um meio pelo qual o réu “tiende a obtener la actuación
en favor proprio de una voluntad de ley en el mismo pleito promovido por el actor, pero
independientemente de la desestimación de la demanda del actor”. CHIOVENDA, Giuseppe. Principios
de derecho procesal civil. Trad. José Casáis y Santaló. Madrid: Réus, 1922. t.II, §92, p.742.
2
Em razão dos limites à extensão deste artigo, optei por privilegiar a análise de outros aspectos relevantes
acerca do tema, em detrimento da evolução histórica da reconvenção. Faz-se então imperativa uma
brevíssima síntese relativa aos fundamentos do instituto em diferentes períodos, a qual transcrevo da obra
de Moacyr Amaral Santos: “No direito romano, do regime formulário, na aequitas estava o fundamento
da mutua petitio, considerado como justo e razoável que as pretensões recíprocas das partes fossem
submetidas e decididas pelo mesmo juiz; com JUSTINIANO já teria a finalidade de facilitar o processo,
evitando os litigantes se acionassem mutuamente, procurando juízes diferentes. O direito canônico o
entrevia como instrumento de diminuição dos litígios e o fundava no princípio de igual sujeição das
partes ao juiz. Nas Ordenações, era esse mesmo o princípio que o justificava: ‘Porque não é justo que o
autor, pendendo a primeira demanda, haja de ser molestado pelo réu em outro juízo’, e, por outro lado,
3
É claramente perceptível que a reconvenção constitui um dos instrumentos que
garantem a efetividade da tutela jurisdicional de forma tão eficaz que possibilita não
somente a defesa propriamente dita, mas uma oportunidade prática e célere de o réu
contra-atacar, quando titular de uma pretensão em face do autor, conexa à demanda
proposta inicialmente por este ou ao fundamento da defesa3.
Sendo a reconvenção uma ação do réu em face do autor, que poderia até mesmo
constituir um processo distinto, deve ela preencher os mesmos requisitos exigidos para
qualquer outra ação4, ou seja, os pressupostos processuais e as condições da ação5. Para
fins deste estudo, será analisado apenas um dos pressupostos de admissibilidade da
reconvenção6: a legitimidade das partes, que apresenta divergência na doutrina.
como foi o autor quem escolheu o juiz da primeira demanda, ‘não é razão que o possa recusar por
maneira alguma’”. SANTOS, Moacyr Amaral. Da Reconvenção no Direito Brasileiro. 4. ed., São
Paulo: Max Limonad, 1973. p. 137-138.
3
Código de Processo Civil, “Art. 315. O réu pode reconvir ao autor no mesmo processo, toda vez que a
reconvenção seja conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa”.
4
“La reconvención, como acción autónoma, debe responder a todas las demás condiciones (presupuestos
procesales) que se requerirían para proponerla en una relación procesal separada.” CHIOVENDA,
Giuseppe. Principios de derecho procesal civil. Trad. José Casáis y Santaló. Madrid: Réus, 1922. t.II,
§92, p. 750.
5
Neste influxo, ensina José Carlos Barbosa Moreira: "embora tratada pelo Código como modalidade de
'
resposta do réu'
, a reconvenção é verdadeira ação, distinta da originária. Como tal, subordina-se em
seu exercício às condições genericamente exigíveis para o exercício de qualquer ação: legitimidade das
partes, interesse processual, possibilidade jurídica do pedido, inexistência de litispendência, de coisa
julgada, de perempção, de compromisso arbitral, etc." MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Novo
Processo Civil Brasileiro. 15.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1993. p. 55.
6
Advertência metodológica: pelo fato de alguns autores incluírem a questão que será abordada como
condição da ação (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo do
Conhecimento. 4ªed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 146;
FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Comentários ao Código de Processo Civil. V. 4: do processo do
conhecimento, arts. 282 a 331, tomo II. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p. 327; NERY
JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de processo civil comentado e legislação
processual civil extravagante em vigor. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1997. p. 593), aludindo à legitimatio ad causam, e de outros classificarem-na como pressuposto
processual, fazendo menção à legitimatio ad processum (SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de
direito processual civil, v. 2. 21.ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 225; SANTOS, Moacyr Amaral. Da
Reconvenção no Direito Brasileiro. 4. ed., São Paulo: Max Limonad, 1973. p. 143 – 144.), optei por me
referir simplesmente à legitimidade das partes enquanto pressuposto de admissibilidade da reconvenção.
Tal opção foi feita com base nos ensinamentos de Enrico Tullio Liebman, que em nota de rodapé à obra
Instituições de Direito Processual Civil (CHIOVENDA, Giuseppe. Op. Cit., v. 1. São Paulo: Saraiva,
1965. p. 178) preleciona:
“É importante não confundir essas duas noções, que são profundamente diversas, não obstante
a semelhança dos nomes (v. Lopes da Costa, Direito Processual Civil brasileiro, vol.1 pág. 36). A
legitimação de agir (legitimatio ad causam) consiste na titularidade da ação, em sua pertinência subjetiva
àquele que propôs a demanda e contra aquêle que foi chamado a juízo; e depende da posição do sujeito
quanto à relação jurídica litigiosa. A capacidade processual (legitimatio ad processum) é, ao contrário,
4
A parte legítima para reconvir será sempre aquela que figurar no pólo passivo da
demanda inicial: o réu. Por sua vez, o autor, que figura no pólo ativo da ação originária,
será a parte legítima para constituir o pólo passivo da demanda reconvencional. Quanto
a isso a doutrina não diverge, em absoluto.
Ainda, a doutrina, em sua vasta maioria, converge no entendimento de que
havendo pluralidade de sujeitos no pólo passivo da relação processual, é lícito apenas
um dos réus litisconsortes reconvir em face do autor; da mesma forma que se admite
que, havendo litisconsórcio ativo, o réu reconvenha em face de apenas um dos autores7.
No entanto, a questão controversa consiste na possibilidade de o réu reconvir em
face do autor, em litisconsórcio com uma pessoa que não compunha o pólo ativo ou
passivo da ação inicial. Ou seja, o réu e uma pessoa estranha à ação inicial propõem
reconvenção, ou o réu opõe a demanda reconvencional em face do autor e de outra
pessoa que não estava presente no processo.
Há autores que afirmam ser inadmissível tal situação. MARINONI e
ARENHART asseveram que a redação do art. 315 do CPC dispõe de forma expressa
que o réu pode reconvir ao autor, levando ao entendimento de que somente quem fora
autor na ação inicial poderá figurar no pólo passivo da reconvenção8. Os autores
uma qualidade pessoal do sujeito, que coincide com a capacidade jurídica em geral e é uma das
manifestações desta; e acompanha a pessoa em todos os atos da vida.
Se bem que a “legitimidade das partes” se use em ambos os significados (...)”.
7
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. V.3. 5ªed. rev. e atual. São
Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 505; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Comentários ao Código de
Processo Civil. v. 4: do processo do conhecimento, arts. 282 a 331, tomo II. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2001. p. 327; MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do
Processo do Conhecimento. 4ªed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p.
147; MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, t. IV. Rio de Janeiro: Forense,
1974. p. 167 – 168; PASSOS, José Joaquim Calmon de. Comentários ao Código de Processo Civil, lei
nº 5.869 de 11 de janeiro de 1973, vol. III: arts. 270 a 331. 6ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense,
1989. p. 365.
8
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo do Conhecimento.
4ªed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 147.
5
interpretam literalmente o texto legal, atribuindo a ele uma interpretação declarativa9.
Defendem esta posição, inferindo que a repercussão dessa admissibilidade seria
acarretar um tumulto indesejável ao processo. Da mesma forma, entendem FIGUEIRA
JUNIOR10, THEODORO JUNIOR11, BUENO12 e WAMBIER, ALMEIDA e
TALAMINI13.
Por outro lado, entende DINAMARCO que a dicção do artigo mencionado
suscita a falsa impressão de que as partes da reconvenção deveriam ser necessária e
rigorosamente as mesmas da ação originária, não se admitindo serem mais numerosas
que estas. O autor preleciona que, por não haver na lei algo que impeça uma
interpretação extensiva do artigo, não há razão para não se admitir a reconvenção
subjetivamente ampliativa. Aliás, pelo fato desta admissibilidade ser “expressão da
legítima tendência a universalizar a tutela jurisdicional, procurando extrair do
processo o máximo de proveito útil que ele seja capaz de oferecer”14, não há
justificativa para impedir a aceitação. É também o entendimento de NERY JUNIOR,
segundo o qual:
“Quando ocorre necessariedade litisconsorcial ativa na reconvenção o réu pode associar-se a um
terceiro para ajuizar a demanda reconvencional. No caso de caracterizar-se litisconsórcio ativo
simples e facultativo para a reconvenção, não há nenhum obstáculo legal para que o réu se
15
litisconsorcie a um terceiro para, juntos, demandarem contra o autor-reconvindo.”
9
De acordo com Cândido Rangel Dinamarco, a interpretação declarativa é aquela que conduz a dar ao
texto a exata dimensão decorrente de suas palavras. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de
direito processual civil. V.1. 5ªed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 107.
10
FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Comentários ao Código de Processo Civil. V. 4: do processo do
conhecimento, arts. 282 a 331, tomo II. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.
11
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, v.I. Rio de Janeiro: Forense,
1995. p. 388.
12
BUENO, Norberto Trevisan. Prática, processo e jurisprudência: reconvenção. V. 39. Curitiba:
Juruá, 1980. p. 49.
13
WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de. Curso
avançado de processo civil : teoria geral do processo e processo de conhecimento. 6. ed. São Paulo,
SP: Revista dos Tribunais, 2003. p. 381.
14
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. V.3. 5ªed. rev. e atual. São
Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 505.
15
NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de processo civil comentado e
legislação processual civil extravagante em vigor. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1997. p. 594.
6
A partir desta controvérsia doutrinária, há que se investigar qual a melhor forma
de se interpretar o referido texto legal, de modo que a interpretação esteja mais bem
adequada aos princípios em que se baseia o instituto da reconvenção. Portanto, a
reconvenção, os seus pressupostos e os seus requisitos de admissibilidade devem ser
compreendidos à luz da economia processual, da celeridade da prestação jurisdicional,
da segurança jurídica e, principalmente, da tutela jurisdicional efetiva, um direito
fundamental processual que, por sua natureza, deve orientar a interpretação de todo o
ordenamento jurídico-processual.
2. A interpretação do direito a partir dos princípios constitucionais e dos direitos
fundamentais
Antes de analisarmos diretamente a questão, faz-se necessária uma breve
explanação acerca das concepções contemporâneas de direito e de jurisdição, as quais se
transformaram em conseqüência da passagem do Estado legislativo para o Estado
constitucional.
A concepção de direito no Estado liberal burguês fundava-se no princípio da
legalidade, o qual erigiu a lei como critério de identificação do direito, na tentativa de
impedir as práticas jurídicas arbitrárias do Absolutismo e do Ancien Régime. Assim, o
direito confundia-se com a lei, e estava reduzido a ela. A validade da norma jurídica era
dependente da sua produção por uma autoridade competente, e não da sua correlação
com a justiça16.
Com efeito, os Poderes Executivo e Judiciário subordinavam-se ao Legislativo17.
O Poder Judiciário deveria limitar-se a aplicar a norma criada pelo Legislativo, não
16
MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil, volume 1: teoria geral do processo. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 25.
17
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p.
28.
7
podendo nem mesmo interpretá-la18. Por esse motivo, não havia como controlar os
abusos da legislação, uma vez que, se a lei independia da sua correspondência com os
princípios de justiça, era impossível adequar o direito aos verdadeiros valores sociais19.
A lei, no Estado legislativo, deveria ser genérica e abstrata, pois se partia do
pressuposto de que os indivíduos eram iguais e possuíam as mesmas necessidades.
Entretanto, essa pressuposição fazia com que o Estado ignorasse as desigualdades
sociais, utilizando como justificativa a garantia da liberdade. Consoante o pensamento
da época, esta garantia dependia de um tratamento igualitário de todos os homens
perante a lei, desconsiderando-se as desigualdades concretas entre os indivíduos. Da
mesma forma que a lei estava impedida de levar em conta determinados valores e as
disparidades sociais, o magistrado não poderia considerá-los no momento da aplicação
da lei.
Corroborando com essa concepção de direito, surge a corrente jusfilosófica do
positivismo jurídico, a qual não tinha como preocupação o conteúdo axiológico da
norma, mas apenas a competência da autoridade que a produziu20. A partir do
positivismo jurídico, reduziu-se a atividade da jurisdição a tão-somente aplicar
mecanicamente a lei aos casos concretos, sem questioná-la ou interpretá-la.
Contudo, a partir desta ótica, os juristas ignoravam a evolução social,
esquecendo-se de que “a função do legislador serve à necessidade de estabilidade das
18
Nas palavras de Montesquieu, "Les juges de la nation (...) ne sont que la bouche qui prononce les
paroles de la loi, des êtres inanimés, qui n´en peuvent modérer ni la force ni la rigueur.". Ao falar da
distinção entre os três Poderes, afirma: “Des trois puissances dont nous avons parlé, celle de juger est en
quelque façon nulle”. MONTESQUIEU. De l’esprit des lois. In: Oeuvres Complètes. Paris: Seuil, 1964.
livre XI, chap. 6, p.588 - 589.
19
Não obstante, este modo de pensar decorria da proteção que o princípio da legalidade formal
assegurava aos princípios da liberdade e da igualdade (formal), os valores de maior importância no
Estado liberal. Para que o Estado não interferisse na liberdade e na igualdade dos cidadãos, a produção
das leis era dotada de generalidade e abstração, impedindo o juiz de interpretar o texto legal ou levar em
conta circunstâncias particulares.
20
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p.
136 - 137.
8
relações sociais e a do Juiz à necessidade não menos imperiosa de mobilidade das
relações sociais”21.
Quando se percebeu que a efetiva liberdade e o desenvolvimento da sociedade
dependiam da igualdade social, haja vista que o homem só poderia usufruí-la se
possuísse condições dignas de existência, surge o Estado preocupado com os problemas
responsáveis pela exclusão social. Irrompem nesse período grupos que passam a
pressionar o legislativo objetivando leis específicas, bem como ordenamentos jurídicos
alternativos ao estatal, em setores da sociedade cujos valores não haviam sido
consubstanciados pelas leis produzidas pelo Estado. Desde então, passou-se a
subordinar a produção das normas à sua conformidade com os princípios de justiça,
considerando-se a pluralidade e a heterogeneidade sociais.
O texto da lei começa a ser questionado no tocante à sua conformação com esses
princípios, fazendo-se necessário o resgate da substância da lei. As Constituições
passam, então, a albergar essa substância e esses princípios, situando-se em um patamar
hierarquicamente superior ao da lei22. Esta passa a ter a sua aplicação submetida à sua
harmonia com as normas constitucionais, dependendo da sua adequação com os direitos
fundamentais, agregando ao princípio da legalidade um conteúdo substancial23.
Com essa nova configuração de Estado, impõe-se ao jurista a compreensão da
lei a partir dos princípios constitucionais de justiça e dos direitos fundamentais. Estes
possuem eficácia jurídica mesmo quando não explícitos no texto legal24. Os princípios
21
AZEVEDO, Plauto Faraco de. Método e hermenêutica material no Direito. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 1999. p. 27.
22
MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil, volume 1: teoria geral do processo. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 44.
23
Tal transformação da concepção do direito e do princípio da legalidade consiste na transição
paradigmática do positivismo jurídico ao positivismo jurídico crítico ou pós-positivismo.
24
Ibid., p. 32.
9
expressam valores que devem orientar a compreensão e a interpretação das regras em
face do caso concreto25.
De tal sorte, conclui-se que, no Estado contemporâneo, os princípios
constitucionais e os direitos fundamentais têm como função não apenas assegurar
direitos subjetivos, mas também orientar a interpretação do ordenamento jurídico. Os
valores que essas normas contêm irradiam necessariamente sobre a ordem jurídica e sua
compreensão, iluminando as atividades do juiz no momento da interpretação e da
aplicação da norma. Por conseguinte, se uma norma suscita mais de uma solução
interpretativa, o juiz tem por obrigação optar por aquela que for mais capacitada a
atribuir efetividade à Constituição26.
3. O direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva e o ordenamento jurídicoprocessual
Para que o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva possa ser
adequadamente compreendido, é imperativo esclarecer brevemente as noções de direitos
fundamentais, de tutela jurisdicional e de efetividade da tutela.
Os direitos fundamentais podem ser vislumbrados no sentido material e no
sentido formal. No que toca aos direitos fundamentais formais, são aqueles arrolados no
Título II da Constituição Federal, “Dos direitos e garantias fundamentais”. Entretanto, a
nossa Carta Constitucional reconhece, igualmente, direitos fundamentais não expressos
25
Para uma melhor compreensão acerca da distinção entre princípios e regras, e da sua relação, ver
DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1978. e ALEXY,
Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y
Constitucionales, 2002.
26
MARINONI, Luiz Guilherme. A Jurisdição no Estado Constitucional. Curitiba, 2005. p. 83.
Disponível
em:
<http://bdjur.stj.gov.br/dspace/bitstream/2011/2174/1/A_Jurisdi%C3%A7%C3%A3o_no_Estado_Constit
ucional.pdf>. Acesso em: 26 julho 2006.
10
no referido Título27. São os direitos considerados materialmente fundamentais, em
virtude de repercutirem sobre a estrutura do Estado e da sociedade28.
A propósito desses direitos, dotados de fundamentalidade material, esclarece
SARLET:
“Com efeito, não é demais relembrar que a Constituição de 1988, na esteira da evolução
constitucional pátria desde a proclamação da República e amparada no espírito da IX emenda da
Constituição norte-americana, consagrou a idéia da abertura material do catálogo constitucional
dos direitos e garantias fundamentais. Em outras palavras, isto quer dizer que para além daqueles
direitos e garantias expressamente reconhecidos como tais pelo Constituinte, existem direitos
fundamentais assegurados em outras partes do texto constitucional (fora do Título II), sendo
também acolhidos os direitos positivados nos tratados internacionais em matéria de Direitos
Humanos. Igualmente – de acordo com a expressa dicção do artigo 5º, §2º, da nossa Carta
Magna – foi chancelada a existência de direitos não-escritos decorrentes do regime e dos
princípios da nossa Constituição, assim como a revelação de direitos fundamentais implícitos,
29
subentendidos naqueles expressamente positivados.”
Isto posto, cumpre salientar que por força da norma albergada no artigo 5º, §2º
da Lei Maior, o ordenamento jurídico-constitucional brasileiro reconhece que outros
direitos, conquanto não previstos de modo expresso na Constituição Federal, e não
catalogados em seu Título II, possam ser considerados direitos fundamentais30,
instituindo um sistema constitucional aberto a direitos fundamentais em sentido
material.
Ao se falar em direitos fundamentais, deve-se aludir à sua eficácia, que pode ser
vertical ou horizontal. A eficácia vertical dos direitos fundamentais consiste naquela que
recai sobre o Poder Público, vinculando o administrador, o legislador e o juiz aos
27
Ao versar acerca do assunto, acentua Melina Girardi Fachin:
“Neste sentido, elogiável a carta constitucional de 1988 uma vez que adotou um conceito
materialmente aberto de direitos fundamentais em seu artigo 5º, parágrafo 2º:
§2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e
dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do
Brasil seja parte.
Assim sendo, os direitos fundamentais possuem fonte constante de oxigenação que lhes permite
pluralidade apenas encontrada em Estados de Direito verdadeiramente democráticos.” FACHIN, Melina
Girardi. EM BUSCA DA ILHA DESCONHECIDA: do discurso teórico à prática efetiva dos direitos
humanos e dos direitos fundamentais. 2005. 98f. Monografia (Graduação em Direito) – Faculdade de
Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba. p. 40 – 41.
28
MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil, volume 1: teoria geral do processo. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 64.
29
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição
Federal de 1988. 4. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 98 – 99.
30
Conforme lição de José Afonso da Silva, são fontes dos direitos e garantias fundamentais: “(a) os
expressos (art. 5º, I a LXXVIII); (b) os decorrentes dos princípios e regime adotados pela Constituição;
(c) os decorrentes de tratados e convenções internacionais adotados pelo Brasil”. SILVA, José Afonso
da. Curso de direito constitucional positivo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 182 – 183.
11
direitos fundamentais. A eficácia horizontal, por sua vez, é aquela que incide nas
relações entre particulares, sobre as quais repercutem os direitos fundamentais31.
A relação do juiz com os direitos fundamentais deve ser analisada sob dois
prismas distintos: os direitos fundamentais substanciais e os direitos fundamentais
processuais. Os direitos fundamentais processuais visam a vincular o procedimento
estatal, possuindo, assim, eficácia vertical.
No que diz respeito à tutela jurisdicional, faz-se imperioso, previamente, aludir à
distinção entre tutela jurisdicional e tutela do direito. A tutela jurisdicional consiste na
resposta da jurisdição ao direito de participação em juízo das partes32. Desta sorte, o
juiz, ao prolatar a sentença, seja de procedência ou improcedência, necessariamente está
conferindo tutela jurisdicional ao autor e ao réu. Por outro lado, a tutela do direito
refere-se à proteção do direito material, de modo que o magistrado apenas presta a tutela
do direito quando a sentença é de procedência33.
Por essa razão, não se podem confundir os dois conceitos, imaginando-se que
apenas a sentença de procedência é que assegura a tutela jurisdicional34. Como bem
assinala MARINONI,
“o juiz, ao proferir a sentença, qualquer que seja o seu resultado, necessariamente confere tutela
jurisdicional ao autor e ao réu. A sentença de improcedência dá tutela jurisdicional ao autor e ao
réu. A sentença de procedência presta a tutela jurisdicional do direito solicitada pelo autor e
35
tutela jurisdicional ao réu.”
31
MARINONI, Luiz Guilherme. A Jurisdição no Estado Constitucional. Curitiba, 2005. p. 61.
Disponível
em:
<http://bdjur.stj.gov.br/dspace/bitstream/2011/2174/1/A_Jurisdi%C3%A7%C3%A3o_no_Estado_Constit
ucional.pdf>. Acesso em: 26 julho 2006.
32
MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil, volume 1: teoria geral do processo. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 261.
33
MARINONI, Luiz Guilherme. Da ação abstrata e uniforme à ação adequada à tutela de direitos.
Curitiba,
2005.
p.
48.
Disponível
em:
<http://bdjur.stj.gov.br/dspace/bitstream/2011/2244/1/Da_A%C3%A7%C3%A3o_Abstrata_e_Uniforme.
pdf >. Acesso em: 26 julho 2006.
34
“Evidentemente, a tutela jurisdicional não se apresenta apenas quando o Estado confere a proteção
requisitada pelo autor da demanda. E mais, tutela jurisdicional não se confunde, de modo algum, apenas
com o provimento final emanado da jurisdição, em que se acolhe a pretensão do autor.” ARENHART,
Sérgio Cruz. A tutela jurisdicional da vida privada. 1999. 254f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Faculdade de Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba. p. 22.
35
MARINONI, Luiz Guilherme. Da ação abstrata e uniforme à ação adequada à tutela de direitos.
Curitiba,
2005.
p.
48.
Disponível
em:
12
A efetividade da tutela jurisdicional, por conseguinte, concerne ao “modo de
ser” da prestação jurisdicional, que só será efetiva quando permitir às partes que
pratiquem todos os atos necessários para influir sobre o convencimento do juiz e
possam lançar mão de todas as técnicas processuais capazes de possibilitar ao autor o
alcance da tutela de direito pretendida, e ao réu a improcedência da demanda.
Neste diapasão, pode-se inferir que o autor possui direito à tutela jurisdicional
efetiva mesmo que o seu direito material não exista ou não seja reconhecido36, tendo-se
em vista que “não há mais como conceber a jurisdição em uma dimensão que ignore a
sua dinâmica processual, pois o bom resultado da sua tarefa é indissociavelmente
ligado ao ‘meio instrumental’ (técnica processual, estrutura fática, comportamento dos
auxiliares judiciários e do juiz) com o qual trabalha”37.
E para se compreender a efetividade da tutela jurisdicional, deve-se mencionar a
efetividade da ação. “O direito de ação (...) é exercido pelo autor para a obtenção da
tutela efetiva do direito, e assim inegavelmente exige procedimento e técnicas
processuais idôneos”38. Desse modo, o processo deve se preocupar com o que ocorre no
plano do direito material, para que possa atender às demandas de proteção reveladas
pelos direitos, da maneira mais efetiva possível.
Feitas essas considerações iniciais, impende agora adentrarmos no âmbito
específico do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. O art. 5º, inciso XXXV,
da Constituição Federal, dispõe que “a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Este princípio, denominado princípio da
inafastabilidade da jurisdição, é o corolário do direito fundamental à tutela jurisdicional
<http://bdjur.stj.gov.br/dspace/bitstream/2011/2244/1/Da_A%C3%A7%C3%A3o_Abstrata_e_Uniforme.
pdf >. Acesso em: 26 julho 2006.
36
MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil, volume 1: teoria geral do processo. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 181.
37
Ibid., p. 64.
38
Ibid., p. 240.
13
efetiva39, por se entender que esta norma garante a todos os cidadãos o direito a uma
prestação jurisdicional efetiva40.
Sob essa perspectiva, pode-se considerar o direito à prestação jurisdicional
efetiva como um direito fundamental material, já que, embora não explícito na norma,
tal direito não poderia deixar de ser compreendido como fundamental. Isso porque, o
direito à efetividade da tutela decorre da própria existência dos direitos e, assim, da
contrapartida da proibição da autotutela41.
O direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva consiste em um direito
fundamental processual, de eficácia vertical, devendo ser obrigatoriamente levado em
conta pela jurisdição, de modo que o cumprimento da sua atividade proteja de maneira
efetiva os direitos, sejam fundamentais ou não.
Com efeito, o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva impõe ao
legislador o dever de criar técnicas processuais e procedimentos que possibilitem a
concretização das tutelas previstas pelo direito material. Da mesma forma, tal direito
institui ao juiz a obrigação de, com base na regra processual, chegar à técnica adequada
a proteger as necessidades de direito material42.
Portanto, a interpretação de todas as regras processuais deve ser feita à luz desse
direito fundamental processual. Não basta considerar que quando o magistrado se
depara com uma multiplicidade de possíveis interpretações da regra processual, é
necessário que ele opte por aquela que não contraria a Constituição. Tendo-se em vista
que pode haver duas interpretações que sejam razoáveis sob a ótica Constitucional, o
39
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo do Conhecimento.
4ªed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 65.
40
MARINONI, Luiz Guilherme. O direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos
direitos
fundamentais.
Curitiba,
2006.
p.
12.
Disponível
em:
<http://www.professormarinoni.com.br/admin/users/04.pdf>. Acesso em: 26 julho 2006.
41
Id. Ibid.
42
Vale dizer que essa busca pela técnica processual adequada exige que o juiz interprete a norma
processual de acordo com o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.
14
juiz tem por obrigação dar preferência àquela que atribua a máxima efetividade à tutela
jurisdicional, levando em conta a tutela do direito material e a realidade social43.
Partindo-se dessa concepção, nos casos de dúvida interpretativa de uma regra
processual “é absurdo pensar que o juiz deixa de ter dever de tutelar de forma efetiva
os direitos somente porque o legislador deixou de editar uma norma processual mais
explícita”44. Ao abordar o tema da interpretação e da aplicação das normas processuais,
leciona MARINONI:
“Isso quer dizer que, ao aplicar essas normas, o juiz tem o dever de encontrar uma técnica
processual ou um ‘modo’ processual que seja capaz de atender ao direito fundamental à tutela
jurisdicional efetiva. Mas, como esse ‘modo’ é a expressão da concretização de uma norma
aberta – que obviamente não se preocupa apenas com o direito do autor, mas igualmente com o
direito do réu -, o juiz deve argumentar que o ‘modo’ encontrado, além de dar efetividade ao
direito fundamental à tutela jurisdicional, é o que gera a menor restrição possível ao
45
demandado.”
A interpretação das regras processuais de acordo com o direito fundamental à
tutela jurisdicional efetiva requer, assim, a percepção da natureza instrumental da norma
processual, isto é, a compreensão de que ela deve possibilitar ao juiz a busca por uma
técnica processual conveniente à tutela das necessidades do caso conflitivo46.
Diante do exposto, conclui-se que a interpretação do ordenamento jurídicoprocessual e, desta sorte, das regras processuais, deve ser realizada de acordo com o
direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, de modo que a tutela jurisdicional
outorgue o máximo de efetividade à tutela jurídica do direito substancial.
43
MARINONI, Luiz Guilherme. O direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos
direitos
fundamentais.
Curitiba,
2006.
p.
36.
Disponível
em:
<http://www.professormarinoni.com.br/admin/users/04.pdf>. Acesso em: 26 julho 2006.
44
Id. Ibid.
45
MARINONI, Luiz Guilherme. A legitimidade da atuação do juiz a partir do direito fundamental à
tutela
jurisdicional
efetiva.
Curitiba,
2006.
p.
12
–
13.
Disponível
em:
<http://www.professormarinoni.com.br/admin/users/29.pdf >. Acesso em: 26 julho 2006.
46
MARINONI, Luiz Guilherme. A Jurisdição no Estado Constitucional. Curitiba, 2005. p. 102.
Disponível
em:
<http://bdjur.stj.gov.br/dspace/bitstream/2011/2174/1/A_Jurisdi%C3%A7%C3%A3o_no_Estado_Constit
ucional.pdf>. Acesso em: 26 julho 2006.
15
4. Os princípios da economia processual, da celeridade da prestação jurisdicional e
da segurança jurídica
A garantia da efetividade da tutela jurisdicional requer a interpretação das
normas processuais de acordo com os princípios que as orientam. Dentre os princípios
nos quais se fundamenta o instituto da reconvenção encontram-se o da economia
processual, o da celeridade da prestação jurisdicional e o da segurança jurídica.
No que tange ao princípio da economia processual47, consiste no princípio que
“preconiza o máximo resultado na atuação do direito, com o mínimo emprego possível
de atividades processuais”48. Em função do caráter instrumental do processo, ele não
pode implicar em demasiadas despesas no que tange aos bens que caracterizam o objeto
do litígio49.
Em Instituições de Direito Processual Civil, DINAMARCO ressalta que, muito
embora a doutrina se refira a princípio econômico, especificando-o como um dos
princípios formativos do processo, ele consiste na realidade em uma regra técnica de
grande importância e prestígio. Esta regra está direcionada à produção do melhor
resultado desejável com o menor dispêndio possível de recursos, figurando na técnica
processual como uma das regras responsáveis pela boa ordem do processo e correto
encaminhamento de suas soluções50.
Consoante CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, a aplicação deste princípio
é expressiva em institutos como a reunião de processos em casos de conexidade ou
47
Nas palavras de ECHANDIA, é o princípio segundo o qual "deve tratar-se de obter o maior resultado
com o mínimo de emprego de atividade processual". ECHANDIA, Hernando Devis. Compendio de
Derecho Procesal, I, nº 15. Bogotá, 1974. p.46.
48
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.
Teoria Geral do Processo. 20ªed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 72.
49
“A CARNELLI e a CERVANTES o fundamento da unificação estaria em favorecer as partes com a
economia de esforços, em favorecer o interesse processual com a economia dos atos e favorecer a ordem
jurídica com a economia de tempo”. SANTOS, Moacyr Amaral. Da Reconvenção no Direito Brasileiro.
4. ed., São Paulo: Max Limonad, 1973. p. 139.
50
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. V.1. 5ªed. rev. e atual. São
Paulo: Malheiros, 2005. p. 215.
16
continência (art. 105, CPC), e os autores utilizam como exemplo a reconvenção e o
litisconsórcio51, institutos dos quais se trata este trabalho. Na mesma toada,
THEODORO JUNIOR arrola a "permissão de acumulação de pretensões conexas num
só processo"52 – caso em que se inclui o instituto da reconvenção – como uma das
situações orientadas pelo princípio da economia processual.
Em relação ao princípio da celeridade da prestação jurisdicional, o qual dispõe
que o Estado possui a obrigação de prestar a justiça em prazo razoável e que o cidadão
possui o direito de obter a tutela jurisdicional de modo tempestivo, encontra-se
consagrado na Lei Maior, art. 5º, inciso LXXVIII. De acordo com esta disposição, “a
todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do
processo e os meios que garantam a celeridade da sua tramitação”.
Ainda, no plano internacional a Convenção Européia para Proteção dos Direitos
Humanos e Liberdades Fundamentais estabelece em seu art. 6º, §1º, que toda “pessoa
tem direito a uma audiência eqüitativa e pública, dentro de um prazo razoável, por um
tribunal independente e imparcial”. Na mesma esteira, a Convenção Americana sobre
Direitos Humanos – vigente em território brasileiro em função do art. 5º, §2 da
Constituição Federal – garante em seu art. 8º que “toda pessoa tem direito de ser ouvida
com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável”53.
Tal direito fundamental, assim como o direito à tutela jurisdicional efetiva,
possui eficácia vertical, incidindo diretamente sobre o judiciário, impondo-lhe o dever
de organizar adequadamente a distribuição da justiça, de adotar as técnicas processuais
51
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido
Rangel.Teoria Geral do Processo. 20ªed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 72.
52
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, v.I. Rio de Janeiro: Forense,
1995. p. 30.
53
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo do Conhecimento.
4ªed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 66.
17
criadas para possibilitar a tempestividade da tutela jurisdicional, e a proibição de
praticar atos que retardem o processo de maneira injustificada.
Certamente que a morosidade para a obtenção da tutela jurisdicional reflete
sobre a efetividade da ação. Sendo assim, não pode a ação ignorar o problema da
demora para a obtenção daquilo que por meio dela se objetiva alcançar. A efetividade
da ação não é dependente somente de técnicas processuais que possam evitar que a
morosidade processual prejudique o direito material. O direito de ação demanda um
tempo razoável para a concessão da tutela jurisdicional, ainda que não exista qualquer
perigo de dano.
Finalmente, o princípio da segurança jurídica. Este princípio pode ser
compreendido a partir de diferentes prismas (como o legal e o jurisprudencial), mas
relaciona-se sempre com a obrigatoriedade do Direito e a estabilidade do ordenamento
jurídico, encontrando-se intrinsecamente ligado ao Estado Democrático de Direito54. De
acordo com CANOTILHO, tal princípio se constituiria em “uma das vigas mestras da
ordem jurídica”55.
Como já vimos, os princípios jurídicos, sejam explícitos ou implícitos, estão
acima das demais normas, vinculando sua aplicação e orientando a sua interpretação,
uma vez que são o seu fundamento de validade no Estado constitucional
contemporâneo. Conquanto não positivado expressamente na Carta Magna, o princípio
da segurança jurídica manifesta-se através de diversos outros, como o princípio da
irretroatividade da lei e a proteção ao direito adquirido, à coisa julgada e ao ato jurídico
perfeito, prevista no art. 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal.
54
A segurança jurídica não deixa de ser um dos corolários do princípio da legalidade, e não se pode
interpretá-la de forma absoluta, uma vez que devem sempre ser analisadas as particularidades de cada
caso concreto, não se podendo requerer a uniformização absoluta da jurisprudência. Contudo, deve-se
relembrar que, nada obstante a transformação do princípio da legalidade com a passagem do Estado
legislativo para o constitucional, ele ainda vige em nosso ordenamento, agora com o conteúdo substancial
e não mais meramente formal.
55
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1991. p.384.
18
No tocante às decisões dos tribunais, este princípio traduz-se em “uma exigência
de uma série de julgados que guardem, entre si, uma linha essencial de continuidade e
coerência”56. Nesse sentido, a segurança jurídica no âmbito jurisprudencial requer a
existência de coerência e de uma racionalidade entre os entendimentos dos tribunais, os
quais não devem se apresentar diametralmente opostos ou frontalmente conflitantes.
Ao se falar em reconvenção, entendem CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO
que “nesses casos, a reunião de duas ou mais causas ou demandas num processo não se
faz apenas com vista à economia, mas também para evitar decisões contraditórias”57.
Ou seja, alude-se também ao princípio da segurança jurídica.
5. Considerações finais: a interpretação da reconvenção subjetivamente ampliativa
sob a ótica da tutela jurisdicional efetiva
Em face do exposto, insta ressaltar que a compreensão do art. 315 do CPC e da
questão da legitimidade das partes da reconvenção deve ser feita à luz dos princípios da
celeridade da prestação jurisdicional, da economia processual, da segurança jurídica,
bem como do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.
Para que pudéssemos interpretar exegeticamente a referida disposição do CPC,
deveria haver uma razão que justificasse a interpretação gramatical neste caso, como a
sua repercussão social, a sua conformidade com os princípios de justiça ou até mesmo a
sua finalidade prática. Ao se afirmar que se deve interpretar literal e declarativamente o
artigo, alegando-se como justificativa que a ampliação de sujeitos na reconvenção pode
tumultuar o processo, poder-se-ia estar fazendo alusão ao princípio constitucional da
celeridade prestação jurisdicional.
56
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 24ª.ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 168.
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido
Rangel.Teoria Geral do Processo. 20ªed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 72.
57
19
Não obstante, se analisarmos este aspecto sob uma ótica mais ampla, veremos
que o princípio mencionado restaria prejudicado se a reconvenção subjetivamente
ampliativa não fosse admitida, e não o contrário. Isso porque, se negarmos essa
possibilidade ao réu, em nome da celeridade da demanda proposta pelo autor, que
poderia ser afetada com o chamamento de mais alguma pessoa ao processo, significa
que a única opção que lhe restará será ajuizar uma ação em um processo separado.
Se a primeira ação ainda estiver pendente, o juiz poderá determinar a reunião das
ações por conexão, fazendo com que aquilo que já poderia ter sido resolvido de maneira
mais célere através da reconvenção tenha de esperar pelo ajuizamento da nova ação,
pela sua distribuição, pela sua autuação, pela citação do réu, entre outras fases
processuais.
Caso a primeira lide já tiver transitado em julgado, tanto pior, já que a nova ação
terá de passar por todas as fases processuais e atos instrutórios que a demanda inicial já
havia passado, para só depois ser julgada. A pretensão do réu, que poderia ter sido
julgada de maneira célere, concomitantemente com a demanda inicialmente proposta
pelo autor, acabará por ter de aguardar toda a morosidade característica do processo,
para só então ter sua procedência ou improcedência declarada.
Isso denota dizer que, tanto no primeiro caso quanto no segundo, a inadmissão
da reconvenção subjetivamente ampliativa prejudicaria a celeridade da prestação
jurisdicional. Não se podendo, por essa razão, invocar tal princípio para justificar a
refutação desta possibilidade, mas, pelo contrário, apenas para ratificar a sua
admissibilidade58.
58
Moacyr Amaral Santos assevera que certos autores apontaram alguns inconvenientes da reconvenção,
mas rebate a crítica demonstrando a superioridade das vantagens do instituto em relação aos seus supostos
prejuízos:
“O primeiro consistiria no aumento de questões acarretado com a intromissão da reconvenção
no processo da ação originária, tornando mais complexa a prova, desdobrando os atos processuais,
exigindo, de tal forma, mais trabalho do juiz e tornando mais lento o processo. Parte a crítica de
20
O mesmo vale para o princípio da economia processual. A duplicação dos atos
instrutórios, promovida quando não se permite que o réu reconvenha, tendo ele de
ajuizar ação separada, repercute em um dispêndio de tempo e de gastos processuais
desnecessários.
Esta desnecessidade reside no fato de que, se ação e reconvenção possuem
conexidade entre si, não há porque se impedir que o réu pleiteie sua demanda por via
reconvencional em litisconsórcio com pessoa estranha à ação inicial (ou em face do
autor em litisconsórcio com outra pessoa estranha), se a lei não proíbe expressamente tal
situação. Se não há óbice legal, deve-se primar pela economia processual. A
admissibilidade dessa situação consagra este princípio, extraindo-se do processo o
“máximo de proveito útil que ele seja capaz de oferecer”59.
No tocante à uniformidade do julgamento e ao princípio da segurança jurídica,
isto é, à busca por evitar decisões conflitantes acerca dos mesmos fatos ou de fatos
intimamente relacionados, caminha-se também pela aceitação da reconvenção
subjetivamente ampliativa. Privilegiando-se a utilização da reconvenção, em detrimento
do ajuizamento de uma ação separada, está-se garantindo que ambas as ações (inicial e
reconvencional) sejam julgadas na mesma sentença, nos ditames do art. 318 do CPC60.
A inadmissibilidade de tal situação levaria o réu a propor ação em processo
distinto, que, se julgada por um juízo diverso do qual fora proposta a ação inicial,
poderia se chegar a sentenças conflitantes acerca da mesma matéria, atentando-se
injustificadamente contra a segurança jurídica.
pressuposto falso, porque considera o aumento de carga num processo, em que os mesmos atos
processuais, os quase todos eles, teriam que se realizar, onde muito comumente se repetiria a produção
das mesmas provas, exigindo maior dispêndio de energias e de tempo do órgão judicante, quantas vezes
representado por mais de um juiz ou tribunal. A carga que a reconvenção traz ao processo originário
não está na proporção das vantagens provenientes da unificação das ações.”(grifei) SANTOS, Moacyr
Amaral. Da Reconvenção no Direito Brasileiro. 4. ed., São Paulo: Max Limonad, 1973. p. 136 – 137.
59
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. V.1. 5ªed. rev. e atual. São
Paulo: Malheiros, 2005. p. 505.
60
Código de Processo Civil, “Art. 318. Julgar-se-ão na mesma sentença a ação e a reconvenção.”
21
Essas considerações levam a crer que a refutação da reconvenção subjetivamente
ampliativa vai contra o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, uma vez que
este posicionamento não otimiza a eficiência do processo como instrumento para a
tutela jurisdicional.
Ao abordar a interpretação e a aplicação das normas jurídicas, RECASÉNS
SICHES aponta que não se trata de “extrair, por via de inferência, conclusões de
determinados conceitos jurídicos. Pelo contrário, o problema só encontra solução
ponderando, compreendendo e estimando os resultados práticos que a aplicação da
norma produziria em determinadas situações reais”61. Por esse motivo, requer-se a
análise de um caso concreto para melhor ponderarmos a questão em comento.
Uma instituição financeira recebe de uma sociedade empresária uma duplicata
por endosso translativo, sacada contra José da Silva. Em função de não ter havido o
adimplemento no vencimento, a instituição financeira envia a duplicata para protesto,
após 30 dias do vencimento. Pelo fato de o título cambial carecer de força executiva,
vez que decorridos três anos da data do vencimento62, a instituição financeira ajuíza
ação de cobrança apenas em face de José da Silva, por ter perdido o direito de regresso
contra a sociedade empresária cedente da duplicata63. José da Silva contesta a ação e
apresenta reconvenção, requerendo a declaração de nulidade do título, em razão da
inexistência de negócio jurídico e da falsidade da assinatura, bem como indenização por
danos morais, pelo protesto indevido do título. O réu-reconvinte opõe a ação
reconvencional não apenas em face da instituição financeira, mas também da sociedade
empresária, que embora ausente na ação originária, é parte legítima para figurar no pólo
61
RECASÉNS SICHES, Luís. Nueva Filosofia de la Interpretación del Derecho. 2ª ed. aum. México:
Porrúa, 1973. p.265. apud AZEVEDO, Plauto Faraco de. Método e hermenêutica material no Direito.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 28.
62
Lei nº 5.474/68, “Art. 18. A pretensão à execução da duplicata prescreve: I - contra o sacado e
respectivos avalistas, em 3 (três) anos, contados da data do vencimento do título;”
63
Lei nº 5.474/68, “Art. 13. (...) § 4º. O portador que não tirar o protesto da duplicata, em forma regular
e dentro do prazo de 30 (trinta) dias, contado da data de seu vencimento, perderá o direito de regresso
contra os endossantes e respectivos avalistas.”
22
passivo da demanda reconvencional, eis que além de ser causadora do fato gerador dos
danos morais, poderia exigir em outra oportunidade o débito decorrente da duplicata em
questão.
Nessa situação, vê-se que a inadmissibilidade da ampliação de sujeitos na
reconvenção levaria a um transtorno para o réu, prejudicando a economia processual, a
celeridade da prestação jurisdicional, assim como a segurança jurídica. Prejudica-se,
conseqüentemente, o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, já que a partir de
tal entendimento, o processo não garante efetivamente a tutela ao direito fundamental à
celeridade da prestação jurisdicional, que resta desprotegido em face de uma decisão
que acarreta maior morosidade ao processo.
Essa situação abrange tanto os casos de litisconsórcio necessário, como também
os de litisconsórcio facultativo64, como se pode observar no acórdão unânime do
TJRS65:
“AÇÃO
RECONVENCIONAL.
LITISCONSÓRCIO
ATIVO
FACULTATIVO.
POSSIBILIDADE E ADMISSIBILIDADE. PEDIDO REJEITADO EM DECISÃO DE
PRIMEIRO GRAU. AGRAVO DE INSTRUMENTO DO REQUERENTE.
Reconvenção é ação. Ação embutida em outra ação, mas ação. E não ação secundária,
eis que entre a ação original e a ação reconvencional não há ação principal e ação secundária.
Nem mesmo ação subsidiária ou dependente é a reconvenção (...).
Em sendo, a ação reconvencional, ação no mais amplo sentido do termo, nela se
admite o uso de todos os institutos processuais, inclusive o litisconsórcio e a assistência, a
intervenção de terceiros, como a denunciação da lide, a oposição, a nomeação à autoria e o
chamamento ao processo. O meu pensar se assenta numa regra de extrema simplicidade: onde a
lei não restringe, não pode o intérprete restringir seu real alcance.
A questão diz apenas com a ampliação subjetiva da relação processual. E essa
ampliação possível é via reconvenção, sempre que não expressamente, ou pela natureza da
64
“Mesmo em se tratando de litisconsórcio passivo facultativo simples, é admissível a reconvenção
deduzida contra terceiro que se encontrar nessa situação litisconsorcial, já que não há obstáculo legal e
esse procedimento é recomendado pelo princípio da economia processual”. NERY JUNIOR, Nelson;
ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de processo civil comentado e legislação processual civil
extravagante em vigor. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997. p. 594.
65
Agravo de Instrumento nº 70001093392, Sexta Câmara Cível, Des. Osvaldo Stefanello (relator),
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS).
23
ação, vedada, eis que extraído deve ser, sempre que possível, o máximo proveito útil do
processo (...).
Assim colocada a questão, que é, a meu entender, a forma jurídica e legalmente correta
de colocá-la, não vejo, no caso sob exame, nenhum óbice a que o agravante seja admitido na
ação reconvencional como litisconsórcio ativo, embora se esteja a tratar de litisconsórcio
facultativo. Risco de tumulto processual inexiste. E a origem do direito que está a pleitear é a
mesma (...).
Tenho, pois, que procede, devida vênia do eminente Juiz que à decisão impugnada
proferiu, a desconformidade manifestada pelo agravante. Agravante que não está pretendendo
apresentar contra a autora reconvenção, mas seja admitido como litisconsorte ativo na
ação reconvencional (...), situações jurídico-processuais que não se confundem, apresentando
conotações próprias e autônomas.
Isto posto, provejo o agravo, reformando a decisão recorrida, e admito o agravante
como litisconsorte ativo na ação reconvencional que a Gente Seguradora opõe à autora.” (grifei)
No mesmo sentido estabelece o Direito Processual Civil português. Já em 1995
o legislador lusitano, através da reforma ao Código de Processo Civil, inseriu em seu
texto a admissibilidade de a reconvenção ser ajuizada em face de terceiros que não
integravam a ação originária, dirimindo controvérsias desta natureza. É o que se observa
a partir da leitura do art. 274º, nº 4, do CPC português:
“Se o pedido reconvencional envolver outros sujeitos que, de acordo com os critérios gerais
aplicáveis à pluralidade de partes, possam associar-se ao reconvinte ou ao reconvindo, pode o
réu suscitar a respectiva intervenção principal provocada, nos termos do disposto no artigo
326º.”66
Destarte, conclui-se que a melhor interpretação para a questão da legitimidade
das partes na reconvenção é aquela que admite a possibilidade de o réu reconvir em
litisconsórcio ativo com uma pessoa que não figurava como parte na demanda
originária, ou reconvir em face do autor em litisconsórcio passivo com uma pessoa
estranha à ação inicial. Esta interpretação não contraria qualquer disposição legal, vez
que não há nenhum óbice normativo a essa prática, além do fato de ela se justificar pela
adequação aos princípios da economia processual, da celeridade da prestação
66
Sobre o tema, acena o Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, Joaquim José de
Sousa Dinis: “Admite-se que a reconvenção possa ser deduzida contra outras partes que não estão no
processo, devendo o reconvinte provocar a sua intervenção.” DINIS, Joaquim José de Sousa. Inovações
e perspectivas no direito processual civil português. In: Juris Síntese, nº 33. Porto Alegre: Editora
Síntese, 2002. CD-ROM.
24
jurisdicional, da segurança jurídica, e pela concretização do direito fundamental à tutela
jurisdicional efetiva67.
6. Referências bibliográficas
ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela jurisdicional da vida privada. 1999. 254f.
Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Federal do
Paraná, Curitiba.
AZEVEDO, Plauto Faraco de. Método e hermenêutica material no Direito. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 1999.
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Contudo, nunca é demais lembrar que essa interpretação pode ser revista em face das peculiaridades de
determinado caso concreto, não podendo ser tomada como absoluta, haja vista que a interpretação das
regras a partir dos princípios deve ser analisada diante do caso concreto. Neste influxo, observa Luiz
Guilherme Marinoni: “Porém, se a regra deve ser compreendida e aplicada conforme o calor atribuído à
realidade pelo princípio, é evidente que não se pode controlar a constitucionalidade da lei, ou mesmo
interpretá-la, considerando-se apenas o seu texto. Nessa situação se diz que não basta identificar o
significado da norma em abstrato, sendo necessário precisar o seu significado diante dos casos
concretos. A atenção ao desempenho da norma na prática outorga ao intérprete a possibilidade de
relacionar os princípios com uma outra dimensão de significado normativo, viabilizando uma
compreensão crítica da norma em uma perspectiva concreta.” MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de
processo civil, volume 1: teoria geral do processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p.
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