○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○○ ○○ ○○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Educação para a paz Obediência e moralidade na relação pais e filhos: educando para a paz Obedience and morality in the parent-child relationship: educating for peace Luciana Maria Caetano Mestre em Educação – Unicamp Coordenadora no Colégio Metodista de São Bernardo do Campo [email protected] R e s u m o O artigo discute o conceito de obediência no âmbito da relação pais e filhos, à luz da teoria do Juízo Moral de Jean Piaget, refletindo sobre a necessidade de uma educação para a moralidade que tenha como objetivo a formação de pessoas autônomas. O tema da educação para a paz é abordado como uma forma de busca da excelência e utopia nas relações interpessoais, sejam elas, entre pais e filhos, entre alunos e mestres, ou ainda entre as diferentes nações, conforme propôs Jean Piaget. Unitermos: educação; paz; moral. S y n o p s i s The article discusses the concept of obedience within the scope of parent-child relationships, in light of Jean Piaget’s theory on Moral Judgment, reflecting on the need for an education in morality which should have as its objective the forming of autonomous individuals. The theme of education for peace is approached as a manner of searching for excellence and utopia in interpersonal relations, be they between parents and children, students and teachers, or even between different nations, as was proposed by Jean Piaget. Terms: education; peace; morals. Resumen El artículo discute el concepto de obediencia en el ámbito de la relación padres e hijos, a la luz de la teoría del Juicio Moral de Jean Piaget, reflexionando sobre la necesidad de una educación para la moralidad que tenga como objetivo la formación de personas autónomas. El tema de la educación para la paz es abordado como una forma de búsqueda de la excelencia y utopía en las relaciones interpersonales, sean ellas entre padres e hijos, entre alumnos y docentes, o aún entre las diferentes naciones, conforme propone Jean Piaget. Términos: educación; paz; moral. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 9 ○ ○ ○ Ano 14 - n . 27 – dezembro / 2005 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Sobre a relação pais e filhos E xiste um significativo desconforto social no que concerne a esta temática da relação entre pais e filhos. O discurso do senso comum mais uma vez afirma, com um saudosismo exacerbado, que os pais de hoje não sabem mais educar os filhos, não lhes transmitem valores, não disciplinam as crianças, daí os grandes problemas vivenciados em casa, na escola e na sociedade. La Taille (1996), expondo um diálogo comparativo entre dois autores que contribuíram de forma significativa para tal temática, Kant e Piaget, afirma que “a questão do lugar da disciplina ainda inquieta pais e educadores” (p. 174), entretanto, segundo ele, tal discussão não é apenas nostálgica, naquela tendência de acreditar que os pais autoritários do passado seriam providentes na definição e cobrança das regras e limites dos filhos. Segundo o autor, os problemas realmente existem e são no mínimo, três. O primeiro ele intitula como um “desequilíbrio na convivência entre pais e filhos”, no qual uma inversão de valores faz com que a família antes adultocêntrica, apresente-se atualmente puericêntrica, ou seja, não é mais a criança e o adolescente que têm que se adaptar a uma organização de valores, atitudes e prazeres dos adultos, mas esses últimos é que têm se adaptado ao Revista de Educação do Cogeime Uma inversão de valores faz com que a família antes adultocêntrica, apresente-se atualmente puericêntrica, ou seja, não é mais a criança e o adolescente que têm que se adaptar a uma organização de valores, atitudes e prazeres dos adultos ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ mundo adolescente e infantil: “Os filhos são ‘os reis’ da casa, ouvem as músicas que querem, assistem a seus programas etc. E são, pensam alguns, facilmente ‘traumatizáveis’” (LA TAILLE, 1996, p. 175). Esse primeiro problema se amplia quando esse adolescente acostumado à liberdade e ao espaço que possui na casa dos pais, não busca libertar-se do mundo das regras do adulto pois, na verdade, esse mundo ficou infantilizado, e sair de casa significa perder a liberdade e não alcançála. Assim, tais jovens não se incorporam no meio do trabalho e nem conseguem formar unidade familiar própria. Toda essa questão é ainda reforçada pelas dificuldades financeiras, sociais e econômicas do mundo atual. Conforme as palavras de De Souza (2000, p. 37): Há adolescentes que se acomodam a esse status quo infantilizado e não buscam superar as dificuldades. Em todos os casos, isso dificultará o desenvolvimento de uma nova identidade, fundamental para o desenvolvimento da personalidade nessa fase. (...) Os consultórios de psicoterapeutas recebem com muita freqüência pacientes jovens, os quais necessitam menos de tratamento do que suas famílias, as quais não se adaptam ao novo status de seus filhos. O segundo problema que La Taille (1996, p. 176) aponta diz ○ ○ ○ 10 ○ ○ ○ Ano 14 - n . 27 – dezembro / 2005 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ respeito à liberdade excessiva garantida desde muito cedo, o que impede as crianças de construírem o chamado “sentimento de obrigatoriedade que nasce das relações que Piaget chamou de coação”, ou seja, da exterioridade das regras transmitidas pelos adultos, em certo momento do desenvolvimento moral do sujeito. A criança habitua-se a ter os seus desejos satisfeitos desde muito cedo, com isso não constrói a capacidade de lidar com as perdas, as frustrações, entre tantas outras dificuldades. Conforme afirma La Taille sobre o que pensam determinados pais: ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Tudo é passageiro e descartável, como se pode pensar em conservação de valores? Talvez, por medo de ser tirânico, tenha-se evitado dar ordens e modelos, esquecendo-se que cumprem um papel no desenvolvimento moral. Em suma, talvez se tenha ‘pulado’ (ou tentado pular) uma fase de educação moral na qual a autoridade adulta cumpre papel estruturante do universo moral e afetivo da criança (LA TAILLE, 1996, p. 177). E, finalmente, o último aspecto que o autor aponta como problema na questão da educação moral, diz respeito ao fato de que a moral humana tem que ser pensada em função da sociedade como um todo e a vivência atual da sociedade é a conservação de quase nada. A tecnologia transforma com rapidez os objetos mais modernos em sucatas. Os progenitores não possuem o arRevista de Educação do Cogeime Exagerada ansiedade em garantir a felicidade das crianças, ao invés de preocuparemse com a formação esmerada do caráter de seus filhos ○ ○ ○ 11 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ gumento de que sabem o que é melhor para seus filhos, pois não sabem sequer o que é melhor para si mesmos. Tudo é passageiro e descartável, como se pode pensar em conservação de valores? (p. 177). Tais pensamentos evidenciam que o problema dos conflitos entre pais e filhos é, um problema, em primeiro lugar, de ordem moral, mas também uma questão que reflete sobre as dificuldades iminentes dos pais em bem educarem os seus filhos. Sobre esta última questão, talvez o que esteja presente nos dias atuais, quando livros de auto-ajuda, com o propósito maior de dar orientações sobre como educar crianças e adolescentes, ganham os lugares mais evidentes nas prateleiras das livrarias, seja o reflexo de que os pais não sabem exatamente como agir para bem formarem seus filhos. Há uma hipótese de que os pais estejam realizando uma possível confusão, quando revelam uma exagerada ansiedade em garantir a felicidade das crianças, ao invés de preocuparem-se com a formação esmerada do caráter de seus filhos. La Taille (1998) comenta que “os pais de hoje não têm mais tanta certeza de que sabem mais que seus filhos quais os caminhos que levam à felicidade, portanto, colocam bem menos limites” (p. 64). Afirma que muitos deles não querem repetir os erros dos seus próprios pais que, imbuídos de um autoritarismo, justificavam suas intervenções e restrições diante Ano 14 - n . 27 – dezembro / 2005 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ dos comportamentos dos filhos a partir da imaturidade dos mesmos, sendo que, portanto, os pais é que saberiam quais os caminhos adequados para os filhos trilharem a fim de alcançarem a felicidade. Porém, tal justificativa quando interpretada como uma hipocrisia, segundo o mesmo autor, pode conduzir a um outro extremo: uma indiferença dos pais em relação aos comportamentos dos filhos, delegando-lhes plena liberdade, o que bem se sabe, termina por significar ausência e rejeição. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Sobre a obediência Revista de Educação do Cogeime A obediência, de fato, não é, nem uma imitação simples, nem uma ejeção: a obediência cria um novo ‘eu’, uma fração do ‘eu’ que domina as outras ○ ○ ○ 12 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ A obediência, de fato, não é, nem uma imitação simples, nem uma ejeção: a obediência cria um novo ‘eu’, uma fração do ‘eu’ que domina as outras.Com efeito, aprendendo a obedecer, a criança constrói, por si mesma, o que Baldwin chama um ‘eu ideal’, um ‘eu’ submisso às decisões dos adultos, isto é, um ‘eu’ calcado sobre o ‘eu’ superior deles (1932/ 2000, p. 289). Uma indiferença dos pais em relação aos comportamentos dos filhos, delegando-lhes plena liberdade, o que bem se sabe, termina por significar ausência e rejeição Piaget não estudou o conceito de obediência, especificadamente, mas chamava assim a uma das fases do desenvolvimento moral humano: a heteronomia. A teoria afirma que a hetoromomia “implica uma coação inevitável do superior sobre o inferior; característico de uma primeira forma de relação social, que nós chamaremos relação de coação” (PIAGET, 1930/1996, p. 5). O governo é exercido de fora para dentro, sendo que para esta criança, o dever é obedecer ao adulto e a boa regra é aquela imposta pelo seu superior, e é mau todo ato não conforme às regras. “Então, o bem se define rigorosamente pela obediência” (PIAGET, 1932/2000, p. 93). Piaget (1954/1994) cita a teoria do psicólogo Baldwin, para explicar o surgimento dos primeiros sentimentos morais nas relações interindividuais. Segundo suas próprias palavras, referindose a tal teoria: ○ ○ Baldwin se refere à construção do “eu ideal”, que segundo ele, origina-se da imitação dos gestos do outro, o que providencia a tomada de consciência de si a partir da tomada de consciência das semelhanças com os outros. Piaget observa a pertinência de tais concepções do autor e considera o conceito de “eu ideal” análogo ao conceito de “superego” freudiano, nas características que dizem respeito à explicação da obediência (PIAGET, 1954/1994, p. 259). Porém, para o autor genebrino, tal afirmação também não é suficiente para explicar o sentimento de obrigação que leva o sujeito a agir moralmente, isto é, a obediência é para Baldwin inicialmente uma conduta de submissão aceita, que tenderá a um julgamento racional por parte do indivíduo, em estágios superiores. Porém, isto ainda não basta para Piaget, embora concorde e reconheça a importância de tal teoria naquilo que diz respeito a “admitir que o eu somente se conhece por referência àquele dos outros” (PIAGET, 1932/2000, p. 292). Ano 14 - n . 27 – dezembro / 2005 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Piaget encontrará em Pierre Bovet a explicação que adotará para justificar os sentimentos de obrigação que conduzem o sujeito a agir moralmente, ou, especialmente na fase da construção dos primeiros sentimentos morais, obedecer aos seus pais. Piaget assume de Bovet o conceito de respeito, e assim o enuncia: ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ mentos de afeto (os pais são os que lhe acarinham, cuidam dela, provêem a sua proteção e sobrevivência) e medo (são os que castigam, punem, repreendem), que Bovet denomina respeito. Portanto, “o respeito pelas pessoas não é então a conseqüência, mas a condição prévia da lei moral” (PIAGET, 1954/1994, p. 260). Retomando Baldwin, percebe-se a veracidade da sua concepção da imitação como primícia dos sentimentos morais, pois, conforme relata Piaget, A relação entre duas pessoas é suficiente para que haja o sentimento de respeito entre elas (...) a criança em presença de seus pais, tem espontaneamente a impressão de ser ultrapassada por algo superior a ela. Logo, o respeito mergulha suas raízes em certos sentimentos inatos e resulta de uma mistura sui generis de medo e afeição, que se desenvolve em função das relações da criança com seu ambiente adulto (1932/ 2002, p. 279). Bovet primeiramente afirma que a relação entre duas pessoas é suficiente para que haja o sentimento de respeito entre elas. Assim, é preciso que um indivíduo dê uma ordem e o outro confie nesse primeiro, e o respeite para que o conceba como “boa pessoa”, e a tal ordem enquanto uma “boa regra”, conforme La Taille, “a criança acredita serem boas (regras) porque impostas por seres vistos como poderosos e amorosos (os pais)” (1994/2000, p. 18), ou seja, a obrigatoriedade advém da mistura dos senti- ○ o pequeno descobre no grande um ser ao mesmo tempo semelhante a ele e ultrapassando-o infinitamente: as impressões misturadas de simpatia e medo que resultam desta situação explicam, exatamente, porque a criança aceita os exemplos e, quando sabe falar, as ordens que emanam dos pais, e porque, à simples imitação se junta tão precocemente o sentimento da regra e da obrigação (1932/ 2000, p. 281). O respeito pelas pessoas não é então a conseqüência, mas a condição prévia da lei moral” Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 13 ○ ○ ○ Piaget mostra-se de acordo, conforme já anotado acima, com ambos os autores, Baldwim e Bovet, no que se refere à gênese da moral infantil, porém, retomando este último autor, Piaget reclama uma explicação para a evolução dos sentimentos morais, pois, para ele o sentimento interindividual de respeito que Bovet enuncia, somente se aplica à moral heterônoma da obediência. Ano 14 - n . 27 – dezembro / 2005 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Desta forma, os estudos realizados por Piaget confirmam a existência de duas morais, sendo que cada uma delas se constrói sob o fundamento de um tipo de respeito, por ele denominado respeito unilateral (derivado do conceito de respeito de Bovet), que caracteriza a moral da obediência (moral do dever), e o respeito mútuo, condição para a construção da moral autônoma (moral do bem). A primeira, resultado das relações de coação e a segunda, resultado das relações de cooperação: ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ nas quais o respeito aos costumes encarnados nos Anciãos prima sobre toda manifestação da personalidade. A moral da cooperação, ao contrário, é produto relativamente recente, da diferenciação social e do individualismo que resulta do tipo ‘civilizado’ de solidariedade (p. 9). Ser pai e mãe é exatamente ser o adulto da relação. Espera-se que tais pessoas sejam ao menos exemplo para as crianças com as quais convivem Ser pai e mãe é exatamente ser o adulto da relação. Esperase que tais pessoas sejam ao menos exemplo para as crianças com as quais convivem. Conforme já anotado anteriormente, a criança pequena imita o comportamento dos adultos com os quais convive e por isso: (...) a educação moral fundada sobre o respeito exclusivo ao adulto ou às regras adultas desconhece este dado essencial da psicologia de que existe na criança não uma, mas duas morais presentes; assim os procedimentos educativos fundados somente no respeito unilateral negligenciam a metade, e não a menos importante, dos profundos recursos da alma infantil (PIAGET, 1930/1996, p. 12). Pais e professores que querem uma educação para a autonomia devem primeiramente considerar seus próprios comportamentos e julgamentos morais. A sua autonomia será modelo para as crianças pequenas, a ausência dela, também (MENIN, 1996, p. 101). Logo, a maneira como o adulto vier a conceber essa sua “vantagem de superioridade” frente à criança significará muito para o desenvolvimento dela. Sobre os procedimentos da educação moral, Piaget (1996) comenta que A evolução da moralidade depende das relações que se estabelecem com o outro A moral da heteronomia e do respeito unilateral parece corresponder à moral das prescrições e das interdições rituais (tabus), próprias das sociedades ditas ‘primitivas’, Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ 14 ○ ○ ○ A evolução da moralidade depende das relações que se estabelecem com o outro. Isso explica porque se encontram tantos adultos arbitrários, incapazes de se colocar no lugar do outro. Uns necessitam mandarem para se sentirem felizes, enquanto outros, mostram-se incapazes de iniciativa e argumentação, submetendo-se àqueles que julgam superiores a si mesmo. Ano 14 - n . 27 – dezembro / 2005 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Por que existem essas diferenças entre adultos? Uma resposta pode ser encontrada na Teoria de Jean Piaget. Esta teoria nos ajuda a entender porque as crianças tornam-se responsáveis e íntegras se os adultos agem com elas, seguindo determinados caminhos (KAMII,1991, p. 38). As palavras de Kamii suscitam o estudo do conceito de obediência de tais adultos. Para Piaget, e outros autores que pesquisaram e pesquisam o desenvolvimento moral da criança, a obediência heterônoma não basta à formação de uma personalidade moral, pois se trata de uma moral amparada pelo outro, um sistema aberto que depende de algo exterior. As crianças pequenas têm dificuldades para considerar diferentes perspectivas que lhe permitem “a comparação mútua das intenções íntimas e das regras que cada um adota” (PIAGET, 1932/1994, p. 300). Portanto, dizemos que tais pequenos são heterônomos, isto é, obedecem aos mais velhos com os quais convivem, mas ainda não alcançaram a descentração e a reciprocidade que lhes permitirão obedecer a princípios de justiça pois, segundo o autor, somente a vivência do respeito mútuo, garantida pelas relações de cooperação, pode construir a consciência moral autônoma. Piaget (1932/1994, p. 152) afirma que quando os adultos agem com as crianças em freqüente estado de tensão, perRevista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ petuando as relações de coação, as crianças são vencidas interiormente pelo poder exacerbado do adulto, e não podem desta forma construir os seus próprios pontos de vista, não distinguem o que é certo e criticável na atitude dos pais, o que as manterá heterônomas, obedientes a pessoas e não a princípios de justiça. Educar moralmente para educar para a paz o sujeito constrói as suas estruturas cognitivas, afetivas e também os valores morais ao entrar em contato com o outro Somente a vivência do respeito mútuo, garantida pelas relações de cooperação, pode construir a consciência moral autônoma ○ ○ ○ 15 ○ ○ ○ Para Piaget a finalidade da educação é a autonomia. Quando em seu livro, “Para onde vai a Educação” (2000), discute sobre o que significa ter direito à educação, diz exatamente desse ‘selfgovernment’, que significa a autonomia. Da mesma forma, o grande desejo expresso, ao menos nos discursos dos educadores, psicopedagogos e demais adultos que se responsabilizam pela formação de crianças, é que seus alunos e ou filhos se transformem em pessoas autônomas. Porém, uma grande dicotomia se interpõe, visto que conforme prevê a teoria piagetiana, o sujeito constrói as suas estruturas cognitivas, afetivas e também os valores morais ao entrar em contato com o outro. Portanto, o sujeito é ativo na construção do seu desenvolvimento e a moralidade não é algo que possa ser ensinado ou transmitido, por meio de lições de moral, sermões e histórias; tampouco se pode aprender a ser justo, honesto, solidário, tolerante, senão por Ano 14 - n . 27 – dezembro / 2005 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ meio de situações em que experienciem possibilidades de exercitarem tais virtudes (VINHA, 1999; TOGNETTA, 2002; MENIN, 1996; DE LA TAILLE, 2002). Piaget (1934/1998, citado por Parrat-Dayan, p. 132), ao se remeter à questão da educação para a paz, discutindo o processo da colaboração internacional na construção deste tipo de educação, observa que um dos problemas que ela enfrenta é exatamente esse, ou seja, a maior dificuldade que os educadores têm é de “encontrar um interesse real que possa levar cada um a compreender o outro, em particular a compreender o adversário” (p. 133). Aparentemente simples, entretanto, na maioria das vezes, conforme afirma o próprio autor, o risco que se corre ao educar é exatamente o de buscar objetivos contrários à idéia da educação para a paz, sem a tomada da consciência de que tal educação envolve uma amplitude considerável de problemas psicológicos e pedagógicos. Conforme suas próprias palavras: ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ O risco que se corre ao educar é exatamente o de buscar objetivos contrários à idéia da educação para a paz Os adultos precisam assumir o seu papel na educação das crianças ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Quando se pensa na educação oferecida às crianças em seus próprios lares, a idéia não difere muito. Quando as crianças não estão ouvindo monólogos estéreis a respeito de como ser crianças boazinhas, acabam expostas, infinitas vezes, ao abuso da autoridade com relações de coação traduzidas principalmente por sanções expiatórias. Outras vezes são tratadas como juízes absolutos, sendo-lhes permitido fazer o que bem entenderem. São, de todas essas maneiras, impedidas de agir sobre o objeto do conhecimento da educação moral, ou seja, tomar conhecimento das regras de convivência, trocar pontos de vistas, fazer escolhas, assumir a responsabilidade sobre os seus próprios atos. Porém, os adultos precisam assumir o seu papel na educação das crianças, pois, são para eles o modelo e exemplo e, portanto, precisam ser coerentes com os menores, auxiliando-os a reconhecerem a função e a necessidade das regras de convivência. Conforme nos explica Menin (1996, p. 100): Se os professores e pais forem, como modelos, pessoas heterônomas que obedecem as regras por controles externos, que julgam os atos por seus resultados aparentes, que avaliam os erros pelas suas possibilidades de punição (...) não se pode esperar que alunos e filhos tenham um desenvolvimento moral diferente. É bem mais fácil, com efeito, falar durante aulas inteiras sobre um assunto teórico e artificial do que penetrar no próprio espírito do ensino uma única idéia elementar, quando essa idéia vincula-se a uma atitude profunda e essencial do espírito (PIAGET, 1934/1998, citado por Parrat-Dayan, p. 135). Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ 16 ○ ○ ○ Ano 14 - n . 27 – dezembro / 2005 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ A citação de Menin acima exposta acaba por justificar, pelo menos naquilo que concerne à moral, os tristes relatos que Marques (1996), em seu artigo sobre “Abuso psicológico de crianças e adolescentes”, aponta sobre o tratamento desdenhoso, terrorista, de exploração ou corrupção, de negação da reciprocidade emocional em relação aos filhos, enquanto espécies de comportamentos considerados abusivos. Segundo a mesma autora, a inconsistência paterna (variação do comportamento dos pais de acordo com tempo e situação), a produção de expectativas irreais ou extremas exigências sobre seu rendimento escolar,intelectual e outros, bem como o fato de “mimar a criança”, também são considerados abusos, pois tais atitudes “dificultam o desenvolvimento das necessidades emocionais básicas da criança” (p. 205), causando “sérias desordens cognitivas, mentais, emocionais e de comportamento” (p. 205). Marques (1996) ainda relata, por meio da citação de várias pesquisas que comprovam estatisticamente os dados descritos a seguir, que pais controladores e restritivos, pais permissivos, pais hostis, agressores, negligentes e ou indiferentes (ambas formas de rejeição), providenciam a formação de crianças “que internalizam suas ansiedades e raivas, podendo tornarem-se depressivas, submissas, autodestrutivas, suicidas, passivas, introvertidas, tímidas, desenvolverem hábitos nervosos, Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Portanto, compreender pontos de vista diferentes do seu próprio é ponto de partida para educar para a paz ○ ○ ○ 17 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ terem pesadelos e apresentarem sintomas psicossomáticos” (p. 215), ou “crianças rejeitadas, que externam sua raiva, podendo tornarem-se impulsivas, com hiperatividade, perdendo o autocontrole e reagindo agressivamente contra os outros” (p. 215). A autora apresenta estudos que comprovam que as crianças que conviveram com pais abusivos podem desenvolver determinados hábitos sociais, como o uso de drogas ilegais ou alcoolismo. Com certeza, os problemas abordados por Marques são exemplos reais do quanto o mundo ainda se encontra distante da educação para a paz. Quando esses dados são apresentados em palestras para pais, é nítida a surpresa estampada nos rostos da maioria. Da mesma forma, quando os pais escutam pela primeira vez os conceitos de heteronomia e autonomia de Piaget e suas principais características, compreendendo o caráter evolutivo do desenvolvimento moral da criança, sentem-se novamente envolvidos e entusiasmados. Piaget aponta como o ponto de partida da educação para a paz “o conhecimento dos outros como condição de sobrevivência e de segurança nacionais e como meio de expansão para a ideologia que defendemos”(PIAGET, 1934/1998, citado por PARRATDAYAN, p. 134). Portanto, compreender pontos de vista diferentes do seu próprio é ponto de partida para educar para a paz. Entretanto, a maioria dos pais Ano 14 - n . 27 – dezembro / 2005 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ pouco conhece a respeito dos pontos de vista de seus filhos, simplesmente por não se dispor a dialogar com eles. Muitos não reconhecem os sentimentos das crianças e dos adolescentes, e desconhecem o fato de que o raciocínio das crianças é diferente do raciocínio de um adulto e educam de acordo com o único modelo que vivenciaram, isto é, a própria educação que receberam de seus pais. De La Taille (2002) afirma que “os adultos que sofreram humilhações na sua infância tenderão a ‘descontá-las’ nos mais fracos, notadamente nos filhos” (p. 41). Tal autor também descreverá as conseqüências dolorosas para os sujeitos humilhados pelo excesso de mimo, ou impotentes diante do sentimento de inferioridade criado pelo desprezo dos pais. Segundo Puig (1998), “com os processos comunicativos mecanismos psicológicos entram em funcionamento e vão ajudando os aprendizes a ampliarem seus conhecimentos e suas capacidades morais” (p. 239). O autor afirma que as interações entre iguais e entre os adultos, que deveriam atuar com os pequenos como “tutores experientes”, é que auxiliarão o sujeito a construir a sua personalidade moral. A construção dos valores morais implica, segundo La Taille (1998), em dimensões que aqui ousamos resumir em três palavras: exemplo, cooperação e afetividade. Segundo o autor, o sujeito precisará vivenciar a exRevista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 18 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ periência de uma “educação moral que encarne os valores que se quer ensinar” (p. 103), ou seja, os educadores precisam ser espelho para seus educandos: as palavras precisam ser correspondentes com as suas próprias atitudes. Não adianta gritar para a criança, pedindo-lhe que pare de falar alto com seu irmãozinho. Quanto à cooperação, pode-se resumidamente afirmar que as crianças necessitam de oportunidades para refletirem sobre as regras e sobre o porquê da existência das mesmas, compreendendo a sua função, além de que devem vivenciar oportunidades onde as mesmas “possam decidir, entre elas, as regras de seu convívio”. E, finalmente, as crianças necessitam desejar agir adequadamente, exatamente por compreenderem que isso é bom para si mesmas e para aqueles com os quais convivem. Conforme as palavras de La Taille, “a criança precisa perceber que o ‘bem’ e o ‘mal’ incendeiam os corações das pessoas e envolvem sua personalidade em favor do primeiro e contra o segundo” (1998, p. 103). O convívio com a família, isto é, os diferentes caminhos que os pais podem percorrer para formarem seus filhos, conduzirão à possibilidade feliz ou não, de construção da personalidade de maneira equilibrada. Turiel (citado por LA TAILLE, 1998, p. 94), psicólogo americano e especialista em desenvolvimento, é o autor de uma pesquisa direcio- A criança precisa perceber que o ‘bem’ e o ‘mal’ incendeiam os corações das pessoas e envolvem sua personalidade em favor do primeiro e contra o segundo” ○ ○ ○ Ano 14 - n . 27 – dezembro / 2005 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ nada à comparação de diferentes formas de educação familiar, cujos resultados são também por ele discutidos: “a educação autoritária”, “a educação por retirada do amor”, e a “educação elucidativa”. Segundo ele, a forma de educação “elucidativa” diz respeito às repreensões ou ordens dadas pelo adulto, acompanhadas de uma respectiva explicação que sugere à criança e ao adolescente, a razão de ser da correção. E, conforme as afirmações de La Taille (1998, p. 96), trata-se da forma de educação mais eficaz para aqueles que desejam formar pessoas autônomas, uma vez que auxilia na legitimação das regras e dos valores. Para que se possa entender o porquê da eficácia da educação elucidativa faz-se necessário que se conheçam os inconvenientes dos dois primeiros tipos de educação. O primeiro apela para o autoritarismo e nele a obediência é garantida mediante punições, ameaças e castigos impostos pela autoridade. A criança obedece porque tem alguém superior e poderoso que está mandando, ou seja, não há reflexão a respeito das regras e tampouco dos valores. O resultado deste tipo de educação é discutido por La Taille (1998, p. 96): ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Repreensões ou ordens dadas pelo adulto, acompanhadas de uma respectiva explicação que sugere à criança e ao adolescente, a razão de ser da correção Digo que esse método “pode” gerar um indivíduo extremamente submisso porque nenhum método pedagógico é bastante forte para garantir seus resulRevista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 19 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ tados; não faltam exemplos de pessoas educadas de forma extremamente autoritária que, revoltadas com esse exercício do poder, conquistaram a autonomia. Mas tais casos não representam, infelizmente, a maioria e o fato é que métodos que insistem na obediência cega da criança em relação ao adulto são um excelente começo para gerar indivíduos que acham que tal conformismo traduz a postura moral mais adequada. O estudo do juízo moral, segundo Jean Piaget, também apresentou os resultados de uma educação autoritária, pautada na coação social, no respeito unilateral e nas sanções expiatórias, isto é, personalidades conformistas, revoltadas ou que calculam o risco, o que significa, sujeitos distantes da autonomia moral. Para ilustrar os resultados da educação pautada sobre o argumento da autoridade, o estudioso da psicologia social, Milgran (1974, citado por La Taille, 2002, p. 36-37), realizou uma pesquisa sobre o conformismo e a obediência. Trata-se de uma “combinação ou farsa”, onde cidadãos comuns são orientados a ministrar choques em um aluno-ator durante sessões de aprendizagem. A grande surpresa da pesquisa diz respeito ao fato de que, conforme os choques ministrados, o resultado poderia ser o óbito do aluno, e mesmo ciente disso, os sujeitos pesquisados (joAno 14 - n . 27 – dezembro / 2005 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ vens universitários), em obediência a uma autoridade (também ator), aplicavam tais choques violentos. A conclusão a que este experimento conduz fica afirmada nas palavras de La Taille (2002, p. 37): “Entre as várias definições possíveis de homem, os experimentos de Milgram nos levam a escolher a de ‘animal obediente’”. Aqui faz-se necessária a abertura de um parêntese nas explicações das formas de educação segundo Turiel, para que se possa refletir a respeito da idéia do homem enquanto ser obediente. Retomando as idéias de Piaget sobre a educação para a paz, observamos que, conforme as reflexões expostas até agora, o homem obediente, isto é, aquele que se submete aos superiores sem questionamento, argumentação ou troca de pontos de vista, terá dificuldades para vivenciar uma participação ativa na educação para a paz. Tal afirmação é legitimada pelas próprias palavras do autor: “A idéia que defendemos é bem mais concreta: trata-se apenas de criar em cada pessoa um método de compreensão e de reciprocidade” (PIAGET, 1934/1998, citado por PARRAT-DAYAN, p. 135). Retomando as formas de educação segundo Turiel, carece ainda dizer sobre a “educação por retirada do amor”. Há uma diferença principal entre as duas formas de educar: a autoritária e a educação por retirada de amor. Enquanto a primeira forma conRevista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Aquele que se submete aos superiores sem questionamento, argumentação ou troca de pontos de vista, terá dificuldades para vivenciar uma participação ativa na educação para a paz O educar para a paz implica também na legitimação dos sentimentos individuais e no respeito aos sentimentos alheios, auxiliando o homem a se situar no conjunto dos outros homens ○ ○ ○ 20 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ segue a obediência das crianças por meio do medo do castigo, a segunda, a obtém mediante o medo de perder o amor e o carinho dos pais. “O medo muda de objeto: o medo do abandono substitui o medo da punição” (LA TAILLE, 1998, p. 97). Por outro lado, La Taille também explica que esse tipo de educação pode provocar alguns comportamentos inadequados, além de não ser suficiente para que as crianças construam a autonomia moral, pois este método acentua o sentimento de culpa dos filhos, conduz a um forte medo da perda de amor dos pais, sentimento que quando enfatizado pode criar um desequilíbrio afetivo, além de que as crianças aprendem por meio desta forma de educação a fazer chantagem emocional sempre que desejarem algo (1998, p. 98-99). Também esse tipo de educação não pode encaminhar para a idéia da educação para a paz. Pois o educar para a paz implica também na legitimação dos sentimentos individuais e no respeito aos sentimentos alheios, auxiliando o homem a se situar no conjunto dos outros homens. Assim afirma Piaget ao falar a respeito da necessidade da consideração dos afetos na educação moral e intelectual voltada para a edificação da educação para a paz: “onde intervêm as nossas paixões e o nosso egocentrismo, compreender o outro e respeitálo são uma e mesma coisa, implicando a objetividade o mesAno 14 - n . 27 – dezembro / 2005 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ mo desinteresse que o próprio altruísmo” (PIAGET, citado por Xypas, 1997, p. 131). Portanto, segundo as palavras de La Taille (1998), “... a tendência natural da criança a se tornar adulta pode ser ajudada ou dificultada pela influência dos adultos e da sociedade como um todo, também a busca da excelência pode encontrar, nas interações sociais, terreno fértil ou não” (p. 38), e remetendo-se aos estudos de Alfred Adler, psicanalista, continua, “... Aliás, toda a teoria adleriana sobre patologias psíquicas gira em torno desse feliz e infeliz encontro” (p. 38). Quando La Taille (1998) diz a respeito da busca da excelência, refere-se a um aspecto da educação moral que de fato constitua-se muito mais do que na imposição de regras às crianças por meio da coação e dos limites pré-determinados, mas em uma moral que auxilie os pequenos a, exatamente, transporem limites; onde a busca da excelência signifique “procurar ir além de si mesmo, tornar-se melhor do que se é” (p. 34), o ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ que o autor compreende entre tantas outras possibilidades, como a construção de uma moral aperfeiçoada, e que assim sendo, “não pode dispensar as virtudes” (p. 48), pois “podemos, por lei, obrigar as pessoas a não serem injustas e não limitarem a liberdade alheia, mas dificilmente podemos obrigá-las a serem fraternas ou generosas” (p. 49). A educação para a paz é o que se pode esperar e desejar da busca da excelência na educação. Seja com os seus pais ou na escola, a criança deve encontrar oportunidades que lhe garantam a vivência do respeito mútuo e das relações de cooperação, para que se possa construir a troca de pontos de vista. Nas palavras de Piaget: A criança deve encontrar oportunidades que lhe garantam a vivência do respeito mútuo e das relações de cooperação Todo ensino objetivo das relações internacionais prepara os indivíduos para se libertarem da ilusão egocêntrica, na qual permanecem presos enquanto só conhecerem o seu próprio meio, e a adquirir essa atitude de reciprocidade, que é o princípio da colaboração pacífica (PIAGET, 1934/1998, citado por PARRATDAYAN, p. 136). ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Referências bibliográficas DE SOUZA, M. T. C. C. O adolescente e os mecanismos de defesa. In: F. F. Sisto, G. C. Oliveira, L.D.T. Fini (Org.). 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