POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL ORGANIZAÇÃO MARIA DE LURDES RODRIGUES PEDRO ADÃO E SILVA ÍNDICE Introdução Maria de Lurdes Rodrigues e Pedro Adão e Silva 15 1. Consolidação orçamental É possível ser um país mais justo e alcançar a consolidação orçamental? Consolidação orçamental: política fiscal e despesa pública Equipa do Fórum das Políticas Públicas 39 A consolidação orçamental como processo de ajustamento Manuela Ferreira Leite 57 A consolidação orçamental com ambição de mais justiça José A. Vieira da Silva 63 2. Privatizações As privatizações são uma ameaça à soberania ou uma oportunidade para a economia portuguesa? Políticas de privatização Equipa do Fórum das Políticas Públicas 75 O papel do Estado na economia Fernando Teixeira dos Santos 83 O Estado e as privatizações em Portugal António Lobo Xavier 95 3. Energia Como reduzir a despesa energética de forma sustentável? Políticas públicas de energia Luisa Araújo e Maria João Coelho 107 Visão estratégica para a energia em Portugal António Costa Silva 121 8POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL A política energética: ambiente, abastecimento e competitividade Jorge Moreira da Silva 139 4. Mercado de trabalho A proteção social e a regulação do mercado de trabalho dificultam a criação de emprego? Políticas públicas de regulação do mercado de trabalho António Dornelas e Mariana Vieira da Silva 155 A regulação do mercado de trabalho e criação de emprego Luís Pais Antunes 167 Proteção social, regulação do mercado e criação de emprego Maria Helena André 175 5. Justiça A diminuição da litigância e de pendências nos tribunais ameaça os direitos e as garantias dos cidadãos? Políticas públicas de justiça Graça Fonseca e Mariana VieIra da Silva 187 A justiça como pilar do estado de direito Daniel Proença de Carvalho 195 Mitos e realidades do sistema de justiça João Tiago Silveira 207 6. Administração pública Como garantir a eficiência e a eficácia na administração pública para a concretização de políticas mais exigentes? Políticas públicas para a administração pública João S. Batista e Mariana Vieira da Silva 223 Como reformar a administração pública Suzana Toscano 231 A administração pública e inovação Maria Manuel Leitão Marques 239 7. Autarquias Diminuir o número de concelhos e freguesias permite ganhar eficiência nas políticas locais? Políticas públicas locais Equipa do Fórum das Políticas Públicas 249 Como melhorar a gestão autárquica em Portugal Rui Rio 259 Governação autárquica: cidades, concelhos e municípios António Costa 267 ÍNDICE9 8. Saúde Quais as condições de sustentabilidade do sistema de saúde? Políticas públicas de saúde Mariana Vieira da Silva 281 Para uma agenda de reforma do SNS António Correia de Campos 293 Reforma estratégica e reforma operacional Luís Filipe Pereira 301 9. Desigualdades Portugal é muito desigual porque não cria riqueza ou porque não a redistribui? Políticas públicas para a diminuição das desigualdades Renato Carmo, Frederico Cantante e Margarida Carvalho 313 Redesenhar o estado social para o tornar sustentável Miguel Frasquilho 327 Políticas públicas para reduzir as desigualdades Pedro Marques 337 10. Educação Como conseguir que todos os alunos aprendam e que a escolaridade obrigatória se cumpra? Políticas públicas de educação e formação Maria do Carmo Gomes e Alexandra Duarte 349 O sentido de futuro na política de educação David Justino 359 Políticas de educação para tornar efectiva a escolaridade obrigatória Augusto Santos Silva 371 11. Ciência e tecnologia Como continuar, em austeridade, o esforço de desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação? Políticas públicas para o desenvolvimento da ciência e da inovação Maria do Carmo Gomes 383 Ciência e inovação no espaço europeu Maria da Graça Carvalho 393 12. Europa Que políticas europeias são decisivas para Portugal no atual contexto de crise económica? Políticas europeias Equipa do Fórum das Políticas Públicas 405 10POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL Prioridade à estabilização da Zona Euro: rigor, dinamismo e crescimento económico António Vitorino 419 13. Marca -Portugal É possível, a um país sujeito a um resgate financeiro, construir uma imagem externa positiva? Políticas públicas para a promoção da imagem externa José Pedro Dionísio 439 Portugal, um segredo bem guardado… Suzana Toscano 451 Consistência e continuidade na promoção de Portugal como marca Teresa Caeiro 459 Para uma estratégia de promoção de Portugal como país moderno Pedro Silva Pereira 465 Sobre os autores e colaboradores 473 Lista de acrónimos 479 Referências 481 ÍNDICE DE GRÁFICOS E QUADROS 1. Consolidação orçamental É possível ser um país mais justo e alcançar a consolidação orçamental? Gráfico 1.1 Evolução dos impostos e contribuições para a segurança social (em % do PIB) Gráfico 1.2 Evolução das receitas fiscais e do PIB em Portugal Gráfico 1.3 Distribuição dos benefícios fiscais por escalões de rendimentos Gráfico 1.4 Impostos diretos sobre as empresas na % da receita total (2009) Gráfico 1.5 Impostos indiretos na % da receita total (2009) Gráfico 1.6 Défice e objetivos para o défice em % PIB, em 2013 Gráfico 1.7 Taxa de risco de pobreza antes e depois das transferências sociais Quadro 1.1 Quadro 1.2 Quadro 1.3 Quadro 1.4 Quadro 1.5 Quadro 1.6 Evolução do rácio de fiscalidade na União Europeia (% do PIB) Receitas fiscais e contribuições para a segurança social, em 2007 Agregados e IRS liquidado por escalão de rendimento Benefícios e deduções fiscais em IRS Despesa pública total em % do PIB Desigualdades económicas e de distribuição do rendimento em Portugal (1994 -2009) 41 42 46 47 49 53 55 42 43 44 45 51 54 2. Privatizações As privatizações são uma ameaça à soberania ou uma oportunidade para a economia portuguesa? Gráfico 2.1 Total de receitas das privatizações e número de transações Gráfico 2.2 Peso das empresas públicas na economia 76 81 Quadro 2.1 Dez países com mais privatizações (absoluto e em %) Quadro 2.2 Receita das privatizações por setor (%) 79 80 12POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL 3. Energia Como reduzir a despesa energética de forma sustentável? Gráfico 3.1 Gráfico 3.2 Gráfico 3.3 Gráfico 3.4 Fontes de energia – evolução do consumo Evolução da taxa de dependência energética (%) Estrutura dos preços da eletricidade para 2012 Preços da eletricidade ao consumidor – UE Quadro 3.1 Evolução da matriz energética em Portugal, desde 1973 108 115 117 118 110 4. Mercado de trabalho A proteção social e a regulação do mercado de trabalho dificultam a criação de emprego? Gráfico 4.1 Gráfico 4.2 Gráfico 4.3 Gráfico 4.4 Gráfico 4.5 Gráfico 4.6 Gráfico 4.7 Gráfico 4.8 Taxa de emprego (15-64; H+M; %) Taxa de desemprego (H+M; %) Despesa em proteção social por habitante (PPC por habitante) Evolução da legislação de proteção do emprego Empresas com horário flexível de trabalho 156 156 157 161 161 Proteção no desemprego 162 Cobertura contratual coletiva (1990 -2011) 163 5. Justiça A diminuição da litigância e de pendências nos tribunais ameaça os direitos e as garantias dos cidadãos? Gráfico 5.1 Duração dos processos (em meses) por área processual Gráfico 5.2 Evolução dos processos entrados e pendentes e do n.º de magistrados Quadro 5.1 Evolução dos processos entrados, findos e pendentes (1974 -2010) 189 192 188 6. Administração pública Como garantir a eficiência e a eficácia na administração pública para a concretização de políticas mais exigentes? Gráfico 6.1 Trabalhadores da administração pública em % da população ativa (2000 -2008) Gráfico 6.2 Pontuação da disponibilidade e sofisticação dos serviços públicos online – Portugal Gráfico 6.3 Indíce compósito de gestão de recursos humanos (2010) 228 229 Quadro 6.1 Qualificações dos trabalhadores da administração pública (%) Quadro 6.2 Qualificações dos trabalhadores por área do governo (2010) Quadro 6.3 Fases das mudanças nas políticas para a administração pública 225 225 227 224 ÍNDICE DE GRÁFICOS E QUADROS13 7. Autarquias Diminuir o número de concelhos e freguesias permite ganhar eficiência nas políticas locais? Gráfico 7.1 Empresas municipais por áreas de atividade (2010) Quadro 7.1 Estrutura financeira dos municípios em 2009 (%) Quadro 7.2 Evolução da independência financeira dos municípios (2006 a 2009) 252 251 254 8. Saúde Quais as condições de sustentabilidade do sistema de saúde? Gráfico 8.1 Gráfico 8.2 Gráfico 8.3 Gráfico 8.4 Gráfico 8.5 Gráfico 8.6 Despesa corrente em saúde e PIB (2000-2009) (variação nominal; 2000=100) Esperança média de vida no nascimento, 2009 e anos ganhos desde 1960 Despesa em saúde em % PIB e despesa per capita em saúde Taxa de crescimento médio anual nas despesas de saúde pc em termos reais (2000 -2009) Despesa direta em saúde em % do orçamento familiar em 2009 Quadro 8.1 Despesa corrente em saúde por prestador 2000 -2009 282 285 288 289 290 286 9. Desigualdades Portugal é muito desigual porque não cria riqueza ou porque não a redistribui? Gráfico 9.1 Rácio de rendimento S80/S20, 2009 Gráfico 9.2 Desigualdade de rendimento em Portugal medida através dos rácios S90/S10, S80/S20 (1993-2009) Gráfico 9.3 Evolução do coeficiente de Gini em Portugal e na EU27 (1999 -2009) Gráfico 9.4 PIB per capita, 2011 (PPS) (EU27=100%) Gráfico 9.5 Evolução do ganho mensal médio por quintil (1985-2009) Gráfico 9.6 Evolução da taxa de risco de pobreza em Portugal antes e após as transferências sociais (%) Gráfico 9.7 Distribuição por nível de escolaridade completo e quintis do rendimento em Portugal (2008) Gráfico 9.8 Evolução do ganho médio mensal por nível de habilitações (1985-2009) Quadro 9.1 SMN em Portugal (euros) e aumento (%) (2002-2011) Quadro 9.2 Taxa de risco de pobreza antes e após as transferências sociais (2009) Quadro 9.3 Transferências monetárias do Estado para os agregados domésticos em % do rendimento bruto, por quintil (2007) 314 315 315 316 317 321 323 324 318 319 321 14POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL 10. Educação Como conseguir que todos os alunos aprendam e que a escolaridade obrigatória se cumpra? 350 Gráfico 10.1 Taxa de escolarização, segundo o nível de ensino (1960 -2010) Gráfico 10.2 Principais indicadores de evolução das qualificações Portugal (2000 -2010) Gráfico 10.3 Alunos de 15 anos que repetiram pelo menos 1 ano 353 354 Quadro 10.1 Fases das mudanças nas políticas públicas de educação 351 11. Ciência e tecnologia Como continuar, em austeridade, o esforço de desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação? Gráfico 11.1 Despesa de atividades de I&D em % do PIB, por setores de execução Gráfico 11.2 Investigadores (ETI) em atividades de I&D, em Portugal, total e por setores de execução (1982-2010) Gráfico 11.3 Países com maior participação nos 5.º e 6.º Programas-Quadro Evolução da distribuição da população adulta, Gráfico 11.4 25-64 anos, por níveis de escolaridade, em Portugal Gráfico 11.5 e na OCDE (1996-2009) 385 386 387 389 12. Europa Que políticas europeias são decisivas para Portugal no atual contexto de crise económica? 411 Gráfico 12.1 Taxa de desemprego EUA, Zona Euro e Japão (2006-2012) Gráfico 12.2 Taxa de crescimento PIB e do PIB per capita a preços constante (%) 413 Quadro 12.1 Dívida pública em percentagem do PIB (evolução 2007-2010) 406 13. Marca -Portugal É possível, a um país sujeito a um resgate financeiro, construir uma imagem externa positiva? Quadro 13.1 Campanhas de promoção da imagem de Portugal 443 Introdução Maria de Lurdes Rodrigues e Pedro Adão e Silva Este livro reúne o conjunto de intervenções realizadas no âmbito da primeira edição do Fórum das Políticas Públicas, que decorreu entre os meses de janeiro e maio de 2012 no ISCTE-IUL, bem como os documentos preparatórios de cada sessão. O objetivo imediato do Fórum foi proporcionar aos estudantes uma oportunidade para alargarem os seus conhecimentos sobre os diferentes domínios de aplicação das políticas públicas. Embora se tenha tratado de uma iniciativa de natureza académica, destinada aos alunos mas aberta ao público, teve objectivos mais ambiciosos. Desde logo, envolver a Universidade nos debates que formam o espaço público democrático, depois, e essencialmente, articular conhecimento factual sobre políticas públicas sectoriais em Portugal, nas últimas décadas, com interpretações e relatos de atores com experiência concreta de desenho e concretização, gestão ou avaliação de políticas públicas, nas mais diversas áreas. Com este propósito, e dando sequência ao que tem sido feito no contexto da Escola de Sociologia e de Políticas Públicas do ISCTE-IUL, e em particular nos cursos de mestrado e de doutoramento que aí são oferecidos, procurámos que o Fórum se baseasse em três princípios: a boa articulação entre teoria e prática, o acesso a conhecimentos e competências transversais e a promoção de um ambiente pluralista e diversificado. Os textos aqui reunidos refletem estas preocupações e são uma base para o debate informado sobre os dilemas, desafios e potencialidades das políticas públicas em Portugal. Todos eles apresentam uma estrutura semelhante, elencando, em cada área sectorial, a evolução 16POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL percorrida nas últimas décadas, o posicionamento de Portugal no contexto europeu e os principais problemas e bloqueios que enfrentam as políticas públicas. Este exercício é feito tendo como pano de fundo o acordo entre o governo português e a Troika no Memorando de Entendimento, assinado em maio de 2011. A importância do conhecimento e do debate racional sobre as políticas Numa asserção que se tornaria famosa, o cientista político norte-americano Hugh Heclo escrevia, em 1974, no seminal Modern Social Politics in Britain and Sweden, que “as decisões políticas radicam não apenas no poder, mas, também, na incerteza – nos homens coletivamente a pensarem quais as decisões a tomar”, para depois acrescentar que “os governos não se limitam a exercer o poder, criam também puzzles. O processo de elaboração de políticas é uma forma de puzzle coletivo em nome da sociedade. Implica, ao mesmo tempo, decidir e saber”. Esta ligação entre conhecimento e exercício do poder não acarreta, contudo, uma neutralização das alternativas ou uma diminuição da possibilidade de escolhas políticas, de natureza tecnocrática. Pelo contrário, é compatível, por um lado, com o reconhecimento de que, no contexto das políticas públicas, é sempre possível escolher e, por outro, alicerça-se no princípio de que a eficiência das escolhas é tanto maior quanto mais assentar numa cartografia sólida dos problemas sociais e das respostas políticas possíveis. Na verdade, do mesmo modo que os problemas económicos ou sociais não são passíveis de serem tratados partindo de uma suposta neutralidade axiológica, também as soluções dependem de um conjunto de princípios valorativos. Contudo, a existência de valores e mundivisões políticas distintas não coloca em causa a racionalidade das escolhas nem a sua articulação com o conhecimento e estudo da realidade. Bem pelo contrário. Ao traçarem os aspetos principais de diversos campos de políticas, ao enumerarem os seus principais problemas e ao descreverem a natureza dos bloqueios que enfrentam as políticas públicas portuguesas, os capítulos deste livro revelam que há vantagens evidentes para as escolhas políticas se estas assentarem em descrições factuais da realidade financeira, social e económica. Mais, se este conhecimento for partilhado, não só se introduz racionalidade na discussão no espaço público, como se torna possível alicerçar as alternativas em conhecimento e não, como tende a acontecer excessivamente entre nós, num INTRODUÇÃO17 conjunto de ideias feitas com escassa correspondência empírica, ou, no que é uma outra forma de exercício de poder, na capacidade de impor assimetricamente soluções únicas – que, aliás, tendem também a alicerçar-se na construção de problemas sociais específicos. Não só é sempre possível escolher entre alternativas nas políticas públicas, como esse processo de escolha ganha se assentar numa discussão racional que articule discussão técnica com decisão política e que não implique uma submissão de um dos níveis de decisão ao outro. Al Gore, no seu livro O Ataque à Razão, publicado em Portugal em 2007, defende que o debate público e racional das ideias políticas foi e continua a ser essencial na construção das democracias: “quer lhe chamemos fórum público, esfera pública ou mercado das ideias, a discussão e o debate públicos, abertos e livres, foram considerados a realidade fulcral da democracia nas primeiras décadas de existência da América” (2007: 23). Gore considera que as características mais importantes do mercado das ideias são, por um lado, a existência de espaços abertos a todos os indivíduos, sem barreiras para além da necessidade de saber ler e escrever, implicando esse acesso não só a recepção de informação, mas também a possibilidade de contribuir diretamente com informação; e, por outro, a existência de regras de diálogo partilhadas – diálogo da democracia – assentes no princípio de que todos os participantes se obrigam a um dever tácito de procurar alcançar o acordo geral. A este propósito, as universidades têm um papel decisivo a desempenhar: podem promover um conhecimento mais aprofundado dos problemas, mas devem também tornar esse conhecimento operacional e passível de disseminação no espaço público – do mesmo modo que devem ser espaços para avaliação de impactos de caminhos alternativos, potenciando uma relação mais próxima entre conhecimento e exercício do poder, isto é, potenciando opções e escolhas políticas. Trata-se, claramente, de um desafio para o poder político, muitas vezes pouco disponível para uma discussão baseada no estudo e na avaliação prévia, mas de um desafio não menos importante para as universidades portuguesas, pouco inclinadas para a promoção de conhecimento vocacionado para auxiliar no desenho e na concretização das políticas públicas. A institucionalização de uma relação entre saber e exercício do poder com fronteiras definidas pode, aliás, ajudar a ultrapassar um dos problemas que surge de forma sistemática no debate público em Portugal: a ocupação de lugares diferenciados e de natureza contraditória pelos mesmos atores. A natureza indistinta do que é produção de conhecimento técnico, formação de alternativas e escolhas políticas 18POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL leva, frequentemente, a uma permeabilidade entre saber e poder que não favorece o conhecimento sobre a realidade portuguesa e muito menos a formação de alternativas nas políticas. Neste sentido podemos considerar que, além das universidades e das instituições científicas, a comunicação social tem não só um papel fundamental a desempenhar, como também uma grande responsabilidade. Os média são o espaço privilegiado para a realização de um debate público informado, com critérios de racionalidade, e no qual as alternativas políticas podem ser apresentadas e confrontadas. A partir do momento em que os vários níveis de debate e fontes de legitimidade se tornam indiferenciadas, há perdas evidentes para os processos de formação e concretização das políticas públicas. Para além da contradição entre lugares, uma outra fragilidade objetiva das políticas públicas em Portugal resulta da ilusão com o novo e do enlevo com a mudança radical. Os textos agora apresentados ajudam a contrariar esse duplo erro. Em primeiro lugar porque, em cada um dos temas abordados, os problemas do país e as respostas apresentam-se de forma objetiva, rigorosa e contextualizada, no espaço europeu e ao longo das últimas décadas. Em segundo lugar, porque se explicitam e tornam mais evidentes as continuidades nas políticas públicas. Contextualizar no espaço e no tempo e avaliar os progressos que se vão alcançando, são duas formas de garantir ganhos de eficiência e também de eficácia na concretização das políticas públicas. Antes de mais, porque a contextualização internacional oferece termos de comparação. Sendo verdade que há, necessariamente, um lado singular na natureza dos problemas nacionais e um conjunto de idiossincrasias institucionais que impossibilitam uma importação acrítica das experiências de sucesso, não é menos verdade que o reconhecimento do que funcionou noutros países, bem como do que falhou, é um fator de aprendizagem. Ora, as instituições, bem como os atores políticos, ganham se forem capazes de aprender e se ultrapassarem a ilusão de que a solução encontrada é nova. Porém, o exercício de aprendizagem não deve resultar apenas do conhecimento das práticas europeias. Requer também um exercício de avaliação crítica e de incorporação do que foi feito em Portugal. Até porque uma das singularidades nacionais é o excesso de reformismo e a tendência para fazer tábua rasa dos legados e das trajetórias percorridas.1 Esta constatação é confirmada pelos dados do “projeto 1 https://manifesto-project.wzb.eu/ (setembro, 2012). INTRODUÇÃO19 manifesto”, que revelam que Portugal é o país europeu que mais altera as suas políticas públicas. As mudanças de cor política do executivo correspondem invariavelmente a alterações profundas nas políticas públicas. Este padrão de excesso de “reformismo” traduz-se em fraca estabilização das opções, pouca cooperação entre atores na fase de implementação, escassa monitorização de impactos e grave desperdício nos investimentos de médio e longo prazo. O resultado são políticas erráticas, pouco negociadas, com horizontes de curto-prazo e que não exploram as complementaridades entre diferentes domínios sectoriais – independentemente da sua marca ideológica. Traçando um paralelismo com o padrão que Pablo T. Spiller e Mariano Tommasi identificaram para a Argentina em The Institutional Foundations of Public Policy in Argentina (2007), Portugal tem um problema com as microfundações institucionais das suas políticas públicas. Ou seja, mais do que um problema com o conteúdo das várias reformas que os sucessivos governos procuraram levar a cabo, o síndrome português é fruto de debilidades nas qualidades formais ou atributos exteriores das suas políticas públicas. Talvez valha a pena pensar que, mais do que de rupturas, as políticas públicas portuguesas necessitam de estabilidade e de investimento nas continuidades. No fundo, do aprofundamento de mecanismos que induzam estratégias de cooperação entre partidos e parceiros sociais, potenciando soluções negociadas e coerentes, com horizontes de médio-prazo, permitindo aos diversos atores anteciparem comportamentos, e que produzam complementaridades entre áreas de governação. No que toca ainda aos atributos exteriores das políticas públicas, uma das deficiências que mais se manifesta em Portugal é a escassa cultura de diálogo e capacidade de negociação entre os diversos atores. A este propósito, num discurso recente, o ex-presidente norte-americano, Bill Clinton, sublinhava que, em tempos de incerteza como aqueles que vivemos, a conflitualidade e a dissensão são instrumentais para a diferenciação política, mas criam também uma ilusão: a de que a política do conflito permanente pode ser boa. Como defendeu Clinton, “o que é bom para a política não funciona necessariamente no mundo real. O que funciona no mundo real é a cooperação”. Naturalmente que esta valorização do diálogo e da capacidade negocial não implica uma neutralização das escolhas, nem uma ausência de diferenciação entre projetos políticos. Pelo contrário, sugere que a cooperação, para ser eficiente, requer que se parta de posições iniciais fundadas em mundivisões distintas, mas que permitem encontrar soluções equilibradas, que não representam capitulações programáticas 20POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL das partes envolvidas. Novamente, a capacidade de negociar e de chegar a acordos depende, também, de uma cartografia partilhada da natureza dos problemas e uma descrição exata da sua evolução ao longo dos tempos. Todos os espaços de produção de saber, e as universidades em particular, têm, a este propósito, uma responsabilidade: a de contribuir com conhecimento que possa ser incorporado na formação, concretização, monitorização e avaliação das políticas públicas, para reforçar as qualidades formais de opções que podem, e devem, alicerçar-se em escolhas políticas que competem entre si. O Fórum das Políticas Públicas e o Memorando de Entendimento com a Troika A primeira edição do Fórum das Políticas Públicas foi marcada pelo Memorando de Entendimento com a Troika, resultante do pedido de ajuda financeira externa. Ao longo de 13 sessões, tendo como ponto de partida a apresentação e discussão de medidas de política concretas, inscritas no Memorando, foram abordados temas como a fiscalidade, o equilíbrio orçamental, as privatizações, a reforma da justiça, a reforma da administração pública e da administração local, a sustentabilidade do serviço nacional de saúde, a dependência e sustentabilidade energética, os desafios da escolaridade obrigatória, a regulação do mercado de trabalho, o investimento em ciência e a importância das políticas europeias para Portugal – em particular nos domínios da ciência, tecnologia e inovação e do desenvolvimento económico. Na última sessão, foi debatido o problema da imagem externa de Portugal e das políticas públicas adequadas à sua renovação, tendo em conta a situação particularmente negativa em que o país se encontra. Todavia, o Fórum não esgotou as medidas previstas no Memorando de Entendimento, nem se centrou exclusivamente nelas. Através do Fórum foi promovida a análise e o debate de medidas de políticas públicas que não fazem parte do Memorando, mas que são consensualmente consideradas decisivas para prosseguir na resolução de problemas que têm sido obstáculos efetivos ao desenvolvimento em vários sectores. Desde a entrada de Portugal na moeda única, em 2000, que estão identificados os quatro principais problemas económicos do país: Q o crescimento económico e a formação de riqueza: entre 2000 e 2010 o PIB cresceu a uma média de apenas 0,3% ao ano, INTRODUÇÃO21 enquanto a média dos países da UE foi de 1% e a média dos países da Zona Euro de 0,6%; Q a dívida pública: entre 2000 e 2010, a dívida pública externa passou de 52% do PIB para 88%. Dadas as dificuldades de crescimento económico, o investimento público e privado assentou no recurso ao crédito. A crise das dívidas soberanas veio agravar muito a situação e, em 2012, a dívida representa já 120% do PIB, tendo aumentado desproporcionadamente o serviço da dívida; Q o défice orçamental: a entrada de Portugal na Zona Euro em 2000 trouxe consigo regras de controlo orçamental muito exigentes, cujas dificuldades de aplicação se fizeram sentir em muitos países da UE. Entre 2000 e 2010, os dados da evolução do défice (ver gráfico 1.6, no capítulo 1) revelam o esforço feito para a sua redução e controlo, designadamente nos períodos de 2001 a 2003 e de 2005 a 2008. Nos anos de 2009 e 2010, o controlo do défice, bem como o controlo da dívida externa, foi particularmente difícil, em Portugal como em outros países da UE, pela necessidade de responder à crise financeira internacional que se iniciou em 2008 e de travar o efeito de contaminação ao sistema bancário português. A partir de 2011, o problema agrava-se ainda mais devido à crise das dívidas soberanas, à subida rápida dos juros e aos efeitos da recessão económica; Q a balança de transações: entre 2000 e 2010, a balança de transações correntes manteve-se sempre com saldo negativo (entre -11,2% e -6,7% do PIB), isto é, o volume das importações foi sempre superior ao das exportações, mesmo nos produtos de consumo geral. Os dados da evolução da balança de transações revelam contudo que, a partir de 2006, as exportações tiveram um crescimento constante, prevendo-se para 2012, por decréscimo conjugado das importações, uma situação de equilíbrio. Estão também, desde há muito, identificados os obstáculos à resolução destes problemas – isto é, os constrangimentos de contexto ao desenvolvimento da atividade dos agentes económicos. Haverá certamente, na sociedade portuguesa em geral e nos diferentes partidos políticos em particular, divergências no que respeita à forma como estes obstáculos devem ser ultrapassados, e até à importância relativa de cada um deles. Porém, regista-se uma larga convergência no reconhecimento das situações que a seguir se enunciam como obstáculos ao crescimento e desenvolvimento económico do país. Convergência 22POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL revelada aliás na continuidade de algumas políticas públicas orientadas para a sua superação e que foram assumidas por sucessivos governos, independentemente do partido político que os sustentava, mas revelada também no facto de, nos últimos vinte anos, estes temas terem tido presença permanente na agenda política. Vejamos então os obstáculos ou constrangimentos: o défice de qualificação da população portuguesa. Apesar do enorme progresso registado nas taxas de escolarização, em 2000 a percentagem de jovens com menos de 24 anos sem o ensino secundário e já no mercado de trabalho era de 44%, o que comparava com 18% na média dos países da UE. Em 2011, esta percentagem passou para 23%, mas é ainda significativa a distância aos objetivos comunitários que definem para 2020 o objetivo de 10% para este indicador; Q o défice de desenvolvimento científico e tecnológico e as fracas condições para a difusão da inovação. Este é um dos sectores em que foram mais significativos os progressos e a aproximação às metas europeias. Em resultado de políticas públicas continuadas de formação avançada, de apoio à internacionalização das atividades de investigação científica, numa base competitiva e com recurso aos fundo comunitários, registaram-se aumentos significativos no número de doutorados e investigadores, bem como na produção científica em cooperação. As questões de inovação, de difusão e de articulação do sistema científico com o tecido económico, mantiveram-se contudo em níveis críticos; Q as desigualdades sociais e a percentagem da população em situação de pobreza. Portugal continua a ser o segundo país mais desigual da UE e apresenta uma das mais elevadas taxas de pobreza, isto apesar do esforço continuado de desenvolvimento dos sistemas de proteção social e de combate à pobreza que absorvem uma parte significativa de recursos públicos; Q a rigidez das regras de funcionamento do mercado de trabalho. A percepção deste obstáculo, identificado em vários relatórios da OCDE e da UE, motivou, até 2012, cinco revisões do primeiro Código do Trabalho aprovado em 2003, tendo-se alterado já de modo significativo a posição relativa de Portugal em termos de rigidez na regulação do mercado de trabalho; Q a rigidez das regras de funcionamento dos vários mercados, dificultando o acesso, a entrada e a saída da atividade empresarial e afetando a confiança dos agentes económicos. Entre 2000 Q INTRODUÇÃO23 e 2010, várias medidas no campo da regulação das atividades económicas e de modernização de vários sectores da administração pública procuraram melhorar o contexto e as condições de funcionamento dos mercados. Todavia, persistem problemas que condicionam as dinâmicas económicas, designadamente as leis da concorrência, das falências e do arrendamento, ou a morosidade da justiça na resolução de conflitos; Q o regime fiscal e de incentivos pouco favorável à capitalização, ao investimento e ao reinvestimento, por parte das empresas, bem como ao equilíbrio entre as indústrias de bens transacionáveis e de bens não transacionáveis ou entre as grandes e as pequenas e médias empresas; Q o modelo energético maioritariamente assente em combustíveis fósseis e dependente da importação de petróleo. Apesar do esforço realizado nos últimos anos por parte de vários governos para promover o desenvolvimento das energias renováveis e para induzir uma alteração dos comportamentos de consumo, a dependência energética do país é ainda um problema com fortes implicações negativas na atividade económica. A crise económica e financeira internacional do final de 2008 e a posterior crise das dívidas soberanas, que se intensifica a partir de 2010, agravaram muito os problemas do país e as condições políticas e financeiras para a sua resolução. O pedido de ajuda externa às três instituições que integram a Troika – Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia –, e a assinatura do Memorando de Entendimento, embora tenham resolvido o problema de curto prazo de financiamento do Estado e da banca, centram toda a atenção na redução do défice e da dívida, estreitando muito as possibilidades de escolha na definição de uma estratégia de futuro e na governação. De facto, a redução do défice orçamental é o centro de todo o Memorando de Entendimento com a Troika e constitui neste quadro um objetivo em si mesmo. O cumprimento das metas de 3% para o défice público e de redução da dívida pública, bem como o calendário estabelecido até 2015, apresentam-se a Portugal como um imperativo externo e são condição essencial para, no curto prazo, obter crédito e, no futuro, permanecer na zona monetária do euro. As restantes medidas inscritas no Memorando de ajuda externa são instrumentais para o cumprimento deste objetivo. Integram o Memorando um número importante de medidas que respeitam à necessidade de aumentar a receita 24POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL pública ou de diminuir a despesa do Estado, eliminando ou diminuindo serviços e estruturas ou tornando mais eficiente a administração. Mas estão também inscritas diferentes medidas que visam a flexibilização do funcionamento da economia e dos mercados – de trabalho, dos serviços e produtos, ou de capitais –, medidas designadas muitas vezes por reformas estruturais com impactos no médio e no longo prazo. O Fórum teve como ponto de partida o Memorando de Entendimento e a necessidade de contribuir para a discussão pública das principais medidas nele inscritas, mas alargou o debate e a reflexão a outros temas e outras medidas de política que respeitam aos problemas e obstáculos identificados, que mobilizam vastos recursos públicos e que são críticos para o futuro do país. Especialmente na atual conjuntura de crise económica e financeira, o espaço das políticas públicas e da intervenção do Estado não pode ser reduzido ao cumprimento do Memorando de Entendimento com a Troika Do conjunto das sessões do Fórum resultaram os 13 capítulos deste livro, tendo em conta os três grandes objetivos subjacentes às medidas de política propostas no Memorando de Entendimento com a Troika – consolidação orçamental, flexibilização da economia e redução da despesa pública –, e ainda o objetivo de crescimento económico e de desenvolvimento futuro. Para cada uma das medidas ou temas analisados e debatidos procurámos traçar a evolução recente das políticas públicas sectoriais, apresentar os resultados alcançados, perspetivados em comparação internacional e, finalmente, identificar os problemas ou constrangimentos que subsistem e as soluções alternativas que se oferecem. O leitor encontrará em cada capítulo um ponto de situação das políticas públicas, enquadradas na trajetória ou tendência de evolução recente, seguido da apresentação das intervenções dos especialistas que participaram no debate público promovido entre janeiro e maio de 2012. Trata-se das ideias de políticos com experiência de governação e de gestão de políticas públicas, de diferentes partidos políticos, que oferecem para o mesmo tema visões contrastadas, soluções alternativas e, em alguns casos, apontam também diferentes metodologias de intervenção. O objetivo da consolidação orçamental Como vimos, a redução do défice orçamental é o centro de todo o Memorando de Entendimento com a Troika, é um objetivo em si mesmo e uma condição da permanência de Portugal na Zona Euro. Assim, no INTRODUÇÃO25 primeiro capítulo abordamos a questão da consolidação orçamental, começando por apresentar as principais características e especificidades do nosso sistema fiscal e da estrutura da despesa pública, comparando com a situação de outros países da UE. Remete-se toda a discussão e análise, do lado das receitas, para o problema da equidade e da eficiência fiscal, e, do lado das despesas, para o problema da identificação de prioridades na intervenção do Estado. As palestras de Manuela Ferreira Leite e de José António Vieira da Silva revelam diferentes preocupações e visões distintas para os mesmos problemas. Manuela Ferreira Leite defende, no curto prazo, a necessidade de dar atenção às condições, designadamente de tempo, do ajustamento orçamental, tendo em vista mitigar os seus efeitos e impactos recessivos sobre a economia. No longo prazo, e para tornar sustentável o ajustamento promovido, defende que é necessário fazer escolhas no que respeita às áreas de intervenção de Estado e às prioridades da despesa pública. Pelo seu lado, José António Vieira da Silva defende que é na formação dos rendimentos primários, função dos salários e dos outros rendimentos que são gerados na atividade económica, que radica uma boa parte da solução para o excesso de desequilíbrio que existe na nossa sociedade. A diminuição das desigualdades deve ser um objetivo concomitante com o objetivo do desenvolvimento e do crescimento económico para evitar que as assimetrias se transformem em desigualdades estruturais e persistentes. No final de um ano de aplicação de medidas visando a redução do défice, as dificuldades em atingir os objetivos têm já uma quantificação: em 2012 o défice situar-se-á em valores superiores a 6% e os prazos para alcançar a meta de 3% serão alargados. As dificuldades mais visíveis manifestam-se do lado da receita fiscal que, ficando muito aquém das previsões iniciais, espelha a recessão económica, a diminuição do consumo e o crescimento do desemprego. O objetivo de flexibilização da economia Nos capítulos seguintes, abordamos um conjunto de medidas que visam promover a flexibilização do funcionamento da economia. As privatizações, as alterações nas políticas energéticas, nas políticas de regulação do mercado de emprego e no funcionamento do sector da justiça são exemplos de políticas em que prevalece a preocupação com a alteração do quadro de funcionamento da economia. A forma como estão enunciadas no Memorando de Entendimento e a forma como têm sido desenhadas e implementadas revelam essa mesma preocupação. 26POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL As privatizações são o tema do capítulo 2 e no texto inicial é traçado um retrato da sua evolução nos últimos vinte anos. As intervenções de Fernando Teixeira dos Santos e de António Lobo Xavier têm em comum a avaliação positiva dos processos de privatização iniciados em Portugal em meados dos anos 80 e concretizados em duas fases distintas. Em ambas as intervenções, os autores refletem sobre quais os sectores estratégicos, as exigências da regulação, os riscos e as oportunidades associados aos processos de privatização, bem como sobre as condições de financiamento das atividades económicas e as dificuldades atuais de crédito. No capítulo 3, é apresentada e debatida a política energética, identificando-se os marcos da sua evolução em Portugal, enquadrada no contexto internacional. Das intervenções de António Costa Silva e de Jorge Moreira da Silva podem destacar-se três ideias fortes: (i)a necessidade de se promover uma abordagem sistémica e multidimensional no desenho das políticas públicas de energia, abrangendo de forma integrada os diferentes problemas, relacionados designadamente com os impactos ambientais, com a competitividade e a regulação do mercado e, finalmente, com os comportamentos de consumo, com incidência no sector dos transportes e na vida quotidiana das cidades. (ii) foi igualmente enfatizada a ideia de continuidade das políticas neste sector de intervenção que exige planeamento estratégico e investimentos de médio ou de longo prazo, sendo nocivas para o país as hesitações e as mudanças de rumo por razões de tática política marcada pelo imediatismo. (iii) a ideia de um “Plano Marshall” para a investigação e desenvolvimento na área da energia à escala europeia foi avançada por Moreira da Silva, defendendo ambos os autores que uma das principais responsabilidades do Estado no sector da energia é, para além da regulação, o estímulo e apoio às atividades de investigação e desenvolvimento. António Costa Silva defende ainda a necessidade de, na definição de políticas e na escolha de diferentes alternativas, se ponderar a matriz energética mundial e de agir estrategicamente. No capítulo 4, apresenta-se o debate relativo à regulação do mercado de trabalho e a sua relação com a criação de emprego. No texto inicial apresentam-se as principais medidas de política visando a regulação do mercado de trabalho, seguindo-se as intervenções de Helena André e de Luís Pais Antunes. Nenhum dos autores defende a tese da relação linear entre regulação do mercado de trabalho e criação de emprego. Helena André argumenta que a diminuição da rigidez na contratação de trabalho não permitirá criar mais emprego, como se pode verificar INTRODUÇÃO27 nos efeitos das sucessivas alterações ao Código do Trabalho feitas desde 2009. Defende a importância de manter e aprofundar o diálogo social de forma a desenvolver um quadro de relações laborais mais eficaz na proteção social, devendo o Estado ter, simultaneamente, um papel no desenvolvimento do país através de políticas fortes e eficientes. Luís Pais Antunes argumenta que o fator mais importante é o do controlo, por parte do Estado, das políticas públicas expansionistas que vigoraram nos últimos trinta anos, advogando uma maior seletividade nas áreas de intervenção do Estado. Considera ainda que o Estado tem responsabilidades importantes como motor e promotor da economia e do bem-estar social, mas não pode nem deve fazer tudo – deve ter uma visão menos universal e apostar mais em determinados sectores. Durante muito tempo, as políticas de regulação do mercado de trabalho tinham como principais tópicos as condições de contratação, de cessação dos contratos e de proteção no desemprego, como evidenciado nos debates em torno do tema da flexigurança e das sucessivas revisões do Código do Trabalho, ou até mesmo no debate apresentado neste livro. As medidas entretanto anunciadas para a TSU, de aumento da parte relativa à contribuição dos trabalhadores (de 11% para 18%) e, simultaneamente, de redução da parte relativa à contribuição dos empregadores (de 23,75% para 18%), colocou o debate sobre a regulação do mercado de trabalho num outro patamar. Apesar de a proposta sobre as alterações à TSU ter sido retirada da agenda do governo, os temas da redução dos custos globais do trabalho, particularmente na componente dos salários, e da alteração do, até agora instituído, equilíbrio de responsabilidades e de poderes entre as partes, entraram na agenda política, tendendo a transformar-se num novo tópico central nas políticas de regulação do mercado de trabalho. Finalmente, no capítulo 5, abordamos as políticas para o sector da justiça, relativamente ao qual se regista uma percepção generalizada de ineficiência e ineficácia, com impactos muito negativos na confiança dos agentes económicos e na economia. Daniel Proença de Carvalho considera que diferentes fatores relacionados com a demora e a qualidade das decisões e com a credibilidade dos agentes estão na base da ideia de existência de uma crise na justiça e da necessidade de reforma. Na sua opinião, um dos problemas críticos do sistema de justiça é a ausência de coordenação e de liderança, considerando que existe um sistema de autogoverno, isto é de corporativismo, baseado numa concepção equívoca dos valores da independência e da autonomia das magistraturas, tal como 28POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL consagradas na Constituição. João Tiago Silveira aponta criticamente oito mitos, ou ideias preconcebidas, sobre o sistema de justiça, para defender que o essencial a fazer na área da justiça se deve orientar pelo objetivo de melhorar a gestão, a qualidade e a transparência. O objetivo de redução da despesa pública Em seguida, nos capítulos 6, 7 e 8 abordam-se as medidas que têm em comum o objetivo de redução da despesa e de obtenção de ganhos de eficiência em sectores tão diversos como a administração pública, as autarquias e a saúde. No caso da administração pública, embora no debate público a medida de política mais comentada e mais controversa tivesse sido a da redução dos salários dos funcionários, através de cortes nos subsídios de férias e de Natal, os objetivos inscritos na versão inicial do Memorando de Entendimento estão relacionados sobretudo com a redução do número de funcionários, do número de dirigentes e do número de organismos públicos. As intervenções de Suzana Toscano e de Maria Manuel Leitão Marques sublinham a necessidade de inovação nos modelos de organização e gestão de recursos, tirando partindo dos novos meios tecnológicos e dos conhecimentos na área da gestão, como forma de preservar a qualidade e o âmbito dos serviços públicos prestados. Os desafios são, por um lado, fazer escolhas com base na avaliação das mudanças anteriormente introduzidas e, por outro, continuar a inovar fazendo mais, melhor e com mais qualidade, apesar da diminuição dos recursos financeiros. Em relação à administração local, a medida de política mais referida no debate público foi a diminuição do número de freguesias. No capítulo 7, e partindo dessa medida, analisa-se e debate-se um conjunto mais vasto de questões relativas ao poder local e à relação com o poder central. Nas suas palestras, Rui Rio e António Costa sublinharam que, para se ter ganhos efetivos de eficiência ao nível das políticas locais, são necessárias reformas mais profundas, ao nível da Lei Eleitoral Autárquica e da Lei das Finanças Locais, tendo em vista alterar significativamente o modelo de formação dos executivos autárquicos e de gestão autárquica, bem como o quadro de competências e de autonomia de decisão nos vários níveis de organização do poder central e local. Quanto à reorganização administrativa do território, referiram, sobretudo, a necessidade de clarificar a metodologia e de ter em conta a diversidade de situações, em particular as diferenças INTRODUÇÃO29 entre municípios das áreas rurais ou urbanas, do interior ou litoral, de grande ou de reduzida dimensão. Ao longo do ano de 2012, pudemos observar as dificuldades de negociação e de compromisso entre os partidos políticos na concretização das mudanças e das medidas de política previstas no Memorando de Entendimento relativas à reforma da administração local, tidas por muitos como necessárias. Este é um bom exemplo de como por vezes é enorme a distância entre identificar um problema, pensar numa solução, desenhar uma medida de política e conseguir a sua concretização. O processo das políticas públicas exige, além de soluções técnicas, capacidades políticas de negociação e de cooperação exercidas de forma sustentada, envolvendo os diferentes partidos políticos e outras instituições e visando objetivos de longo prazo. No capítulo 8, abordamos as políticas de saúde. Parece existir, entre os partidos políticos, uma convergência em torno de uma avaliação positiva tanto do funcionamento como dos resultados do Sistema Nacional de Saúde, patente nos relatórios dos organismos internacionais, bem como nas percepções públicas. A questão crítica é a sustentabilidade do próprio Serviço Nacional de Saúde e do vasto número de medidas necessárias para a alcançar – sobretudo tendo em conta o atual contexto, marcado, simultaneamente, pelo envelhecimento da população, pelo aumento das necessidades de cuidados de saúde e pela limitação de recursos financeiros. Ressaltam, das intervenções de António Correia de Campos e de Luís Filipe Pereira, o esforço continuado e convergente que tem vindo a ser feito nas últimas décadas, com medidas muito diversas, todas elas visando a melhoria do funcionamento, da gestão e da organização das instituições, bem como de racionalização e melhoria dos serviços prestados. António Correia de Campos defende a necessidade de continuar a aperfeiçoar a gestão do sistema, designadamente ao nível da gestão hospitalar, da rede de unidades de saúde familiar, do controlo das tecnologias de diagnóstico e terapêutica e dos gastos totais com medicamentos. Luís Filipe Pereira defende a necessidade de fazer evoluir o serviço nacional de saúde para um sistema nacional de saúde, diversificando os atores e agentes, envolvendo designadamente operadores privados, através de mecanismos de contratação pelo Estado. As dificuldades observadas na condução das políticas de saúde visando a sustentabilidade do SNS, suscitaram no debate uma reflexão sobre o papel e a responsabilidade dos médicos e dos outros profissionais de saúde, bem como das suas instituições representativas, não apenas na identificação de soluções como também na concretização das medidas de política. 30POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL As condições para o crescimento e o futuro do país Para os três objetivos atrás enunciados – consolidação orçamental, flexibilização da economia e eficiência no funcionamento do Estado e dos serviços públicos –, estão previstas no Memorando de Entendimento várias outras medidas que não foram abordadas neste Fórum. Em contrapartida, dedicámos algumas sessões a temas que reportam aos problemas que Portugal continua a enfrentar e cuja evolução é considerada por muitos como essencial para o crescimento e o futuro do país. Por um lado, a necessidade de políticas públicas que visem a diminuição das desigualdades sociais e a superação dos défices de educação e formação da população portuguesa. A relação forte destes dois problemas, entre si e com o crescimento económico e a produção de riqueza, dá forma a uma equação de difícil resolução que a situação de crise apenas agravou. Porém, a sua resolução é uma das chaves para garantir o futuro do país. Por outro lado, a continuidade do investimento público e europeu em ciência, tecnologia e inovação, bem como o reforço da nossa participação no projeto da Europa apresentam-se também como condições necessárias para a superação da crise e uma oportunidade para aperfeiçoar o funcionamento das instituições e dos programas da UE. Finalmente a questão da degradação da imagem externa do país, consequência do pedido de ajuda externa, e a possibilidade de desenho de políticas públicas visando a sua renovação. No capítulo 9, a questão das desigualdades sociais e económicas e da possibilidade da sua diminuição com a intervenção do Estado é debatida por Miguel Frasquilho e Pedro Marques. Miguel Frasquilho considera que Portugal é um país desigual porque cria pouca riqueza e porque as políticas públicas visando a diminuição das desigualdades têm sido pouco eficazes: o Estado social como o conhecemos teria “os dias contados” e teria de ser redesenhado, não só porque a riqueza criada não chegaria para o sustentar, como porque se registam mudanças à escala global. Defende que, em Portugal, seria preferível ter um sistema fiscal menos redistributivo, mas mais simples e mais eficaz na captação das receitas, para depois poder diferenciar quem de facto precisasse de apoio. Pedro Marques defende uma posição diferente: desde logo, considera que todos os indicadores disponíveis contrariam a ideia da ineficácia das políticas públicas visando a redução das desigualdades. Pelo contrário, provam que as transferências sociais permitiram nos últimos anos reduzir a pobreza e a desigualdades. Ao longo da sua INTRODUÇÃO31 intervenção argumenta no sentido da necessidade de um caminho sustentado na redução das desigualdades assente num crescimento também ele sustentado e duradouro, no qual a questão-chave seria a qualificação dos recursos humanos e a aposta na educação e formação. O caminho não seria o do estado social mínimo, porque esse implicaria a diminuição brusca do PIB potencial no quadro europeu e no quadro nacional. O debate apresentado no capítulo 10 sobre as políticas de educação foi focado no objetivo de fazer cumprir a escolaridade obrigatória, dadas as reais dificuldades reveladas pelas taxas de abandono escolar precoce. David Justino e Augusto Santos Silva reconhecem, nas suas intervenções, os enormes progressos já conseguidos em matéria de concretização dos objetivos de escolarização e de combate ao abandono escolar, mas sublinham também a necessidade de continuar o esforço orientado agora para alargar a escolaridade obrigatória até aos 18 anos. Porém, olham para o problema de diferentes prismas, centrando-se em aspetos distintos do mesmo. David Justino defende que é desejável uma maior diversificação das formas de organização escolar, dos currículos, dos métodos de ensino. A diferenciação pode ser a palavra-chave para traduzir a evolução dos sistemas nacionais de ensino. Nesse contexto, as políticas públicas de educação terão de ser repensadas, de forma a poderem lidar com a diversidade das configurações escolares e não ficarem excessivamente centradas sobre a defesa da escola pública. Considera também que um outro pilar fundamental da reforma do sistema de ensino é a formação de professores. Uma vez que a formação de professores é da responsabilidade exclusiva dos estabelecimentos de ensino superior, que o fazem com total autonomia científica e pedagógica, cabe ao Estado a responsabilidade de definir qual o perfil de professor e assumir o direito e a obrigação de apenas escolher os melhores. Ainda para David Justino, os melhores devem identificar-se a partir de dois processos: avaliação à entrada e avaliação de conhecimentos e competências na profissionalização em exercício, sendo esse um instrumento fundamental de qualificação do sistema de ensino. Augusto Santos Silva argumenta no sentido da necessidade de políticas públicas de regulação do sistema ainda numa certa lógica desenvolvimentista, uma vez que Portugal, em matéria de educação, ainda não está em steady state, continuando a precisar de investimento que assegure um forte serviço público de educação como garantia de igualdade no acesso. O Estado deve apoiar os esforços das famílias, dos indivíduos, das comunidades locais ou outras e das organizações 32POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL económicas e sociais, incluindo o ensino privado, para que convirjam na mesma direção e numa lógica de parceria. Por outro lado, defende que se deve insistir na aquisição de capacidades, competências e disposições atitudinais que favoreçam a aprendizagem, a adaptação, a adequação aos novos desafios sociais, culturais e económicos. Pelo que, para Santos Silva, parece um erro crasso querer contrapor a essa centragem nas competências um discurso arcaico e obsoleto sobre a predominância dos conhecimentos. Na realidade não se sabe que conhecimentos irão ser necessários aos adolescentes e aos jovens que entrarão no mercado daqui a dez ou quinze anos. A título de exemplo, sabe-se que, para além do português, precisarão de dominar outras línguas, mas não se sabe sequer se irá ser ainda o inglês a língua de trabalho adotada internacionalmente. Sabe-se que precisarão de competências e de rotinas fundadas na aquisição de novos conhecimentos, na vontade em serem ativos, terem iniciativa, na capacidade de se adaptarem a situações de incerteza e de risco e trabalharem em conjunto. No capítulo 11, apresenta-se o quadro de evolução do sector da ciência, tecnologia e inovação nos últimos anos, tendo por referência o contexto, as metas e as recomendações da UE. Também neste caso se reconhece que a continuidade e a estabilidade das políticas públicas centradas na formação de recursos humanos altamente qualificados e no apoio competitivo às instituições científicas foi um dos principais fatores explicativos dos resultados positivos que se alcançaram. Na sua intervenção, Maria da Graça Carvalho considera que a ciência e a inovação são uma condição necessária para o desenvolvimento e crescimento económico, mas não suficiente, na medida em que há muitos outros fatores que também são importantes. Avança com três ideias para melhorar o retorno económico do investimento em ciência e inovação: a luta contra a burocracia, o mercado a funcionar sem entraves à concorrência e a capacidade de absorção, isto é, a aposta na educação e no reforço dos níveis de escolaridade de toda a população de modo a que esta possa utilizar, e estar sensível a absorver, os resultados da inovação. Por sua vez, Manuel Pinho apresentou os princípios estratégicos em que se baseou o Plano Tecnológico desenvolvido entre 2005 e 2009, referindo designadamente a qualificação de recursos humanos e a criação de parcerias estratégicas para o desenvolvimento tecnológico de empresas do sector exportador e de outros sectores da economia que se apresentam com vantagens comparativas. Concluiu defendendo que, sendo Portugal um país pequeno e com pouca massa INTRODUÇÃO33 crítica, o governo devia, idealmente, estimular as articulações entre as empresas e as instituições do sistema científico, em áreas como energia e ambiente, indústria e ambiente. O papel da Europa e das políticas europeias na atual conjuntura foi analisado e debatido por António Vitorino e Mário David. O resultado da sua reflexão é apresentado no capítulo 12. António Vitorino considera uma prioridade absoluta a estabilização da Zona Euro defendendo um modelo baseado na premissa: “aos Estados cabe o rigor, à União o dinamismo e o crescimento”. Argumenta que, para alcançar a referida estabilização, será necessário a UE enfrentar ainda cinco grandes problemas: o reforço do Fundo Europeu de Estabilização Financeira; a estabilização do sistema bancário europeu; a mutualização da dívida; o crescimento económico e o combate ao desemprego; e o mercado interno de serviços. Neste contexto, considera que existem dois pontos muito importantes para o crescimento económico e que interessam especialmente a Portugal, podendo até ser determinantes para o seu futuro. O primeiro é a negociação das Perspetivas Financeiras 2014-2020, cujo quadro negocial foi objeto de uma primeira discussão no Conselho Europeu no Verão de 2012. O segundo é o tema da convergência real, que desapareceu do debate político europeu. Para assegurar o crescimento económico da Zona Euro, em especial, é necessário introduzir no combate político a resolução dos desequilíbrios de competitividade entre os países da Zona Euro, o que constitui um dos elementos centrais dos desequilíbrios da própria moeda única. Conclui dizendo que é do interesse de Portugal a permanência na Zona Euro e a estabilidade da moeda única, na procura de um crescimento económico harmonioso do conjunto da União Europeia. Mário David refere como problemas o facto de o euro se sustentar numa arquitetura incompleta, mas também o facto de se ter promovido um alargamento que torna mais difíceis os compromissos. Defende duas ideias fundamentais. Por um lado, mais Europa no plano internacional. Defende que o Tratado de Lisboa compreende os instrumentos necessários a este objetivo – como seja o novo serviço de ação externa, mas também a nova política de vizinhança, maiores e mais diversificados acordos comerciais com novas zonas do globo. Por outro lado, relativamente a Portugal é preciso ser otimista. O facto de os dirigentes políticos europeus testemunharem apreço pela forma como o programa de combate à crise está a ser desenvolvido pelo governo português pode ter uma tradução concreta no quadro financeiro plurianual. Considera que seria desejável que a ambição da União 34POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL Europeia em desempenhar um papel de relevo no mundo se concretizasse também em iniciativas de maior coesão e de defesa do projeto comum europeu. No segundo semestre de 2012 foram tomadas decisões, designadamente no que respeita às competências, aos recursos e ao papel do BCE na gestão da crise e da zona monetária, que certamente alterarão, a prazo, as condições de funcionamento da Zona Euro e da ajuda financeira a países como Portugal. Finalmente, no último capítulo, apresenta-se um breve levantamento de medidas de política e de iniciativas lançadas desde a década de 90, visando a promoção da imagem externa do país. O debate sobre os desafios colocados na atual conjuntura de resgate financeiro contou com a participação de Suzana Toscano, Teresa Caeiro e Pedro Silva Pereira. Para Suzana Toscano há muito que deixámos de ser o Portugal “orgulhosamente só”. A competição internacional, a integração na União Europeia e na Moeda Única, a globalização e a mundialização levam, por um lado, à necessidade de existência de padrões comuns mas, por outro, valorizam a diferenciação, em que a cultura e a identidade ficam em destaque. As comparações a nível europeu e mundial marcam o ritmo e o esforço de desenvolvimento dos países. As sucessivas avaliações no âmbito da OCDE ou de outros organismos internacionais, avaliam os progressos e fixam novas metas para todas as áreas que medem o grau de desenvolvimento humano e económico e, em geral, as condições que cada país tem que propiciam a atração de investimento e desenvolvimento económico. Considera que, neste quadro, os progressos alcançados pelo país nas últimas décadas foram notáveis na generalidade dos sectores mais importantes, como o da educação, do saneamento básico ou do acesso de toda a população aos cuidados de saúde, ou ainda das vias de comunicação. Lembra que, no entanto, parece que persiste no Portugal de hoje, incluindo ao nível dos média, um certo gosto pela “estética do desalento”, de que falava Bernardo Soares no Livro do Desassossego. E termina argumentando que, num quadro de competição feroz em que a imagem externa é determinante da facilidade ou dificuldade de acesso a mercados e capitais, o combate a esses preconceitos é tarefa urgente e exige grande determinação e eficácia. Teresa Caeiro defende que uma “marca país” não se faz, nem se constrói, com uma campanha ou sucessão de campanhas desconexas. A criação de uma “marca” pressupõe, desde logo, um produto, uma especialização nesse produto, uma qualidade inequívoca desse INTRODUÇÃO35 produto e uma definição estratégica para que esta se afirme. E é aqui que reside o grande problema: a falta de consistência, persistência e durabilidade das apostas. Considera que em Portugal não tem havido, por parte dos decisores políticos, um quadro de persistência ao longo dos anos na definição de um planeamento estratégico sobre aquilo que pretendemos que o nosso país seja enquanto “marca”. Na verdade, assistimos a políticas de promoção muitas vezes erráticas, casuísticas, dispersas e a campanhas absolutamente inúteis. Considera positiva a ideia de um pacto de regime que permita a Portugal ter um fio condutor na afirmação da sua “marca”, mas critica o facto de os titulares de cargos políticos tenderem muitas vezes a confundir a “marca Portugal” com a vontade de deixar a sua marca pessoal, o que tem sido muito nefasto para a afirmação do país. Pedro Silva Pereira defende a necessidade de uma estratégia de promoção de Portugal como um país moderno e enumera uma série de factos em que se pode basear tal imagem, designadamente nas áreas da educação, da ciência e tecnologia, energias renováveis, governo electrónico e da presença ativa em organismos internacionais. Considera que se podem valorizar os diversos fatores relevantes para a imagem externa do país que não dependem da situação económica, destacando os indicadores da modernização. Para que isso se verifique, é necessário ter políticas públicas consequentes, não fomentar narrativas falsas e distorcidas da crise que prejudicam injustamente a imagem de Portugal. É igualmente importante que se cumpra o Programa de Assistência Financeira mas sem desistir da economia, do futuro e da Europa, devendo ser valorizados e preservados o consenso, o diálogo político e a concertação social na execução do Programa para se alcançar o objetivo de regresso aos mercados em 2013. Conclui defendendo que as estratégias de promoção da “marca Portugal” devem ter subjacente a ideia global de que Portugal é um país moderno e depois concretizar este desígnio com estratégias diversificadas, entre as quais a aplicação e implicação de políticas públicas coerentes, consistentes e adequadas, não necessariamente consensuais numa sociedade democrática e pluralista. Com o Fórum das Politicas Públicas, e agora com este livro, procurámos revelar um retrato do país, tão rigoroso e objetivo quanto possível, assente na informação disponível sobre as políticas públicas e os resultados alcançados, sem perder de vista as comparações 36POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL internacionais. Procurámos ainda promover o debate político em torno desse retrato, isto é, revelar o que pensam e que soluções apontam pessoas que tiveram ou têm ainda responsabilidades políticas. Procurámos que o debate fosse plural e racional, isto é com diversidade de argumentos baseados no conhecimento dos factos e da informação disponível. Na política e na intervenção pública há sempre diferentes visões, diferentes opiniões, diferentes alternativas e possibilidades de caminho. O conhecimento técnico sobre os problemas e as soluções é muito importante, mas o campo da política não é, nem pode ser reduzido a, uma técnica de intervenção com soluções únicas. Pelo contrário, o que o distingue é justamente a ponderação das diferentes alternativas e a escolha entre elas. Porém, por mais informado e conhecedor que se seja, ninguém tem sempre razão sobre todos os assuntos. O espaço do debate público democrático deve portanto permitir identificar as diferenças de visão e de objetivos, mas deve também permitir identificar as zonas e as possibilidades de cooperação na ação. 1. CONSOLIDAÇÃO ORÇAMENTAL É possível ser um país mais justo e alcançar a consolidação orçamental? Consolidação orçamental política fiscal e despesa pública Equipa do Fórum das Políticas Públicas Enquadramento Cada país, através do desenho do sistema fiscal, recorre a um conjunto de instrumentos diferentes – impostos sobre os rendimentos, sobre o património, a produção, o consumo, as importações e outros – para financiar as suas atividades e desenvolver políticas públicas, traduzindo anualmente as opções tomadas no orçamento do estado. Compreender e analisar o problema da consolidação orçamental implica sempre conhecer o sistema fiscal, a sua estrutura e capacidade de cobrar receita e, simultaneamente, conhecer e analisar as opções da despesa pública, na dimensão, na composição e na eficiência, ou seja, nos aspetos relativos à dimensão do Estado e da administração, ao cumprimento das funções de soberania e das funções socias de redistribuição (através de prestações sociais e de serviços públicos), e às exigências do crescimento económico. As políticas públicas, o volume e qualidade de despesa pública, dependem das receitas geradas através do sistema fiscal, e, simultaneamente condicionam as opções de política fiscal, bem como outras opções orçamentais relativas ao défice e à dívida. Pode dizer-se que a política fiscal está no centro das políticas públicas, sendo o seu conhecimento e o seu estudo essenciais para a decisão política. Podemos identificar, 40POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL no que diz respeito ao estudo da política fiscal, diversas questões centrais: da equidade e justiça fiscal à maximização do rendimento dos impostos cobrados, passando pela estabilidade fiscal, até à sustentabilidade e capacidade de equilíbrio orçamental. Porém, a principal tensão resulta da necessidade de equilibrar o potencial redistributivo do esforço fiscal com o seu efeito sobre as políticas económicas. A criação do euro exigiu em todos os países que adoptaram a moeda única e integram esta zona monetária a adopção de pactos de estabilidade que colocam particulares exigências de equilíbrio orçamental, impondo limites estritos às opções orçamentais relativas ao défice e à divida. Desde 2000, também o recurso a instrumentos financeiros monetários e cambiais, como a desvalorização da moeda, passou a ter regras diferentes e partilhadas. Embora restem margens de autonomia nas políticas fiscais destes países, as responsabilidades e os esforços em matéria fiscal passaram, também, a ter uma maior interdependência. O crescimento das receitas fiscais e aproximação aos níveis da OCDE A atual estrutura do sistema fiscal português resulta, no essencial, de uma reforma fiscal aprovada em 1986. Esta reforma respondeu às exigências da integração do país na UE, tendo sido, nessa altura, criados os impostos diretos, como o IRS e o IRC, e os impostos indiretos, como o IVA. Foi também com essa reforma que os funcionários públicos, até então isentos, passaram a pagar impostos sobre o rendimento de trabalho. Ao longo dos últimos trinta anos o Ministério das Finanças designou de forma regular vários grupos de trabalho, de que fizeram parte peritos e especialistas em matéria fiscal, para acompanhamento e elaboração de propostas de revisão e de ajustamento do sistema de que resultaram várias alterações, tendo-se todavia mantido a estrutura essencial do sistema. Em 1999, chegou a ser aprovada na AR uma reforma, que foi concretizada apenas numa parte dos aspetos propostos. Em 2003, foram introduzidas importantes alterações nos impostos sobre o património imobiliário, tendo sido criados os IMI e IMT e abolido o imposto sucessório. Em 2007, foi alterado o imposto sobre veículos, tendo sido criada uma taxa (ISV) de diferenciação, considerando a performance ambiental e o impacto nas emissões CONSOLIDAÇÃO ORÇAMENTAL41 de CO2 . Em 2009, entrou em vigor uma reforma do código contributivo da segurança social, com o objetivo de garantir a sustentabilidade da segurança social, dadas as atuais condições demográficas e de esperança de vida. Entre as várias alterações introduzidas neste código refere-se a convergência da taxa e do cálculo das contribuições dos trabalhadores independentes e das suas entidades empregadoras com a taxa e a base de cálculo aplicada aos trabalhadores por conta de outrem. Desde o estabelecimento do regime democrático em 1974, Portugal apresenta um crescimento continuado das suas receitas fiscais, que duplicaram, em percentagem do PIB, tendo em 2006 ultrapassado a média dos países da OCDE (situada em cerca de 35% do PIB). Todavia, estava mais de quatro pontos percentuais abaixo da média da UE (39,6%) e 6 pontos percentuais abaixo da média da Zona Euro (40,2%). O rácio de fiscalidade aumentou em todos os países da UE, tendo sido este aumento mais acentuado em Portugal. De 1974 até 1991 registou-se um aumento de cerca de 10 pontos percentuais e no período de 1992 a 2008, o crescimento, embora menor (cerca de 7 pontos), concentrou-se de forma mais intensa na década de 90 do que na década inicial do século xxi. Não é possível ainda observar o efeito das políticas de consolidação orçamental exigida a alguns estados-membros da União Europeia, no período posterior a 2009. Gráfico 1.1 Evolução dos impostos e contribuições para a segurança social (em % do PIB) 37 36 35 34 33 32 31 30 29 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Fonte: INE e Cálculos próprios baseados no quadro 0900 do Sistema de Contas Europeu Fonte elaborado pelo INE 2007 42POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL Quadro 1.1 Evolução do rácio de fiscalidade na União Europeia (% do PIB) 1995 2000 2005 Variação. 2006-1995 (em p.p.) 2006 Portugal 31,9 34,3 35,1 35,9 4,0 Zona Euro – 15 (média aritmética) 36,7 38,2 38,1 38,4 1,7 União Europeia – 25 (média aritmética) 37,5 37,6 37,4 37,6 0,1 União Europeia – 27 (média aritmética) – – 36,9 37,1 – Fonte: EUROSTAT, “Tax Trends in the EU”, 2008 Como se observa no gráfico seguinte existe uma relação entre a evolução do rácio de fiscalidade e a evolução da actividade económica medida pelo PIB a preços constantes. Com efeito, no período de 1995 a 2000, o PIB real cresceu a uma taxa média anual de 4,1%, que desceu para somente 0,9%, em 2001-2004. Esta relação parece, no entanto, ser menor no período 2005-2007, durante o qual, apesar de uma taxa de crescimento do PIB real relativamente baixa (1,4%) registou-se uma taxa de crescimento das receitas fiscais e das contribuições sociais obrigatórias significativamente superior à taxa de crescimento do PIB nominal. Gráfico 1.2 Evolução das receitas fiscais e do PIB em Portugal 0,12 0,1 0,08 0,06 0,04 0,02 0 -0,02 1996 1997 1998 1999 Receitas Fiscais e Cont. Seg. Social 2000 2001 2002 2003 PIB preços correntes 2004 2005 2006 2007 PIB preços constantes Fonte: INE e cálculos dos autores baseados no quadro 0900 do Sitema de Contas Europeu Fonte elaborada pelo INE CONSOLIDAÇÃO ORÇAMENTAL43 A estrutura das receitas fiscais A estrutura interna da receita fiscal em Portugal segue a tendência da Europa do sul, destacando-se a importância dos impostos indiretos e o crescente peso das contribuições para a segurança social. Já os impostos diretos (IRS e IRC) perfaziam em 2007 cerca de um quarto do total de receita fiscal, sensivelmente o mesmo que em 1990. O peso relativo dos impostos indiretos e dos impostos diretos é relevante na análise da progressividade ou regressividade dos sistemas fiscais, sendo considerado, por muitos peritos, que os impostos Quadro 1.2 Receitas fiscais e contribuições para a segurança social, em 2007 Impostos Directos % do PIB Milhões EUR Peso no total dos impostos 10,7% 17.408,8 29,2 Sobre o rendimento 9,4% 15.403,3 25,9 IRS 5,7% 9.374,6 15,7 IRC 3,7% 6.028,7 10,1 Imposto do selo sobre salários 0,0% 0,0 0 Sobre o património 1,2% 2.005,6 3,4 Imposto sobre sucessões e doações 0,0% 9,9 0 IMI / contribuição autárquica 0,6% 1.026,7 1,7 IMT / sisa 0,6% 924,9 1,5 Imposto do selo sobre transacções de imóveis 0,0% 44,1 0 14,1% 22.955,5 38,6 IVA 8,8% 14.338,8 24,1 Imposto sobre tabaco 0,7% 1.165,4 1,9 Impostos sobre álcool e bebidas alcoólicas 0,1% 228,7 0,4 Imposto sobre produtos petrolíferos 2,0% 3.320,7 5,6 Imposto do selo (restante) 1,1% 1.762,3 2,9 Impostos sobre as vendas de veículos 0,7% 1.220,7 2,0 Outros impostos sobre veículos 0,1% 229,0 0,4 Impostos alfandegários 0,1% 185,9 0,3 Outros 0,3% 504,2 0,8 Impostos Indirectos Receitas fiscais 24,7% 40.364,4 67,9 Contribuições para a segurança social 11,7% 19.052,4 32,0 Total 36,4% 59.416,8 100% Fonte: António C Santos e Augusto Ferreira Martins (2009) in Relatório do Grupo para o Estudo da Política Fiscal. Competitividade, Eficiência e Justiça do Sistema Fiscal 44POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL indiretos devem ter um maior peso por serem promotores da equidade tributária ou da justiça fiscal. Impostos sobre o rendimento de pessoas singulares O IRS representa 16% do total de impostos cobrados e obriga todos os indivíduos ou agregados que auferem rendimentos anuais superiores a 6.000€, no caso das pensões ou 4.104€, no caso de rendimento do trabalho, a apresentarem declaração de rendimentos, estando os restantes dispensados. Portugal tem, atualmente, além disso, um sistema de IRS progressivo com 8 escalões, variando as taxas normais entre 11,5%, para rendimento anual coletável até 4.989€, e 46,5%, para rendimento anual coletável acima de 153.300€, para os rendimentos englobados aos quais se aplicam as taxas gerais progressivas. A progressividade do IRS é patente no facto de, por exemplo, 71% dos agregados (rendimentos até 19.000€) contribuírem com menos de 5% do IRS liquidado, como pode ser observado no quadro anterior. Em contrapartida, 8% dos agregados (rendimentos entre 40.000€ a 100.000€) contribuim com 45% do IRS liquidado e 1,12% dos agregados com rendimentos acima de 100.000€ asseguram 28,3% do IRS liquidado. Existem, em alguns países, sistemas de impostos sobre o rendimento não progressivos, isto é, com uma taxa de um único valor (flat rate) aplicada a todos os contribuintes independentemente do nível dos seus rendimentos. A progressividade das taxas de imposto é uma Quadro 1.3 Agregados e IRS liquidado por escalão de rendimento % do total de agregados (2009) % de IRS liquidado por escalão de rendimento 0 a 5.000 14 <1 5.000 a 10.000 29 1 10.000 a 19.000 28 4 19.000 a 27.500 12 8 27.500 a 40.000 8 14 40.000 a 100.000 8 45 100.000 a 250.000 1 21 250.000 a *** <1 7 Escalões de rendimento em euros Fonte: DGCI/DGITA CONSOLIDAÇÃO ORÇAMENTAL45 das matérias mais debatidas, relacionando-se estas escolhas com as questões da justiça fiscal e a aplicação do principio da capacidade contributiva, isto é, a consideração de que o esforço contributivo não deve ser linear ou proporcional ao rendimento. Os indivíduos que auferem maiores rendimentos têm maior capacidade contributiva, pelo que devem dar um contributo maior para o bem comum. No IRS são englobados rendimentos com diferentes origens: rendimento de trabalho dependente, rendimento de trabalho independente, profissional ou empresarial, rendimentos de capital, rendimentos prediais, rendimentos de incrementos patrimoniais, como mais-valias e rendimentos de pensões. Várias destas categorias têm taxas liberatórias, em regra de 25%, aplicáveis a rendimentos de aplicação de capitais e a rendimentos de não residentes e que liberam de quaisquer obrigações declarativas, bem como ainda taxas especiais, que variam entre 16,5% e 30%, aplicáveis umas a residentes e outras a não residentes. Deste quadro resulta que as taxas sobre os rendimentos de trabalho são mais elevadas do que as taxas aplicadas a outros rendimentos, sendo que cerca de 80% do rendimento total englobado é proveniente de trabalho e pensões. Vários autores analisam as dificuldades de identificação das bases tributárias e os riscos da tributação nestas várias categorias de origem Quadro 1.4 Benefícios e deduções fiscais em IRS MILHÕES DE EUROS Benefícios fiscais 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Deficientes 75.6 84.6 94.6 111.8 127.3 136.2 140.7 164.0 170.1 Planos pensões e PPR 95.4 109.1 119.4 148.5 158.0 174.5 194.2 13.4 112.6 CPH 110.2 133.3 139.3 144.1 148.0 151.4 146.2 8.7 4.7 Outras 121.8 78.4 111.2 106.0 94.6 107.3 83.2 86.6 114.0 Total 403.0 405.4 464.5 510.4 527.9 569.4 564.3 272.7 401.4 Personalizantes 896 944 910 939 1.252 1.280 1.300 1.366 Saúde 322 354 385 419 454 498 517 554 Juros habitação 314 350 375 406 431 454 445 477 Educação 163 197 208 224 237 250 253 264 46 51 55 63 63 68 67 71 7 10 18 18 22 24 28 30 1748 1906 1951 2069 2459 2574 2610 2762 Deduções à colecta: Seguros vida Seguros saúde Total Fonte: Conta Geral do Estado e DGCI in 46POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL de rendimento, incluindo os rendimentos empresariais e profissionais, bem como o significado político destas diferenças e a sua influência na perceção pública da justiça fiscal. Outra das caraterísticas do IRS são os benefícios e as deduções fiscais, cujo impacto tem sido crescente. De facto, como pode ser observado nos quadros seguintes, o nível de despesa fiscal registou um crescimento acentuado no período 2001-2004, que foi interrompido em 2005 e 2006, sobretudo devido à forte redução dos benefícios fiscais concedidos aos planos de poupança-reforma (PPR) e contas de poupança-habitação (CPH), permitindo que a despesa fiscal em IRS se situasse em 2007 num nível, em termos nominais, semelhante ao registado em 1999. Por seu lado, as estatísticas divulgadas pela Direção Geral de Contribuições e Impostos revelam que as deduções à colecta estabelecidas no Código do IRS assumem valores bastante significativos e têm vindo também a registar taxas de crescimento elevadas. O estatuto dos benefícios e deduções fiscais em sede de IRS aplica-se sobretudo a contribuintes com elevados rendimentos, sendo um elemento relevante deste imposto, nomeadamente quanto ao efeito sobre o regime de progressividade, como pode ser observado no gráfico anterior. Gráfico 1.3 Distribuição dos benefícios fiscais por escalões de rendimentos 2500 2000 1500 1000 500 0 66% agregados 1.º 2.º (2 415 415) (629 802) 3.º (999 477) 4.º (470 842) 5.º (67 177) 6.º (7 830) 7.º 8.º (34 932) Média deduções + benefícios (2008) Fonte: Ministério das Finanças Uma das áreas em que estão previstas alterações significativas é o regime dos benefícios e deduções fiscais em sede de IRS visando a obtenção de uma receita de 150 milhões de euros em 2012 e introduzindo