O pré-sal e a responsabilidade civil nas atividades petrolíferas: necessidade de conciliação entre desenvolvimento econômico e proteção ambiental Alex Vasconcellos Prisco Artigo publicado na Revista de Direito Ambiental – RDA 68 (outubro/dezembro 2012) RESUMO: Este artigo trata da responsabilidade civil nas atividades exploração e produção de petróleo e gás natural, as quais serão bastante intensificadas diante da descoberta das grandes reservas do pré-sal. Com o aumento exponencial da produção, também deve aumentar exponencialmente a incidência de vazamentos de óleo e de outros eventos danosos do tipo, conclamando os estudiosos a reverem o papel o Direito nesse inexorável processo contingencial, de modo que o exercício da atividade petrolífera (e do esperado desenvolvimento econômico que ela trará) possa ser compatibilizado com a proteção ao meio ambiente. PALAVRAS-CHAVE: Pré-sal – responsabilidade civil ambiental – desenvolvimento econômico - proteção ao meio ambiente. ABSTRACT: This article deals with the civil liability in the exploration and production activities of oil and natural gas, which will be quite intensified because of the discovery of large reserves of the pre-salt. With the exponential increase in production, should also exponentially increase the incidence of oil spills and other harmful events, urging scholars to review the role of law in this inexorable process, so that the exercise of the oil activity (and expected that it will bring economic development) can be reconciled with environmental protection. KEYWORDS: Pre-salt – civil liability - environmental protection - economic development. ÁREA DO DIREITO: Ambiental; Constitucional; Econômico; Civil. 2 SUMÁRIO: Introdução – 1. Afirmação e importância da proteção ao meio ambiente como direito fundamental – 2. Operacionalização da tutela jurídica do meio ambiente na ordem constitucional: elementos essenciais da responsabilidade civil ambiental - 2.1. Princípio do poluidor-pagador - 2.2. Princípio da reparação - 2.2.1. Responsabilidade objetiva, risco, nexo causal e solidariedade – 3. Instrumentos de reparação coletiva – 4. A necessária harmonização entre desenvolvimento econômico e proteção ambiental – 5. Conclusão – Bibliografia. INTRODUÇÃO Em 2007, foram anunciadas descobertas no Brasil de volumosas reservas de petróleo e gás natural, localizadas em camada geológica denominada “pré-sal”. O descobrimento desses reservatórios pode elevar o Brasil à categoria dos grandes Estados produtores de óleo e gás1, o que trará ao país, no médio e longo prazo, a esperança de considerável ingresso de divisas, impactando significativamente o desenvolvimento socioeconômico nacional. O bom aproveitamento desse valioso patrimônio perpassa não apenas pela formulação e implementação de políticas industriais voltadas ao desenvolvimento de tecnologia e do aprimoramento da cadeia interna de fornecedores de produtos e serviços, mas, sobretudo, pelo incremento da proteção ao meio ambiente. O aumento das exigências ambientais - a par de ser uma diretriz irresistível que vem sendo seguida pelo mercado em geral - deve ser particularmente intensificado no setor petrolífero, onde se revela verdadeira necessidade imperiosa. Nesse sentido, basta mencionar o desastre ecológico ocorrido no Golfo do México, tido até então como o maior vazamento de óleo da história dos Estados Unidos. Como se sabe, o acidente teve início no dia 20 de abril de 2010, após explosão e afundamento da plataforma Deepwater Horizon, pertencente à empresa British Petroleum (BP). Onze trabalhadores morreram e durante 87 dias 1 Segundo matéria veiculada na revista setorial Análise Energia, Anuário 2010, p. 29: “O pré-sal representa a possibilidade de alçar o Brasil ao seleto grupo dos dez maiores produtores mundiais de petróleo”. 3 o poço do campo de Macondo vazou o equivalente a 4,9 milhões de barris de óleo, causando enormes prejuízos ao meio ambiente e a todas as pessoas situadas na costa americana do Golfo do México2. Mais recentemente, tem-se registrado entre nós uma série de acidentes que, embora menores, já deixa claro que com o advento do pré-sal e o aumento exponencial da produção petróleo no Brasil, também deve aumentar exponencialmente a incidência de vazamentos de óleo e de outros eventos danosos do tipo. Prova disso é que em abril de 2012 foram detectados derramamentos de petróleo no campo de Atum, na Bacia de Santos, litoral do Estado do Ceará. No início do mês março, houve vazão de gás natural proveniente de uma plataforma da Petrobras, sendo que em fevereiro e janeiro já tinham sido registrados mais três outros derramamentos de óleo: dois na Bacia de Santos e um na de Campos; isso sem contar o vazamento de petróleo que ocorreu em novembro de 2011, no campo de Frade, na Bacia de Campos, na costa do Estado do Rio de Janeiro. O bloco era operado pela empresa Chevron e as apurações até então divulgadas dão conta de um derramamento equivalente a 2,4 mil barris de óleo3. A magnitude dos danos causados ao meio ambiente e a terceiros por esses eventos catastróficos tem provocado grande revolução na indústria do petróleo no trato dos chamados “passivos ambientais”, conclamando os estudiosos a reverem o papel o Direito nesse inexorável processo contingencial, de modo que o exercício da atividade petrolífera (e do esperado desenvolvimento econômico que ela trará) possa ser compatibilizado com a proteção da natureza. Além desta breve introdução, este estudo está dividido em quatro partes. 2 Jornal O Globo, 20/09/2010, caderno de Economia, p. 18. Revista Veja, edição 2203, ano 44, nº 6, ed. Abril, 9 de fev. de 2011, p. 17. Revista Época Negócios, nº 62, abril 2012, ano 6, p. 44. 3 Jornal O Globo, 03/04/2012, caderno de Economia, p. 23. Revista Época Negócios, nº 62, abril 2012, ano 6, p. 44. 4 Na primeira, será analisada a importância da proteção ao meio ambiente, erigida pela Constituição como direito fundamental. Na segunda, se enfocará a operacionalização da tutela jurídica do meio ambiente na ordem constitucional, a partir do estudo dos elementos essenciais da responsabilidade civil ambiental, com destaque para os princípios do poluidorpagador e da reparação e suas necessárias interconexões com o princípio da prevenção. Na terceira, serão examinados os chamados instrumentos de reparação coletiva e sua aplicação específica no campo da indústria do petróleo. Na quarta, estudar-se-á a harmonização entre desenvolvimento econômico e proteção ambiental, concluindo-se que as riquezas do pré-sal só poderão ser adequadamente aproveitadas pelo povo brasileiro se houver também uma eficaz defesa do meio ambiente. 1. AFIRMAÇÃO E IMPORTÂNCIA DA PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE COMO DIREITO FUNDAMENTAL Diz o caput do art. 225 da Constituição da República: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Conforme asseverou Carlos Alberto Menezes Direito, em pronunciamento jurisprudencial no âmbito do STF, o “respeito” e a “preservação” do meio ambiente mereceram “consagração constitucional especialíssima”4, sendo, na dicção de Celso de Mello, “uma das mais expressivas prerrogativas asseguradas às 4 Cf. voto proferido na ADI nº 3.378-6/DF. 5 formações sociais contemporâneas”5. Ainda segundo esse último Ministro da Suprema Corte, o “meio ambiente ecologicamente equilibrado” é: (...) um típico direito de terceira geração que assiste, de modo subjetivamente indeterminado a todo gênero humano, circunstância essa que justifica a especial obrigação – que incumbe ao Estado e à própria coletividade – de defendê-lo e de preservá-lo em benefício das presentes e das futuras gerações, evitando-se, desse modo, que irrompam, no seio da comunhão social, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade na proteção da integridade desse bem essencial de uso comum de todos quantos compõem o grupo social (...)6 Daí porque a afirmação de Paulo Affonso Leme Machado, no sentido de que o caput do art. 225 da CF é “antropocêntrico”, constituindo-se em um “direito fundamental da pessoa humana”, na medida em que “a destruição ambiental no mundo compromete a possibilidade de uma existência digna para humanidade” 7. Para José Renato Nalini e Wilson Levy, “o texto da norma do art. 225 demonstra que o meio ambiente está inserto nos chamados direitos fundamentais de terceira geração”8 que, na conceituação de Paulo Bonavides, “são direitos que não se destinam especificamente à proteção de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado”, e sim têm como primeiro destinatário “o gênero humano”9. Citando lição de Ingo Wolfang Sarlet, os autores afirmam que tais direitos também são referidos como “direitos de fraternidade ou de solidariedade”, tendo em vista “‟sua implicação universal ou, no mínimo, transindividual, e por exigirem esforços e responsabilidades em escala até mesmo mundial para sua efetivação‟”10. 5 Cf. voto proferido no MS nº 22.164-0/SP. MS nº 22.164-0/SP (destaques do original). 7 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro...ob. cit. p. 118. 8 NALINI, José Renato; LEVY, Wilson. Interdisciplinariedade e direitos fundamentais: reflexões para uma nova metodologia do ensino de direito ambiental. Revista dos Tribunais nº 894. São Paulo: RT, abr. 2010, p. 35 - destaques do original. 9 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 522. 10 NALINI, José Renato; LEVY, Wilson. Interdisciplinariedade e direitos fundamentais... ob. cit. p. 35 - destaques do original. 6 6 Ressaltando esse caráter de transnacionalidade da tutela ao meio ambiente, fruto de sua extrema importância para a vida global, a jurisprudência do STF, pela pena do já citado Ministro Celso de Mello, aduz que a preservação ambiental tem se consubstanciado em: (...) objeto de regulações normativas e de proclamações jurídicas, que, ultrapassando a província meramente doméstica do direito nacional de cada Estado soberano, projetam-se no plano das declarações internacionais, que refletem, em sua expressão concreta, o compromisso das Nações com o indeclinável respeito a esse direito fundamental que assiste a toda humanidade. A questão do meio ambiente, hoje, especialmente em função da Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente (1972) e das conclusões da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio/92), passou a compor um dos tópicos mais expressivos da nova agenda internacional (...), particularmente no ponto em que se reconheceu, ao gênero humano, o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em ambiente que lhe permita desenvolver todas as suas potencialidade em clima de dignidade e bem estar. 11 Nesse mesmo sentido, só que em âmbito doutrinário, ressaltam Darlan Rodrigues Bittencourt e Ricardo Kochinski Marcondes que: A elevação de interesse ecológico ao plano da política das nações fez com que o ecossistema galgasse posição de suma importância na esfera jurídica. O reconhecimento do direito do homem ao meio ambiente harmônico e produtivo posicionou-o como bem jurídico fundamental à vida humana”. Esse status o insere ao lado do direito à vida, à igualdade, à liberdade (...).12 Ainda na doutrina, destaca Antônio Augusto Cançado Trindade: A proteção ambiental e a proteção dos direitos humanos situamse hoje, e certamente continuarão a situar-se nos próximos anos, na vanguarda do direito internacional contemporâneo. Estes dois 11 Cf. voto proferido na ADI nº 3.378-6/DF. BITTENCOURT, Darlan Rodrigues; MARCONDES, Ricardo Kochinski. Lineamentos da Responsabilidade Civil Ambiental In: NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Maria de Andrade (Org.). Doutrinas Essenciais - Responsabilidade Civil - Direito Ambiental, vol. VII. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pp. 265 e 266. 12 7 domínios de proteção, ao fazerem abstração de soluções jurisdicionais e especiais (territoriais) clássicas do direito internacional público, nos incitam a repensar as próprias bases e princípios deste último, contribuindo assim à sua revitalização.13 Fazendo alusão à Conferência de Estocolmo de 1972 (aderida pelo Brasil sem reservas), Fábio Konder Comparato assevera que se trata “do primeiro documento normativo internacional que reconhece e proclama a existência de um „direito da humanidade‟, tendo por objeto, por conseguinte, bens que pertencem a todo o gênero humano”, razão pela qual “não podem ser apropriados por ninguém em particular”. Daí porque: Os Estados em que tais bens se encontram são considerados como meros administradores fiduciários, devendo informar e prestar contas, internacionalmente, sobre o estado em que se encontram esses bens e sobre as providências tomadas para protegê-lo contra o risco de degradação natural ou social a que estão submetidos. 14 2. OPERACIONALIZAÇÃO DA TUTELA JURÍDICA DO MEIO AMBIENTE NA ORDEM CONSTITUCIONAL: ELEMENTOS ESSENCIAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL A Constituição brasileira possui uma série de dispositivos dos quais é possível extrair uma numerosa e multifacetada normatividade jurídica, toda ela direcionada à máxima proteção do meio ambiente que, como visto, insere-se na elevada categoria dos direitos fundamentais. Nessa ordem de ideias, Paulo de Bessa Antunes15, após destacar vários artigos constitucionais que direta ou indiretamente aludem à questões ambientais 16, afirma que nossa Carta Magna 13 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Direitos Humanos e Meio Ambiente: paralelo dos sistemas de proteção internacional. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1993, p. 199. 14 COMPARATO, Fábio Konder. Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 76. 15 Apud BITTENCOURT, Darlan Rodrigues; MARCONDES, Ricardo Kochinski. Lineamentos da Responsabilidade Civil Ambiental...ob. cit. p. 268. 16 O autor aponta os seguintes dispositivos: “art. 5o, XXIII, LXXI, LXXIII; art. 20, I a XI, e §§ 1o e 2o; art. 21, XIX, XX, XXIII, a, b e c, XXV; art. 22, IV, XII, XXVI; art. 23, I, III a VII, IX, XI; art. 24, VI a VIII; art. 26, I a IV; art. 30, I, II, VIII; art. 43, § 2o, IV, e § 3o; art. 49, XIV e XVI; art. 91; art. 129, III, 8 traz normas de direito ambiental com natureza processual, penal, civil, administrativa, econômica, sanitária e de competência legislativa, podendo ainda tais dispositivos ostentar caráter preventivo, repressivo, ressarcitório e protetivo, conforme classificação de Helita Barreiro Custódio17. Há ainda uma igualmente abundante e variada principiologia a orientar a concretização desses preceptivos constitucionais. No entanto, consideradas as finalidades específicas deste trabalho, examinaremos apenas os princípios de direito ambiental que mais intimamente se relacionam com o instituto da responsabilidade civil ambiental. São eles: os princípios do poluidor-pagador e da reparação e suas necessárias interconexões com o princípio da prevenção. 2.1. PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR Instituído em 1972 pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE (Recomendação C (72) 126), o princípio do poluidor-pagador (polluer payer) é definido da seguinte forma: (...) o princípio que usa para afetar os custos das medidas de prevenção e controle da poluição, para estimular a utilização racional dos recursos ambientais escassos e para evitar distorções ao comércio e ao investimento internacionais, é o designado princípio do poluidor-pagador. Este princípio significa que o poluidor deve suportar os custos do desenvolvimento das medidas acima mencionadas decididas pelas autoridades públicas para assegurar que o ambiente esteja num estado aceitável (...)18 art. 170; art. 174, §§ 3o e 4o; art. 176; art. 182; art. 186; art. 200, VII, VIII; art. 216, V e §§ 1o, 3o e o 4 ; art. 225; 231; Art. 232, CF/1988; art. 41 e art. 44 do ADCT.” 17 CUSTÓDIO, Helita Barreira. Responsabilidade civil por danos ao meio ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983, p. 208, apud BITTENCOURT, Darlan Rodrigues; MARCONDES, Ricardo Kochinski. Lineamentos da Responsabilidade Civil Ambiental...ob. cit. p. 269. 18 Apud ARAGÃO, Maria Alexandra de Souza. O princípio do poluidor-pagador. Pedra angular da política comunitária do ambiente. Coimbra: Coimbra, 1997, p. 60. 9 Conforme expõem Darlan Rodrigues Bittencourt e Ricardo Kochinski Marcondes, o princípio do poluidor-pagador constitui-se em “ponto de fundamental relevância” para o arquitetamento de uma “política ambiental” 19 eficaz. De acordo com Helli Alves de Oliveira, a formulação de tal princípio tem “inspiração na teoria econômica”, enunciando que os “custos sociais externos” acarretados pela poluição dos processos industriais de produção devem ser assumidos e internalizados por aqueles que exploram e se beneficiam economicamente da atividade empresarial20. A diretriz está consolidada no item 16 da Declaração do Rio de Janeiro de 1992 (ECO 92), segundo o qual: As autoridades devem esforçar-se para promover a internalização dos custos de proteção do meio ambiente e o uso dos instrumentos econômicos, levando-se em conta o conceito de que o poluidor deve, em princípio, assumir o custo da poluição, tendo em vista o interesse público, sem desvirtuar o comércio e os investimentos internacionais. Na síntese de Cristiane Derani, o princípio do poluidor-pagador objetiva a “internalização das externalidades negativas” 21-22, impondo ao empreendedor- 19 BITTENCOURT, Darlan Rodrigues; MARCONDES, Ricardo Kochinski. Lineamentos da Responsabilidade Civil Ambiental...ob. cit. p. 277. 20 OLIVEIRA, Helli Alves de. Da responsabilidade do Estado por danos ambientais. 1ª ed. Rio de Janeiro. Forense, 1990, p. 49. 21 DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. 2ª ed. Rio de Janeiro: Max Limonad, 2001. p. 163. 22 Sobre o conceito econômico de “externalidades” (e sua importância na proteção do meio ambiente), escreve Maria Alexandra de Souza Aragão que: “Um contributo teórico que permitiu avançar significativamente na compreensão dos fenômenos de delapidação do ambiente, como a poluição, foi dado já em 1890, por Marshall, com o conceito de externalidade estudado em 1920 por Pigou, no contexto teórico da economia do bem estar e criticada mais tarde, em 1960, por Coase. Marshal constatou que o preço de mercado dos bens pode não reflectir fielmente os verdadeiros custos ou benefícios resultantes da sua produção ou do seu consumo. [...] Como já referimos, os efeitos sociais secundários da produção ou do consumo tanto podem ser positivos (favoráveis, representando ganhos para os terceiros), como negativos (desfavoráveis, importando perdas para os terceiros), mas têm, em qualquer caso, como característica essencial o facto de não serem espontaneamente considerados nem contabilizados nas decisões de produção ou de consumo de quem desenvolve a actividade que os gera. Nisto consistem os efeitos externos ao mercado, ou simplesmente as externalidades de uma dada actividade econômica” (ARAGÃO, Maria Alexandra de Souza. O princípio do poluidor-pagador...ob. cit., p. 33). 10 poluidor, na dicção de Antonio Hermann Benjamin, o “dever de arcar com as despesas de prevenção, reparação e repressão da poluição”.23 Em verdade, o princípio do poluidor-pagador tem como função precípua privilegiar uma atuação preventiva (princípio da prevenção)24, relegando a um plano secundário os aspectos reparatórios e repressivos. Nessa linha, Taissa Motta Mexias explica que o princípio do poluidor-pagador: não possui apenas o viés reparatório, ao contrário, há tempos que ganha relevo sua faceta preventiva, pois, ao poluidor cabe, em primeiro lugar, suportar os custos de precaução e prevenção da possível ocorrência do dano e, em segundo lugar, se inevitável for, pagará pela sua reparação. 25 De igual forma, observa Silvana Colombo: É oportuno detalhar que este princípio não permite a poluição e nem pagar para poluir. Pelo contrário, procura assegurar a reparação econômica de um dano ambiental quando não for possível evitar o dano ao meio ambiente, através das medidas de precaução. Desta forma, o princípio do poluidor-pagador não se reduz à finalidade de somente compensar o dano ao meio ambiente, deve também englobar os custos necessários para a precaução e prevenção dos danos, assim como sua adequada repressão.26 No mesmo sentido, colhe-se ainda a doutrina de Cristiane Derani, para quem “o custo a ser imputado ao poluidor não está exclusivamente vinculado à imediata reparação do dano. O verdadeiro custo está numa atuação preventiva”27. Aprofundando o tema, José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala 23 Apud BITTENCOURT, Darlan Rodrigues; MARCONDES, Ricardo Kochinski. Lineamentos da Responsabilidade Civil Ambiental...ob. cit. p. 277 (destaque nosso). 24 Para Cristiane Derani, o princípio da prevenção é a “essência do direito ambiental” (DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico...ob.cit., p. 165). 25 MEXIAS, Taissa Motta. Compensação ambiental: o princípio da proporcionalidade e os empreendimentos que causam significativos impactos no meio ambiente. Dissertação (Mestrado em Direito), Universidade Candido Mendes – UCAM: Rio de Janeiro, 2007, p. 44 – destaque nosso). 26 COLOMBO, Silvana. Aspectos conceituais do princípio do poluidor-pagador. Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental - FURGS, vol. 13, jul./dez. 2004, p. 17. Disponível em: <www.remea.furg.br/edicoes/vol13/art2.pdf>. Acesso em: 15/08/2011. 27 DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico...ob.cit., p. 163. 11 escrevem que o conteúdo do princípio do poluidor-pagador é "essencialmente cautelar e preventivo”, sendo que os passivos ambientais postos a cargo dos empreendedores não se caracterizam propriamente numa “fórmula indenizatória e compensatória”, tal como enquadrado na legislação civilista, mas envolvem sobretudo os custos relativos à implementação de “medidas de prevenção ou mitigação da possibilidade de danos, que devem ser suportadas primeiro pelo poluidor, em momento antecipado, prévio à possibilidade de ocorrência do dano ao ambiente."28 Tanto isso é correto que, entre nós, aqueles que almejarem explorar empreendimentos considerados potencialmente causadores de significativo impacto ao meio ambiente estão obrigados a pagar, antecipadamente, uma compensação ambiental, conforme previsto no art. 36 da Lei nº 9.985/2000, que regulamenta o art. 225, § 1º, incisos I, II, III e VII da Constituição e institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) 29. Esse dispositivo 28 legal, como se sabe, foi alvo de uma Ação Direta de LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 78. 29 “Art. 36. Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório - EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei. § 1º O montante de recursos a ser destinado pelo empreendedor para esta finalidade não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento, sendo o percentual fixado pelo órgão ambiental licenciador, de acordo com o grau de impacto ambiental causado pelo empreendimento. § 2º Ao órgão ambiental licenciador compete definir as unidades de conservação a serem beneficiadas, considerando as propostas apresentadas no EIA/RIMA e ouvido o empreendedor, podendo inclusive ser contemplada a criação de novas unidades de conservação. § 3º Quando o empreendimento afetar unidade de conservação específica ou sua zona de amortecimento, o licenciamento a que se refere o caput deste artigo só poderá ser concedido mediante autorização do órgão responsável por sua administração, e a unidade afetada, mesmo que não pertencente ao Grupo de Proteção Integral, deverá ser uma das beneficiárias da compensação definida neste artigo”. Segundo observa Édis Milaré et alii, anteriormente à edição da Lei do SNUC, já era prática comum que “órgãos ambientais licenciadores” impusessem, “antes mesmo de qualquer investida no meio ambiente, condicionantes de natureza compensatória nas licenças ambientais emitidas. São as chamadas medidas compensatórias, que podem ser assim exemplificadas: o fomento de um programa de educação ambiental; o financiamento de pesquisas científicas; o replantio da mata ciliar de um rio importante para o município e outras muitas”. (MILARÉ, Édis; ARTIGAS, Priscila Santos. Compensação ambiental: questões controvertidas. Revista de Direito Ambiental, vol. 43. São Paulo: Revista dos Tribunais, jul. 2006, p. 103). 12 Inconstitucionalidade (ADI nº 3.378). Embora o STF tenha declarado a inconstitucionalidade parcial do § 1º, para o fim exclusivo de desvincular o valor da compensação devida do montante do empreendimento, a regra central da obrigatoriedade do pagamento antecipado de uma compensação ambiental foi mantida incólume pela Suprema Corte. Segundo consta do voto do relator, Ministro Carlos Ayres Brito, o art. 36 da Lei nº 9.985/2000 “densifica” o princípio do poluidor-pagador, sendo certo que o fato de “inexistir dano ambiental não significa isenção do empreendedor em partilhar os custos de medidas preventivas”. Justificando o posicionamento, o Ministro relator fez questão de ressaltar que uma das “vertentes” do princípio do poluidor-pagador que mais deve ser respeitada é justamente a preventiva, isto é, “a que impõe ao empreendedor o dever de também responder pelas medidas de prevenção de impactos ambientais que possam decorrer, significativamente, da implementação de sua empírica empreitada econômica”30. Ao destacar a razão de ser do princípio do poluidor-pagador, Paulo de Bessa Antunes afirma que por intermédio dele busca-se, em última análise, impedir que a sociedade arque com os custos de atos lesivos ao meio ambiente 30 Veja-se a ementa do julgado em comento: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 36 E SEUS §§ 1º, 2º E 3º DA LEI Nº 9.985, DE 18 DE JULHO DE 2000. CONSTITUCIONALIDADE DA COMPENSAÇÃO DEVIDA PELA IMPLANTAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS DE SIGNIFICATIVO IMPACTO AMBIENTAL. INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL DO § 1º DO ART. 36. 1. O compartilhamento-compensação ambiental de que trata o art. 36 da Lei nº 9.985/2000 não ofende o princípio da legalidade, dado haver sido a própria lei que previu o modo de financiamento dos gastos com as unidades de conservação da natureza. De igual forma, não há violação ao princípio da separação dos Poderes, por não se tratar de delegação do Poder Legislativo para o Executivo impor deveres aos administrados. 2. Compete ao órgão licenciador fixar o quantum da compensação, de acordo com a compostura do impacto ambiental a ser dimensionado no relatório - EIA/RIMA. 3. O art. 36 da Lei nº 9.985/2000 densifica o princípio usuário-pagador, este a significar um mecanismo de assunção partilhada da responsabilidade social pelos custos ambientais derivados da atividade econômica. 4. Inexistente desrespeito ao postulado da razoabilidade. Compensação ambiental que se revela como instrumento adequado à defesa e preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações, não havendo outro meio eficaz para atingir essa finalidade constitucional. Medida amplamente compensada pelos benefícios que sempre resultam de um meio ambiente ecologicamente garantido em sua higidez. 5. Inconstitucionalidade da expressão "não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento", no § 1º do art. 36 da Lei nº 9.985/2000. O valor da compensação-compartilhamento é de ser fixado proporcionalmente ao impacto ambiental, após estudo em que se assegurem o contraditório e a ampla defesa. Prescindibilidade da fixação de percentual sobre os custos do empreendimento. 6. Ação parcialmente procedente”. 13 causados por poluidor perfeitamente identificado.31 Em outras palavras, o princípio do poluidor-pagador intenta “afastar o ônus do custo econômico das costas da coletividade e dirigi-lo diretamente ao utilizador dos recursos ambientais” 32. Conforme anota Lise Viera da Costa Tupiassu, a principiologia do poluidorpagador introduz o conceito de “passivo ambiental”, pelo qual “as empresas embutirão em seus custos o valor monetário da degradação ambiental que causam”.33 No mesmo sentido, afirma Silvana Colombo que o princípio do poluidor-pagador: (...) apresenta explicitamente uma vocação redistributiva, pois os custos advindos do processo de produção devem ser internalizados, ou seja, os efeitos decorrentes do Princípio do Poluidor-Pagador são considerados como um dos fatores a serem observados na elaboração e cálculo dos custos de produção. 34 Ademais, ao imputar o custo da conservação ou recuperação ambiental ao usuário dos recursos naturais, o princípio poluidor-pagador também traria embutida a ideia de conscientização e racionalização, desejando fazer com que o empreendedor sempre se esforce para diminuir capacidade degradante da atividade, sob pena de ter de pagar caro por isso. Como não poderia deixar de ser, o princípio do poluidor-pagador deve obrigatoriamente ser observado na implementação de toda e qualquer de política pública. Segundo afirma Lise Viera da Costa Tupiassu, citando Cristiane Derani: o princípio do poluidor-pagador, embutido na legislação ambiental, necessariamente se fará presente na políticas públicas, implementadas com base em tais instrumentos legais, (...) embora se admita que, (...) por ser um princípio estrutural, sua manifestação nas políticas públicas não é determinante do 31 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 6ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 39. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental...ob.cit., p. 41. 33 TUPIASSU, Lise Viera da Costa. O Direito Ambiental e seus Princípios Informativos. In: NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Maria de Andrade (Org.). Doutrinas Essenciais - Responsabilidade Civil Direito Ambiental, vol. VII. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 127. 34 COLOMBO, Silvana. Aspectos conceituais do princípio do poluidor-pagador... ob. cit., p. 20 (destaque nosso). 32 14 comportamentos, porém, [pelo menos] orientadora (...) A realização desta diretriz do poluidor-pagador é um fator necessário para efetivação do direito constitucional a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. 35 Também nessa direção, salienta Silvana Colombo que: É justamente a internalização dos custos sociais decorrentes da poluição o cerne da problemática ambiental, exigindo por parte do Estado uma atuação política, apoiada necessariamente por uma teoria econômica, para que sejam desenvolvidos os meios e instrumentos para a estruturação de uma política ambiental, adequada ao processo de prevenção, repressão e reparação dos danos ao meio ambiente.36 2.2. PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO Complementar37 ao princípio do poluidor-pagador, há o princípio da reparação, que está constitucionalmente positivado no inciso VII, § 3 o, do art. 225. Essa norma dispõe o seguinte: As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. A reparação civil dos danos ambientais é integral (restitutio in integrum), imputando ao infrator a obrigação não só de indenizar monetariamente os prejudicados pelos danos emergentes, lucros cessantes, entre outras espécies de prejuízos sofridos, como também o dever de implementar, às suas expensas, a 35 TUPIASSU, Lise Viera da Costa. O Direito Ambiental....ob.cit., pp. 128-129. COLOMBO, Silvana. Aspectos conceituais do princípio do poluidor-pagador...ob. cit., p. 37. 37 Embora o princípio do poluidor-pagador acabe pregando a responsabilização civil do infrator pela reparação dos danos ambientais, seu foco principal são os dimensionamentos econômicos oriundos da utilização em si dos recursos naturais, deixando o desenvolvimento da dogmática jurídico-reparatória a cargo do princípio da reparação (ou princípio da responsabilidade). Nesse sentido, J.J. Canotilho, citado José Rubens Morato Leite, assevera que “(...) o princípio do poluidorpagador não se identifica com o princípio da responsabilidade pois abrange, ou, pelo menos foca outras dimensões não enquadráveis neste último.” (LEITE, José Rubens Morato (Org.). Inovações em direito ambiental. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2000, p. 57). 36 15 recuperação ou restauração38 do ecossistema impactado pelo evento danoso. Essa última modalidade de reparação (in natura) está especialmente explicitada no texto constitucional para o caso específico da exploração econômica das atividades minerárias em sentido lato, preconizando o § 2o, do art. 225, que: Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei. 2.2.1. RESPONSABILIDADE OBJETIVA, RISCO, NEXO CAUSAL E SOLIDARIEDADE No intuito conferir maior eficácia protetiva aos bens naturais, o princípio da reparação opera com base na ideia de responsabilidade objetiva, que está expressamente disciplinada em sede infraconstitucional, na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981, art. 14, § 1 o)39 e é atualmente aceita por todos os estudiosos do assunto 40. Logo, em matéria de prejuízos ecológicos, não há necessidade de os vitimados demonstrarem a conduta culposa do poluidor, a qual pode até mesmo ser lícita, estar autorizada pelo Poder Público e ser exercida em estrita conformidade com os padrões técnicos exigidos para o regular desempenho da atividade41. Dessa forma, basta somente que os prejudicados comprovem o dano e o nexo de causalidade, para que assim surja a obrigação de indenizar do emissor da poluição. 38 Hahn, citada por Taissa Motta Mexias, expõe que a “restauração (também denominada restabelecimento) pressupõe retorno à condição anterior a perturbação. Recuperação (também denominada regeneração lato sensu) significa reparações das funções degradadas sem necessariamente retorno às condições preexistentes”. (MEXIAS, Taissa Motta. Compensação ambiental...ob.cit., p. 44). A seu turno, a Lei nº 9.985/2000 define “recuperação” como a “restituição de um ecossistema ou de uma população silvestre degradada a uma condição não degradada, que pode ser diferente de sua condição original” e “restauração” como a “restituição de um ecossistema ou de uma população silvestre degradada o mais próximo possível da sua condição original” (art. 2º, XIII e XIV). 39 O dispositivo legal tem a seguinte redação: “Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.” 40 MEXIAS, Taissa Motta. Compensação ambiental...ob. cit., p. 43. 41 NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade. O Ministério Público e a responsabilidade civil por dano ambiental...ob. cit. p. 64. 16 Existe, entretanto, forte divergência na doutrina jusambientalista a respeito da aplicação das teorias que fundamentam e dão extensão à responsabilização objetiva do infrator em matéria ambiental. A fala a seguir transcrita de Annelise Monteiro Steigleder resume muito bem a exposição dessa problemática: Os limites e possibilidades da assunção dos riscos pelo empreendedor vêm sendo objeto de acirradas discussões, debatendo a doutrina, fundamentalmente, entre duas principais teorias. De um lado a teoria do risco integral, mediante a qual todo e qualquer risco conexo ao empreendimento deverá ser integralmente internalizado pelo processo produtivo; e, de outro, a teoria do risco criado, a qual procura vislumbrar, dentre todos os fatores de risco, apenas aquele que, por apresentar periculosidade, é efetivamente apto a gerar as situações lesivas, para fins de imposição de responsabilidade. .42 Nesse passo, tem-se que na sistemática do risco integral, a responsabilidade objetiva do ofensor pelo dano ambiental pressupõe o simples exercício de uma atividade empresarial que acarrete riscos de prejuízos ao meio ambiente, independentemente de essa atividade ser ou não considerada perigosa. Ao justificar o posicionamento, Annelise Monteiro Steigleder 43 anota que imputar a responsabilização civil apenas àquele que exerce atividade “perigosa” redundaria numa “interpretação” incompatível “com o objetivo posto na Constituição de proteger o meio ambiente e combater a poluição em todas as suas formas”. E conclui então a referida autora que a responsabilidade ambiental tem lugar tanto em caso de danos ocasionados por atividades perigosas, como nas hipóteses em que os prejuízos advêm de “uma atividade profissional qualquer”. A “premissa” adotada aqui, como se vê, é a de que “quem exerce uma atividade econômica, deve arcar com todos os custos atinentes à prevenção e reparação dos danos ambientais (...)”44. 42 STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Considerações sobre o nexo de causalidade na responsabilidade civil por dano ao meio ambiente. In: NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Maria de Andrade (Org.). Doutrinas Essenciais - Responsabilidade Civil - Direito Ambiental, vol. VII. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 325. 43 STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Considerações sobre o nexo de causalidade ...ob. cit. p. 332. 44 STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Considerações sobre o nexo de causalidade...ob.cit. p. 332. 17 A questão da percepção de vantagens econômicas pelo empreendedor da atividade poluidora também é levada em consideração no âmbito da responsabilidade civil por danos ao meio ambiente. De acordo com Alvino Lima, se a atividade profissional desenvolvida rende “proventos” aos seus autores, é “justo e racional” que os mesmos “suportem os encargos, que carreguem com os ônus, que respondam pelos riscos disseminados – Ubi emolumentum, ibi onus”. Afinal de contas, como expõe o mencionado doutrinador: não é justo, nem racional, nem tampouco eqüitativo e humano, que a vítima, que não colhe os proveitos da atividade criadora de riscos e que para tais riscos não concorreu, suporte os azares da vida alheia. 45 Pois bem. A teoria do risco criado, por sua vez, diferentemente do que preconizado pela tese do risco integral, tem no “elemento perigo” da atividade empresarial a sua “noção central”46. Nesse sentido, Paulo Sérgio Alonso preconiza que “aquele que empreende atividade permitida, criando ou mantendo certa fonte de perigo para os outros, fica sujeito a uma responsabilidade especial e, conseqüentemente, deve responder pelo risco”47. Outra divergência entre as teorias em comento repousa no acertamento da relação de causa e efeito entre a atividade empresarial e os prejuízos ecológicos. Para a tese do risco integral, “o explorador da atividade econômica coloca-se na posição de garantidor da preservação ambiental, e os danos que digam respeito à atividade estarão sempre vinculados a ela. Não se investiga ação, conduta do poluidor/predador, pois o risco a ela substitui-se”48. Em tema de nexo causal, portanto, tem incidência a teoria da equivalência das condições (conditio sine qua non), onde basta que o dano esteja “vinculado à existência do fator de risco", o qual é reputado „causa‟ do dano, pelo que qualquer evento condicionante é 45 STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Considerações sobre o nexo de causalidade...ob.cit. p. 332. STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Considerações sobre o nexo de causalidade...ob.cit. p. 329, nota 12. 47 Apud STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Considerações sobre o nexo de causalidade...ob.cit. p. 329, nota de rodapé nº 12 (grifo nosso). 48 STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Considerações sobre o nexo de causalidade...ob.cit. p. 326. 46 18 equiparado à causa do prejuízo, sem a exigência de que este seja uma conseqüência necessária, direta e imediata do evento.”49 A teoria do risco criado, todavia, “procura vislumbrar, dentre todos os fatores de risco, apenas aquele que, por representar periculosidade, é efetivamente apto a gerar situações lesivas” 50. Trabalha-se nessa seara com o conceito de “causalidade adequada” para fins de estabelecimento do nexo causal. Por último, mas não menos importante, há a questão controversa da possibilidade ou não de incidência das excludentes de responsabilidade civil. Na teoria do risco integral, não se permite ao poluidor arguir a seu favor quaisquer das causas exonerativas, como caso fortuito, força maior, fato de terceiro ou cláusula de não-indenizar51. Assim, conforme exemplificam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade Nery, “se por um fato da Natureza ocorrer derramamento de substância tóxica existente no depósito de uma indústria (força maior), pelo simples fato de existir a atividade há o dever de indenizar” 52. A tese do risco criado, a seu turno, admite a aplicação dos fatores excludentes de responsabilidade, cuja ocorrência “têm o condão de romper o curso causal, constituindo, por si mesmo, as causas adequadas do evento lesivo” e acarretando a liberação do empreendedor quanto à obrigação de indenizar. Mencione-se ainda que, em matéria reparação de dano ambiental, tem perfeita aplicação a regra da responsabilidade solidária, expressa na segunda parte do art. 942 do Código Civil, o qual prevê que “se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação”. A afirmação é corroborada pela doutrina de José Afonso da Silva 53, para quem “à 49 STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Considerações sobre o nexo de causalidade...ob.cit. p. 335. STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Considerações sobre o nexo de causalidade...ob.cit. p. 329. 51 NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade. O Ministério Público e a responsabilidade civil por dano ambiental...ob. cit. p. 62. 52 NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade. O Ministério Público e a responsabilidade civil por dano ambiental...ob. cit. p. 62. 53 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 281. 50 19 responsabilidade ambiental se aplicam as regras da solidariedade entre os responsáveis, podendo a reparação ser exigida de todos e de qualquer um dos responsáveis”. O efeito prático dessa orientação, no âmbito das relações contratuais que tenham por objeto atividades empresariais poluidoras, tal como a exploração e produção de petróleo, é bem descrito por Roxana Cardoso Brasileiro Borges: Não se trata apenas de responsabilizar, como tradicionalmente é feito, a parte contratada, considerada como tal a parte que se obriga a realizar materialmente a atividade geradora de poluição ou dano ambiental. Além dela, a parte contratante, considerada sim aquela que almeja os benefícios da atividade poluidora exercida pela contratada, também é responsável pelo dano ambiental, por um dever de solidariedade, pois esta também deve cuidar das repercussões de um contrato de que é parte. Desta forma, se as partes de um contrato são causadoras do dano ambiental, ainda que este decorra diretamente da conduta de apenas uma delas, todas são responsáveis por sua reparação, pois mesmo a parte que não realiza a conduta material diretamente vinculada ao dano, atua indiretamente provocando-o e esperando os proveitos da atividade realizada pelo outro contratante. Se o contrato é firmado em função de uma atividade poluidora, todas as partes desse contrato respondem pelos danos ambientais causados, não apenas a parte que se obrigou a realizar a atividade materialmente poluidora que também é de interesse dos demais contratantes.54 3. INSTRUMENTOS DE REPARAÇÃO COLETIVA O momento é de mudanças na indústria mundial do petróleo e elas se dão basicamente em duas frentes. Na seara preventiva, parece certo que os atores envolvidos nas atividades de E&P serão cada vez mais compelidos, pelas autoridades competentes55, a rever e a intensificar os padrões de segurança das 54 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função ambiental do contrato: proposta de operacionalização do princípio civil para proteção do meio ambiente. In: NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Maria de Andrade (Org.). Doutrinas Essenciais - Responsabilidade Civil - Direito Ambiental, vol. VII. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 239. 55 Partindo da premissa de que os “vazamentos no mar podem atingir mais de um país”, Adriano Pires defende, a nosso ver corretamente, a criação de uma “agência global” com competência 20 operações de prospecção de hidrocarbonetos em águas profundas e ultraprofundas. A catástrofe do Golfo do México, por exemplo, fez com que o governo dos EUA estabelecesse padrões bem mais rígidos de segurança operacional para as atividades de prospecção de petróleo em águas com profundidade superior a 152m. E a adaptação às novas normas implicará um custo adicional às empresas petrolíferas da ordem de US$ 183 milhões anuais 56. A preocupação, no entanto, é saber se todas as empresas poderão ou estarão “dispostas” a investir tanto em “processos preventivos”.57 No campo repressivo (ou ressarcitório), a tendência aponta para o alargamento da responsabilização civil dos agentes da indústria, a ser operacionalizada por formas e estruturas mais ágeis de reparação dos prejudicados, tais como a contratação de seguros e a constituição de fundos e reservas financeiras, exclusivamente destinados ao pagamento de indenizações e para amortização dos custos com medidas necessárias à recuperação e restauração dos ecossistemas afetados (reparação in natura). No caso da tragédia do Golfo do México, por exemplo, a BP, após reunião com integrantes do governo americano, concordou em constituir um fundo de US$ 20 bilhões direcionado ao ressarcimento dos danos causados às vítimas do desastre ecológico. Esse fundo, no entanto, não será dirigido pela BP nem pelo governo americano, mas gerido de modo independente, com a supervisão do advogado Kenneth Feinberg, que também foi o responsável pela administração do fundo de compensação às vítimas dos ataques de 11 de setembro de 200158. No Brasil, o Ministério Público Federal ajuizou uma ação civil pública em que pleiteia a condenação da Chervron e da Transocean (empresa prestadora de serviços) a constituírem uma reserva de 20 bilhões de reais, devotada à compensação dos exclusiva para editar normas de segurança e fiscalização das operações offshore. (Apud Revista Época Negócios, nº 62, abril 2012, ano 6, p. 45). 56 Jornal O Globo, 13/19/2010, caderno de Economia, p. 20. 57 Revista Época Negócios, nº 62, abril 2012, ano 6, p. 45. 58 Vide em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2010/06/100616_obama_bp_reuniaorg.shtml. Acesso em: 10/01/2011. 21 danos causados pelo vazamento de óleo ocorrido no campo de Frade, em março de 201259. Ana Brígida Fajardo Villela de Andrade relata algumas experiências internacionais com esses “mecanismos de reparação coletiva”, referindo-se à constituição de fundo denominado “TOVALAP” (Tankers Owners Voluntary Agreement Concerning Liability for Oil Polution). Cita também uma proposta de autoria de Paulo de Bessa Antunes, a qual segue reproduzida em textual: Os royalties deveriam entrar na composição de um fundo de indenização para danos ambientais decorrentes das atividades petrolíferas, à semelhança do que ocorre em nível internacional. (...) Este fundo, acrescido da obrigatoriedade de seguros, poderia permitir a reparação dos danos e a rápida indenização das vítimas. Poder-se-ia tomar como padrão de referência os valores internacionais. (...) No modelo que proponho, haveria uma reparação imediata, via seguro e fundo, limitando-se o valor do ressarcimento. Caso o valor indenizado fosse julgado insuficiente pela vítima, o plus seria discutido judicialmente, com base na culpa60 Segundo esclarece a autora mencionada, a adoção desses mecanismos de “reparação coletiva” revela a convergência para um marco regulatório preocupado em “promover a preservação do meio ambiente com base no princípio da solidariedade e da justiça social, objetivando uma melhor proteção das vítimas, através da coletivização da responsabilidade”61. 4. A NECESSÁRIA HARMONIZAÇÃO ENTRE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E PROTEÇÃO AMBIENTAL 59 Notícia disponível em: http://noticias.r7.com/economia/noticias/mpf-move-outra-acao-contrachevron-e-pede-r-20-bilhoes-por-dano-ambiental-20120404-2.html. Acesso em: 05/04/2012. 60 ANDRADE, Ana Brígida Fajardo Villela de. Responsabilidade Civil nas Atividades Petrolíferas. In: Marilda Rosado (Coord.). Estudos e Pareceres – Direito do Petróleo e Gás. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, pp. 74 e 75. 61 ANDRADE, Ana Brígida Fajardo Villela de. Responsabilidade Civil nas Atividades Petrolíferas. In: Marilda Rosado (Coord.). Estudos e Pareceres – Direito do Petróleo e Gás. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, pp. 74 e 75. 22 Não há espaço na atualidade para políticas desenvolvimentistas divorciadas da proteção ao meio ambiente em todas as suas dimensões (preventiva e repressiva). Como destaca Tais Martins, um desenvolvimento centrado no crescimento econômico que ignore os aspectos ambientais “não pode ser denominado de desenvolvimento”, mas sim “mero crescimento econômico” 62, com poucas perspectivas de continuidade e sem maiores benefícios para vida em sociedade. Conforme advertido em valioso pronunciamento jurisprudencial: A simples alegação de crescimento econômico e de geração de emprego não é motivo suficiente para se praticar ações que podem comprometer de forma irreversível o meio ambiente, uma vez que o desenvolvimento já foi por longos séculos a justificativa para a degradação ambiental, o que, atualmente, não pode ser mais tolerado63-64. Em suma, segundo expressam Eduardo Cambi e Andréia Bulgakov Klock65: “sem natureza não há desenvolvimento”. É necessário, portanto, que se busque a 62 MARTINS, Tais. O conceito de desenvolvimento sustentável e seu contexto histórico: algumas considerações. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, nº 382, 24/07/2004. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/5490>. Acesso em: 10/08/2011. 63 Cf. AI nº 0117.508-4, TJPR, 6ª Câmara Cível, relator Desembargador Antônio Lopes de Noronha, j. em 18/12/2002. 64 A respeito da depredação dos bens ambientais justificada pelo crescimento econômico, Juliana Gerent escreve que “teorias desenvolvimentistas desenvolvidas nas décadas de 50 e 60, também podendo ser chamadas de teorias clássicas do desenvolvimento econômico, pregam „a busca do crescimento econômico sem atentar para seus efeitos sociais e ambientais diversos‟. A indiferença com a preservação ambiental decorria do fato do meio ambiente não ter atingido pontos de saturação colocando a vida humana em risco, ou os problemas ambientais eram locais, não despertando a consciência ecológica difusa. Porém, a partir da década de 60 com a intensificação dos processos industriais, com o aumento da utilização dos recursos naturais, seja como matériaprima no processo produtivo seja como depósito de seus resíduos, o ambiente natural deu mostras de saturação, elementos naturais tornaram-se escassos”. “(...) Afirma-se, assim, que em um primeiro estágio do raciocínio econômico, a sociedade voltava-se para a idéia do antropocentrismo, ou seja, o homem como centro das preocupações, „senhor‟ das necessidades e das satisfações; a busca do desenvolvimento econômico era ilimitada e depredatória. Porém, no instante em que os recursos naturais deram mostras de escassez, a qualidade de vida do homem sendo ameaçada, houve uma mudança de paradigma, ainda que em construção, e a posição da sociedade volta-se para o antropocentrismo alargado, ou seja, a relação íntima e indispensável entre homem e natureza, a necessidade de tutela ambiental para assegurar a vida com qualidade para esta e as futuras gerações, e a proteção da biodiversidade e do equilíbrio ecológico mesmo possuindo valor econômico desinteressado para o homem”. (GERENT, Juliana. Internalização das externalidades negativas ambientais: uma breve análise da relação jurídico-econômica. Revista de Direito Ambiental, vol. 44. São Paulo: Revista dos Tribunais, out. 2006, pp. 41e 44) 65 . CAMBI, Eduardo; KLOCK, Andréia Bulgakov. Vulnerabilidade socioambiental. Revista dos Tribunais nº 898. São Paulo: RT, ago. 2010, p. 57 (destaque do original). 23 composição equilibrada entre os vetores axiológicos do desenvolvimento econômico e da preservação do meio ambiente, de forma a “garantir o desenvolvimento não só econômico, mas, também e principalmente, a qualidade de vida da população”66. Nas palavras de Luiz Regis Prado, há que se “procurar equilibrar e compatibilizar as necessidades de industrialização e desenvolvimento, com as de proteção, restauração e melhora do ambiente”67. O autor afirma ainda que tal harmonização se traduz num “desenvolvimento econômico qualitativo”, por meio do qual se almeja a elevação do padrão material de vida aliada ao “bemestar social."68 Essa é exatamente a diretriz política abraçada pela Constituição brasileira de 1988 que, no seu art. 170, VI, é expressa em determinar uma “ordem econômica” pautada pela “defesa do meio ambiente”69, exteriorizando assim a decantada noção de sustentabilidade70, providência essencial para elevar ao máximo os benefícios da atividade petrolífera em prol não só do povo brasileiro de 66 Cf. AI nº 0117.508-4, TJPR, 6ª Câmara Cível, relator Desembargador Antônio Lopes de Noronha, j. em 18/12/2002. 67 PRADO, Luiz Regis. A tutela constitucional do ambiente no Brasil. Revista dos Tribunais, São Paulo, vol. 675, jan. 1992, p. 81. 68 PRADO, Luiz Regis. A tutela constitucional do ambiente no Brasil...ob.cit., p. 81. 69 “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:(...) VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;” (redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19/12/2003 – destaque nosso). De acordo com Juliana Gerent, “analisando os arts. 225 da CF/1988 c/c art. 170, VI, da CF/1988, existem dois direitos fundamentais assegurados, o meio ambiente ecologicamente equilibrado e o desenvolvimento econômico. Entretanto, sendo as atividades industriais as grandes responsáveis pelos danos ambientais difusos, embora sejam necessárias ao desenvolvimento econômico e social, há o princípio do desenvolvimento sustentável cuja finalidade está em assegurar e equilibrar dois direitos que, a princípio, conflitam entre si”. (GERENT, Juliana. Internalização das externalidades negativas ambientais....ob.cit., p. 41) 70 Segundo informa Tais Martins, “em 1987 a Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas apresentou ao mundo um relatório (denominado de Relatório Brundland) sobre o tema desenvolvimento. Esse documento apresentou o conceito de desenvolvimento sustentável além de afirmar que um desenvolvimento sem melhoria da qualidade de vida das sociedades não poderia ser considerado como desenvolvimento. O relatório Brundland definiu desenvolvimento sustentável como um desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações de satisfazerem as suas. Pode-se considerar, portanto, desenvolvimento sustentável como o desenvolvimento que tratando de forma interligada e interdependente as variáveis econômica, social e ambiental é estável e equilibrado garantindo melhor qualidade de vida para as gerações presentes e futuras.” (MARTINS, Tais. O conceito de desenvolvimento sustentável e seu contexto histórico...ob. cit. – destaque nosso) 24 hoje, mas, notadamente, das gerações futuras. Nessa direção, escreve Carlos Roberto Siqueira Castro: O desafio, agora, é conciliar o processo de desenvolvimento com a conservação ambiental, ou seja, instituir e fazer cumprir pautas industriais (...) de exploração dos recursos naturais que não inviabilizem a qualidade de vida no futuro e não comprometam a capacidade das gerações de suprirem suas necessidades para uma subsistência digna. Tem-se aí um princípio de „solidariedade diacrônica‟ com a humanidade do porvir ou da „equidade intergerações‟ („intergenerational equity‟), para utilizar a ilustrativa expressiva de PETER DRUCKER. Impõe-se, para tanto, a mudança de uma economia de degradação para uma economia de preservação, que incentive a inserção de valores ambientais nas práticas de produção e consumo 71. Veja inclusive que a noção de desenvolvimento sustentável foi erigida à categoria de norma-objetivo do sistema geral de contratações públicas, dispondo o art. 3º, da Lei de Licitações (nº 8.666/93), com a nova redação dada pela Lei nº 12.349/2010, que processo licitatório destina-se a “garantir” a “promoção do desenvolvimento nacional sustentável”. 5. CONCLUSÃO A descoberta de grandes reservas de hidrocarbonetos na fronteira do présal impõe uma série de novos e complexos desafios, sendo um deles a necessidade de se repensar o direito do petróleo brasileiro. O ideal é que se tenha um ambiente jurídico propício para que, em última análise, as riquezas desse valioso patrimônio natural se transmudem em vigoroso desenvolvimento socioeconômico do povo brasileiro de hoje e de amanhã; sem se descurar, é claro, da “defesa do meio ambiente”, que é um princípio explícito da ordem constitucional brasileira, nos termos do art. 170, VI, da CF. Como assevera Paulo de Castro Rangel, “o que se exige do Estado contemporâneo é a compatibilização 71 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. O Direito Ambiental e novo humanismo ecológico. In: Direito Constitucional Regulatório. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 109 – destaques do original. 25 do desenvolvimento econômico com a qualidade de vida, não mero prosseguimento de uma política de pleno emprego e bem-estar”72. A necessidade de responsabilização é ainda mais premente quando o bem jurídico a ser tutelado é o meio-ambiente, que, como visto, mereceu “consagração constitucional especialíssima”73, categorizada como “direito fundamental da pessoa humana”, na medida em que a destruição ambiental compromete a possibilidade de uma existência digna para os seres humanos das gerações não só de hoje, mas também e sobretudo as de amanhã. A esse propósito, como bem acentuado por José Joaquim Gomes Canotilho, citado por Patryck de Araújo Ayala: os poderes públicos possuem responsabilidades perante as futuras gerações, e estas responsabilidades tornam-se concretas apenas quando adotados, na condição de deveres, comportamentos privados e públicos, que sejam amigos do meio ambiente.74 BIBLIOGRAFIA ANDRADE, Ana Brígida Fajardo Villela de. Responsabilidade Civil nas Atividades Petrolíferas. In: Marilda Rosado (Coord.). Estudos e Pareceres – Direito do Petróleo e Gás. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 6ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. 72 RANGEL, Paulo de Castro. Concentração, programação e direito do ambiente. Coimbra: Coimbra Editora, 1994, p. 11. 73 74 Cf. voto proferido pelo Ministro Carlos Alberto Menezes Direito na ADI nº 3.378-6/DF. . AYALA, Patryck de Araújo. 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