Proc. nº 58/97 Quorum Rescisão do contrato PrazoPetição inicial Abandono do lugar Processo disciplinar Contrato por tempo determinado Sumário: I. O tribunal judicial de província só pode deliberar validamente estando presentes, pelo menos, o juiz profissional e dois juizes eleitos. A violação deste comando legal determina a nulidade do respectivo julgamento. II. Não tendo havido comunicação pessoal ao apelado da decisão de rescisão do contrato, não se pode colocar a questão de inobservância do prazo cominado pelo n.º 5 do art. 25º da Lei n.º 8/85, por aquela constituir um pressuposto essencial da contagem do respectivo prazo. III. No âmbito da jurisdição laboral, a petição inicial tanto pode ser apresentada por escrito ou oralmente e nela deve-se, tão só, descrever os factos que motivaram o pedido e apresentar as respectivas provas. O legislador distanciou-se das regras próprias da jurisdição comum, adoptando um modelo simplificado, que não envolve a necessidade de se indicar o pedido e a causa de pedir, bem como as respectivas razões de direito, a declaração do valor da causa e a forma de processo. IV. Para que possa haver lugar, de forma legítima, à cessação do vínculo jurídico-laboral com fundamento em abandono do lugar, é necessário a instauração prévia de um processo disciplinar. V. Para os contratos por tempo determinado, o valor da indemnização corresponde às remunerações devidas pelo tempo convencionado no contrato (art. 28º, n.º 2 da Lei n.º 8/85) Acórdão A, maior, servente, residente em Maputo, veio intentar, junto da 11ª Secção do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, uma acção de impugnação da medida de suspensão aplicada pela sua entidade empregadora – Policlínicas de Moçambique, Lda, com sede em Maputo, bem como de lhe ser vedado o retorno à actividade laboral a partir de 11 de Abril de 1996, depois de lhe ter sido imposta, como medida disciplinar, uma multa correspondente a quinze dias de trabalho. Juntou os documentos de fls. 5 e 7.Citada regularmente a ré veio contestar o pedido formulado pelo autor, nos termos descritos a fls. 11 e 12 ao mesmo tempo que arrolou logo testemunhas. Juntou os documentos de fls. 13 e 16. No seguimento dos autos procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, na qual se recolheu o depoimento das partes. Da respectiva acta de audiência comprova-se não terem estado presentes as testemunhas arroladas pela ré e nela se descrevem os factos dados como provados. Posteriormente, veio a ser proferida sentença, na qual depois de se considerar ter havido despedimento sem justa causa, se condenou a ré a indemnizar o autor no montante global de sete milhões e novecentos e cinquenta mil meticais. Por não se conformar com a decisão assim proferida, a ré interpôs tempestivamente recurso, cumprindo o demais de lei para que aquele pudesse prosseguir.Nas suas alegações de recurso, a apelante, no essencial, veio dizer que: O apelado quando se apresentou ao serviço no dia 12 de Abril de 1996, depois de lhe ter sido aplicada uma sanção disciplinar, continuou a evidenciar comportamento indisciplinado e ofensivo, atirando o uniforme para a governanta e retirando-se logo de seguida, do local de trabalho em modos desabridos; Desde essa data o apelado não se apresentou mais ao trabalho e passados 15 dias a apelante considerou haver abandono do lugar, nos termos do disposto pelo n.º 3 do artigo 109 da Lei n.º 8/85, desvinculando-o do respectivo quadro de pessoal; Houve presunção legal de abandono do lugar por parte do apelado, pelo que apenas cumpria à apelante comunicar tal situação ao Ministério do Trabalho, o que fez, razão por que cabia aquele ilidir tal presunção e não incumbia à recorrente levantar-lhe processo disciplinar, como na sentença se afirma, considerando o disposto pelos artigos 344º e 350º, ambos do C. Civil.Por outro lado, no caso dos autos, verifica-se existir caducidade do direito à acção, nos termos do preceituado pelo n.º 5 do artigo 25 da Lei n.º 8/85, tendo em conta que o apelado só veio impugnar o despedimento a 26 de Junho de 1996, quando o prazo começara a correr a partir de 11 de Abril data em que deixou de se apresentar ao serviço; Acresce também que a petição inicial se mostra inepta, devendo ter conduzido, desde logo ao seu indeferimento liminar, questão que foi levantada pela apelante na sua contestação;No concernente ao julgamento realizado e à deliberação tomada, coloca-se o problema da falta de constituição do tribunal, por não se ter obedecido ao preceituado pelo artigo 50 da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, pois apenas esteve presente um juiz eleito para além do juiz profissional;No tocante à indemnização fixada na sentença da primeira instância não se tomou em conta que se estava em presença de contrato de trabalho por tempo determinado, tendo-se acrescido ao valor dos salários devidos pelo período do contrato o correspondente ao pré-aviso de três meses, a que alude a alínea b), do n.º 3 do artigo 28 da Lei n.º 8/85, situação esta aplicável apenas para os contratos por tempo indeterminado.Conclui por considerar ser de declarar a caducidade do direito à acção e, caso assim não se entenda, sempre se deverá declarar a falta de “quorum” legalmente estabelecido, no julgamento realizado pela primeira instância. Notificado o apelado da admissão do recurso, não contraminutouNa nota de revisão elaborada nesta instância suscitara-se a questão da intempestividade de interposição do recurso, questão esta que veio a ser julgada improcedente, através do acórdão de fls. 64.No seu visto o Digno Representante do M. P. junto desta instância não emitiu qualquer parecer de realce para apreciação do fundo da causa. Colhidos os vistos legais cumpre agora passar a apreciar e decidir.Começando por conhecer da questão suscitada relativamente à falta de “quórum” para decidir no tribunal “a quo”. De acordo com o preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 49, n.º 1, alínea b) e 50, n.º 1, ambos da Lei n.º 10/92, de 6 de Maio, o tribunal judicial de província só pode deliberar validamente estando presentes, pelo menos, o juiz profissional e dois juizes eleitos. E, por outro lado, a violação deste comando legal determina a nulidade do respectivo julgamento nos termos do consignado pelo artigo 646º, n.º 2 do C. P. Civil com consequente anulação de todos os actos subsequentes, nos quais se inclui, naturalmente, a própria sentença tirada à revelia de tais princípios legais. Importa, por isso, verificar se, no caso em análise, houve desrespeito daquelas mesmas normas legais Do cabeçalho da acta de audiência de discussão e julgamento, de fls. 21, consta terem estado presentes, para além do juiz profissional, Dr. B, as juízas eleitas, senhoras C e D, embora, na parte final, não se tome claro se ambas assinaram, como deviam, a respectiva acta. Em todo o caso, dos elementos descritos nada faz inferir que tenha sido violado o preceituado pela lei. Por tal razão que não possa considerar-se procedente a invocada nulidade de falta de constituição do tribunal colectivo. Analisando, de seguida, o problema da caducidade do direito à acção invocada pela apelante nas suas alegações. De acordo com o n.º 5 do artigo 25 da Lei n.º 5/85, a impugnação da justa causa de rescisão tem de ser feita no prazo de 30 dias, contados a partir da data em que o trabalhador tomou conhecimento efectivo da cessação do vínculo jurídico-laboral por parte da entidade empregadora. Dos elementos existentes no processo fácil é concluir que a entidade empregadora, a apelante, apenas comunicou ao Ministério do Trabalho, a desvinculação do apelado, mas nada indica, que tenha providenciado por lhe dar a conhecer, pessoalmente, esta sua decisão, o que justifica até a falta de clareza e precisão evidenciadas pelo recorrido na petição inicial dos presentes autos. Ora, não tendo havido comunicação pessoal ao apelado da decisão de rescisão do contrato, não se pode colocar a questão de inobservância do prazo cominado pelo n.º 5 do artigo 25 da Lei n.º 8/85, por aquela constituir um pressuposto essencial da contagem do respectivo prazo. Assim, tem-se por improcedente a invocada caducidade do direito à acção. Quanto à alegada ineptidão da petição inicial alegada pela apelante. No dizer da recorrente a petição “não tinha absolutamente nada e só merecia o indeferimento liminar, uma vez que não foram minimamente observados os requisitos da norma subsidiária do artigo 467º do C. P. Civil”. Sobre a questão das formalidades da petição, no âmbito da jurisdição laboral, importa em primeiro lugar atentar para o que, a esse propósito, estabelece o artigo 16 da Lei n.º 18/92, de 14 de Outubro. Segundo o que se preceitua nesta norma legal, desde logo interessa reter que a petição pode ser apresentada por escrito, como oralmente e, por outro lado, nela deve-se tão só descrever os factos que motivam o pedido, apresentando-se, de imediato as respectivas provas. Dos princípios consignados pela alínea a) do n.º 1 do artigo 16 da citada lei, retiram-se importantes consequências, no que diz respeito aos requisitos da petição. Para o caso da jurisdição laboral, o legislador, de forma inequívoca, distanciou-se das regras próprias da jurisdição comum, adoptando um modelo simplificado, que não envolva a necessidade de se indicar o pedido e a causa de pedir, bem assim como as respectivas razões de direito, a declaração do valor da causa e a forma de processo, no sentido imposto pelo n.º 1 do artigo 467º do C. P. Civil. Daí que não se possa buscar fundamentação no estabelecido por esta última norma legal para a considerar inepta.No caso em apreço não se pode dizer que, no requerimento inicial, tenha faltado a indicação do pedido ou que ele seja ininteligível. Há sim alguma imprecisão, mas que é derivada apenas do facto de o próprio recorrido desconhecer, à data da propositura da acção, que já havia cessado o vínculo jurídico laboral. Naturalmente que se lhe tivesse sido dado conhecimento da cessação da relação jurídicolaboral por parte da apelante, ele estaria em condições de formular um pedido mais claro e preciso.De qualquer modo, para efeito da jurisdição laboral, o requerimento inicial contém o mínimo de elementos que permitam o prosseguimento da acção.Pelos motivos ora descritos que seja de desatender o fundamento invocado pela apelante.Passando, de seguida, a apreciar o alegado pela apelante no que respeita ao facto de não ter de instaurar processo disciplinar ao apelado por abandono do serviço porque a ele incumbira ilidir a presunção de abandono, de acordo com o preceituado pelos artigos 344º e 350º do C. Civil. Em conformidade com o estatuído pela alínea p), do n.º 3 do artigo 101 da Lei n.º 8/85, o abandono de lugar constitui infracção disciplinar e para que se lhe aplique medida sancionatória superior à de repreensão pública, impõe a lei a instauração de processo disciplinar, como resulta expresso do artigo 104 daquele mesmo diploma legal.Por outro lado, mesmo que a apelante quisesse proceder a rescisão unilateral do contrato com justa causa, tendo por base o abandono do lugar, sempre se imporia que, previamente, em processo disciplinar tivesse ficado claramente demonstrado aquele facto, pois, só assim passaria a constituir causa legítima de rescisão, atento o disposto nos artigos 24, n.º 1, alínea b) e 25, n.º 2, alínea b) ambos da Lei n.º 8/85.Portanto, no presente caso, para que pudesse haver lugar, de forma legítima, à cessação do vínculo jurídico-laboral com fundamento em abandono do lugar por parte do apelado, sempre teria de ser instaurado antes processo disciplinar. E, a comunicação feita pela recorrente ao Ministério do Trabalho, constante de fls. 16, só poderia ocorrer depois da decisão tomada no respectivo processo.No relativo aos princípios gerais de direito civil no tocante à inversão do ónus da prova e de presunção legal estatuídos nos artigos 344º e 350º do C. Civil, os mesmos não têm aplicação no caso vertente, pois que à entidade empregadora sempre incumbirá fazer prova, no respectivo processo disciplinar, do facto integrador de infracção, ou seja, que o trabalhador deixou de comparecer no posto de trabalho e a estes é que caberá demonstrar o contrário, se quiser livrar-se da aplicação de possível sanção disciplinar. Dos autos claramente evidencia que a recorrente considerou o recorrido desvinculado do serviço, por abandono do lugar, sem que antes tivesse instaurado o competente processo disciplinar, violando deste modo o que na Lei de Trabalho se estabelece a este propósito. Assim, pelas razões ora aduzidas que não possa proceder o alegado fundamento.Finalmente, analisando o alegado pela apelante no respeitante à indemnização fixada pela primeira instância por considerar haver situação de despedimento sem justa causa.No caso em apreço, como se constata do documento de fls. 13, o vínculo laboral constituído entre a apelante e apelado traduz-se em contrato por tempo determinado. Para esta espécie de contrato, segundo o preceituado pelo n.º 2 do artigo 28 da Lei n.º 8/85, a indemnização corresponderá às remunerações devidas pelo tempo convencionado no contrato, pelo que ao apelado é-lhe devido o respeitante aos meses de Abril a Dezembro de 1996, ou seja o montante correspondente a 9 meses de salário multiplicado por 450.000,00 Mt, o que totaliza 4.050.000,00 Mts. Valor este a ser elevado ao dobro, tendo por base a estabelecido pelo n.º 2 do artigo 29 daquele mesmo diploma legal, perfazendo assim 8.100.000,00 Mts ao qual terá de acrescer o correspondente pela alínea b), do n.º 2, do artigo 50 da Lei do Trabalho, o que equivale a 300.000,00 Mt.Assim o valor correspondente à indemnização devida ao apelado, no presente caso, cifra-se em 8.400.000,00 Mt e não 7.950.000,00 Mt como foi fixado indevidamente pela primeira instância, razão pela qual vai, quanto e este ponto, alterada a decisão do tribunal “a quo”.Como resultado, improcede também o invocado pela apelante no que respeita à indemnização.Nestes termos e pelo exposto, julgam improcedentes os fundamentos do presente recurso e, por consequência, julgam improcedentes os fundamentos do presente recurso e, por consequência, negam-lhe provimento e mantém o decidido pela primeira instância, alterando-se, porém, o valor fixado a título de indemnização, o que passa a ser de 8.400.000,00 (oito milhões e quatrocentos mil meticais). Custas pela recorrente. Maputo, 1 de Setembro de 1999 Ass: Luís Luís Filipe Sacramento e Afonso H. Fortes