ESTADO DE MATO GROSSO
DEFENSORIA PÚBLICA
Missão: Promover assistência jurídica aos necessitados com excelência e efetivar a inclusão social, respaldada
na ética e na moralidade.
DA POSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO NOS
ILÍCITOS PENAIS SUJEITOS A LEI MARIA DA PENHA (11.340/2006)
HUGO RAMOS VILELA, graduado em direito pela UFG, pós-graduado em direito
público pela Faculdade Damásio de Jesus/SP e em direito Tributário pela
Universidade Católica de Brasília/DF, Defensor Público do Estado de Mato Grosso,
professor de direito civil e processo civil.
Cumpre reconhecer, que o artigo 5º, inciso LXXVIII da
Constituição Federal, determina uma maior celeridade e efetividade processual.
Destes princípios vieram as atuais reformas do Processo, buscando um
procedimento menos burocrático, sendo, conseqüentemente, mais ágil e efetivo.
Tendo em mira a doutrina dominante do Pós Positivismo 1
permite-se, através de seus novos paradigmas de hermenêutica, a possibilidade de
suspender os processos condicionalmente nos ilícitos penais sujeitos ao regramento
da lei 11.340/06. Isto, em que pese esta lei proibir no art. 41 a aplicação do sursis
em xeque.
Destarte, pelos argumentos iniciais, a possibilidade de
aplicação da suspensão condicional do processo remete a conclusão de
inconstitucionalidade parcial do art. 41, lei 11.340/06, ou de necessidade de
interpretação
constitucional conforme
à Constituição
Federal,
inspirando-se
principalmente nos princípios da isonomia e da proporcionalidade.
1
Para melhor estudo: BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito
constitucional brasileiro (Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). Revista Diálogo
Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, v. I, nº. 6, setembro, 2001. Disponível em:
<http://www.direitopublico.com.br>.
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Primeiramente cabe frisar: instaurado o processo pela
lesão corporal ou ameaça, por exemplo, este prima facie não ficará sujeito ao sursis
processual, o que, data vênia, mostra-se um retrocesso. Explica-se, a suspensão
condicional do processo, de inspiração do instituto do plea bargain do direito norte
americano, longe de fomentar a impunidade, assemelha-se na prática a uma
antecipação da pena final, com propósitos de agilização e desburocratização da
justiça.
A desproporcionalidade da medida em debate se dá
quando se tem como ponto de comparação, a possibilidade da aplicação da
suspensão condicional da pena.
Pode-se observar que o caput do art. 77, CP, deixa claro
que só ocorre a suspensão condicional da pena se a condenação não for superior a
dois anos. Mas vale relatar que a suspensão não abrange às penas restritivas de
direito e nem à multa. O art. 78, CP, estabelece as condições deste sursis.
Objetivamente, estas praticamente se igualam às da suspensão condicional do
processo.
Nesse diapasão, é razoável esperar tramitar todo um
processo para que, ao final, possa se conceder benefícios que já poderiam ser
concedidos ao início da ação penal? Não seria ir contra os princípios da economia,
efetividade e celeridade processual?
Assim, tem-se que a não permissão da suspensão
condicional do processo, nos delitos submetidos à lei Maria da Penha, ainda mais
quando já existem medidas protetivas deferidas à dita vítima, é desproporcional e
violadora de direitos e garantias básicas do homem e cidadão.
A tipologia do princípio da proporcionalidade é marcada
pela sua destinação, pois, como técnica de garantia contra o arbítrio, apresenta-se
como instrumento de proibição de excesso, em ordem a permitir a revisão de todo e
qualquer ato estatal que se dirija a interferir no patrimônio jurídico individual. 2
2
DE OLIVEIRA, Bruno Bizerra. DIREITO CONSTITUCIONAL. Ed. Axioma Jurídico, rev. atual.
Goiânia. 2004, pg. 33.
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Deste modo, a impossibilidade de suspensão condicional
do processo é norma inadequada, desnecessária e desrazoável. Explica-se.
A proibição do sursis processual não é adequada, tendo
em mente que esta se traduz em uma exigência não idônea à consecução da
finalidade pretendida. Ou seja, a proibição da suspensão condicional do processo
não é medida adequada e garantidora de que o eventual agressor deixe de se portar
como indicado em denúncias. Aliás, as condições legais do sursis processual fazem
com que o beneficiado tenha que se apresentar mensalmente justificando a sua
atividade, o que em verdade facilita o controle do Estado para com as atitudes do
suposto agressor.
Surge outra violação, no quesito adequação, por ser de
fácil percepção que se o sursis penal é adequado para evitar futuras agressões a
hipossuficiente protegida pela lei, porque a suspensão condicional do processo não
seria?
Necessário é a oferta do sursis processual, porque se
trata de medida que não impede a prisão em flagrante, além de ir ao esteio da
conservação do direito fundamental da integridade física, intelectual e moral da
mulher vítima de violência doméstica. Dá-se a chance do acusado, mediante o
cumprimento de condições, refletir mais sobre suas atitudes durante um período de
até 2 dois anos, sem que para tanto fique inutilizado pela sociedade e também por
lhe dar a oportunidade do perdão, eis que todo ser humano é passível de erro. A
abertura de um processo crime contra si já representa um constrangimento de tal
monta, que muitas das vezes já é o necessário para que o acusado não mais se
porte violentamente contra a vítima. Para atestar que assim o sujeito ativo do
eventual delito se portará, terá um período de prova que, em sendo descumprido, a
qualquer momento pode ter o andamento processual retornado.
Conclusão: se a impunidade foi o argumento legislativo
para o impedimento do sursis processual, tem-se por demonstrado que perde mais
ainda a razão da não aplicação. Aliás, diga-se de passagem, faço coro ao
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entendimento de Amilton Bueno de Carvalho3 e outros, afirmadores de que a
impunidade não é o principal ou o único problema que deve ser combatido pelo
direito penal para evitar que os principais bens jurídicos sejam violados. Em verdade,
se for razão, é um dos últimos.
Por fim, é desarrazoável a não concessão da suspensão
condicional do processo ou princípio da proporcionalidade em sentido estrito, pois o
meio utilizado encontra-se fora de razoável proporção com o fim a ser perseguido.
Aqui, a idéia de equilibro entre valores e bens é exalçada. Como deveras salientado,
porque somente ao final do processo, com sentença já transitada em julgada,
reconhecendo a autoria e materialidade do delito, que poderá ser concedido
benefícios de semelhantes efeitos aos do art. 89, lei 9.099/95? Seria o mesmo que
nadar, nadar e morrer na praia ou construir castelos de areia, sabedouro que logo a
pouco a maré em sua enchente levará tal magnífica construção, impedindo a
apreciação e deleite do público ao qual o arquiteto quis destinar sua obra...
Adita-se, tal é a compatibilidade do instituto da suspensão
condicional do processo que, ao ser formulada a proposta, basta ser respeitado o
art. 17, lei 11.340/06 e aplicar medidas diversas das ali constantes, como por
exemplo, prestação de serviços à comunidade. Para tanto, o transcreve-se: “Art. 17.
É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher,
de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a
substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa”.
Nesse diapasão, molda-se a declaração incidental de
interpretação conforme à constituição do art. 41, Lei 11.340/06, na parte em que
proíbe a suspensão condicional do processo. É o entendimento, por ferir o principio
do devido processo legal na acepção material.
Ademais, cabe a suspensão condicional do processo
mesmo quando o crime imputado é cometido com violência. Entenda-se, fere o
princípio da isonomia a mulher agressora de seu marido poder usufruir do sursis
3
Garantismo Penal Aplicado. Ed. lúmen júris, 2ª Ed.
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processual, enquanto o homem em situação análoga não poder usufruir do mesmo
benefício.
Foi Bandeira de Mello4 aquele que melhor tratou sobre o
tema dentro da Ciência do Direito. Em sua renomada monografia, inicia afirmando
de que não há dúvida de que o princípio constitucional da isonomia é dirigido,
simultaneamente, para o legislador e para o aplicador/intérprete:
"O preceito magno da igualdade, como já
tem sido assinalado, é norma voltada quer
para o aplicador da lei quer para o próprio
legislador. Deveras, não só perante a
norma posta se nivelam os indivíduos,
mas, a própria edição dela assujeita-se ao
dever de dispensar tratamento equânime
às pessoas."
Deste modo, a lei 11.340/06, ao dar o tratamento desigual a
pessoas
em
situações
jurídicas
iguais,
no
tema
em
xeque,
mostrou-se
discriminatória sem razão que assim justifique o tratamento homem/mulher.
Resultado da interpretação do art. 41, lei 11.340/06: é permitida
a suspensão condicional do processo, em crimes sujeitos a Maria da Penha, desde
que não se aplique, como condições de cumprimento do período de prova, cesta
básica ou prestação pecunária, bem como o pagamento isolado de multa. Toda
outra qualquer interpretação, neste ponto, seria inconstitucional, por ser violador dos
Princípios da Proporcionalidade, Isonomia, Economia, Celeridade e Efetividade
Processual.
BIBLIOGRAFIA
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e
4
Bandeira de Mello, Celso Antônio, O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. Ed. RT, São
Paulo, 2002.
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filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (Pós-modernidade, teoria crítica e
pós-positivismo). Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização
Jurídica,
v.
I,
no.
6,
setembro,
2001.
Disponível
em:
<http://www.direitopublico.com.br>.
CARVALHO, Salo de; CARVALHO, Amilton Bueno de.
Aplicação da Pena e Garantismo. 2A ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.
DE
OLIVEIRA,
Bruno
Bizerra.
DIREITO
CONSTITUCIONAL. Ed. Axioma Jurídico, rev. atual. Goiânia. 2004.
LOPES JÚNIOR, Aury. INTRODUÇÃO CRÍTICA AO
PROCESSO
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FUNDAMENTOS
DA
INSTRUMENTALIDADE
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MELLO, Celso AntônioBandeira de. O Conteúdo Jurídico
do Princípio da Igualdade. Ed. RT, São Paulo, 2002.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires;
BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2. ed., São Paulo:
Saraiva, 2008.
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