O pré-sal e a responsabilidade civil nas atividades petrolíferas: necessidade
de conciliação entre desenvolvimento econômico e proteção ambiental
Alex Vasconcellos Prisco
Artigo publicado na Revista de Direito Ambiental – RDA 68
(outubro/dezembro 2012)
RESUMO: Este artigo trata da responsabilidade civil nas atividades exploração e
produção de petróleo e gás natural, as quais serão bastante intensificadas diante
da descoberta das grandes reservas do pré-sal. Com o aumento exponencial da
produção, também deve aumentar exponencialmente a incidência de vazamentos
de óleo e de outros eventos danosos do tipo, conclamando os estudiosos a
reverem o papel o Direito nesse inexorável processo contingencial, de modo que o
exercício da atividade petrolífera (e do esperado desenvolvimento econômico que
ela trará) possa ser compatibilizado com a proteção ao meio ambiente.
PALAVRAS-CHAVE: Pré-sal – responsabilidade civil ambiental – desenvolvimento
econômico - proteção ao meio ambiente.
ABSTRACT: This article deals with the civil liability in the exploration and production
activities of oil and natural gas, which will be quite intensified because of the
discovery of large reserves of the pre-salt. With the exponential increase in
production, should also exponentially increase the incidence of oil spills and other
harmful events, urging scholars to review the role of law in this inexorable process,
so that the exercise of the oil activity (and expected that it will bring economic
development) can be reconciled with environmental protection.
KEYWORDS: Pre-salt – civil liability - environmental protection - economic
development.
ÁREA DO DIREITO: Ambiental; Constitucional; Econômico; Civil.
2
SUMÁRIO: Introdução – 1. Afirmação e importância da proteção ao meio ambiente
como direito fundamental – 2. Operacionalização da tutela jurídica do meio
ambiente na ordem constitucional: elementos essenciais da responsabilidade civil
ambiental - 2.1. Princípio do poluidor-pagador - 2.2. Princípio da reparação - 2.2.1.
Responsabilidade objetiva, risco, nexo causal e solidariedade – 3. Instrumentos de
reparação coletiva – 4. A necessária harmonização entre desenvolvimento
econômico e proteção ambiental – 5. Conclusão – Bibliografia.
INTRODUÇÃO
Em 2007, foram anunciadas descobertas no Brasil de volumosas reservas
de petróleo e gás natural, localizadas em camada geológica denominada “pré-sal”.
O descobrimento desses reservatórios pode elevar o Brasil à categoria dos
grandes Estados produtores de óleo e gás1, o que trará ao país, no médio e longo
prazo,
a
esperança
de
considerável
ingresso
de
divisas,
impactando
significativamente o desenvolvimento socioeconômico nacional.
O bom aproveitamento desse valioso patrimônio perpassa não apenas pela
formulação e implementação de políticas industriais voltadas ao desenvolvimento
de tecnologia e do aprimoramento da cadeia interna de fornecedores de produtos
e serviços, mas, sobretudo, pelo incremento da proteção ao meio ambiente. O
aumento das exigências ambientais - a par de ser uma diretriz irresistível que vem
sendo seguida pelo mercado em geral - deve ser particularmente intensificado no
setor petrolífero, onde se revela verdadeira necessidade imperiosa.
Nesse sentido, basta mencionar o desastre ecológico ocorrido no Golfo do
México, tido até então como o maior vazamento de óleo da história dos Estados
Unidos. Como se sabe, o acidente teve início no dia 20 de abril de 2010, após
explosão e afundamento da plataforma Deepwater Horizon, pertencente à
empresa British Petroleum (BP). Onze trabalhadores morreram e durante 87 dias
1
Segundo matéria veiculada na revista setorial Análise Energia, Anuário 2010, p. 29: “O pré-sal
representa a possibilidade de alçar o Brasil ao seleto grupo dos dez maiores produtores mundiais
de petróleo”.
3
o poço do campo de Macondo vazou o equivalente a 4,9 milhões de barris de
óleo, causando enormes prejuízos ao meio ambiente e a todas as pessoas
situadas na costa americana do Golfo do México2.
Mais recentemente, tem-se registrado entre nós uma série de acidentes
que, embora menores, já deixa claro que com o advento do pré-sal e o aumento
exponencial
da
produção
petróleo
no
Brasil,
também
deve
aumentar
exponencialmente a incidência de vazamentos de óleo e de outros eventos
danosos do tipo. Prova disso é que em abril de 2012 foram detectados
derramamentos de petróleo no campo de Atum, na Bacia de Santos, litoral do
Estado do Ceará. No início do mês março, houve vazão de gás natural
proveniente de uma plataforma da Petrobras, sendo que em fevereiro e janeiro já
tinham sido registrados mais três outros derramamentos de óleo: dois na Bacia de
Santos e um na de Campos; isso sem contar o vazamento de petróleo que
ocorreu em novembro de 2011, no campo de Frade, na Bacia de Campos, na
costa do Estado do Rio de Janeiro. O bloco era operado pela empresa Chevron e
as apurações até então divulgadas dão conta de um derramamento equivalente a
2,4 mil barris de óleo3.
A magnitude dos danos causados ao meio ambiente e a terceiros por esses
eventos catastróficos tem provocado grande revolução na indústria do petróleo no
trato dos chamados “passivos ambientais”, conclamando os estudiosos a reverem
o papel o Direito nesse inexorável processo contingencial, de modo que o
exercício da atividade petrolífera (e do esperado desenvolvimento econômico que
ela trará) possa ser compatibilizado com a proteção da natureza.
Além desta breve introdução, este estudo está dividido em quatro partes.
2
Jornal O Globo, 20/09/2010, caderno de Economia, p. 18. Revista Veja, edição 2203, ano 44, nº
6, ed. Abril, 9 de fev. de 2011, p. 17. Revista Época Negócios, nº 62, abril 2012, ano 6, p. 44.
3
Jornal O Globo, 03/04/2012, caderno de Economia, p. 23. Revista Época Negócios, nº 62, abril
2012, ano 6, p. 44.
4
Na primeira, será analisada a importância da proteção ao meio ambiente,
erigida pela Constituição como direito fundamental.
Na segunda, se enfocará a operacionalização da tutela jurídica do meio
ambiente na ordem constitucional, a partir do estudo dos elementos essenciais da
responsabilidade civil ambiental, com destaque para os princípios do poluidorpagador e da reparação e suas necessárias interconexões com o princípio da
prevenção.
Na terceira, serão examinados os chamados instrumentos de reparação
coletiva e sua aplicação específica no campo da indústria do petróleo.
Na quarta, estudar-se-á a harmonização entre desenvolvimento econômico
e proteção ambiental, concluindo-se que as riquezas do pré-sal só poderão ser
adequadamente aproveitadas pelo povo brasileiro se houver também uma eficaz
defesa do meio ambiente.
1. AFIRMAÇÃO E IMPORTÂNCIA DA PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE COMO
DIREITO FUNDAMENTAL
Diz o caput do art. 225 da Constituição da República:
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de
vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Conforme asseverou Carlos Alberto Menezes Direito, em pronunciamento
jurisprudencial no âmbito do STF, o “respeito” e a “preservação” do meio ambiente
mereceram “consagração constitucional especialíssima”4, sendo, na dicção de
Celso de Mello, “uma das mais expressivas prerrogativas asseguradas às
4
Cf. voto proferido na ADI nº 3.378-6/DF.
5
formações sociais contemporâneas”5. Ainda segundo esse último Ministro da
Suprema Corte, o “meio ambiente ecologicamente equilibrado” é:
(...) um típico direito de terceira geração que assiste, de modo
subjetivamente indeterminado a todo gênero humano,
circunstância essa que justifica a especial obrigação – que
incumbe ao Estado e à própria coletividade – de defendê-lo e de
preservá-lo em benefício das presentes e das futuras gerações,
evitando-se, desse modo, que irrompam, no seio da comunhão
social, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo
desrespeito ao dever de solidariedade na proteção da integridade
desse bem essencial de uso comum de todos quantos compõem
o grupo social (...)6
Daí porque a afirmação de Paulo Affonso Leme Machado, no sentido de
que o caput do art. 225 da CF é “antropocêntrico”, constituindo-se em um “direito
fundamental da pessoa humana”, na medida em que “a destruição ambiental no
mundo compromete a possibilidade de uma existência digna para humanidade” 7.
Para José Renato Nalini e Wilson Levy, “o texto da norma do art. 225
demonstra que o meio ambiente está inserto nos chamados direitos fundamentais
de terceira geração”8 que, na conceituação de Paulo Bonavides, “são direitos que
não se destinam especificamente à proteção de um indivíduo, de um grupo ou de
um determinado Estado”, e sim têm como primeiro destinatário “o gênero
humano”9. Citando lição de Ingo Wolfang Sarlet, os autores afirmam que tais
direitos também são referidos como “direitos de fraternidade ou de solidariedade”,
tendo em vista “‟sua implicação universal ou, no mínimo, transindividual, e por
exigirem esforços e responsabilidades em escala até mesmo mundial para sua
efetivação‟”10.
5
Cf. voto proferido no MS nº 22.164-0/SP.
MS nº 22.164-0/SP (destaques do original).
7
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro...ob. cit. p. 118.
8
NALINI, José Renato; LEVY, Wilson. Interdisciplinariedade e direitos fundamentais: reflexões
para uma nova metodologia do ensino de direito ambiental. Revista dos Tribunais nº 894. São
Paulo: RT, abr. 2010, p. 35 - destaques do original.
9
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 522.
10
NALINI, José Renato; LEVY, Wilson. Interdisciplinariedade e direitos fundamentais... ob. cit. p.
35 - destaques do original.
6
6
Ressaltando esse caráter de transnacionalidade da tutela ao meio
ambiente, fruto de sua extrema importância para a vida global, a jurisprudência do
STF, pela pena do já citado Ministro Celso de Mello, aduz que a preservação
ambiental tem se consubstanciado em:
(...) objeto de regulações normativas e de proclamações jurídicas,
que, ultrapassando a província meramente doméstica do direito
nacional de cada Estado soberano, projetam-se no plano das
declarações internacionais, que refletem, em sua expressão
concreta, o compromisso das Nações com o indeclinável respeito
a esse direito fundamental que assiste a toda humanidade.
A questão do meio ambiente, hoje, especialmente em função da
Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente (1972) e das
conclusões da Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento (Rio/92), passou a compor um dos
tópicos mais expressivos da nova agenda internacional (...),
particularmente no ponto em que se reconheceu, ao gênero
humano, o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo
de condições de vida adequada, em ambiente que lhe permita
desenvolver todas as suas potencialidade em clima de dignidade
e bem estar. 11
Nesse mesmo sentido, só que em âmbito doutrinário, ressaltam Darlan
Rodrigues Bittencourt e Ricardo Kochinski Marcondes que:
A elevação de interesse ecológico ao plano da política das
nações fez com que o ecossistema galgasse posição de suma
importância na esfera jurídica. O reconhecimento do direito do
homem ao meio ambiente harmônico e produtivo posicionou-o
como bem jurídico fundamental à vida humana”. Esse status o
insere ao lado do direito à vida, à igualdade, à liberdade (...).12
Ainda na doutrina, destaca Antônio Augusto Cançado Trindade:
A proteção ambiental e a proteção dos direitos humanos situamse hoje, e certamente continuarão a situar-se nos próximos anos,
na vanguarda do direito internacional contemporâneo. Estes dois
11
Cf. voto proferido na ADI nº 3.378-6/DF.
BITTENCOURT, Darlan Rodrigues; MARCONDES, Ricardo Kochinski. Lineamentos da
Responsabilidade Civil Ambiental In: NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Maria de Andrade (Org.).
Doutrinas Essenciais - Responsabilidade Civil - Direito Ambiental, vol. VII. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010, pp. 265 e 266.
12
7
domínios de proteção, ao fazerem abstração de soluções
jurisdicionais e especiais (territoriais) clássicas do direito
internacional público, nos incitam a repensar as próprias bases e
princípios deste último, contribuindo assim à sua revitalização.13
Fazendo alusão à Conferência de Estocolmo de 1972 (aderida pelo Brasil
sem reservas), Fábio Konder Comparato assevera que se trata “do primeiro
documento normativo internacional que reconhece e proclama a existência de um
„direito da humanidade‟, tendo por objeto, por conseguinte, bens que pertencem a
todo o gênero humano”, razão pela qual “não podem ser apropriados por ninguém
em particular”. Daí porque:
Os Estados em que tais bens se encontram são considerados
como meros administradores fiduciários, devendo informar e
prestar contas, internacionalmente, sobre o estado em que se
encontram esses bens e sobre as providências tomadas para
protegê-lo contra o risco de degradação natural ou social a que
estão submetidos. 14
2. OPERACIONALIZAÇÃO DA TUTELA JURÍDICA DO MEIO AMBIENTE NA
ORDEM
CONSTITUCIONAL:
ELEMENTOS
ESSENCIAIS
DA
RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL
A Constituição brasileira possui uma série de dispositivos dos quais é
possível extrair uma numerosa e multifacetada normatividade jurídica, toda ela
direcionada à máxima proteção do meio ambiente que, como visto, insere-se na
elevada categoria dos direitos fundamentais. Nessa ordem de ideias, Paulo de
Bessa Antunes15, após destacar vários artigos constitucionais que direta ou
indiretamente aludem à questões ambientais 16, afirma que nossa Carta Magna
13
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Direitos Humanos e Meio Ambiente: paralelo dos
sistemas de proteção internacional. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1993, p. 199.
14
COMPARATO, Fábio Konder. Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 2ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2001, p. 76.
15
Apud BITTENCOURT, Darlan Rodrigues; MARCONDES, Ricardo Kochinski. Lineamentos da
Responsabilidade Civil Ambiental...ob. cit. p. 268.
16
O autor aponta os seguintes dispositivos: “art. 5o, XXIII, LXXI, LXXIII; art. 20, I a XI, e §§ 1o e 2o;
art. 21, XIX, XX, XXIII, a, b e c, XXV; art. 22, IV, XII, XXVI; art. 23, I, III a VII, IX, XI; art. 24, VI a
VIII; art. 26, I a IV; art. 30, I, II, VIII; art. 43, § 2o, IV, e § 3o; art. 49, XIV e XVI; art. 91; art. 129, III,
8
traz normas de direito ambiental com natureza processual, penal, civil,
administrativa, econômica, sanitária e de competência legislativa, podendo ainda
tais dispositivos ostentar caráter preventivo, repressivo, ressarcitório e protetivo,
conforme classificação de Helita Barreiro Custódio17.
Há ainda uma igualmente abundante e variada principiologia a orientar a
concretização desses preceptivos constitucionais. No entanto, consideradas as
finalidades específicas deste trabalho, examinaremos apenas os princípios de
direito ambiental que mais intimamente se relacionam com o instituto da
responsabilidade civil ambiental. São eles: os princípios do poluidor-pagador e da
reparação e suas necessárias interconexões com o princípio da prevenção.
2.1. PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR
Instituído em 1972 pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico – OCDE (Recomendação C (72) 126), o princípio do poluidor-pagador
(polluer payer) é definido da seguinte forma:
(...) o princípio que usa para afetar os custos das medidas de
prevenção e controle da poluição, para estimular a utilização
racional dos recursos ambientais escassos e para evitar
distorções ao comércio e ao investimento internacionais, é o
designado princípio do poluidor-pagador. Este princípio significa
que o poluidor deve suportar os custos do desenvolvimento das
medidas acima mencionadas decididas pelas autoridades
públicas para assegurar que o ambiente esteja num estado
aceitável (...)18
art. 170; art. 174, §§ 3o e 4o; art. 176; art. 182; art. 186; art. 200, VII, VIII; art. 216, V e §§ 1o, 3o e
o
4 ; art. 225; 231; Art. 232, CF/1988; art. 41 e art. 44 do ADCT.”
17
CUSTÓDIO, Helita Barreira. Responsabilidade civil por danos ao meio ambiente. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1983, p. 208, apud BITTENCOURT, Darlan Rodrigues; MARCONDES,
Ricardo Kochinski. Lineamentos da Responsabilidade Civil Ambiental...ob. cit. p. 269.
18
Apud ARAGÃO, Maria Alexandra de Souza. O princípio do poluidor-pagador. Pedra angular da
política comunitária do ambiente. Coimbra: Coimbra, 1997, p. 60.
9
Conforme expõem Darlan Rodrigues Bittencourt e Ricardo Kochinski
Marcondes, o princípio do poluidor-pagador constitui-se em “ponto de fundamental
relevância” para o arquitetamento de uma “política ambiental” 19 eficaz.
De acordo com Helli Alves de Oliveira, a formulação de tal princípio tem
“inspiração na teoria econômica”, enunciando que os “custos sociais externos”
acarretados pela poluição dos processos industriais de produção devem ser
assumidos e internalizados por aqueles que exploram e se beneficiam
economicamente da atividade empresarial20. A diretriz está consolidada no item 16
da Declaração do Rio de Janeiro de 1992 (ECO 92), segundo o qual:
As autoridades devem esforçar-se para promover a internalização
dos custos de proteção do meio ambiente e o uso dos
instrumentos econômicos, levando-se em conta o conceito de
que o poluidor deve, em princípio, assumir o custo da poluição,
tendo em vista o interesse público, sem desvirtuar o comércio e
os investimentos internacionais.
Na síntese de Cristiane Derani, o princípio do poluidor-pagador objetiva a
“internalização das externalidades negativas” 21-22, impondo ao empreendedor-
19
BITTENCOURT, Darlan Rodrigues; MARCONDES, Ricardo Kochinski. Lineamentos da
Responsabilidade Civil Ambiental...ob. cit. p. 277.
20
OLIVEIRA, Helli Alves de. Da responsabilidade do Estado por danos ambientais. 1ª ed. Rio de
Janeiro. Forense, 1990, p. 49.
21
DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. 2ª ed. Rio de Janeiro: Max Limonad, 2001. p.
163.
22
Sobre o conceito econômico de “externalidades” (e sua importância na proteção do meio
ambiente), escreve Maria Alexandra de Souza Aragão que: “Um contributo teórico que permitiu
avançar significativamente na compreensão dos fenômenos de delapidação do ambiente, como a
poluição, foi dado já em 1890, por Marshall, com o conceito de externalidade estudado em 1920
por Pigou, no contexto teórico da economia do bem estar e criticada mais tarde, em 1960, por
Coase. Marshal constatou que o preço de mercado dos bens pode não reflectir fielmente os
verdadeiros custos ou benefícios resultantes da sua produção ou do seu consumo. [...] Como já
referimos, os efeitos sociais secundários da produção ou do consumo tanto podem ser positivos
(favoráveis, representando ganhos para os terceiros), como negativos (desfavoráveis, importando
perdas para os terceiros), mas têm, em qualquer caso, como característica essencial o facto de
não serem espontaneamente considerados nem contabilizados nas decisões de produção ou de
consumo de quem desenvolve a actividade que os gera. Nisto consistem os efeitos externos ao
mercado, ou simplesmente as externalidades de uma dada actividade econômica” (ARAGÃO,
Maria Alexandra de Souza. O princípio do poluidor-pagador...ob. cit., p. 33).
10
poluidor, na dicção de Antonio Hermann Benjamin, o “dever de arcar com as
despesas de prevenção, reparação e repressão da poluição”.23
Em verdade, o princípio do poluidor-pagador tem como função precípua
privilegiar uma atuação preventiva (princípio da prevenção)24, relegando a um
plano secundário os aspectos reparatórios e repressivos. Nessa linha, Taissa
Motta Mexias explica que o princípio do poluidor-pagador:
não possui apenas o viés reparatório, ao contrário, há tempos
que ganha relevo sua faceta preventiva, pois, ao poluidor cabe,
em primeiro lugar, suportar os custos de precaução e prevenção
da possível ocorrência do dano e, em segundo lugar, se
inevitável for, pagará pela sua reparação. 25
De igual forma, observa Silvana Colombo:
É oportuno detalhar que este princípio não permite a poluição e
nem pagar para poluir. Pelo contrário, procura assegurar a
reparação econômica de um dano ambiental quando não for
possível evitar o dano ao meio ambiente, através das medidas de
precaução. Desta forma, o princípio do poluidor-pagador não se
reduz à finalidade de somente compensar o dano ao meio
ambiente, deve também englobar os custos necessários para a
precaução e prevenção dos danos, assim como sua adequada
repressão.26
No mesmo sentido, colhe-se ainda a doutrina de Cristiane Derani, para
quem “o custo a ser imputado ao poluidor não está exclusivamente vinculado à
imediata reparação do dano. O verdadeiro custo está numa atuação preventiva”27.
Aprofundando o tema, José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala
23
Apud BITTENCOURT, Darlan Rodrigues; MARCONDES, Ricardo Kochinski. Lineamentos da
Responsabilidade Civil Ambiental...ob. cit. p. 277 (destaque nosso).
24
Para Cristiane Derani, o princípio da prevenção é a “essência do direito ambiental” (DERANI,
Cristiane. Direito Ambiental Econômico...ob.cit., p. 165).
25
MEXIAS, Taissa Motta. Compensação ambiental: o princípio da proporcionalidade e os
empreendimentos que causam significativos impactos no meio ambiente. Dissertação (Mestrado
em Direito), Universidade Candido Mendes – UCAM: Rio de Janeiro, 2007, p. 44 – destaque
nosso).
26
COLOMBO, Silvana. Aspectos conceituais do princípio do poluidor-pagador. Revista Eletrônica
do Mestrado em Educação Ambiental - FURGS, vol. 13, jul./dez. 2004, p. 17. Disponível em:
<www.remea.furg.br/edicoes/vol13/art2.pdf>. Acesso em: 15/08/2011.
27
DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico...ob.cit., p. 163.
11
escrevem que o conteúdo do princípio do poluidor-pagador é "essencialmente
cautelar e preventivo”, sendo que os passivos ambientais postos a cargo dos
empreendedores não se caracterizam propriamente numa “fórmula indenizatória e
compensatória”, tal como enquadrado na legislação civilista, mas envolvem
sobretudo os custos relativos à implementação de “medidas de prevenção ou
mitigação da possibilidade de danos, que devem ser suportadas primeiro pelo
poluidor, em momento antecipado, prévio à possibilidade de ocorrência do dano
ao ambiente."28
Tanto isso é correto que, entre nós, aqueles que almejarem explorar
empreendimentos considerados potencialmente causadores de significativo
impacto ao meio ambiente estão obrigados a pagar, antecipadamente, uma
compensação ambiental, conforme previsto no art. 36 da Lei nº 9.985/2000, que
regulamenta o art. 225, § 1º, incisos I, II, III e VII da Constituição e institui o
Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) 29. Esse
dispositivo
28
legal,
como
se
sabe,
foi
alvo
de
uma
Ação
Direta
de
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco.
Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 78.
29
“Art. 36. Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto
ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de
impacto ambiental e respectivo relatório - EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a
implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo
com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei.
§ 1º O montante de recursos a ser destinado pelo empreendedor para esta finalidade não pode ser
inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento, sendo
o percentual fixado pelo órgão ambiental licenciador, de acordo com o grau de impacto ambiental
causado pelo empreendimento.
§ 2º Ao órgão ambiental licenciador compete definir as unidades de conservação a serem
beneficiadas, considerando as propostas apresentadas no EIA/RIMA e ouvido o empreendedor,
podendo inclusive ser contemplada a criação de novas unidades de conservação.
§ 3º Quando o empreendimento afetar unidade de conservação específica ou sua zona de
amortecimento, o licenciamento a que se refere o caput deste artigo só poderá ser concedido
mediante autorização do órgão responsável por sua administração, e a unidade afetada, mesmo
que não pertencente ao Grupo de Proteção Integral, deverá ser uma das beneficiárias da
compensação definida neste artigo”.
Segundo observa Édis Milaré et alii, anteriormente à edição da Lei do SNUC, já era prática comum
que “órgãos ambientais licenciadores” impusessem, “antes mesmo de qualquer investida no meio
ambiente, condicionantes de natureza compensatória nas licenças ambientais emitidas. São as
chamadas medidas compensatórias, que podem ser assim exemplificadas: o fomento de um
programa de educação ambiental; o financiamento de pesquisas científicas; o replantio da mata
ciliar de um rio importante para o município e outras muitas”. (MILARÉ, Édis; ARTIGAS, Priscila
Santos. Compensação ambiental: questões controvertidas. Revista de Direito Ambiental, vol. 43.
São Paulo: Revista dos Tribunais, jul. 2006, p. 103).
12
Inconstitucionalidade (ADI nº 3.378). Embora o STF tenha declarado a
inconstitucionalidade parcial do § 1º, para o fim exclusivo de desvincular o valor da
compensação devida do montante do empreendimento, a regra central da
obrigatoriedade do pagamento antecipado de uma compensação ambiental foi
mantida incólume pela Suprema Corte. Segundo consta do voto do relator,
Ministro Carlos Ayres Brito, o art. 36 da Lei nº 9.985/2000 “densifica” o princípio do
poluidor-pagador, sendo certo que o fato de “inexistir dano ambiental não significa
isenção do empreendedor em partilhar os custos de medidas preventivas”.
Justificando o posicionamento, o Ministro relator fez questão de ressaltar que uma
das “vertentes” do princípio do poluidor-pagador que mais deve ser respeitada é
justamente a preventiva, isto é, “a que impõe ao empreendedor o dever de
também responder pelas medidas de prevenção de impactos ambientais que
possam decorrer, significativamente, da implementação de sua empírica
empreitada econômica”30.
Ao destacar a razão de ser do princípio do poluidor-pagador, Paulo de
Bessa Antunes afirma que por intermédio dele busca-se, em última análise,
impedir que a sociedade arque com os custos de atos lesivos ao meio ambiente
30
Veja-se a ementa do julgado em comento: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
ART. 36 E SEUS §§ 1º, 2º E 3º DA LEI Nº 9.985, DE 18 DE JULHO DE 2000.
CONSTITUCIONALIDADE DA COMPENSAÇÃO DEVIDA PELA IMPLANTAÇÃO DE
EMPREENDIMENTOS DE SIGNIFICATIVO IMPACTO AMBIENTAL. INCONSTITUCIONALIDADE
PARCIAL DO § 1º DO ART. 36. 1. O compartilhamento-compensação ambiental de que trata o art.
36 da Lei nº 9.985/2000 não ofende o princípio da legalidade, dado haver sido a própria lei que
previu o modo de financiamento dos gastos com as unidades de conservação da natureza. De
igual forma, não há violação ao princípio da separação dos Poderes, por não se tratar de
delegação do Poder Legislativo para o Executivo impor deveres aos administrados. 2. Compete ao
órgão licenciador fixar o quantum da compensação, de acordo com a compostura do impacto
ambiental a ser dimensionado no relatório - EIA/RIMA. 3. O art. 36 da Lei nº 9.985/2000 densifica o
princípio usuário-pagador, este a significar um mecanismo de assunção partilhada da
responsabilidade social pelos custos ambientais derivados da atividade econômica. 4. Inexistente
desrespeito ao postulado da razoabilidade. Compensação ambiental que se revela como
instrumento adequado à defesa e preservação do meio ambiente para as presentes e futuras
gerações, não havendo outro meio eficaz para atingir essa finalidade constitucional. Medida
amplamente compensada pelos benefícios que sempre resultam de um meio ambiente
ecologicamente garantido em sua higidez. 5. Inconstitucionalidade da expressão "não pode ser
inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento", no §
1º do art. 36 da Lei nº 9.985/2000. O valor da compensação-compartilhamento é de ser fixado
proporcionalmente ao impacto ambiental, após estudo em que se assegurem o contraditório e a
ampla defesa. Prescindibilidade da fixação de percentual sobre os custos do empreendimento. 6.
Ação parcialmente procedente”.
13
causados por poluidor perfeitamente identificado.31 Em outras palavras, o princípio
do poluidor-pagador intenta “afastar o ônus do custo econômico das costas da
coletividade e dirigi-lo diretamente ao utilizador dos recursos ambientais” 32.
Conforme anota Lise Viera da Costa Tupiassu, a principiologia do poluidorpagador introduz o conceito de “passivo ambiental”, pelo qual “as empresas
embutirão em seus custos o valor monetário da degradação ambiental que
causam”.33 No mesmo sentido, afirma Silvana Colombo que o princípio do
poluidor-pagador:
(...) apresenta explicitamente uma vocação redistributiva, pois os
custos advindos do processo de produção devem ser
internalizados, ou seja, os efeitos decorrentes do Princípio do
Poluidor-Pagador são considerados como um dos fatores a
serem observados na elaboração e cálculo dos custos de
produção. 34
Ademais, ao imputar o custo da conservação ou recuperação ambiental ao
usuário dos recursos naturais, o princípio poluidor-pagador também traria
embutida a ideia de conscientização e racionalização, desejando fazer com que o
empreendedor sempre se esforce para diminuir capacidade degradante da
atividade, sob pena de ter de pagar caro por isso.
Como não poderia deixar de ser, o princípio do poluidor-pagador deve
obrigatoriamente ser observado na implementação de toda e qualquer de política
pública. Segundo afirma Lise Viera da Costa Tupiassu, citando Cristiane Derani:
o princípio do poluidor-pagador, embutido na legislação
ambiental, necessariamente se fará presente na políticas
públicas, implementadas com base em tais instrumentos legais,
(...) embora se admita que, (...) por ser um princípio estrutural,
sua manifestação nas políticas públicas não é determinante do
31
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 6ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 39.
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental...ob.cit., p. 41.
33
TUPIASSU, Lise Viera da Costa. O Direito Ambiental e seus Princípios Informativos. In: NERY
JUNIOR, Nelson; NERY, Maria de Andrade (Org.). Doutrinas Essenciais - Responsabilidade Civil Direito Ambiental, vol. VII. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 127.
34
COLOMBO, Silvana. Aspectos conceituais do princípio do poluidor-pagador... ob. cit., p. 20
(destaque nosso).
32
14
comportamentos, porém, [pelo menos] orientadora (...) A
realização desta diretriz do poluidor-pagador é um fator
necessário para efetivação do direito constitucional a um meio
ambiente ecologicamente equilibrado. 35
Também nessa direção, salienta Silvana Colombo que:
É justamente a internalização dos custos sociais decorrentes da
poluição o cerne da problemática ambiental, exigindo por parte do
Estado uma atuação política, apoiada necessariamente por uma
teoria econômica, para que sejam desenvolvidos os meios e
instrumentos para a estruturação de uma política ambiental,
adequada ao processo de prevenção, repressão e reparação dos
danos ao meio ambiente.36
2.2. PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO
Complementar37 ao princípio do poluidor-pagador, há o princípio da
reparação, que está constitucionalmente positivado no inciso VII, § 3 o, do art. 225.
Essa norma dispõe o seguinte:
As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente
sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções
penais e administrativas, independentemente da obrigação de
reparar os danos causados.
A reparação civil dos danos ambientais é integral (restitutio in integrum),
imputando ao infrator a obrigação não só de indenizar monetariamente os
prejudicados pelos danos emergentes, lucros cessantes, entre outras espécies de
prejuízos sofridos, como também o dever de implementar, às suas expensas, a
35
TUPIASSU, Lise Viera da Costa. O Direito Ambiental....ob.cit., pp. 128-129.
COLOMBO, Silvana. Aspectos conceituais do princípio do poluidor-pagador...ob. cit., p. 37.
37
Embora o princípio do poluidor-pagador acabe pregando a responsabilização civil do infrator pela
reparação dos danos ambientais, seu foco principal são os dimensionamentos econômicos
oriundos da utilização em si dos recursos naturais, deixando o desenvolvimento da dogmática
jurídico-reparatória a cargo do princípio da reparação (ou princípio da responsabilidade). Nesse
sentido, J.J. Canotilho, citado José Rubens Morato Leite, assevera que “(...) o princípio do poluidorpagador não se identifica com o princípio da responsabilidade pois abrange, ou, pelo menos foca
outras dimensões não enquadráveis neste último.” (LEITE, José Rubens Morato (Org.). Inovações
em direito ambiental. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2000, p. 57).
36
15
recuperação ou restauração38 do ecossistema impactado pelo evento danoso.
Essa última modalidade de reparação (in natura) está especialmente explicitada
no texto constitucional para o caso específico da exploração econômica das
atividades minerárias em sentido lato, preconizando o § 2o, do art. 225, que:
Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar
o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica
exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
2.2.1.
RESPONSABILIDADE
OBJETIVA,
RISCO,
NEXO
CAUSAL
E
SOLIDARIEDADE
No intuito conferir maior eficácia protetiva aos bens naturais, o princípio da
reparação opera com base na ideia de responsabilidade objetiva, que está
expressamente disciplinada em sede infraconstitucional, na Lei de Política
Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981, art. 14, § 1 o)39 e é atualmente
aceita por todos os estudiosos do assunto 40. Logo, em matéria de prejuízos
ecológicos, não há necessidade de os vitimados demonstrarem a conduta culposa
do poluidor, a qual pode até mesmo ser lícita, estar autorizada pelo Poder Público
e ser exercida em estrita conformidade com os padrões técnicos exigidos para o
regular desempenho da atividade41. Dessa forma, basta somente que os
prejudicados comprovem o dano e o nexo de causalidade, para que assim surja a
obrigação de indenizar do emissor da poluição.
38
Hahn, citada por Taissa Motta Mexias, expõe que a “restauração (também denominada
restabelecimento) pressupõe retorno à condição anterior a perturbação. Recuperação (também
denominada regeneração lato sensu) significa reparações das funções degradadas sem
necessariamente retorno às condições preexistentes”. (MEXIAS, Taissa Motta. Compensação
ambiental...ob.cit., p. 44). A seu turno, a Lei nº 9.985/2000 define “recuperação” como a “restituição
de um ecossistema ou de uma população silvestre degradada a uma condição não degradada, que
pode ser diferente de sua condição original” e “restauração” como a “restituição de um ecossistema
ou de uma população silvestre degradada o mais próximo possível da sua condição original” (art.
2º, XIII e XIV).
39
O dispositivo legal tem a seguinte redação: “Sem obstar a aplicação das penalidades previstas
neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou
reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O
Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade
civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.”
40
MEXIAS, Taissa Motta. Compensação ambiental...ob. cit., p. 43.
41
NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade. O Ministério Público e
a responsabilidade civil por dano ambiental...ob. cit. p. 64.
16
Existe, entretanto, forte divergência na doutrina jusambientalista a respeito
da aplicação das teorias que fundamentam e dão extensão à responsabilização
objetiva do infrator em matéria ambiental. A fala a seguir transcrita de Annelise
Monteiro Steigleder resume muito bem a exposição dessa problemática:
Os limites e possibilidades da assunção dos riscos pelo
empreendedor vêm sendo objeto de acirradas discussões,
debatendo a doutrina, fundamentalmente, entre duas principais
teorias. De um lado a teoria do risco integral, mediante a qual
todo e qualquer risco conexo ao empreendimento deverá ser
integralmente internalizado pelo processo produtivo; e, de outro,
a teoria do risco criado, a qual procura vislumbrar, dentre todos
os fatores de risco, apenas aquele que, por apresentar
periculosidade, é efetivamente apto a gerar as situações lesivas,
para fins de imposição de responsabilidade. .42
Nesse
passo,
tem-se
que
na
sistemática
do
risco
integral,
a
responsabilidade objetiva do ofensor pelo dano ambiental pressupõe o simples
exercício de uma atividade empresarial que acarrete riscos de prejuízos ao meio
ambiente, independentemente de essa atividade ser ou não considerada perigosa.
Ao justificar o posicionamento, Annelise Monteiro Steigleder 43 anota que imputar a
responsabilização civil apenas àquele que exerce atividade “perigosa” redundaria
numa “interpretação” incompatível “com o objetivo posto na Constituição de
proteger o meio ambiente e combater a poluição em todas as suas formas”. E
conclui então a referida autora que a responsabilidade ambiental tem lugar tanto
em caso de danos ocasionados por atividades perigosas, como nas hipóteses em
que os prejuízos advêm de “uma atividade profissional qualquer”. A “premissa”
adotada aqui, como se vê, é a de que “quem exerce uma atividade econômica,
deve arcar com todos os custos atinentes à prevenção e reparação dos danos
ambientais (...)”44.
42
STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Considerações sobre o nexo de causalidade na
responsabilidade civil por dano ao meio ambiente. In: NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Maria de
Andrade (Org.). Doutrinas Essenciais - Responsabilidade Civil - Direito Ambiental, vol. VII. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 325.
43
STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Considerações sobre o nexo de causalidade ...ob. cit. p. 332.
44
STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Considerações sobre o nexo de causalidade...ob.cit. p. 332.
17
A questão da percepção de vantagens econômicas pelo empreendedor da
atividade
poluidora
também é
levada em consideração
no
âmbito
da
responsabilidade civil por danos ao meio ambiente. De acordo com Alvino Lima,
se a atividade profissional desenvolvida rende “proventos” aos seus autores, é
“justo e racional” que os mesmos “suportem os encargos, que carreguem com os
ônus, que respondam pelos riscos disseminados – Ubi emolumentum, ibi onus”.
Afinal de contas, como expõe o mencionado doutrinador:
não é justo, nem racional, nem tampouco eqüitativo e humano,
que a vítima, que não colhe os proveitos da atividade criadora de
riscos e que para tais riscos não concorreu, suporte os azares da
vida alheia. 45
Pois bem. A teoria do risco criado, por sua vez, diferentemente do que
preconizado pela tese do risco integral, tem no “elemento perigo” da atividade
empresarial a sua “noção central”46. Nesse sentido, Paulo Sérgio Alonso preconiza
que “aquele que empreende atividade permitida, criando ou mantendo certa fonte
de perigo para os outros, fica sujeito a uma responsabilidade especial e,
conseqüentemente, deve responder pelo risco”47.
Outra divergência entre as teorias em comento repousa no acertamento da
relação de causa e efeito entre a atividade empresarial e os prejuízos ecológicos.
Para a tese do risco integral, “o explorador da atividade econômica coloca-se na
posição de garantidor da preservação ambiental, e os danos que digam respeito à
atividade estarão sempre vinculados a ela. Não se investiga ação, conduta do
poluidor/predador, pois o risco a ela substitui-se”48. Em tema de nexo causal,
portanto, tem incidência a teoria da equivalência das condições (conditio sine qua
non), onde basta que o dano esteja “vinculado à existência do fator de risco", o
qual é reputado „causa‟ do dano, pelo que qualquer evento condicionante é
45
STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Considerações sobre o nexo de causalidade...ob.cit. p. 332.
STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Considerações sobre o nexo de causalidade...ob.cit. p. 329,
nota 12.
47
Apud STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Considerações sobre o nexo de causalidade...ob.cit. p.
329, nota de rodapé nº 12 (grifo nosso).
48
STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Considerações sobre o nexo de causalidade...ob.cit. p. 326.
46
18
equiparado à causa do prejuízo, sem a exigência de que este seja uma
conseqüência necessária, direta e imediata do evento.”49
A teoria do risco criado, todavia, “procura vislumbrar, dentre todos os
fatores de risco, apenas aquele que, por representar periculosidade, é
efetivamente apto a gerar situações lesivas” 50. Trabalha-se nessa seara com o
conceito de “causalidade adequada” para fins de estabelecimento do nexo causal.
Por último, mas não menos importante, há a questão controversa da
possibilidade ou não de incidência das excludentes de responsabilidade civil. Na
teoria do risco integral, não se permite ao poluidor arguir a seu favor quaisquer
das causas exonerativas, como caso fortuito, força maior, fato de terceiro ou
cláusula de não-indenizar51. Assim, conforme exemplificam Nelson Nery Júnior e
Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade Nery, “se por um fato da Natureza
ocorrer derramamento de substância tóxica existente no depósito de uma indústria
(força maior), pelo simples fato de existir a atividade há o dever de indenizar” 52.
A tese do risco criado, a seu turno, admite a aplicação dos fatores
excludentes de responsabilidade, cuja ocorrência “têm o condão de romper o
curso causal, constituindo, por si mesmo, as causas adequadas do evento lesivo”
e acarretando a liberação do empreendedor quanto à obrigação de indenizar.
Mencione-se ainda que, em matéria reparação de dano ambiental, tem
perfeita aplicação a regra da responsabilidade solidária, expressa na segunda
parte do art. 942 do Código Civil, o qual prevê que “se a ofensa tiver mais de um
autor, todos responderão solidariamente pela reparação”. A afirmação é
corroborada pela doutrina de José Afonso da Silva 53, para quem “à
49
STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Considerações sobre o nexo de causalidade...ob.cit. p. 335.
STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Considerações sobre o nexo de causalidade...ob.cit. p. 329.
51
NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade. O Ministério Público e
a responsabilidade civil por dano ambiental...ob. cit. p. 62.
52
NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade. O Ministério Público e
a responsabilidade civil por dano ambiental...ob. cit. p. 62.
53
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p.
281.
50
19
responsabilidade ambiental se aplicam as regras da solidariedade entre os
responsáveis, podendo a reparação ser exigida de todos e de qualquer um dos
responsáveis”.
O efeito prático dessa orientação, no âmbito das relações contratuais que
tenham por objeto atividades empresariais poluidoras, tal como a exploração e
produção de petróleo, é bem descrito por Roxana Cardoso Brasileiro Borges:
Não se trata apenas de responsabilizar, como tradicionalmente é
feito, a parte contratada, considerada como tal a parte que se
obriga a realizar materialmente a atividade geradora de poluição
ou dano ambiental. Além dela, a parte contratante, considerada
sim aquela que almeja os benefícios da atividade poluidora
exercida pela contratada, também é responsável pelo dano
ambiental, por um dever de solidariedade, pois esta também deve
cuidar das repercussões de um contrato de que é parte. Desta
forma, se as partes de um contrato são causadoras do dano
ambiental, ainda que este decorra diretamente da conduta de
apenas uma delas, todas são responsáveis por sua reparação,
pois mesmo a parte que não realiza a conduta material
diretamente vinculada ao dano, atua indiretamente provocando-o
e esperando os proveitos da atividade realizada pelo outro
contratante. Se o contrato é firmado em função de uma atividade
poluidora, todas as partes desse contrato respondem pelos danos
ambientais causados, não apenas a parte que se obrigou a
realizar a atividade materialmente poluidora que também é de
interesse dos demais contratantes.54
3. INSTRUMENTOS DE REPARAÇÃO COLETIVA
O momento é de mudanças na indústria mundial do petróleo e elas se dão
basicamente em duas frentes. Na seara preventiva, parece certo que os atores
envolvidos nas atividades de E&P serão cada vez mais compelidos, pelas
autoridades competentes55, a rever e a intensificar os padrões de segurança das
54
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função ambiental do contrato: proposta de
operacionalização do princípio civil para proteção do meio ambiente. In: NERY JUNIOR, Nelson;
NERY, Maria de Andrade (Org.). Doutrinas Essenciais - Responsabilidade Civil - Direito Ambiental,
vol. VII. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 239.
55
Partindo da premissa de que os “vazamentos no mar podem atingir mais de um país”, Adriano
Pires defende, a nosso ver corretamente, a criação de uma “agência global” com competência
20
operações
de
prospecção
de
hidrocarbonetos
em
águas
profundas
e
ultraprofundas. A catástrofe do Golfo do México, por exemplo, fez com que o
governo dos EUA estabelecesse padrões bem mais rígidos de segurança
operacional para as atividades de prospecção de petróleo em águas com
profundidade superior a 152m. E a adaptação às novas normas implicará um
custo adicional às empresas petrolíferas da ordem de US$ 183 milhões anuais 56.
A preocupação, no entanto, é saber se todas as empresas poderão ou estarão
“dispostas” a investir tanto em “processos preventivos”.57
No campo repressivo (ou ressarcitório), a tendência aponta para o
alargamento da responsabilização civil dos agentes da indústria, a ser
operacionalizada por formas e estruturas mais ágeis de reparação dos
prejudicados, tais como a contratação de seguros e a constituição de fundos e
reservas financeiras, exclusivamente destinados ao pagamento de indenizações e
para amortização dos custos com medidas necessárias à recuperação e
restauração dos ecossistemas afetados (reparação in natura).
No caso da tragédia do Golfo do México, por exemplo, a BP, após reunião
com integrantes do governo americano, concordou em constituir um fundo de US$
20 bilhões direcionado ao ressarcimento dos danos causados às vítimas do
desastre ecológico. Esse fundo, no entanto, não será dirigido pela BP nem pelo
governo americano, mas gerido de modo independente, com a supervisão do
advogado Kenneth Feinberg, que também foi o responsável pela administração do
fundo de compensação às vítimas dos ataques de 11 de setembro de 200158. No
Brasil, o Ministério Público Federal ajuizou uma ação civil pública em que pleiteia a
condenação da Chervron e da Transocean (empresa prestadora de serviços) a
constituírem uma reserva de 20 bilhões de reais, devotada à compensação dos
exclusiva para editar normas de segurança e fiscalização das operações offshore. (Apud Revista
Época Negócios, nº 62, abril 2012, ano 6, p. 45).
56
Jornal O Globo, 13/19/2010, caderno de Economia, p. 20.
57
Revista Época Negócios, nº 62, abril 2012, ano 6, p. 45.
58
Vide em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2010/06/100616_obama_bp_reuniaorg.shtml.
Acesso em: 10/01/2011.
21
danos causados pelo vazamento de óleo ocorrido no campo de Frade, em março
de 201259.
Ana Brígida Fajardo Villela de Andrade relata algumas experiências
internacionais com esses “mecanismos de reparação coletiva”, referindo-se à
constituição de fundo denominado “TOVALAP” (Tankers Owners Voluntary
Agreement Concerning Liability for Oil Polution). Cita também uma proposta de
autoria de Paulo de Bessa Antunes, a qual segue reproduzida em textual:
Os royalties deveriam entrar na composição de um fundo de
indenização para danos ambientais decorrentes das atividades
petrolíferas, à semelhança do que ocorre em nível internacional.
(...) Este fundo, acrescido da obrigatoriedade de seguros, poderia
permitir a reparação dos danos e a rápida indenização das
vítimas. Poder-se-ia tomar como padrão de referência os valores
internacionais. (...) No modelo que proponho, haveria uma
reparação imediata, via seguro e fundo, limitando-se o valor do
ressarcimento. Caso o valor indenizado fosse julgado insuficiente
pela vítima, o plus seria discutido judicialmente, com base na
culpa60
Segundo esclarece a autora mencionada, a adoção desses mecanismos de
“reparação coletiva” revela a convergência para um marco regulatório preocupado
em “promover a preservação do meio ambiente com base no princípio da
solidariedade e da justiça social, objetivando uma melhor proteção das vítimas,
através da coletivização da responsabilidade”61.
4.
A
NECESSÁRIA
HARMONIZAÇÃO
ENTRE
DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO E PROTEÇÃO AMBIENTAL
59
Notícia disponível em: http://noticias.r7.com/economia/noticias/mpf-move-outra-acao-contrachevron-e-pede-r-20-bilhoes-por-dano-ambiental-20120404-2.html. Acesso em: 05/04/2012.
60
ANDRADE, Ana Brígida Fajardo Villela de. Responsabilidade Civil nas Atividades Petrolíferas. In:
Marilda Rosado (Coord.). Estudos e Pareceres – Direito do Petróleo e Gás. Rio de Janeiro:
Renovar, 2005, pp. 74 e 75.
61
ANDRADE, Ana Brígida Fajardo Villela de. Responsabilidade Civil nas Atividades Petrolíferas. In:
Marilda Rosado (Coord.). Estudos e Pareceres – Direito do Petróleo e Gás. Rio de Janeiro:
Renovar, 2005, pp. 74 e 75.
22
Não há espaço na atualidade para políticas desenvolvimentistas divorciadas
da proteção ao meio ambiente em todas as suas dimensões (preventiva e
repressiva). Como destaca Tais Martins, um desenvolvimento centrado no
crescimento econômico que ignore os aspectos ambientais “não pode ser
denominado de desenvolvimento”, mas sim “mero crescimento econômico” 62, com
poucas perspectivas de continuidade e sem maiores benefícios para vida em
sociedade. Conforme advertido em valioso pronunciamento jurisprudencial:
A simples alegação de crescimento econômico e de geração de
emprego não é motivo suficiente para se praticar ações que
podem comprometer de forma irreversível o meio ambiente, uma
vez que o desenvolvimento já foi por longos séculos a justificativa
para a degradação ambiental, o que, atualmente, não pode ser
mais tolerado63-64.
Em suma, segundo expressam Eduardo Cambi e Andréia Bulgakov Klock65:
“sem natureza não há desenvolvimento”. É necessário, portanto, que se busque a
62
MARTINS, Tais. O conceito de desenvolvimento sustentável e seu contexto histórico: algumas
considerações. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, nº 382, 24/07/2004. Disponível em:
<http://jus.uol.com.br/revista/texto/5490>. Acesso em: 10/08/2011.
63
Cf. AI nº 0117.508-4, TJPR, 6ª Câmara Cível, relator Desembargador Antônio Lopes de
Noronha, j. em 18/12/2002.
64
A respeito da depredação dos bens ambientais justificada pelo crescimento econômico, Juliana
Gerent escreve que “teorias desenvolvimentistas desenvolvidas nas décadas de 50 e 60, também
podendo ser chamadas de teorias clássicas do desenvolvimento econômico, pregam „a busca do
crescimento econômico sem atentar para seus efeitos sociais e ambientais diversos‟. A indiferença
com a preservação ambiental decorria do fato do meio ambiente não ter atingido pontos de
saturação colocando a vida humana em risco, ou os problemas ambientais eram locais, não
despertando a consciência ecológica difusa. Porém, a partir da década de 60 com a intensificação
dos processos industriais, com o aumento da utilização dos recursos naturais, seja como matériaprima no processo produtivo seja como depósito de seus resíduos, o ambiente natural deu mostras
de saturação, elementos naturais tornaram-se escassos”. “(...) Afirma-se, assim, que em um
primeiro estágio do raciocínio econômico, a sociedade voltava-se para a idéia do antropocentrismo,
ou seja, o homem como centro das preocupações, „senhor‟ das necessidades e das satisfações; a
busca do desenvolvimento econômico era ilimitada e depredatória. Porém, no instante em que os
recursos naturais deram mostras de escassez, a qualidade de vida do homem sendo ameaçada,
houve uma mudança de paradigma, ainda que em construção, e a posição da sociedade volta-se
para o antropocentrismo alargado, ou seja, a relação íntima e indispensável entre homem e
natureza, a necessidade de tutela ambiental para assegurar a vida com qualidade para esta e as
futuras gerações, e a proteção da biodiversidade e do equilíbrio ecológico mesmo possuindo valor
econômico desinteressado para o homem”. (GERENT, Juliana. Internalização das externalidades
negativas ambientais: uma breve análise da relação jurídico-econômica. Revista de Direito
Ambiental, vol. 44. São Paulo: Revista dos Tribunais, out. 2006, pp. 41e 44)
65
. CAMBI, Eduardo; KLOCK, Andréia Bulgakov. Vulnerabilidade socioambiental. Revista dos
Tribunais nº 898. São Paulo: RT, ago. 2010, p. 57 (destaque do original).
23
composição equilibrada entre os vetores axiológicos do desenvolvimento
econômico e da preservação do meio ambiente, de forma a “garantir o
desenvolvimento não só econômico, mas, também e principalmente, a qualidade
de vida da população”66. Nas palavras de Luiz Regis Prado, há que se “procurar
equilibrar e compatibilizar as necessidades de industrialização e desenvolvimento,
com as de proteção, restauração e melhora do ambiente”67. O autor afirma ainda
que tal harmonização se traduz num “desenvolvimento econômico qualitativo”, por
meio do qual se almeja a elevação do padrão material de vida aliada ao “bemestar social."68 Essa é exatamente a diretriz política abraçada pela Constituição
brasileira de 1988 que, no seu art. 170, VI, é expressa em determinar uma “ordem
econômica” pautada pela “defesa do meio ambiente”69, exteriorizando assim a
decantada noção de sustentabilidade70, providência essencial para elevar ao
máximo os benefícios da atividade petrolífera em prol não só do povo brasileiro de
66
Cf. AI nº 0117.508-4, TJPR, 6ª Câmara Cível, relator Desembargador Antônio Lopes de
Noronha, j. em 18/12/2002.
67
PRADO, Luiz Regis. A tutela constitucional do ambiente no Brasil. Revista dos Tribunais, São
Paulo, vol. 675, jan. 1992, p. 81.
68
PRADO, Luiz Regis. A tutela constitucional do ambiente no Brasil...ob.cit., p. 81.
69
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,
tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados
os seguintes princípios:(...)
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto
ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;” (redação dada
pela Emenda Constitucional nº 42, de 19/12/2003 – destaque nosso). De acordo com Juliana
Gerent, “analisando os arts. 225 da CF/1988 c/c art. 170, VI, da CF/1988, existem dois direitos
fundamentais assegurados, o meio ambiente ecologicamente equilibrado e o desenvolvimento
econômico. Entretanto, sendo as atividades industriais as grandes responsáveis pelos danos
ambientais difusos, embora sejam necessárias ao desenvolvimento econômico e social, há o
princípio do desenvolvimento sustentável cuja finalidade está em assegurar e equilibrar dois
direitos que, a princípio, conflitam entre si”. (GERENT, Juliana. Internalização das externalidades
negativas ambientais....ob.cit., p. 41)
70
Segundo informa Tais Martins, “em 1987 a Comissão Mundial de Meio Ambiente e
Desenvolvimento das Nações Unidas apresentou ao mundo um relatório (denominado de Relatório
Brundland) sobre o tema desenvolvimento. Esse documento apresentou o conceito de
desenvolvimento sustentável além de afirmar que um desenvolvimento sem melhoria da qualidade
de vida das sociedades não poderia ser considerado como desenvolvimento. O relatório Brundland
definiu desenvolvimento sustentável como um desenvolvimento que satisfaz as necessidades do
presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações de satisfazerem as suas. Pode-se
considerar, portanto, desenvolvimento sustentável como o desenvolvimento que tratando de forma
interligada e interdependente as variáveis econômica, social e ambiental é estável e equilibrado
garantindo melhor qualidade de vida para as gerações presentes e futuras.” (MARTINS, Tais. O
conceito de desenvolvimento sustentável e seu contexto histórico...ob. cit. – destaque nosso)
24
hoje, mas, notadamente, das gerações futuras. Nessa direção, escreve Carlos
Roberto Siqueira Castro:
O desafio, agora, é conciliar o processo de desenvolvimento com
a conservação ambiental, ou seja, instituir e fazer cumprir pautas
industriais (...) de exploração dos recursos naturais que não
inviabilizem a qualidade de vida no futuro e não comprometam a
capacidade das gerações de suprirem suas necessidades para
uma subsistência digna. Tem-se aí um princípio de „solidariedade
diacrônica‟ com a humanidade do porvir ou da „equidade
intergerações‟ („intergenerational equity‟), para utilizar a ilustrativa
expressiva de PETER DRUCKER. Impõe-se, para tanto, a
mudança de uma economia de degradação para uma economia
de preservação, que incentive a inserção de valores ambientais
nas práticas de produção e consumo 71.
Veja inclusive que a noção de desenvolvimento sustentável foi erigida à
categoria de norma-objetivo do sistema geral de contratações públicas, dispondo o
art. 3º, da Lei de Licitações (nº 8.666/93), com a nova redação dada pela Lei nº
12.349/2010, que processo licitatório destina-se a “garantir” a “promoção do
desenvolvimento nacional sustentável”.
5. CONCLUSÃO
A descoberta de grandes reservas de hidrocarbonetos na fronteira do présal impõe uma série de novos e complexos desafios, sendo um deles a
necessidade de se repensar o direito do petróleo brasileiro. O ideal é que se tenha
um ambiente jurídico propício para que, em última análise, as riquezas desse
valioso patrimônio natural se transmudem em vigoroso desenvolvimento
socioeconômico do povo brasileiro de hoje e de amanhã; sem se descurar, é claro,
da “defesa do meio ambiente”, que é um princípio explícito da ordem
constitucional brasileira, nos termos do art. 170, VI, da CF. Como assevera Paulo
de Castro Rangel, “o que se exige do Estado contemporâneo é a compatibilização
71
CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. O Direito Ambiental e novo humanismo ecológico. In: Direito
Constitucional Regulatório. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 109 – destaques do original.
25
do
desenvolvimento
econômico
com
a
qualidade
de
vida,
não
mero
prosseguimento de uma política de pleno emprego e bem-estar”72.
A necessidade de responsabilização é ainda mais premente quando o bem
jurídico a ser tutelado é o meio-ambiente, que, como visto, mereceu “consagração
constitucional especialíssima”73, categorizada como “direito fundamental da
pessoa humana”, na medida em que a destruição ambiental compromete a
possibilidade de uma existência digna para os seres humanos das gerações não
só de hoje, mas também e sobretudo as de amanhã. A esse propósito, como bem
acentuado por José Joaquim Gomes Canotilho, citado por Patryck de Araújo
Ayala:
os poderes públicos possuem responsabilidades perante as
futuras gerações, e estas responsabilidades tornam-se concretas
apenas quando adotados, na condição de deveres,
comportamentos privados e públicos, que sejam amigos do meio
ambiente.74
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72
RANGEL, Paulo de Castro. Concentração, programação e direito do ambiente. Coimbra:
Coimbra Editora, 1994, p. 11.
73
74
Cf. voto proferido pelo Ministro Carlos Alberto Menezes Direito na ADI nº 3.378-6/DF.
. AYALA, Patryck de Araújo. Direito Fundamental ao ambiente, mínimo existencial ecológico e
proibição de retrocesso na ordem constitucional brasileira. Revista dos Tribunais nº 901. São
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