OS LIMITES DA FOCALIZAÇÃO E A
TRANSIÇÃO PARA UMA RENDA BÁSICA
DE CIDADANIA: o Bolsa Família no Brasil
Maria Ozanira da Silva e Silva
XIII International BIEN Congress
Basic Income Earth Network
São Paulo, julho, 2010
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO: contextualizando o Bolsa
Família (BF)
2 A FOCALIZAÇÃO DOS PROGRAMAS
SOCIAIS: problematizando concepções,
limites e possibilidades
3 O BOLSA FAMÍLIA: da focalização a uma
renda de cidadania
4 CONCLUSÃO: centralidade dos PTRs na
América Latina – o Bolsa Família no Brasil
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1 INTRODUÇÃO: contextualizando o Bolsa
Família (BF)
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O BF, criado em 2003, é o maior programa de
transferência de renda no Brasil, ocupa, com outros
programas de transferência de renda (PTR), a
centralidade do Sistema de Proteção Social.
Objetivos:
Combater a fome, a pobreza e as desigualdades por
meio da transferência monetária articulada a
programas estruturantes;
Promover a inclusão social das famílias beneficiárias.
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1 INTRODUÇÃO: contextualizando o Bolsa
Família (BF)
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Público alvo
Famílias extremamente pobres com renda per capita
familiar inferior a R$ 70,00;
Famílias pobres com renda per capita familiar
inferior a R$ 140,00.
Benefícios
Famílias extremamente pobres: benefício mensal
fixo de R$ 68,00 + benefício variável mensal de R$
22,00 por crianças e adolescentes de até 15 anos na
família, no máximo três, alcançando até R$ 134,00; 4
1 INTRODUÇÃO: contextualizando o Bolsa
Família (BF)
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Famílias pobres: benefício mensal variável de R$
22,00, pago conforme o número de crianças e
adolescentes de até 15 anos na família, no máximo
três, alcançando até R$ 66,00;
Benefício vinculado aos adolescentes de 16 a 17
anos de R$ 33,00 mensais, até dois adolescentes
por família, para sua manutenção na escola;
Benefício mínimo R$ 22,00, máximo R$ 200,00,
médio de R$ 95,00;
Participação em programas estruturantes: ações
complementares.
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1 INTRODUÇÃO: contextualizando o Bolsa
Família (BF)
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Alcance
Grande expansão geográfica com atendimento
crescente de famílias;
Implementado nos 5.565 municípios brasileiros e no
Distrito Federal desde 2006;
Até completar cinco anos, em outubro de 2008, já
havia investido R$ 41 bilhões; a metade na Região
Nordeste, a mais pobre do país;
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1 INTRODUÇÃO: contextualizando o Bolsa
Família (BF)
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Em 31/03/2010 famílias atendidas: 12.548.861;
Orçamento em 2010: cerca de um bilhão de reais
por mês.
Condicionalidades:
Educação: manter crianças e adolescentes de 7 a
17 anos na escola; frequência regular mínima de
85%;
Saúde: vacinação de crianças de 0 a 6 anos;
frequência de mulheres gestantes a exames de
rotina.
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2 A FOCALIZAÇÃO DOS PROGRAMAS
SOCIAIS: problematizando concepções,
limites e possibilidades
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Focalização: “direcionamento de recursos e
programas para determinados grupos, considerados
vulneráveis no conjunto da sociedade”;
Universalização: “processo de extensão de bens e
serviços essenciais, principalmente na educação e
na saúde, ao conjunto da população de uma
localidade, cidade, Estado ou País”;
Interrupção do Movimento pela Universalização de
direitos sociais no contexto das políticas neoliberais;
Aumento de pressões para adoção de programas
sociais focalizados em populações pobres e
extremamente pobres;
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2 A FOCALIZAÇÃO DOS PROGRAMAS
SOCIAIS: problematizando concepções,
limites e possibilidades
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Déficit público: principal causa dos problemas
econômicos;
Necessidade de equilíbrio fiscal mediante contenção
de gastos públicos;
Atenuar efeitos dos programas de ajuste estrutural:
pressão por políticas sociais focalizadas e
meramente compensatórias;
No Brasil, debate polarizado entre dois estilos de
política: a focalizada e a universal, o que não
significa tratar-se de um debate consensual.
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2 A FOCALIZAÇÃO DOS PROGRAMAS
SOCIAIS: problematizando concepções,
limites e possibilidades
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KERSTENETZKY, 2005
Focalização residualista, desvinculada dos
direitos sociais e referenciada na “justiça de
mercado”: as políticas sociais = ações residuais. A
verdadeira “política social” seria a política econômica
capaz de, a longo prazo, proceder às reformas
necessárias para inclusão de todos. Cabe ao
mercado promover uma ótima alocação dos recursos
econômicos, sendo a política social mera
coadjuvante do mercado, sem a devida vinculação
com os direitos sociais.
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2 A FOCALIZAÇÃO DOS PROGRAMAS
SOCIAIS: problematizando concepções,
limites e possibilidades
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Focalização como condicionalidade,
referenciada na justiça reparatória: identificação do
foco correto de um problema previamente
especificado, para “universalizar” o programa em
relação a sua população alvo. Focalização =
universalização relativa;
Focalização como ação reparatória, referenciada
na justiça distributiva: Corrigir injustiças passadas
alocando bens e serviços a determinados grupos
sociais, em razão de injustiças passadas. A
focalização é requisito para universalização de
direitos.
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2 A FOCALIZAÇÃO DOS PROGRAMAS
SOCIAIS: problematizando concepções,
limites e possibilidades
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Pereira (2003)
Relação entre políticas públicas e direitos sociais;
Antinomia entre os princípios e objetivos universais
e seletivos;
A focalização discrimina, humilha, envergonha,
estigmatiza os cidadãos, desconsidera a prevenção e
a universalidade;
A focalização é antagônica à universalização;
orienta-se pela concepção de pobreza absoluta e
limita o papel do Estado no campo da proteção
social.
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2 A FOCALIZAÇÃO DOS PROGRAMAS
SOCIAIS: problematizando concepções,
limites e possibilidades
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Concepção adotada: focalização e universalização
não são opostas, nem focalização é residualismo.
Perspectiva progressista/redistributiva,
discriminação positiva. É responsabilidade do
Estado, orienta-se pelas necessidades sociais e não
pela rentabilidade econômica; requer
complementaridade entre a Política Social e a
Política Econômica; demanda ampla cobertura; boa
qualidade dos serviços; estruturas institucionais
adequadas e pessoal qualificado.
Focalização = é universalização relativa quando
toda a população-alvo é incluída.
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2 A FOCALIZAÇÃO DOS PROGRAMAS
SOCIAIS: problematizando concepções,
limites e possibilidades
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Vários estudos sobre os PTRs no Brasil realçam o
poder de focalização no seu público-alvo (SOARES,
et al 2006; SOARES et al, 2007; SOARES, RIBAS;
OSORIO, 2007, PNAD 2004; PNAD 2006);SOARES;
É muito difícil expandir a cobertura de um programa
sem piorar o desempenho na seleção dos
beneficiários (RIBAS; OSORIO, 2007);
Outros estudos apresentam indicadores de indícios
de defasagem na focalização dos programas de
transferência de renda (IBGE PNAD 2004 e 2006).
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3 O BOLSA FAMÍLIA: da focalização a uma
renda de cidadania
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Indicadores de focalização
Concentração de famílias atendidas no Nordeste;
Situação das famílias que recebiam transferência de
programas sociais do governo comparadas com as
que não o recebiam: menor rendimento domiciliar
médio mensal; maior número de moradores por
domicílio; condições inferiores em esgotamento
sanitário, coleta de lixo, existência de telefone e
posse de bens duráveis; concentração em atividades
agrícolas; maior incidência de trabalhadores sem
carteira assinada; concentração na faixa etária de 0
a 17 anos de idade; diferenças de anos de
escolaridade e de analfabetismo; predominância de
pretos e pardos (IBGE PNAD 2004 e 2006);
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3 O BOLSA FAMÍLIA: da focalização a uma
renda de cidadania
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Defasagem da focalização
Em 2004, 8,7% de domicílios particulares sem ou
com renda de até ¼ do SM não recebiam
transferência de programa social do governo; em
2006, 4,7% sem rendimento e 10,3% com
rendimento de ¼ a ½ SM também não recebiam
essa transferência. Em 2004, 7,6% e, em 2006,
9,4% de domicílios particulares com rendimento per
capita a partir de 1 SM recebiam essa transferência
(IBGE PNAD 2004 e 2006).
MDS, (www.mds.gov.br acesso em 09/06/2010):
famílias cadastradas até 31/03/2010 – perfil BF 15.790.436; atendidas: 12.548.861; % de
atendidas: 79,47%; defasagem: 20,53%.
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3 O BOLSA FAMÍLIA: da focalização a uma
renda de cidadania
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Limites e dificuldades de operacionalização da
focalização
Aplicação de mecanismos e critérios justos capazes
de alcançar toda a população-alvo;
Caso brasileiro: território, diversidades econômica,
social e política, cultura patrimonial, favor e desvio;
quantidade de pequenos municípios: relações
pessoais tendem a sobrepor às institucionais;
Limites e falta de transparência dos critérios de
elegibilidade e dos benefícios;
Fragilidade na articulação do BF com programas
estruturantes e ações complementares.
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3 O BOLSA FAMÍLIA: da focalização a uma
renda de cidadania
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Adoção de uma Renda Básica de
Cidadania no Brasil
Lei 10.835/2004 (Senador Suplicy) sancionada em 8
de janeiro de 2004 instituiu uma Renda Básica de
Cidadania para todos os brasileiro e estrangeiros
residentes no Brasil há pelo menos 5 anos;
Implementação por etapa, começando pelos mais
pobres (BF), a critério do Poder Executivo;
Complexidade do processo por envolver diferentes
sujeitos, interesses e racionalidades;
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3 O BOLSA FAMÍLIA: da focalização a uma
renda de cidadania
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Argumentos desfavoráveis: econômico: o
montante de recursos é muito elevado; ideológico:
um programa de transferência de renda universal
tem um forte potencial de desincentivo ao trabalho.
Argumentos defensores: elimina a burocracia
excessiva dos programas focalizados; acaba com o
estigma e a vergonha; elimina a possibilidade de
dependência; eleva o nível de liberdade e dignidade;
é de fácil compreensão; é transparente e contribui
para a redução da desigualdade e eliminação da
pobreza.
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3 O BOLSA FAMÍLIA: da focalização a uma
renda de cidadania
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Persistência de amplo espaço de circulação
de argumentos conservadores, cujos
sujeitos protagonistas de destaque são a
mídia, segmentos das casas legislativas e
segmentos da própria sociedade brasileira.
Não é pessimismo nem se deve abrir mão
da luta em direção à diminuição da
desigualdade e da erradicação da pobreza,
mas precisamos ter clareza dos desafios a
serem enfrentados.
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CONCLUSÃO: centralidade dos PTR na
América Latina – o Bolsa Família no Brasil
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Desmonte da universalização pela focalização;
Maior visibilidade da pobreza, sem considerar suas
determinações estruturais;
Risco de limitar o debate e a intervenção à melhoria
das condições de vida dos pobres, mas mantendo,
controlando a pobreza e potencializando a
legitimação do Estado;
Ilusão: a pobreza será resolvida pela política social;
Secundarização do bem-estar estável, sustentável,
coletivo e universal;
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4 CONCLUSÃO: centralidade dos PTR na
América Latina – o Bolsa Família no Brasil
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Moralismo subjacente aos PTRs: dependência,
desestímulo ao trabalho e necessidade de
condicionalidades;
Centralidade na educação e na saúde - teoria do
capital humano, como se a educação fosse capaz de
romper com a pobreza por se só;
Destaque ao acesso sem a devida atenção na
expansão, democratização e melhoria dos serviços;
A natureza e o nível dos impactos nas famílias são
limitados ao atendimento de necessidades
imediatas, sem possibilitar mudanças mais
profundas no padrão de vida das famílias;
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4 CONCLUSÃO: centralidade dos PTR na
América Latina – o Bolsa Família no Brasil
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Consequências
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Manutenção da pobreza num dado patamar;
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Os PTRs servem mais para controle dos pobres;
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Inserção residual na sociedade de consumo.
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Mérito dos PTR: já não é uma política emergencial,
mas ainda não se transformou num direito; são
importantes para a população pobre que atende.
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