Cuidados de Saúde Primários Ministério da Saúde Portugal Coordenação Estratégica Governação Clínica e de Saúde em Cuidados de Saúde Primários O que é? Para que serve? Como fazer? Documento de trabalho em estudo – versão de 2011.05.25 Índice Conteúdos Pág. 1. Governação clínica e de saúde – O que é ? ……………………………………..…….…… 02 2. A governação clínica e de saúde como factor de motivação profissional …... 07 3. Onde se faz ? Quem faz ? …………………………………………………………………………….. 08 4. Como fazer ? - estratégias – métodos – instrumentos ……,…………………………… 09 5. A governação clínica e de saúde no contexto da reforma dos CSP …………… 11 6. Modelo integrado para o desenvolvimento organizacional dos ACES ………… 13 7. Referências ……………………………………………………………………………………………………. 15 Texto elaborado a partir de documentos de trabalho do Grupo DiCCA (Dinamização dos Conselhos Clínicos dos ACES da ARSLVT) produzidos em 2008/2009, bem como de contributos posteriores recolhidos em workshops, conferências, reuniões de trabalho e sessões de formação ao longo de 2010 e de 2011. 1 [email protected] Maio de 2011 1 1. O que é? Governar vem da palavra grega “kubernân” que significa pilotar. Recorrendo à metáfora da navegação e da pilotagem, assume-se que a sua finalidade é a de conduzir o barco ao local de destino, em segurança e com a máxima eficiência de meios possível. Conduzir o barco com elegância e qualidade é o meio para o fazer. Porém, a finalidade é chegar ao porto de destino. Também num jogo de futebol o objectivo é: marcar golos e ganhar o desafio. Jogar bem (com qualidade) é o meio para obter bons resultados, porque só por acaso se ganham jogos jogando mal. Mas não devemos confundir os meios (jogar bem) com os fins (ganhar o desafio). De igual modo, o fim da governação clínica e de saúde em cuidados de saúde primários (CSP) é o de guiar as equipas para alcançar os resultados clínicos e de saúde desejados. O que implica: Definir os resultados a alcançar; Definir os níveis desses resultados (qualitativo ou quantitativo); Definir a forma e os meios para o fazer; Executar; Verificar passo a passo se está tudo a correr como previsto e corrigir rotas, meios e modos de fazer (monitorização e controle); Avaliar no final se os objectivos desejados foram atingidos, e quanto. Os resultados finais a atingir são, essencialmente, de oito tipos: 1. Potencial de saúde - melhorar as defesas, o potencial de saúde das pessoas e a auto-percepção dos seus estados de saúde; 2. Determinantes da saúde - reduzir ou controlar factores que possam determinar a ocorrência de doenças, acidentes ou morte; 3. Doenças agudas - ajudar a resolver e/ou a encurtar episódios agudos de doença e consequente sofrimento; 4. Doenças evitáveis - reduzir ocorrência de doenças evitáveis, num dado período de tempo; 5. Doenças crónicas - reduzir ou controlar a ocorrência de sofrimento / consequências/complicações de doenças; 6. Mortes prematuras evitáveis - reduzir o número de mortes prematuras evitáveis (com os meios disponíveis); 7. Qualidade de vida - aumentar os níveis de funcionalidade e de qualidade de vida relacionados com a saúde; 8. Esperança de vida com qualidade - aumentar o número de anos vividos com qualidade. Estes resultados devem referir-se a situações ou problemas precisos e específicos e devem poder ser avaliados. Quer por medições quantitativas, quer recorrendo a métodos qualitativos válidos. 2 Governança ou governação clínica e de saúde nos CSP (… e não apenas clínica) O conceito de governação clínica e de saúde (GCS) combina duas ideias: Melhorar os níveis de saúde e obter resultados clínicos a nível individual (cada pessoa) + Obter resultados de saúde de âmbito grupal ou populacional. Este modo de ver integra a concepção da “clinical governance” iniciada no Reino Unido, em 1997, com a corrente de “health governance” orientada para objectivos de ganhos de saúde e de bem-estar a nível de grupos e de populações. Inclui, assim, as áreas da saúde pública e as da intervenção em saúde comunitária.2-7 Em relação à terminologia, há quem prefira usar o termo governança (que teve, antigamente, um sentido pejorativo). Outros preferem a palavra governação. Para efeitos práticos poderemos aceitar que: - governança seja usada para referir a teoria, os princípios e valores, os conhecimentos, a disciplina, os métodos; - governação diga respeito à prática, ao acto de governar, de “pilotar” no terreno. Propostas de definição A GCS é difícil de resumir em definições. Contudo, podem tentar-se aproximações como as que a seguir se apresentam. Governança ou governação clínica e de saúde em CSP é: Um sistema de conhecimentos, de atitudes e de práticas de pilotagem clínica individual, de equipas e de serviços para obter resultados em termos de efectividade com equidade (ganhos em saúde) para as pessoas, famílias e comunidades, com o envolvimento de todos, através da melhoria contínua da qualidade dos processos assistenciais e de intervenção em saúde. Numa sessão de formação do Projecto PRAGIR, que decorreu em S. Domingos de Rana, em 23 de Janeiro de 2010, os participantes forneceram contributos para uma definição, os quais estão sistematizados no Quadro I. 3 Quadro I Governação Clínica e de Saúde em CSP (Quadro elaborado com contributos dos participantes na sessão de formação do Projecto PRAGIR (S. Domingos de Rana – 23 de Janeiro de 2010) O que é? Um processo que permite “fazer chegar a nave a bom porto com todos a remar na mesma direcção” Porquê? Porque existem problemas específicos para resolver e necessidades específicas de saúde a requerer respostas adequadas Para atingir objectivos ou resultados em termos de: Para quê? Quem? Quando? - Efectividade (ganhos em saúde) - Eficiência (conseguir esses “ganhos” com o menor custo possível, sem desperdícios ou gastos desnecessários) - Equidade – reduzir desigualdades inaceitáveis em saúde - Qualidade – melhoria contínua - Motivação e satisfação dos profissionais - Capacitação e autonomia dos utentes - Satisfação dos utentes Mobilizando e envolvendo todos Todos os dias - ao longo de todo o ano - por ciclos plurianuais Definindo os processos essenciais (assistenciais e de intervenção em saúde) = “mapa geral da cidade do desempenho” Identificando prioridades para intervenções específicas Definindo objectivos e metas a atingir Estabelecendo e normalizando boas práticas individuais e de equipa (incluindo orientações para a sua flexibilização e adequação caso a caso) Como? Monitorizando o desempenho através de indicadores seleccionados Introduzindo medidas correctoras, quando necessário Definindo e executando projectos específicos (limitados no tempo e com objectivos ou “produto final” bem delimitados) que estimulem e ajudem a alavancar a GC&S Desenvolvendo o trabalho em equipa e apoiando-se nele Estudando e aplicando princípios e estratégias que estimulem a motivação, o envolvimento e a responsabilidade de todos os profissionais – ênfase no desenvolvimento profissional contínuo Recorrendo a métodos e a técnicas padronizados tais como: auditorias, ciclos de qualidade, gestão do risco clínico, segurança do doente e dos profissionais, inovação de processos, entre outros Aplicando uma cultura e práticas de avaliação, a todos os níveis Onde? Em todos os níveis da organização de saúde - individual, equipas, unidade, serviço e organização 4 Retomando a metáfora da navegação e da pilotagem a Figura 1 ilustra os pilares essenciais da GCS em cuidados de saúde primários: - as pessoas (tanto os utentes como os profissionais) são o pilar nobre essencial no qual se centram e focalizam todos os processos de GCS; - a equipa de “pilotagem” ou de governação deve possuir as competências indispensáveis para cumprir com sucesso a sua missão; - os “pontos de partida” são os problemas e as necessidades de saúde, e sua priorização, para os quais se organizam respostas adequadas; - os “pontos de chegada”, isto é, dos objectivos e metas a atingir; - os caminhos/percursos mais adequados a seguir, isto é, a escolha das melhores estratégias para atingir os resultados desejados; - selecção e uso correcto de métodos e instrumentos de navegação para garantir um bom controle e condução do processo ao longo do tempo; - um sistema de monitorização que permita verificar, ao longo do percurso, que a “nave” mantém o sentido, o rumo e o ritmo de progressão adequados para atingir a tempo e em segurança o destino desejado; - um modelo de avaliação que permita ajuizar, no final, o grau de sucesso atingido; - para que tudo seja possível, é necessário um bom sistema de informação, no qual a qualidade dos registos clínicos desempenha um papel crucial. PESSOAS e Sistema de “pilotagem” Pontos de partida Chegada / destinos - problemas - necessidades - objectivos - metas Caminhos – percursos Opções quanto ao modo de os percorrer = estratégias Meios e instrumentos de “navegação” = métodos, técnicas e instrumentos de governação clínica Avaliação Monitorização Sistema de informação ( e… a importância crucial dos registos clínicos) Figura 1 - Pilares essenciais da governação clínica e de saúde em cuidados de saúde primários. 5 Num workshop promovido pela APMCG sob o tema “Governação Clínica e de Saúde em MGF e em CSP” realizado no âmbito do “Projectar uma Década 2011-2020”, o qual teve lugar em Peniche no dia 8 de Maio de 2010, os participantes geraram contributos detalhados que permitiram delinear o Diagrama apresentado na Figura 2. Figura 2 – Oito componentes essenciais da governação clínica e de saúde em MGF e em CSP (APMCG 2010). A lógica da arquitectura do diagrama da Figura 2 é a seguinte: no eixo vertical dispõem-se os propósitos (“purposes”) e os processos de prestação de contas (“accountability”); no campo direito concentra-se a componente humana: as pessoas (“people”) e seu desenvolvimento, motivação, realização e satisfação; no campo esquerdo figuram os processos (“processes”) e seu aperfeiçoamento e desenvolvimento contínuos. O diagrama segue o modelo de desenvolvimento organizacional conhecido internacionalmente como "Modelo 3P" (purposes, people, processes), que se apresenta e discute mais adiante. A GCS pode, ainda, ser vista segundo quatro perspectivas complementares : como visão e filosofia de acção clínica e em saúde; como missão; como função e ciclo de procedimentos; como conjunto de actividades sistemáticas (Quadro II). 6 Quadro II Modos de ver e de perspectivar a governação clínica e de saúde Como visão e filosofia de acção Visão dos resultados, definidos em termos positivos de saúde e bem-estar, e filosofia da produção de valor para as pessoas e para as comunidades Como missão Missão de favorecer ou criar contextos espaços e oportunidades para que todos vejam claramente e actuem consequentemente em função de finalidades, sentido e rumo comuns Como função com A GCS enquanto função profissional específica, frequentemente ciclos de coexistente com funções profissionais assistenciais directas, procedimentos com calendário temporal, critérios de sucesso e avaliação de desempenho Como conjunto de actividades sistemáticas Domínio técnico de um conjunto de actividades padronizadas e/ou adaptáveis a cada contexto concreto, e de métodos e instrumentos aceites e validados pela comunidade científica Nota: Qualquer que seja a perspectiva adoptada, é sempre necessário monitorizar e avaliar as mudanças conseguidas (desejavelmente melhoria contínua) 2. A governação clínica e de saúde como factor de motivação profissional O ser humano (médico ou outro) é um ser teleológico. Está-lhe na sua natureza humana. Isto é, necessita sentir que se move em direcção a finalidades claras, a objectivos concretos. Sejam eles quais forem. Necessita que a sua vida (incluindo o que faz como médico, por exemplo) faça sentido, que os seus passos tenham um rumo, que não se sinta à deriva na rotina repetitiva do dia-a-dia profissional. A GCS pode trazer esta mais-valia. Contribui para dar finalidade, sentido e rumo àquilo que se faz. E, ao mesmo tempo, com importantes benefícios para os cidadãos. É o que se pode chamar uma estratégia “win-win”. E isso já sem falar dos processos de reconhecimento e incentivos que lhe podem estar associados. 7 3. Onde se faz? Quem faz? Tal como enunciado no Quadro I, a GCS faz-se a todos os níveis, individual, da equipa, do conjunto de equipas, da organização. Porém, parece ser consensual que o foco-chave central da GCS em CSP é cada equipa multiprofissional de saúde. Destas, destacam-se as equipas de saúde familiar (USF e UCSP) pelo seu número e missão abrangente na saúde pessoal e familiar dos utentes. Nível individual A nível individual, cada profissional pode e deve gerir e pilotar o seu próprio desempenho. O médico de família pode, por exemplo, fazer uso de um conjunto de actividades, métodos e instrumentos para atingir e demonstrar os melhores resultados clínicos e de saúde que for possível, num dado contexto, para cada um e para o conjunto dos seus pacientes (ver tipos de resultados - página 1). A avaliação desses resultados terá em conta os constrangimentos, limitações e factores inerentes a cada situação. Mas este nível é demasiado micro para lidar com boa parte dos resultados de saúde e para os tornar tangíveis. Nível institucional - ACES O nível do ACES e, portanto, dos seus conselhos clínicos, é óptimo para observar e monitorizar os macro-indicadores de saúde. Porém, fica demasiado distante para influenciar práticas e desempenhos individuais e de equipa. Assim, o papel dos conselhos clínicos deve ser, sobretudo o de apoiar e garantir que todas as equipas/unidades de cada ACES se capacitam para fazer (eles sim!) GCS ao seu nível. Cada conselho clínico deve ser uma equipa exemplar e funcionar como o “maestro” de uma “orquestra” descentralizada de governação clínica e de saúde,. É esta orquestra que, efectivamente, executa a música da GCS. Orquestra que envolve todos os coordenadores das diferentes unidades funcionais, todos os elementos dos conselhos técnicos das USF e todos os profissionais que disponham de autonomia técnica no seu desempenho. No conjunto, estarão envolvidos médicos de família, enfermeiros, médicos de saúde pública, médicos dentistas e profissionais como, por exemplo, psicólogos, nutricionistas, técnicos superiores de serviço social, fisioterapeutas, higienistas orais, entre outros. A GCS a nível dos ACES deve assegurar a convergência de três linhas essenciais para a saúde dos cidadãos e das comunidades: cuidados centrados na pessoa e na família (USF e UCSP); intervenções em grupos com necessidades especiais de saúde, na comunidade (UCC e USP); abordagens de âmbito epidemiológico e populacional (USP). Estas perspectivas estão presentes nos conselhos clínicos (presidente e vogais) através de competências em medicina geral e familiar, em saúde 8 pública, em enfermagem de família e comunitária e noutras disciplinas relevantes nos CSP. Nível das equipas / unidades funcionais A GCS, quando focalizada no nível “equipa multiprofissional” abre amplas oportunidades e possibilidades de intervenção. Assim, os resultados clínicos e de saúde ao nível da equipa de saúde familiar ampliam a visão individual e referem-se a um conjunto de cidadãos na escala da dezena de milhar. A governação clínica e de saúde nos ACES deve ter os seus núcleos essenciais ao nível de cada equipa / unidade funcional. Nas USF, cabe ao conselho técnico, a nível micro, actuar como promotor, facilitador e “maestro” da GC&S a nível da sua unidade. 4. Como fazer a governação clínica e de saúde? (estratégias, métodos e instrumentos) Fins, estratégias e meios devem ser claros para todos e estar bem alinhados. Dominar os meios sem compreender as estratégias nem ter uma visão clara dos fins é apenas agitação desnorteada. Compreender os fins e as estratégias sem dominar os meios pode ser especulação inconsequente. Quanto às estratégias, propõe-se a convergência das seguintes: a) Capacitação – desenvolver estratégias de promoção de autonomia e de capacitação tanto dos utentes como dos profissionais a todos os níveis; b) Equipa – promover o trabalho em equipa como o paradigma de actividade a todos os níveis, começando pelo conselho clínico, como equipa exemplar; c) Qualidade e objectivos “SMART” - envolver todos os profissionais, mobilizando-os para abraçar uma cultura de Qualidade de serviço e habituar-se a definir e atingir objectivos “SMART” * (gestão com objectivos); d) Organização aprendente - fazer dos ACES e de cada uma das suas unidades organizações capazes de aprender, de inovar e de evoluir. e) Interfaces – dar atenção ao meio envolvente e às interfaces com a comunidade, com os hospitais e com as unidades de cuidados continuados, designadamente para assegurar uma boa continuidade de cuidados; 8,9 Nota: Um objectivo “SMART“ cumpre os seguintes requisitos: S = “specific” – é específico, concreto, preciso; M = “measurable” – é possível “vê-lo” ou medi-lo; A = “achievable” – é exequível, realista, atingível; R = “relevant” – é relevante; faz sentido para os profissionais, para os utentes e para os responsáveis pela gestão do sistema de saúde; T = “time” – está definido um prazo para a sua execução. 9 A governação clínica e de saúde pode avançar por passos seguros, em todos os níveis. É uma oportunidade para superar a gestão burocrática e o centralismo, que perdem a noção dos fins, têm pouca consideração pelas pessoas e ignoram os métodos e os instrumentos da Qualidade. A boa GCS baseia-se numa abordagem descentralizada multinível, com autonomia na linha da frente. Estimula o brio, a criatividade e o envolvimento entusiástico de todos. Os seus princípios, estratégias e práticas estarão presentes em todos os pontos da organização. Esta abordagem descentralizada e participativa envolve e inspira os profissionais e, como consequência, influencia os processos e os resultados do conjunto. Os principais métodos e instrumentos estão sistematizados no Quadro III. Quadro III Métodos e instrumentos da governação clínica e de saúde Pilares essenciais Meios (métodos e instrumentos) Métodos e instrumentos para medir e avaliar: “Purposes” (visão; fins; resultados; “outcomes”; ganhos em saúde) efectividade (resultados: imediatos, intermédios e finais ou de impacto) eficiência equidade dos cuidados e das intervenções Estratégias de capacitação, motivação e envolvimento “People” (pessoas: profissionais, utentes e parceiros da comunidade) a) Formação e desenvolvimento profissional contínuo b) Métodos e instrumentos para medir e avaliar a satisfação dos profissionais (e dos utentes) c) Métodos e instrumentos para medir e avaliar a literacia capacitação e “empowerment” dos utentes em saúde Arquitectura e gestão de processos clínicos e de processos de intervenção em saúde comunitária e populacional “Processes” (Melhoria contínua da QUALIDADE dos processos) Elaboração ou adaptação de guias de prática clínica, NOC ou “guidelines” relacionados com os processos definidos Implementação das referidas guias de prática clínica, NOC ou “guidelines” Definição de sistemas de indicadores (multidimensionais) Auditorias clínicas Gestão do risco clínico e segurança dos doentes Desenho e implementação de sistemas de monitorização e controle de desempenho (automáticos e não-automáticos) Gestão de projectos específicos Investigação nas várias áreas da GCS 10 5. A governação clínica e de saúde no contexto da reforma dos CSP Antecedentes Os centros de saúde e a saúde comunitária têm, em Portugal, uma história com cerca de 40 anos.10-14 Esta experiência tem convergido com cerca de 30 anos de desenvolvimento da medicina pessoal e familiar na comunidade.15-19 A integração destes dois processos tem sido uma marca distintiva dos cuidados de saúde primários (CSP) em Portugal e da sua evolução. 20-27 O que está a mudar nos CSP em Portugal? Em Outubro de 2005 a Missão para os Cuidados de Saúde Primários (MCSP), criada pela Resolução do Conselho de Ministros nº 157/2005, de 12 de Outubro, definiu as “Linhas de Acção Prioritária para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários” com oito áreas: • Reconfiguração e autonomia dos centros de saúde; • Implementação de unidades de saúde familiar; • Reestruturação dos serviços de saúde pública; • Outras dimensões da intervenção na comunidade; • Implementação de unidades locais de saúde; • Desenvolvimento dos recursos humanos; • Desenvolvimento do sistema de informação; • Mudança e desenvolvimento de competências. O desenvolvimento destas linhas de acção centra-se: a) na reorganização dos centros de saúde, em que o modelo hierárquico de comando e controle vertical passa a coexistir e tem de adaptar-se e respeitar uma rede de equipas autónomas, ao mesmo tempo que se desenvolvem relações de contratualidade e de responsabilidade por processos e por resultados, a todos os níveis; b) na criação de órgãos próprios de gestão a nível local, nos CSP. Esta arquitectura organizacional inerente à reforma dos cuidados de saúde primários, impulsionada em 2005, combina hierarquia e pluriarquia e assenta nas vertentes que estão sistematizadas no Quadro IV. 11 Quadro IV Vertentes da reforma dos CSP (2005 - … ) Equipas com carácter estrutural permanente e com missões diferenciadas específicas: 1. Rede descentralizada de equipas/unidades multiprofissionais cuidados à pessoa e à família – unidades de saúde familiar (USF) e unidades de cuidados de saúde personalizados (UCSP); cuidados a grupos com necessidades especiais e intervir selectivamente na comunidade – unidades de cuidados na comunidade (UCC); intervenções no meio físico e social e acções com alcance populacional – unidade de saúde pública (USP). 2. Descentralização da gestão para o Através da constituição de agrupamentos de centros de saúde (ACES) com directores executivos e conselhos executivos nível local 3. Para os rentabilizar e/ou obter economias de escala: Concentração de - gestão de recursos - unidade de apoio à gestão (UAG); meios e recursos - apoios multidisciplinares específicos às unidades funcionais unidade de recursos assistenciais partilhados (URAP) escassos 4. Governação clínica e de saúde (GC&S) 5. Participação da comunidade Desenvolvimento de um sistema de pilotagem técnico-científica envolvendo todos os profissionais sob orientação dos conselhos clínicos dos ACES Ênfase e reforço da participação da comunidade através de órgãos como o gabinete do cidadão e o conselho da comunidade 12 6. Modelo integrado para o desenvolvimento agrupamentos de centros de saúde organizacional nos Os conceitos e propostas atrás apresentados colocam a ênfase num modelo humanista de desenvolvimento organizacional designado por “3P”: “Purposes” – Propósitos ou fins, em termos de efectividade com equidade (resultados; “outcomes”; ganhos em saúde); “Persons” – Participação e envolvimento de todos (profissionais, utentes e comunidade); “Processes” – Organização e sistematização das práticas profissionais em Processos coerentes, alinhando-as com os objectivos a atingir e melhorando-as continuamente. Combinando este modelo com o da gestão organizacional do tipo “3S” (“systems”; “structures”; “strategies”) dirigida à rede de unidades, ao todo do agrupamento de centros de saúde (ACES) e às relações com a envolvente, atinge-se um modelo de governação integrada (Figuras 3 e 4).30 Vertentes e pólos estratégicos da governação do ACES Conselho da comunidade Contratualização Liderança Institucional Gestão organizacional Unidades funcionais Comunidade Governação clínica e de saúde Apoio Contexto Figura 3 – Diagrama ilustrativo do sistema de governação integrada (organizacional e clínica) nos cuidados de saúde primários em Portugal 13 Governação integrada nos agrupamentos de centros de saúde (ACES) Conselho da comunidade “3S” Systems Structures Strategies Conselho executivo Contratualização Gestão organizacional Comunidade Unidade de Apoio à Gestão (UAG) Liderança Institucional “3P” Purposes Persons Processes Governação cínica e de saúde Unidades funcionais Conselho clínico Apoio hierarquia + pluriarquia Figura 4 – Órgãos e enfoques do sistema de governação integrada nos ACES A governação clínica e de saúde surge, assim, como um elemento central da vida das equipas multiprofissionais. Promove o desenvolvimento de uma cultura técnico-profissional com significado para as profissões de saúde, confere sentido àquilo que se faz e reúne os instrumentos indispensáveis para a melhoria contínua da qualidade dos processos e das práticas profissionais. 14 7. Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30. Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo / MCSP. Projecto de Dinamização dos Conselhos Clínicos dos ACES. Governação Clínica e de Saúde em Cuidados de Saúde Primários. Lisboa: ARSLVT, 2009 (documentos de trabalho disponíveis em: http://www.healthaction21.eu). Rosen R. Clinical governance in primary care – Improving quality in the changing world of primary care. BMJ 2000; 321: 551-4. Campbell SM, Sheaff R, Sibbald B et al. Implementing health governance in English primary care groups/trusts: reconciling quality improvement and qualiy assurance. Qual Saf Health Care 2002; 11: 9-14. 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