A ESCOLA NA CRISE DA MODERNIDADE Prof. Dr. Maurício Gonçalves Saliba UENP/FIO Tópicos da conferência • 1) A agressividade humana. Somos por natureza violentos? • 2) A escola e o processo civilizador: o nascimento da modernidade; • 3) A sociedade do consumo e a vida liquida na crise da modernidade; • 4) A escola na crise da modernidade; • 5) Formas de superar nossas frustrações Frases sobre a juventude: • 1. “A nossa juventude adora o luxo, é mal-educada, despreza a autoridade e não tem o menor respeito pelos mais velhos. Os nossos filhos hoje são verdadeiros tiranos. Eles não se levantam quando uma pessoa idosa entra, respondem aos pais, são simplesmente maus”. • 2. “Não tenho mais nenhuma esperança no futuro do nosso país se a juventude de hoje tomar o poder amanhã, porque esta juventude é insuportável, desenfreada, simplesmente horrível”. • 3. “O nosso mundo atingiu o seu ponto crítico. Os filhos não ouvem mais os pais. O fim do mundo não pode estar muito longe”. • 4. “Esta juventude está estragada até ao fundo do coração. Os jovens são maus e preguiçosos. Eles nunca serão como a juventude de antigamente…A juventude de hoje não será capaz de manter a nossa cultura”. • a primeira frase é de Sócrates (470-399 a.C.); • a segunda de Hesíodo (720 a.C.); • a terceira de um sacerdote do ano 2000 a.C.; • a quarta encontrou-se escrita num vaso de argila descoberto nas ruínas da Babilónia tendo mais de 4000 anos. 1) A agressividade humana. Somos por natureza violentos? • “A agressividade não é necessariamente destrutiva, de forma alguma. Ela surge de uma tendência inata de crescer e dominar a vida que parece ser característica de toda matéria viva. Somente quando a força vital tem seu desenvolvimento obstruído, os ingredientes do medo, raiva ou ódio passam a conectar-se com ela” • Antony Storr. A agressividade humana. São Paulo: Benvirá, 2012 Trágico paradoxo: • “As mesmas qualidades que conduziram a humanidade ao extraordinário sucesso são também as que provavelmente causarão a sua destruição. O ímpeto implacável do ser humano de subjugar ou destruir qualquer aparente obstáculo em seu caminho não para nem quando a ação atinge seus semelhantes (...) não possuindo aparentemente os mesmos mecanismos internos que evitam que os animais matem outros da mesma espécie (...)” • Antony Storr. A agressividade humana. São Paulo: Benvirá, 2012; Agressividade humana • “Pois esse mesmo impulso agressivo que nos leva aos conflitos e à violência também é a base da independência e das conquistas humanas” • “A menos que alguma mutação biológica altere o caráter geral do homem como espécie, é impossível acreditar que possa haver uma sociedade sem conflito ou competição; Antony Storr. A agressividade humana. São Paulo: Benvirá, 2012 Conversão da agressividade em ódio • 1- complexidade e dimensão de nossas instituições: quando um homem sente-se uma engrenagem descartável – sensação de impotência; • 2 – Grandes aglomerados de seres humanos são prejudiciais ao sentimento de valor pessoal; • 3 – A desigualdade social elevada é fonte de ódio e hostilidade; • 4 – Ausência de reciprocidade; • 5 – Possibilidades altas de posses de bens e propriedades e canais estreitos de ascenção social 2) A escola e o processo civilizador: o nascimento da modernidade • Pensar a educação escolarizada como um conjunto de práticas ligadas às demais práticas sociais, de modo a pensar que qualquer mudança que se passa na escola implica pensar como as coisas estão se passando no âmbito da sociedade. Desconhecer essa lógica pode frustrar nossas tentativas de melhorar o funcionamento da escola. • O PROCESSO CIVILIZADOR: Novos hábitos: valor do trabalho, controle das pulsões, Escola difusora dos novos hábitos....criar a modernidade. Família, escola e sociedade condicionando os indivíduos... A escola na modernidade: Principal instituição encarregada de construir um tipo de mundo chamado: MUNDO MODERNO. A escola e a normalização - Principio da realidade x Princípio do prazer: capacidade de adiar ou moderar sua satisfação, tendo em vista objetivos à longo prazo. - Renúncia ao instinto (Freud): civilizações impõe grandes sacrifícios: Prazeres da vida civilizada vêm com um pacote fechado com os sofrimentos... Sacrifícios com a sexualidade e com a agressividade. - Indivíduo normalizado (M. Foucault): aquele que se regule: em primeiro lugar pelo hábito criado pela mecânica dos gestos e condutas; em segundo lugar, pela culpa, pelo sentimento de desvio moral com relação ao social; em terceiro lugar, pelo julgamento de seus pares e iguais. Primeiro sistema de regulação cria consciência de que todos os predicados sentimentais, físicos e sociais são ahistóricos. O adulto domesticado por essa técnica não consegue imaginar que sua vida e seu modo de ser foram socialmente produzidos com fins político-econômicos precisos. (...) O indivíduo assim formado tende a reagir, diante de qualquer reação afetiva ou comportamental discordante de seu meio, com uma extrema sensação de desconforto e aflição. Qualquer dissintonia experimentada com relação aos valores socialmente canonizados é, em princípio, culpa sua. COSTA, Jurandir Freire. Ordem Médica e Norma Familiar. Rio de Janeiro: ed. Graal, 3ª ed. 1999. Sociedade dos produtores SOCIEDADE DOS PRODUTORES (fase sólido-moderna) - Século XX: Consumir mercadorias pesadas e duráveis como imóveis e joias, para remeter ao status de posse, poder, conforto e principalmente respeito pessoal. Possuir uma grande quantidade de bens duráveis remetia a segurança contra as incertezas do destino. Desta maneira, a segurança era a maior posse da sociedade dos produtores e o prazer de desfrutar era postergado, ou seja, nada era imediato. Esse comportamento fazia sentido na sociedade dos produtores, que acreditava na prudência e na segurança, sobretudo na durabilidade em longo prazo. BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: A transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008 Fabricação de um novo sujeito • Sujeito moderno: pensado e idealizado como projeto pelos idealizadores da modernidade: iluministas, higienistas etc. Esses pensadores, em especial Kant e depois Emile Durkheim, dão especial atenção à DISCIPLINA. “Bem antes de funcionar como um aparelho de ensinar conteúdos e de promover a reprodução social, a escola moderna funcionou – e continua funcionando – como uma grande fábrica que fabricou – e continua fabricando – novas formas de vida” (Alfredo Veiga-Neto – UFRGS) Homem civilizado • “A civilização se constrói sobre a renúncia ao instinto” [...]. O princípio de prazer está aí reduzido à medida do princípio de realidade e as normas compreendem essa realidade que é a medida do realista. “O homem civilizado trocou um quinhão das suas possibilidades de felicidade por um quinhão de segurança”. BAUMAN, Zygmunt. O Mal-Estar da Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. Construção do caráter • Caráter: “O termo caráter concentra-se sobretudo no aspecto a longo prazo de nossa experiência emocional. É expresso pela lealdade e compromisso mútuo, pela busca de metas a longo prazo, ou pela prática de adiar a satisfação em troca de um fim futuro. Da confusão de sentimentos em que todos estamos em algum momento em particular, procuramos salvar e manter alguns; esses sentimentos sustentáveis servirão a nosso caracteres. Caráter são os traços pessoais a que damos valor em nós mesmo, e pelos quais buscamos que os outros nos valorizem”. SENNETT, Richard. A Corrosão Do Caráter: consequências pessoas do trabalho no novo capitalismo. RJ: Record, 2012. 3) A “sociedade do consumo” e a vida liquida na crise da modernidade • “A síndrome consumista consiste antes de tudo na negação enfática da virtude da procrastinação, e da adequação e conveniência de retardar a satisfação [...]. Colocou o valor da novidade acima do valor da permanência. Encurtou drasticamente o lapso de tempo que separa o querer do obter [...], mas também abreviou o surgimento do anseio pelo seu desaparecimento, assim como a estreita brecha que separa a utilidade e a conveniência das posses de sua inutilidade e rejeição.” BAUMAN, Zygmunt. Vida Líquida. 2ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009. Sociedade de consumidores transição dessa concepção da “sociedade dos produtores” para a nova configuração da sociedade, apresenta uma mudança extremamente significativa no comportamento e nos desejos do indivíduo: Inicia a sociedade “à la carte”. O novo indivíduo consumista assume características líquidas e extrai a postergação do prazer de consumir e desloca-o para o imediato. O ponto durável das mercadorias é descartado por essa nova sociedade e não existe mais lealdade aos objetos que obtêm com a intenção de consumir. Os consumidores são bombardeados de todos os lados por sugestões de que precisam se equipar com um ou outro produto fornecido pelas lojas se quiserem ter a capacidade de alcançar e manter a posição social que desejam desempenhar, suas obrigações sociais e proteger a autoestima. Vida liquida • A vida líquida é uma forma de vida que tende a ser levada à frente numa sociedade líquido-moderna. A sociedade líquido-moderna é aquela em que as condições sob as quais agem seus membros mudam num tempo mais curto do que aquele necessário para a consolidação dos hábitos e rotinas, das formas de agir. A vida líquida, assim como a sociedade, não podem manter a forma ou permanecer em seu curso por muito tempo. [...] A vida líquida é uma vida precária, vivida em condições de incerteza constante, é uma sucessão de reinícios. Nessa vida, livrar-se das coisas tem prioridade sobre adquiri-las. É uma vida de consumo, projeta o mundo e seus fragmentos como objetos de consumo, ou seja, que perdem a sua utilidade enquanto são usados. BAUMAN, Zygmunt. Vida Líquida. 2ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009. • A “sociedade de consumidores” [...] representa o tipo de sociedade que promove, encoraja ou reforça a escolha de um estilo de vida e uma estratégia existencial consumistas, e rejeita todas as opções culturais alternativas. Uma sociedade em que se adaptar aos preceitos da cultura de consumo e seguilos estritamente é, para todos os fins e propósitos práticos, a única escolha aprovada de maneira incondicional. • BAUMAN, Z.2008. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008; Reflexos sociais da Vida liquida: - Provocar uma insatisfação constante – intolerância com o tédio; - Imediatismo x longo prazo; - Fanatismo pelo juvenil x resignação em ser adulto; - Princípio do prazer – imperando sobre o da realidade; - Liberalização dos instintos – favorecer o consumo; - Família tentacular x família nuclear; - Crise da autoridade (medo do autoritarismo); Segurança x felicidade • Na sociedade do consumo “os homens e mulheres trocaram um quinhão de suas possibilidades de segurança, por um quinhão de facilidade” BAUMAN, Zygmunt. O Mal-Estar da Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. Desconstrução do caráter • “Vejam a questão do compromisso e da lealdade. Não há longo prazo é um princípio que corrói a confiança, a lealdade e o compromisso mútuo. A confiança pode, claro, ser uma questão puramente formal, como quando as pessoas concordam numa transação comercial ou dependem de que as outras observem as regras de um jogo. Mas em geral as experiências mais profundas de confiança são mais informais, como quando as pessoas aprendem uma tarefa difícil ou impossível. Esses laços sociais levam tempo para surgir, enraizando-se devagar nas fendas e brechas das instituições.” 4 – A escola na crise da modernidade • Se a escola foi pensada como constituição da modernidade, com a modernidade em crise, qual é o papel da escola? O que significa essa CRISE DA ESCOLA?: “Notamos uma crise porque há um descompasso entre como ela está se apresentando (para nós) ou funcionando e como pensamos que ela deva ser ou como ela foi até pouco tempo atrás. Ou pode estar havendo um descompasso entre ela e e outras instâncias.” “Sentimos que há uma crise porque ela está cada vez mais DESENCAIXADA da sociedade” (Alfredo Veiga-Neto) Crise: escola desencaixada da sociedade • Modernidade: educação escolarizada como uma grande maquinaria encarregada de fabricar o sujeito moderno. Escola estava encaixada nesse modelo. • Sociedade contemporânea/liquida: Mundo mudou sem que a escola esteja acompanhando. Constata-se um descompasso entre a mudança social e a escola = SENTIMENTO DE CRISE. • Escola foi forjada para formar um tipo de indivíduo (sociedade de produtores/sociedade disciplinar), que não é o mesmo indivíduo contemporâneo (sociedade de consumidores/sociedade de controle) 5) Formas de superar nossas frustrações: . Evitar o saudosismo: voltar aos velhos currículos, às velhas práticas disciplinares dos corpos. O Saudosismo pode nos levar ao imobilismo e ao conservadorismo. . Não esperar que a escola deva dar respostas ao mundo: a escola esta dentro do mundo e é um reflexo da sociedade; . Não achar que se utilizarmos tecnologias novas estaremos nos reencaixando. O Desencaixe está na raiz da sociedade. . Escola ainda é, para os setores populares, um dos poucos espaços de dignidade (pais ainda confiam na segurança da escola); “O mundo em que vivo parece muito distante daquilo que eu gostaria de que ele fosse, mas, bem ou mal, é esse o mundo que tenho para viver. E viver só uma vez...” Alfredo Veiga-Neto