Impacto da Violência sobre a Saúde de Jovens em Situação de Risco Social e Perspectivas de atendimento às vítimas e seus familiares Patricia Constantino Claves/Fiocruz ► Situação de risco - condição de crianças e adolescentes que, por suas circunstâncias de vida, estão expostas à violência, ao uso de drogas e a um conjunto de experiências relacionadas às privações de ordem afetiva, cultural e socioeconômica que desfavorecem o pleno desenvolvimento biopsicossocial. ► Brasil - 180 milhões de pessoas - 62 milhões têm menos de 18 anos de idade, o que equivale a quase um terço de toda a população de crianças e adolescentes da América Latina e do Caribe. ► Crianças e adolescentes - grupo vulnerável às violações de direitos, à pobreza e à iniqüidade no País. Proporção de Crianças e Adolescentes Vítimas e Apreendidas no Estado do Rio de Janeiro - 2006 Crianças e jovens Vítimas da Violência ►Em 2000, ocorreram cerca de 199 mil homicídios juvenis (9,2 para 100 mil pessoas) em todo o mundo. Uma média de 565 crianças, adolescentes e jovens adultos, entre 10 e 29 anos morreram por dia como resultado da violência interpessoal. (OMS, 2002) ► Crianças e adolescentes vítimas no Estado do Rio de Janeiro em 2006: sexo feminino são as que mais sofreram agressões, atingindo o percentual de 53%; jovens de 16 a 17 anos e de cor branca. (ISP) Lesão corporal dolosa - 37% dos casos registrados. A ameaça aparece em segundo lugar (13,7%) - (ISP) Jovens protagonistas da Violência Fatores de risco para a violência juvenil: características psicológicas e comportamentais; relacionamentos: influências da família e dos colegas; fatores relacionados à comunidade gangues, armas e drogas; integração social e má distribuição de renda (Relatório Mundial sobre Violência e Saúde – Krug et al. 2002) . A participação em lutas físicas, comportamentos agressivos e porte de armas são comportamentos de risco importantes para a violência juvenil. Mapeamento Nacional sobre a Situação das Instituições que Aplicam Medidas Sócio-Educativas de Privação de Liberdade (Ipea e DCA, 2003) : ► Brasil - 10 mil adolescentes internos em instituições de privação de liberdade (12 a 21 anos). Existem menos de três adolescentes privados de liberdade para cada 10 mil adolescentes brasileiros. ► ► ► ► sexo masculino (90%); idade entre 16 e 18 anos (76%); raça negra (mais de 60%); fora da escola (51%) - quase 90% não concluíram o Ensino Fundamental sem trabalho (49%) ; 81% viviam com a família quando praticaram o delito. usuários de drogas (85,6%) - álcool e cocaína/crack Principais delitos : roubo (29,5%); homicídio (18,6%); furto (14,8%); e tráfico de drogas (8,7%). ► ► ► ► 66% vivem em famílias com rendimento mensal de menos de um até dois salários-mínimos. Situação das unidades de internação brasileiras ► Ambiente físico: 71% não são consideradas adequadas às necessidades da proposta pedagógica (inexistência de espaços, de atividades esportivas e de convivência; péssimas condições de manutenção e limpeza). Algumas unidades são mais voltadas para a manutenção da segurança do que para o desenvolvimento de proposta socioeducativa (características tipicamente prisionais). ► Educação escolar: 99% oferecem o Ensino Fundamental e 63% oferecem o Ensino Médio. A maioria o faz por meio da inserção de escolas públicas nas unidades. Dificuldades enfrentadas: inadequação da escola às especificidades dessa população; a pouca articulação com as outras atividades desenvolvidas na unidade; qualidade do ensino. ► 85% das unidades pesquisadas oferecem ações de “profissionalização” - realizadas de forma não sistemática e não inseridas em uma política estadual de profissionalização, dependendo da iniciativa de cada direção ou dos próprios funcionários, que ministram cursos de forma voluntária. ► Família e comunidade: 90% relatam que a proposta pedagógica incentiva a participação da família ou de pessoas com vínculo afetivo no processo socioeducativo. Entende como incentivo à participação familiar apenas o cumprimento do direito à visita. Influência da Comunidade ► As comunidades em que os jovens vivem, exercem uma importante influência sobre as suas famílias, a natureza de seus grupos de colegas e a maneira como eles podem ser expostos a situações que levam à violência. Os meninos de áreas urbanas estão mais propensos a se envolverem em comportamentos violentos, do que aqueles que vivem em áreas rurais. Aqueles que moram em bairros com elevados índices de criminalidade, têm maior probabilidade de se envolverem em comportamentos violentos. Souza e Constantino et al, 2006. Avaliação do Projeto Luta pela Paz - Maré – Rio de Janeiro . PNUD; OPS;MS; NEV; Claves 64 Luta/100 estudantes; box; luta livre; capoeira; inglês; informática; cidadania INDICADORES DA ÁREA E DOS MORADORES Parque União, Vila Pinheiros, Parque Maré, Baixa do Sapateiro, Nova Holanda, Complexo da Maré - formado por 17 Vila do João, Rubens Vaz, Marcílio Dias, comunidades Morro do Timbau, Conjunto Esperança, Salsa e Merengue, Praia de Ramos, Conjunto Pinheiros, Nova Maré, Roquete Pinto, Bento Ribeiro Dantas e Mandacaru Cerca de 114.000 habitantes; representa População 1% da população do município. Cerca de 33.000, mais concentrados nas Número de domicílios sub-regiões Maré Manguinhos e Maré Ramos Crianças de zero a 14 anos 30% Jovens de 15 a 24 anos 19,8% 54,4% da população total; 54,6% na faixa Pardos e negros de 15 a 24 anos Crianças fora da escola 8% Taxa de adultos analfabetos 13,4% (média brasileira - 13,3%) Proporção de pessoas com o ensino médio Maré (1,9%); cidade do Rio de Janeiro completo (13,1%) Média de anos de estudos dos jovens Maré (6,6); Rio de Janeiro (8,4) Cônjuges ou companheiros 16% da população de 15 a 24 anos Responsáveis pelo domicílio 13,9% da população de 15 a 24 anos 67,1% dos moradores PEA da Maré 2%; 0,6% no município do Rio de Janeiro, Trabalho infantil considerada como a capital com menor taxa de trabalho infantil no país R$ 216,13 (cerca de 1 ½ salário mínimo) Renda per capita média dos moradores em 2000 Jovem em situação risco (todos os de 15 a 67,7% da população na faixa de 15 a 24 24 anos que não completaram o ensino anos fundamental, estão fora da escola e do mercado de trabalho formal ou informal) Projetos sociais de prevenção da violência 18 VITIMIZAÇÃO DIRETA Maré Cardia (1999) Vitimização do jovem/parente próximo, no bairro, no último ano Luta pela Paz Estudantes Brasil 16 a 24 anos Rio de janeiro 16 anos ou mais Alguém o ameaçou com revólver 7,8 3,5 8,0 3,0 Alguém o ameaçou com faca 2,0 2,4 7,0 2,0 Alguém o agrediu com xingamento 48,0 51,8 29,0 18,0 Algum policial ou autoridade o ameaçou para tirar-lhe dinheiro 23,1 11,9 3,0 4,0 Sofreu algum tipo de agressão ou maus tratos policiais 17,6 7,2 7,0 4,0 Mudou de casa por medo ou ameaça de violência 6,0 6,0 5,0 2,0 35,3 22,6 17,0 6,0 3,9 1,2 2,0 - Sentiu necessidade de andar armado 15,7 8,3 9,0 5,0 Alguém pediu informações sobre como comprar drogas 51,9 37,8 8,0 1,0 Você ou parente próximo foi ameaçado de morte 15,7 15,5 16,0 7,0 Algum parente próximo foi ferido por arma de fogo ou faca 23,5 20,2 8,0 6,0 Algum parente próximo foi seqüestrado 8,0 3,6 1,0 - Algum parente próximo foi assassinado 23,5 21,2 7,0 4,0 Sofreu agressão física de desconhecido (tapa, soco, etc) 17,6 14,3 Sofreu agressão física por colega ou amigo da mesma idade 21,2 15,7 12,0 3,0 Sofreu agressão física por membro da família 11,8 16,7 Alguém lhe ofereceu drogas Foi ferido por arma de fogo, como revólver O JOVEM COMO PROTAGONISTA DE VIOLÊNCIA Protagonismo de violência do jovem, no último ano Participou de briga na escola* Participou de grupo que agrediu fisicamente uma única pessoa Participou de grupo que agrediu fisicamente outro grupo Começou uma briga com outra pessoa Roubou alguma coisa Arrombou algum lugar para roubar Foi preso por vender drogas Recebeu dinheiro por bens roubados Vendeu drogas ou trabalhou no tráfico de drogas Ameaçou alguém com arma de fogo Ameaçou alguém com qualquer tipo de arma Forçou alguém a ter relação sexual com você Luta pela Paz 1 vez Nunc ou a N mais (%) (%) 50 62,0 38,0 Alunos da escola 1 vez Nunca ou N (%) mais (%) 88 80,7 19,3 51 94,1 5,9 87 97,7 2,3 51 96,1 4,0 85 98,8 1,2 50 51 51 51 51 72,0 96,1 98,0 100,0 94,1 28,0 4,0 2,0 5,9 85 85 85 85 83 83,5 92,9 98,8 100,0 92,8 16,5 7,1 1,2 7,2 51 98,0 2,0 84 100,0 - 51 100,0 - 84 100,0 - 51 100,0 - 84 97,6 2,4 50 100,0 - 84 100,0 - * Diferença estatisticamente significativa (p = 0,056). Os jovens do Luta têm maiores proporções de violência, exceto xingamento, parente que sofreu agressão sexual e ser agredido por familiar. As formas mais leves de violência ocorrem mais entre os escolares. Os jovens do Luta têm maior exposição a violências perpetram violências menos graves que os escolares; Se envolvem mais em brigas, mas usam menos armas. mais severas e Centro Educacional e Esportivo Luta pela Paz ► Intervenção pensada para comunidade com violência armada, atinge em muitos aspectos que afetam a identidade juvenil: Foco bem definido; atinge a subjetividade dos jovens e propicia o crescimento e o desenvolvimento interior dos jovens; tem uma pedagogia de trabalho adequada; oferece referencial integrador; amplia e aprofunda as potencialidades dos participantes; utiliza o jargão da “luta” para o fortalecimento da paz social, grupal e pessoal; atua com o protagonismo juvenil; trabalha a disciplina comportamental, intelectual e social de forma positiva; retira os jovens do “ghetto” familiar e comunitário colocando-os num ambiente cultural mais complexo, diferenciado e plural. PREVENÇÃO E ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO ► Aproximadamente cento e cinqüenta programas de prevenção do crime e da violência estavam em funcionamento no Brasil em 2004. São propostas de ação bastante diversificadas e envolvem escola, família, comunidade, polícia, mídia, justiça e saúde (Mesquita Neto et al , 2004) ► No Brasil, a partir da década de 1990, várias ações de intervenção preventivas vêm ocorrendo em espaços comunitários. Ações e estratégias que podem atuar positivamente nas comunidades onde há baixo investimento social são: a) implementação de programas sociais com diferentes focos; b) investimento no espaço urbano; c) incentivo à organização e melhoria no ambiente comunitário; d) oferta de oportunidades de esporte, lazer e cultura; e) aproximação da escola com a comunidade; f) formação e capacitação de jovens para intervirem construtivamente em suas próprias localidades; g) articulação de programas, serviços, órgãos governamentais e entidades comunitárias com definição de papéis e atribuições dos diferentes atores envolvidos com a prevenção da violência. h) elaboração e implementação de planos focalizados de segurança pública. ► Características dos projetos sociais com jovens: baseados na comunidade ou ligados a ela; atuarem sobre as influências e fatores de risco locais; estarem integrados e personalizados; incluírem contra-influências às influências (fatores de risco) oferecendo outros modelos e valores; Envolverem membros próximos das famílias; integrarem crianças e jovens envolvidos e não envolvidos; educação combinada com o acesso ao mercado de trabalho, para permitir a ascensão social. Nem Guerra nem Paz – comparações internacionais de crianças e jovens em violência armada e organizada (Dowdney, 2005), Adolescência como “janela de oportunidades” (UNICEF, 2002)- o olhar para as potencialidades.