JOÃO BATISTA DE FIGUEIREDO
SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DAS DECISÕES JUDICIAIS PROFERIDAS
CONTRA O PODER PÚBLICO
(notícia histórica, legislação e natureza jurídica)
Artigo apresentado como exigência para a conclusão do Curso de PósGraduação em Direito Processual Civil, sob a orientação do Professor
DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES.
Fundação Escola Superior do Ministério Público Federal - FESMPDFT
BRASÍLIA - 2008
1
1
Notícia histórica e evolução legislativa.
É muito provável que a existência do instituto da Suspensão de Segurança1
no Brasil decorra de inspiração romana2. É que, no período formulário do direito romano, a
sentença prolatada produzia coisa julgada logo após ser proferida pelo juiz popular, não
havendo a possibilidade de ser reformada pelo mesmo juiz ou por outro3. Entretanto,
“indiretamente podia a parte vencida chegar a resultado a que modernamente se atinge com
recursos”4. Um desses mecanismos era o intercessio, que consistia no veto que um magistrado
fazia à exceção de um ato ordenado por outro. Por esse instituto, um juiz de igual ou superior
hierarquia poderia suspender a execução de um ato prolatado por outro magistrado5.
Outros países adotam medida similar à nossa, como na acción de amparo do
direito argentino, prevista no art. 2o, alínea “c”, da Lei n. 16.986/66. Assim também no art. 86
da Lei austríaca de 1945, que permite à Corte ordenar a suspensão da execução do ato
impugnado, se a medida ocasionar prejuízos à autoridade e ao interesse público. Na legislação
de outros países é possível encontrar a presença de institutos similares ao nosso, como no
recurso de amparo da Costa Rica, nos direitos suíço, germânico, e até em países da commom
law, como na legislação de alguns writs americanos6.
No Brasil, “a previsão legislativa do incidente de suspensão de execução de
decisão judicial tem sua origem histórica presa à ação de mandado de segurança, motivo pelo
1
A expressão “suspensão de segurança”, que surgiu no ordenamento jurídico pátrio para suspender os
efeitos de liminar em mandado de segurança, é atualmente termo genérico, utilizada não só para denominar o
instituto aplicado em mandado de segurança, mas também nas demais ações proferidas contra o Poder Público.
2
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Suspensão de Segurança: sustação da eficácia de decisão judicial
proferida contra o poder público. 1a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 72.
3
Entre os romanos a instância se dividia, até certa época, em duas fases: a in jure (perante o pretor) e a
apud judicem (perante o juiz popular designado pelo pretor). O pretor não julgava, apenas nomeava um judex
(juiz popular) para sentenciar. Este juiz não era funcionário do Estado. Ele ouvia as partes, em procedimento que
inicialmente primava pela oralidade. Com o correr dos tempos, surgiu o processo formulário, que criou as
seguintes modificações: o pretor já não se limitava a enviar as partes ao juiz popular, mas passou a fazê-lo
através de uma fórmula escrita (daí o nome de processo formulário) que fixava o objeto do litígio, só podendo o
juiz popular emitir o seu julgamento nos limites estabelecidos pela fórmula e não mais com a liberdade de que
antes dispunha. Quando as partes aceitavam a fórmula tal como estava redigida pelo autor, com a colaboração do
juiz e do réu, terminava a fase in jure e surgia a litis contestatio. Através dos tempos o pretor passou a ter o
poder de criar ações para os casos não previstos, o que fazia concedendo uma fórmula, e daí a denominação de
direito pretoriano ou jurisprudencial (v. Enciclopédia Jurídica Eletrônica Leib Soibelman, v. 2.0, 1998).
4
Apud RODRIGUES, Marcelo Abelha. Suspensão de Segurança: sustação da eficácia de decisão judicial
proferida contra o poder público. 1a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 72.
5
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Op.cit. p. 72.
6
Idem, pp. 73/74.
2
qual sua previsão legislativa expressa só surgiu com o advento do próprio mandado de
segurança”7.
Foi o texto da Constituição Federal de 1934 que trouxe, por assim dizer, a
“certidão de nascimento do mandado de segurança”8. O § 33 do art. 113 da Constituição de
19349 admitiu, pela primeira vez, o mandado de segurança em nosso ordenamento jurídico,
ação constitucional que veio a se tornar a razão propulsora das suspensões de que trata este
trabalho.
Com a previsão constitucional do mandado de segurança, veio a lume a Lei
n. 191, de 16 de janeiro de 1936, publicada no D.O. de 21 de janeiro de 1936, com o nítido
propósito de estabelecer os procedimentos a serem usados na impetração, tramitação e no
julgamento do mandado de segurança. Assim dispunha o art. 13 da referida lei:
“Art. 13. Nos casos dos arts. 8o, §9o10, e art. 1011, poderá o presidente da Corte Suprema,
quando se tratar de decisão da Justiça Federal, ou da Corte de Apelação, quando se tratar de
decisão de justiça local, a requerimento do representante da pessoa jurídica de direito
público interno interessada, para evitar lesão grave à ordem, à saúde ou à segurança
pública, manter a execução do ato impugnado até o julgamento do feito, em primeira ou
segunda instância.”
Assim, a idéia básica do art. 13 da Lei 191/36 era de manutenção do ato tido
como coator, determinando uma proteção provisória de clara proximidade com o instituto da
suspensão de eficácia, quer de sentença, quer de liminar, já que o texto fala em “decisão”,
que, de acordo com os arts. 8o, § 9o, e 10 da citada lei, tanto poderia ser initio litis ou final12.
7
Ibidem, p. 74.
8
OLIVEIRA, Francisco Antônio de. Mandado de Segurança e Controle Jurisdicional. 3a ed. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 25.
9
“CF-1934, Art. 113, § 33. Dar-se-á mandado de segurança para a defesa de direito incontestável ameaçado
ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade.”
10
“Art. 8o. A inicial será desde logo indeferida quando não for caso de mandado de segurança ou lhe faltar
algum dos requisitos desta lei. [...]
§9o. Quando se evidenciar, desde logo, a relevância do fundamento do pedido, e decorrendo do ato
impugnado lesão grave irreparável do direito do impetrante, poderá o juiz, a requerimento do mesmo impetrante,
mandar, preliminarmente, sobrestar ou suspender o ato aludido.”
11
“Art. 10. Julgando procedente o pedido, o juiz: [...]
Parágrafo único. Recebendo a cópia da sentença, o representante da pessoa jurídica de direito público, sob
pena de responsabilidade ou, no caso do art. 1o, parágrafo único, o representante da pessoa que praticou o ato
impugnado, sob pena de desobediência, dará imediatamente as providências necessárias para cumprir a decisão
judicial.”
12
VILLELA, Gilberto Etchaluz. A Suspensão das liminares e das sentenças contra o Poder Público. 1a ed.
Porto Alegre: Editora Síntese Ltda., 1998, pp. 29/30.
3
“Embora a interposição do recurso simultaneamente ao pedido de suspensão
ao Presidente não constitua hoje um pressuposto para a sua utilização, não se pode negar, ao
menos historicamente, que esse era o desejo do legislador, já que no anteprojeto original,
depois substituído e convertido nesse artigo desta lei, a expressão ‘do feito’ passou a ocupar a
expressão ‘do recurso’ constante no projeto original. O art. 5o, § 3o, do anteprojeto assim
dispunha: ‘Não terá efeito suspensivo o recurso da decisão que conceder o mandado. Se,
entretanto, o cumprimento imediato acarretar dano irreparável à ordem ou à saúde pública ou
à segurança nacional, o Presidente do Tribunal ad quem poderá suspender, a requerimento da
autoridade, a execução do mandado até a decisão do recurso’”13.
Consoante se conclui da análise do retro mencionado art. 13, combinado
o
com os arts. 8 , §9o e 10, é possível afirmar: 1) as competências definidas para a apreciação da
manutenção do ato impugnado eram, respectivamente, do presidente da Corte Suprema, para
manter decisões da Justiça Federal, ou dos presidentes dos tribunais de justiça, para manter as
decisões dos órgãos das justiças locais; 2) o objeto: manutenção do ato hostilizado da
autoridade tida como coatora; 3) a causa de pedir: evitar graves lesões à ordem, à saúde ou à
segurança públicas, sem inclusão, ainda, da grave lesão à economia pública; 4) a legitimidade
ativa era dada, exclusivamente, à pessoa de direito público interno contra a qual foi deferida a
decisão, seja ela liminar ou final.
No período do “Estado Novo”, pomposo título para o estado ditatorial e
policialesco criado por Getúlio Vargas com o golpe de 1937, a Carta Política de 10 de
novembro daquele ano retirou do mandamus seu status de remédio constitucional, outorgada
que fora por Getúlio Vargas. Entretanto, o mandado de segurança sobreviveu, ainda que,
unicamente, à custa de legislação infraconstitucional, vigendo a Lei n. 191/3614.
Com o advento do Código de Processo Civil de 1939, a Lei n. 191/36 foi
revogada, já que aquele Estatuto cuidou do processamento do mandado de segurança, nos
arts. 319 a 331, assim dispondo em seu art. 328:
“Art. 328. A requerimento do representante da pessoa jurídica de direito público interessada
e para evitar lesão grave à ordem, à saúde ou à segurança pública, poderá o presidente do
Supremo Tribunal Federal ou do Tribunal de Apelação, conforme a competência, autorizar
a execução do ato impugnado.”
13
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Suspensão de segurança: sustação da eficácia de decisão judicial
proferida contra o poder público. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 78.
14
OLIVEIRA, Francisco Antônio de. Mandado de segurança e controle jurisdicional. 3a ed. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2001, 25.
4
A norma acima transcrita foi visivelmente mais sucinta que a anterior, pois
deixou de prever o prazo de duração do incidente de suspensão de execução de liminar,
“apesar de o entendimento doutrinário continuar sendo o de que a suspensão da execução da
liminar perduraria até a sua substituição pela sentença ou pelo acórdão, caso tivesse sido
concedida, nesta última hipótese, em sede de mandado de segurança de competência
originária do tribunal”. Entretanto, a competência para apreciar o pedido de suspensão foi
definida pela norma com maior clareza, atribuindo-a ao “presidente do Supremo Tribunal
Federal nos writs de competência originária de tribunal quando do deferimento da liminar, e,
ainda, na hipótese típica de suspensão de execução de liminar em mandado de segurança
concedida por juiz singular” 15.
Tanto a liminar concedida no mandado de segurança como a sentença
pronunciada no mesmo processo, poderiam ser objeto de decisão dos presidentes do Supremo
Tribunal Federal ou do Tribunal de Apelação, conforme a competência, para autorizar a
execução do ato impugnado16.
Portanto, é possível afirmar que, à luz do disposto no retro transcrito art.
328: 1) as competências definidas para autorizar a execução do ato da autoridade tida como
coatora eram, respectivamente, do presidente do Supremo Tribunal Federal, ou do presidente
do Tribunal de Apelação, conforme tratasse de writs de competência originária de tribunal, ou
na hipótese de writs da competência de juiz de primeiro grau; 2) o objeto: manutenção do ato
hostilizado da autoridade tida como coatora; 3) a causa de pedir: evitar graves lesões à ordem,
à saúde ou à segurança públicas, sem se referir, ainda, a exemplo do preceito anterior, à grave
lesão à economia pública; 4) a legitimidade ativa era dada a representante de pessoa jurídica
de direito público interessada.
Em 1946, com a Constituição Federal promulgada pelo Congresso
Constituinte de 18 de setembro, restaurava-se a democracia no país17, retornando o mandado
de segurança ao status constitucional18.
15
RODRIGUES. Marcelo Abelha. Op.cit. p. 80.
16
VILLELA. Gilberto Etchaluz. Ob.cit., p. 31.
17
OLIVEIRA, Francisco Antônio de. Op.cit., p. 26.
18
“CF-1946, Art. 141, § 24. Para proteger direito líquido e certo não amparado por hábeas corpus,
conceder-se-á mandado de segurança, seja qual for a autoridade responsável pela ilegalidade ou abuso de poder.”
5
Não obstante o retorno do mandado de segurança ao texto constitucional de
1946, o Código de Processo Civil de 1939 continuou a regular seu processamento, até o
advento da Lei n. 1.533/51.
Em 31 de dezembro de 1951, veio à luz a atual lei de regência do mandado
de segurança, que, no seu art. 13, dispôs, pela primeira vez, sobre a suspensão. Não se referiu
a liminares, prevendo apenas os casos de execução de sentenças. Tampouco forneceu os
parâmetros para sua concessão19:
“Quando o mandado fôr concedido e o Presidente do Supremo Tribunal Federal, do
Tribunal Federal de Recursos ou do Tribunal de Justiça ordenar ao juiz a suspensão da
execução da sentença, dêsse seu ato caberá agravo de petição para o tribunal a que presida.”
Nos dizeres de Marcelo Abelha Rodrigues20, consoante excertos abaixo
transcritos:
“Como se vê, o artigo citado retro, na tentativa de melhorar o tema, acabou por complicar o
instituto, já que, não obstante ter trazido inovação salutar no tocante ao recurso de agravo
de petição contra decisão suspensiva do presidente do tribunal, deixou de prever as
hipóteses que dariam suporte ao pedido e ao deferimento da suspensão de execução de
liminar.
Parece que o ‘esquecimento’ do legislador com relação a indicação das hipóteses que
ensejariam a suspensão da execução foi propositado, no sentido de permitir que ficasse a
critério dos presidentes os motivos que justificassem a suspensão, tendo como parâmetro
jurídico a legislação anterior.
Destarte, percebe-se ainda que o referido dispositivo não mais autorizava a concessão de
medida suspensiva de execução de liminar, relegando à hipótese de suspensão de execução
de sentença, como pode ser visto no texto. Mesmo assim, isso não criou dificuldade para a
doutrina e a jurisprudência estenderem o dispositivo às liminares concedidas no mandado
de segurança.”
Desse modo, a exegese do retro citado artigo 13, levada a efeito tanto pela
doutrina como pela jurisprudência, permite afirmar que: 1) as competências para ordenar a
suspensão da sentença, e da liminar: eram, respectivamente, do Presidente do Supremo
Tribunal Federal, do Tribunal Federal de Recursos ou do Tribunal de Justiça, conforme o
caso; 2) o objeto: suspensão da execução da sentença e de liminar; 3) a causa de pedir: o
preceito sob comento não se referiu, ao contrário das normas anteriores, aos pressupostos
ensejadores do pedido de suspensão, ficando os motivos a critério dos respectivos presidentes
dos tribunais; 4) a legitimidade ativa: desta feita, também não foi objeto de especificação pelo
legislador, reforçando a necessidade de se aplicar, in caso, os ditames da legislação anterior
sobre o tema.
19
GUTIERREZ, Cristina. Suspensão de liminar e de sentença na tutela do interesse público. Rio de Janeiro:
Forense, 2000, p. 29.
20
Op.cit., p. 81.
6
Aliás, acerca da aplicabilidade da legislação anterior que definiu os
procedimentos a serem observados no processamento do mandado de segurança, outra não foi
a tese defendida por Pontes de Miranda, ao asseverar que “o dispositivo que cuidava da
suspensão da execução não havia sido revogado pela Lei n. 1.533, motivo pelo qual
continuavam a ser utilizados, obrigatoriamente, os parâmetros estabelecidos na legislação
anterior” 21.
Diante de tantas imperfeições apresentadas pelo art. 13 da retro mencionada
Lei n. 1.533/51, foi editada a Lei n. 4.348/64, que estabeleceu parâmetros, em seu art. 4o, para
a suspensão da execução de liminar e de sentença:
“Art. 4º. Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada e para
evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do
tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso (vetado), suspender, em
despacho fundamentado, a execução da liminar, e da sentença, dessa decisão caberá agravo,
sem efeito suspensivo, no prazo de dez (10) dias, contados da publicação do ato.”
Celso Agrícola Barbi22 noticia que esta lei trouxe importantes modificações
no processamento do mandado de segurança, como o prazo para informações pela autoridade
coatora, a fixação do prazo de duração de medida liminar, os casos de caducidade da
interlocutória, bem como a proibição de concessão de medidas liminares em certos temas
relativos a servidores públicos, proibição de execução de sentenças não transitadas em julgado
e novas regras nas hipóteses de suspensão de execução de liminares ou de sentenças.
A Lei n. 4.348/64, “em seu art. 4o, deu maior amplitude, ao atribuir,
genericamente, a competência ‘ao presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do
respectivo recurso’, abrangendo, assim, os órgãos da Justiça Especial (Eleitoral, Trabalhista,
etc.) que haviam sido omitidos na Lei n. 1.533” 23.
Pela primeira vez, a lei tratou da questão econômica, compondo as causas de
pedir da suspensão. Ainda, acrescenta o eminente processualista que pela primeira vez a
norma não especificou quais presidentes de Cortes deveriam apreciar o pedido de suspensão.
Porém, falou com exclusividade de liminares e sentenças em mandado de segurança24.
A decisão pela suspensão proferida pelo presidente do tribunal era agravável
em 10 (dez) dias, mas somente a que deferia a suspensão, e não a que denegava. Aliás, para
21
Apud RODRIGUES, Marcelo Abelha. Op.cit., p. 81.
22
BARBI, Celso Agrícola. Do mandado de segurança. Ed. revista e aumentada. Rio de Janeiro: Forense,
2000, pp. 33/34.
23
GUTIERREZ, Cristina. Op.cit., p. 30.
24
VILLELA, Gilberto Etchaluz.Op.cit., p. 33.
7
dirimir controvérsias sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal editou o enunciado n. 506,
cujo texto é o seguinte25:
“Súm. 506/STF. O agravo a que se refere o art. 4o da Lei n. 4.348, de 26.06.64, cabe,
somente, do despacho do Presidente do Supremo Tribunal Federal que defere a suspensão
da liminar em mandado de segurança; não do que a denega.”26
A redação empregada pelo Supremo Tribunal Federal no verbete acima
transcrito foi muito criticada pela doutrina, isto porque a lei não limitou o agravo apenas às
decisões do presidente daquela Corte, uma vez que o recurso era igualmente cabível contra as
decisões dos presidentes das demais Cortes. Além disso, também eram agraváveis as decisões
pelo deferimento da suspensão dos efeitos de sentenças finais.
Aliás, Marcelo Abelha Rodrigues27 traz um comentário acerca do veto que
aparece entalhado no art. 4o da Lei n. 4.348/64, a saber:
“O veto que aparece no meio do dispositivo refere-se à atávica idéia, que nos parece
equivocada, de que no procedimento do mandado de segurança não seria cabível o recurso
de agravo de instrumento. Assim, quando o dispositivo quis identificar a competência do
presidente do tribunal, indicou que será aquele que presidir o tribunal que terá competência
para conhecer do respectivo recurso.”
Ainda sobre o texto do pluricitado artigo 4o, afirma Marcelo Abelha
Rodrigues28 que “foi justamente desse texto, embora mais recentemente, que o incidente em
estudo se espraiou para outros procedimentos, tais como o art. 12, § 1o29, da Lei 7.347/85, art.
2530 da Lei 8.038/90, art. 4o31 da Lei 8.437/92, art. 1o32 da Lei 9.494/97 e art. 1633 da Lei
9.507/97”.
25
Idem.
26
No julgamento da SS 1945 AgR-AgR-AgR-QO (RTJ 186/112), o Pleno do Supremo Tribunal Federal
“revogou” o enunciado n. 506 de sua Súmula.
27
28
Op.cit., pp. 83/84.
Idem.
29
“ART.12 - Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a
agravo.
§ 1º A requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à
saúde, à segurança e à economia pública, poderá o Presidente do Tribunal a que competir o conhecimento do
respectivo recurso suspender a execução da liminar, em decisão fundamentada, da qual caberá agravo para uma
das turmas julgadoras, no prazo de 5 (cinco) dias a partir da publicação do ato.”
30
“ART.25 - Salvo quando a causa tiver por fundamento matéria constitucional, compete ao Presidente do
Superior Tribunal de Justiça, a requerimento do Procurador-Geral da República ou da pessoa jurídica de direito
público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, suspender, em
despacho fundamentado, a execução de liminar ou de decisão concessiva de mandado de segurança, proferida,
em única ou última instância, pelos tribunais regionais federais ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito
Federal.”
31
“ART.4 - Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso,
suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus
8
A interpretação literal do artigo sob comentário permite afirmar que: 1) a
competência para suspender a execução da liminar e da sentença é do presidente do tribunal
ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso; 2) o objeto: suspensão da execução da
liminar ou da sentença; 3) a causa de pedir: evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e
à economia públicas (de notar que, pela primeira vez, o legislador ordinário tratou da questão
econômica); 4) a legitimidade ativa: da pessoa jurídica de direito público interessada.
Celso Agrícola Barbi34 noticia que a Lei n. 6.014/73, no seu art. 3o,
modificou os arts. 1235 e 1336 da Lei n. 1.533/51, para adaptá-los ao novo Código de Processo
Civil. Entretanto, “como houve uma falha na adaptação do parágrafo único do art. 12 da Lei
n. 1.533, a Lei n. 6.071/74 veio corrigi-la”.
Acerca da modificação introduzida no art. 13 da Lei n. 1.533/51 pela Lei n.
6.014/73, esta última, lamentavelmente, ignorou as modificações introduzidas pela Lei n.
4.348/64. Isto porque a nova redação do art. 13 autorizou tão-somente ao juiz a suspensão da
execução da sentença, nada dizendo acerca da suspensão de liminar37.
Não obstante, “a interpretação que deve ser feita – e que vem sendo adotada
pelos tribunais do País – é admitir-se, também, a suspensão da execução da liminar.”38 Aliás,
outro não é o entendimento de Seabra Fagundes39:
agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de
manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança
e à economia públicas.”
32
“ART.1 - Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil o
disposto nos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1 e seu § 4º da
Lei nº 5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1º, 3º, e 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992.”
33
“ART.16 - Quando o "habeas data" for concedido o Presidente do Tribunal ao qual competir o
conhecimento do recurso ordenar ao juiz a suspensão da execução da sentença, desse seu ato caberá agravo para
o Tribunal a que presida.”
34
Op.cit., p. 34.
35
“ART.12 - Da sentença, negando ou concedendo o mandado, cabe apelação. (redação determinada pela
Lei nº 6.014, de 27 de dezembro de 1973).
Parágrafo único. A sentença, que conceder o mandado, fica sujeita ao duplo grau de jurisdição, podendo,
entretanto, ser executada provisoriamente” (redação determinada pela Lei nº 6.071, de 3 de julho de 1974).
36
“ART.13 - Quando o mandado for concedido e o presidente do tribunal, ao qual competir o conhecimento
do recurso, ordenar ao juiz a suspensão da execução da sentença, desse seu ato caberá agravo para o tribunal a
que presida” (redação determinada pela Lei nº 6.014, de 27 de dezembro de 1973).
37
38
39
GUTIÉRREZ, Cristina. Op.cit., pp. 30/31.
Idem.
Apud GUTIÉRREZ, Cristina. Suspensão de liminar e de sentença na tutela do interesse público. Rio de
Janeiro: Forense, 2000, p. 31.
9
“Do contrário ter-se-ia o absurdo de uma decisão, como o despacho liminar, de muito
menos significado jurídico-processual, mas com a mesma intensidade nas conseqüências
que a sentença, não dar ensejo, ao invés do que sucede com esta, a despacho de efeito
acautelador do interesse público”.
Na esteira da regulamentação da suspensão dos efeitos de liminares e
sentenças proferidas contra o Poder Público, o Regimento Interno do Supremo Tribunal
Federal, de 1980, na Parte II, Do Processo, Título X, Dos Processos Incidentais, Capítulo III,
Da Suspensão de Segurança, assim tratou do instituto, em seu art. 297:
“Pode o Presidente, a requerimento do Procurador-Geral, ou da pessoa jurídica de direito
público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia
pública, suspender, em despacho fundamentado, a execução de liminar, ou da decisão
concessiva de mandado de segurança, proferida em única ou última instância, pelos
tribunais locais ou federais.
[...].
§ 2º Do despacho que conceder a suspensão caberá agravo regimental.
§ 3º A suspensão de segurança vigorará enquanto pender o recurso, ficando sem efeito, se a
decisão concessiva for mantida pelo Supremo Tribunal Federal ou transitar em julgado.”
O texto do art. 297, por óbvio, regula os casos de suspensão de competência
daquele Pretório Excelso. Entretanto, o texto sob análise não ficou imune a críticas. Assim é
que Gilberto Etchaluz Villela40 tece os seguintes comentários acerca de sua redação:
“Não é primoroso o texto regimental do STF. Primeiramente, deixa de consignar no plural
– como devia – a palavra públicas.
Além disso, preocupou-se – ao nosso sentir inadequadamente – em permitir a suspensão,
por intermédio de seu próprio Presidente, de decisões concessivas em sentenças proferidas
pelos tribunais locais ou federais em única ou última instância, ou seja, daqueles
pronunciamentos definitivos das cortes locais ou federais; aquelas contra as quais a
autoridade interessada, naquelas mesmas Cortes, já não tivesse mais cartuchos a gastar.
Mas pecou quando admitiu rever as decisões liminares sabido que, contra essas, são, em
todos os Tribunais, admitidos recursos – regimentais – que os tornam decisões em relação
às quais não há de se falar em última instância”.
A Lei n. 7.347/85, que disciplina a Ação Civil Pública, fez constar, no § 1o
do seu art. 12:
“Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em
decisão sujeita a agravo.
§ 1º A requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave
lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, poderá o Presidente do Tribunal
a que competir o conhecimento do respectivo recurso suspender a execução da liminar, em
decisão fundamentada, da qual caberá agravo para uma das turmas julgadoras, no prazo de
5 (cinco) dias a partir da publicação do ato”.
Este art. 12, e seu § 1º, traz as seguintes inovações: o agravo a ser interposto
da decisão do presidente do tribunal será para uma das turmas, e não para o pleno do tribunal,
40
VILELLA, Gilberto Etchaluz. A suspensão das liminares e das sentenças contra o Poder Público. Porto
Alegre: Síntese, 1998, p. 34.
10
como é da tradição do nosso direito em relação às decisões presidenciais. Já o agravo previsto
no caput do artigo investirá contra a decisão liminar em grau de recurso normal, ou seja,
recurso de decisão interlocutória proferida liminarmente pelo juízo a quo41.
Observe-se que o legislador, diferentemente das legislações anteriores sobre
o tema, quis prever, no caput do sobredito artigo, a possibilidade de se agravar a decisão
liminar proferida na inicial de ação civil pública.
Para Marcelo Abelha Rodrigues42 esse dispositivo repetiu, quase que
literalmente, o preceito na Lei n. 4.348/64, mas introduzindo uma alteração importante, posto
que só se admitiu “o pedido de suspensão de execução de liminar em ação civil pública”, não
se admitindo o pedido em sentença de procedência na referida ação que viesse a ser executada
provisoriamente, mesmo porque o art. 1443 da Lei 7.347/85 previu a faculdade de se conceder
efeito suspensivo a recurso.
Em seguida, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o recém
criado Superior Tribunal de Justiça publicou seu Regimento Interno, em cujo art. 271 assim
tratou da suspensão de liminares e de sentenças:
“Art. 271. Poderá o Presidente do Tribunal, a requerimento da pessoa jurídica de direito
público interessada ou do Procurador-Geral da República, e para evitar grave lesão à
ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, suspender, em despacho fundamentado,
a execução de liminar ou de decisão concessiva de mandado de segurança, proferida, em
única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos
Estados e do Distrito Federal.
(...)
§ 2º Da decisão a que se refere este artigo, se concessiva da suspensão, caberá agravo
regimental, no prazo de cinco dias, para a Corte Especial.
§ 3º A suspensão vigorará enquanto pender o recurso, ficando sem efeito se a decisão
concessiva for mantida pelo Superior Tribunal de Justiça ou transitar em julgado”.
Gilberto Etchaluz Villela44 assevera que a nova redação do art. 271,
“infelizmente”, e a exemplo do disposto no art. 297 do Regimento Interno do Supremo
Tribunal Federal, “não levou em consideração plena a norma que vigorava a respeito (ainda o
art. 4o da Lei n. 4.348/64)”.
41
Idem, pp. 34/35.
42
Op.cit., pp. 86/87.
43
“ART.14 - O juiz poderá conferir efeito suspensivo aos recursos, para evitar dano irreparável à parte.”
44
VILLELA, Gilberto Etchaluz. A suspensão das liminares e sentenças contra o poder público. Porto
Alegre: Síntese, 1998, p. 35.
11
De modo semelhante ao texto regimental do Supremo Tribunal Federal,
referido normativo “prevê a competência não só para as sentenças” (rectius: acórdãos), “mas
também para casos de liminares, que, como sabido, não são decisões de última instância nos
Tribunais inferiores” 45.
A Lei n. 8.038/90, que estabelece normas procedimentais para processos de
competência originária do Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal,
também tratou do incidente de suspensão de execução de decisões judiciais proferidas contra
o Poder Público, ao prever, no seu art. 25, o seguinte:
“Art. 25. Salvo quando a causa tiver por fundamento matéria constitucional, compete ao
Presidente do Superior Tribunal de Justiça, a requerimento do Procurador-Geral da
República ou da pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à
ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, suspender, em despacho fundamentado,
a execução de liminar ou de decisão concessiva de mandado de segurança, proferida, em
única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos
Estados e do Distrito Federal.
§ 1º O Presidente pode ouvir o impetrante, em cinco dias, e o Procurador-Geral quando não
for o requerente, em igual prazo.
§ 2º Do despacho que conceder a suspensão caberá agravo regimental.
§ 3º A suspensão de segurança vigorará enquanto pender o recurso, ficando sem efeito, se a
decisão concessiva for mantida pelo Superior Tribunal de Justiça ou transitar em julgado”.
O dispositivo regulou de modo mais claro a utilização do pedido de
suspensão de segurança no mandado de segurança em sede de tribunal, “que até então tinha
previsão expressa para liminar e sentença, pelo que se verifica na Lei 4.348/64”. Nos casos de
liminar ou acórdão concedidos em mandado de segurança de competência originária de
tribunal regional ou local, a competência para apreciar o pedido de suspensão da execução
será do Supremo Tribunal Federal, caso envolva matéria constitucional, ou do Superior
Tribunal de Justiça, tratando-se de matéria de lei federal, respectivamente46.
A norma sob análise estendeu a legitimidade também para o Ministério
Público. É de se questionar, entretanto, acerca da possibilidade de utilização do agravo uma
vez indeferido o pedido de suspensão, não obstante o enunciado n. 217 da Súmula do Superior
Tribunal de Justiça ter tratado do tema47:
45
Idem.
46
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Suspensão de segurança: sustação da eficácia de decisão judicial
proferida contra o poder público. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 90.
47
Idem.
12
“Súm. 217/STJ. Não cabe agravo de decisão que indefere o pedido de suspensão da
execução da liminar, ou da sentença em mandado de segurança.”48
Fato importante a se registrar é que a Lei n. 8.038/90 estabelece prazo
distinto do previsto na Lei n. 4.348/64 para oferecimento do recurso de agravo regimental da
decisão que concede a suspensão.
Em 30 de junho de 1992, foi editada a Lei n. 8.437, dispondo sobre a
concessão de “medidas cautelares” contra atos do Poder Público, que tratou da suspensão em
seu art. 4o e parágrafos:
“Art. 4° Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo
recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas
contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa
jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de
flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à
economia públicas.
§ 1° Aplica-se o disposto neste artigo à sentença proferida em processo de ação cautelar
inominada, no processo de ação popular e na ação civil pública, enquanto não transitada em
julgado.
§ 2° O presidente do tribunal poderá ouvir o autor e o Ministério Público, em cinco dias.
§ 3° Do despacho que conceder ou negar a suspensão, caberá agravo, no prazo de cinco
dias”.
Gilberto Etchaluz Villela49 entende que é a Lei n. 8.437/92, especificamente
em seu art. 4o e parágrafos, que regula, atualmente, o instituto da suspensão, no que se refere a
liminares nas ações movidas contra o Poder Público (todas), inclusive as deferidas em
mandados de segurança. Consoante sua interpretação, a lei estaria a reger também a suspensão
dos efeitos de sentenças de mesma natureza. A exceção estaria tão-só para as sentenças
proferidas em mandados de segurança, cujas suspensões continuam sendo regidas pelo que
dispõe o art. 4o da Lei n. 4.348/64, uma vez que, “lamentavelmente”, o legislador esqueceu-se
de se referir a tais sentenças no novo texto legal de 1992, já que contemplou outras, como as
das ações civis públicas e ações populares.
Afirma que a Lei n. 8.437/92 trouxe outras inovações, como as seguintes: a)
já não restringiu a possibilidade de recurso às decisões concessivas das suspensões, mas
estendeu também essa faculdade às decisões denegatórias. A exceção ficou por conta das
sentenças em mandados de segurança regidas pela Lei n. 4.348/64, que só permitem agravo
quando concedida a suspensão; b) alargaram-se, também, as hipóteses de cabimento do
48 No julgamento do AgRg na SS n. 1.204-AM, na sessão de 23/10/2003, a Corte Especial do Superior
Tribunal de Justiça deliberou pelo cancelamento da Súmula n. 217. Para a maioria da Corte Especial do STJ,
cabe, sim, o agravo, porquanto o sistema legal do instituto da suspensão de segurança teria sido alterado pela Lei
n. 8.437/92.
49
Op.cit., pp. 35/36.
13
pedido de suspensão. Além das tradicionais causas de pedir (grave lesão à ordem, à saúde, à
segurança e à economia públicas), foi acrescida a possibilidade de pedido de suspensão em
casos de manifesto interesse público e de flagrante ilegitimidade das liminares (todas) ou das
sentenças regidas na lei (prolatadas em ações cautelares inominadas, ações civis públicas e
ações populares), e c) ficou estabelecido na lei que a competência para apreciar o pedido de
suspensão é do “presidente de tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso”,
circunstância “que determina, em cada caso, qual seria esse respectivo recurso antes de
direcionar o pleito” 50.
Marcelo Abelha Rodrigues51, também ao comentar a dicção do art. 4o da Lei
8.437/92, observa que o legislador: 1) ampliou a legitimidade para requerer a suspensão,
alcançando o Ministério Público, “se bem que já fosse possível inferi-la, por aplicação
subsidiária do art. 12752 do texto magno”; 2) determinou que o recurso de agravo deve ser
cabível não só contra a decisão que concede a suspensão, mas também contra a decisão que a
indefere, como se vê no § 3o; 3) facultou ao presidente do tribunal apenas ouvir o Ministério
Público, não obstante, na aplicação subsidiária do art. 82, III53, do Código de Processo civil,
“no procedimento do incidente seria obrigatória a intervenção do MP”; 4) também facultou
“ouvir o autor antes da concessão da suspensão da execução, como se vê no § 2o”; 5) cometeu
um deslize no caput do art. 4o, ao utilizar-se da expressão “despacho fundamentado”, quando
na verdade trata-se de uma decisão monocrática. “O equívoco decorre do fato de que não se
trata de despacho, mas de decisão, e, sendo decisão, pressupõe que seja fundamentada pelo
teor do art. 93, IX54, da CF/88”, e 6) na redação do sobredito art. 4o, fez consignar que a
suspensão da execução da liminar pode ser dada em caso de flagrante ilegitimidade. Ao
permitir “a suspensão da execução da liminar por flagrante ilegitimidade, está, ao contrário de
todas as hipóteses anteriores, pretendendo entrar na discussão da juridicidade da decisão
proferida pelo juízo, que, data venia, só será possível por intermédio de recurso próprio. Está,
50
Idem, p. 37.
51
Op.cit., p. 89.
52
“ART.127 - O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis. [...].”
53
“ART.82 - Compete ao Ministério Público intervir: [...]; III - nas ações que envolvam litígios coletivos
pela posse da terra rural e nas demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou
qualidade da parte.”
54
“ART.93 - Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da
Magistratura, observados os seguintes princípios: [...]; IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário
serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o
exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes;”
14
pois, desvirtuando a própria finalidade do instituto para lhe entregar um efeito devolutivo que
não se coaduna com a sua natureza. Seria, pois, maneira de devolver ao presidente do tribunal
a possibilidade de indicar que a decisão foi antijurídica porque teria havido flagrante
ilegitimidade. Lembre-se: o presidente do tribunal não é órgão revisor da decisão do
magistrado que concedeu a medida”.
No dizer de Villela, somente com o advento da Lei n. 9.139/95, que alterou
dispositivos da Lei n. 5.869/73, “foram criadas no CPC as cautelares55 emergentes dos efeitos
suspensivos de que foram dotados os agravos e as apelações”56, na forma do disposto nos arts.
527 e 558, com redação dada pelos arts. 1o e 2o da primeira lei referida:
“Art. 527 - Recebido o agravo de instrumento no tribunal, e distribuído incontinenti, se não
for caso de indeferimento liminar (art. 557), o relator: (...) II - poderá atribuir efeito
suspensivo ao recurso (art. 558), comunicando ao juiz tal decisão; III - intimará o agravado,
na mesma oportunidade, por ofício dirigido ao seu advogado, sob registro e com aviso de
recebimento, para que responda no prazo de 10 (dez) dias, facultando-lhe juntar cópias das
peças que entender convenientes; nas comarcas sede de tribunal, a intimação far-se-á pelo
órgão oficial; (...)
“Art. 558 - O relator poderá, a requerimento do agravante, nos casos de prisão civil,
adjudicação, remição de bens, levantamento de dinheiro sem caução idônea e em outros
casos dos quais possa resultar lesão grave e de difícil reparação, sendo relevante a
fundamentação, suspender o cumprimento da decisão até o pronunciamento definitivo da
turma ou câmara.
Não tendo a Lei n. 9.494/97 tratado das cautelares emergentes dos efeitos
suspensivos de que foram dotados os agravos e as apelações, na forma dos transcritos arts.
527 e 558 do Código de Processo Civil, “tais medidas cautelares só são consideradas
integrantes das leis que tratam de suspensões por caminhos de exegese, ausente qualquer
menção expressa” 57.
A Lei n. 8.952/94 deu nova redação aos arts. 273 e 461 do Código de
Processo Civil, que tratam do instituto da tutela antecipada. Sobreveio, então, a Lei n.
9.494/97, que, em seu art. 1o, entre outras providências, mandou que se aplicasse à tutela
antecipada prevista nos sobreditos artigos o disposto no art. 4o da Lei n. 8.437/92,
traspassando para a antecipação de tutela a possibilidade de suspensão da execução do
provimento de natureza provisória que, como a liminar, enseja execução imediata. Eis o
inteiro teor do art. 1o da Lei n. 9.494/97:
“ART.1 - Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo
Civil o disposto nos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei nº 4.348, de 26 de junho de
55
Consideradas em sentido lato, visto que de cautelares propriamente ditas não se trata.
56
VILLELA, Gilberto Etchaluz. Op.cit., p. 40.
57
Idem.
15
1964, no art. 1 e seu § 4º da Lei nº 5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1º, 3º, e 4º da
Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992”.
Desse modo, “todas as vezes que for deferida tutela antecipada contra o
Poder Público nasce a possibilidade de suspensão da execução do provimento antecipatório
para proteção do interesse público”58, por força do preceito do art. 1o da Lei n. 9.494/97.
Por fim, a Lei n. 9.507, de 12 de novembro de 1997, também cuidou do
incidente de suspensão no novo procedimento do habeas data, consoante prescreve o art. 16
da Lei n. 9.507, de 12 de novembro de 1997:
“Art. 16. Quando o "habeas data" for concedido o Presidente do Tribunal ao qual competir
o conhecimento do recurso ordenar ao juiz a suspensão da execução da sentença, desse seu
ato caberá agravo para o Tribunal a que presida”.
Houve nítida regressão do legislador, uma vez que tanto o habeas data
como o mandado de injunção eram regidos pelas normas procedimentais do mandado de
segurança, conforme determina o art. 24, parágrafo único59, da Lei n. 8.038/90, sendo mesmo
“criticável e de duvidosa aplicabilidade o disposto no art. 16 retrocitado”, posto que o artigo
não revela os motivos ensejadores da suspensão de execução de sentença. Entende ainda o
processualista que, embora não haja previsão legal de suspensão de liminar, “não deve ser
descartada a sua concessão por ser inerente e ínsita à figura dos writs” 60.
2
Natureza jurídica.
2.01 Introdução.
A polêmica em relação ao instituto sob comento tem início com a indagação
acerca da sua natureza jurídica. Tal indagação não deve ser relegada como questão de
somenos importância, sendo mesmo fundamental para sua compreensão, pois da colocação
adotada a respeito decorrem implicações posteriores e decisivas quanto a todos os problemas
suscitados na matéria61.
58
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Suspensão de Segurança: sustação da eficácia de decisão judicial
proferida contra o poder público. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 90.
59
ART.24 - Na ação rescisória, nos conflitos de competência, de jurisdição e de atribuições, na revisão
criminal e no mandado de segurança, será aplicada a legislação processual em vigor.
Parágrafo único. No mandado de injunção e no "habeas data", serão observadas, no que couber, as normas
do mandado de segurança, enquanto não editada legislação específica.
60
61
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Op.cit. pp. 91/92.
GUTIÉRREZ, Cristina. Suspensão de liminar e de sentença na tutela do interesse público. Rio de Janeiro:
Forense, p. 47.
16
Afigura-se tarefa difícil estudar a natureza jurídica do requerimento de
suspensão de decisões judiciais proferidas contra o Poder Público sem fazê-lo conjuntamente
com a da decisão proferida pelo presidente do tribunal competente para apreciá-lo.
Isto porque a maioria dos doutrinadores costumam identificar a natureza
jurídica dos provimentos jurisdicionais segundo o fim visado pela parte, no pedido inicial: se
o que se deseja é o acertamento de um direito, tem-se uma ação de conhecimento, com seu
respectivo processo de conhecimento e um provimento jurisdicional denominado sentença de
conhecimento (podendo se desdobrar em declaratória, constitutiva e condenatória); se o que
se pede é a realização efetiva de uma situação jurídica já apurada, tem-se uma ação de
execução, com seu respectivo processo de execução e um provimento jurisdicional
denominado de sentença executiva; por outro lado, se o que se busca é assegurar, garantir o
eficaz desenvolvimento e o profícuo resultado dos processos de conhecimento e de execução,
tem-se uma ação cautelar, com seu respectivo processo cautelar e um provimento jurisdicional
denominado cautelar62. Como se vê, essa classificação ora apresentada leva muito mais em
conta o fim visado no pedido inicial do que a gênese dos respectivos institutos jurídicos. Isto
é, se o pedido visa a prevenir, a decisão jurisdicional, por certo, só pode cingir-se ao pedido
de prevenção63. Tanto é assim que os doutrinadores não se têm preocupado em fazer tal
distinção, embora ela exista64.
Desse modo, a natureza jurídica do instituto da suspensão de decisões
judiciais proferidas contra o Poder Público deve ser estudada conjuntamente, tanto sob o
prisma do requerimento de suspensão como da decisão concessiva da suspensão.
São diversas as teses doutrinárias acerca da natureza jurídica do instituto da
suspensão da eficácia de decisões judiciais proferidas contra o Poder Público, a saber:
2.02 Natureza de ato de caráter administrativo ou político.
No magistério de Francesco Conte65, o requerimento de suspensão de
liminar ou de sentença não possui a natureza das ações, isto porque não há falar, in caso, em
pretensão resistida, pois o “desiderato almejado repousa, ‘apenasmente’, na suspensão da
62 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo cautelar. 19ª ed., revista e atualizada. São Paulo: Livraria e
Editora Universitária do Direito, 2000, pp. 33-40
63
Com a ressalva de que, conforme alerta Marcelo Abelha Rodrigues, esta classificação não leva em conta
a gênese dos institutos jurídicos, considerando muito mais sua finalidade.
64
65
Op.cit., p. 64.
CONTE, Francesco. Suspensão de execução de medidas liminares e sentenças contra o poder público.
Revista ADV – Advocacia Dinâmica. Seleções jurídicas. Julho de 1995, p. 09.
17
execução da liminar e de sentença”, sem que haja ação nova, não apresentando também
características próprias dos recursos, uma vez que a pessoa jurídica de direito público
interessada não chega a expressar seu inconformismo com a decisão, sequer postulando sua
reforma ou anulação.
Assim sendo, segundo o jurista, o requerimento tem caráter administrativo,
“que, sob este prisma, será examinado pelo presidente do tribunal, não se ajustando na
moldura de ação ou mesmo ao conceito de recurso”66.
Helen Gracie Northfleet67, ao analisar a natureza do provimento ao pedido
de suspensão, parece entender também que tem ele caráter administrativo, pois faz referência
a Francesco Conte, para dizer que “a natureza do ato presidencial não se reveste de caráter
revisional, nem substitui ao reexame jurisdicional na via recursal própria”, não se constituindo
recurso e menos ainda ação. Acrescenta, ainda, que o requerimento de suspensão não constitui
recurso nem ação, nele não havendo espaço para o contraditório, frisando tratar-se de
“excepcional autorização, em que a Presidência exerce atividade eminentemente política
avaliando a potencialidade lesiva da medida concedida e deferindo-a em bases extrajurídicas,
com discricionariedade própria de juízo de conveniência e oportunidade”.
De igual modo, Pedro dos Santos Barcelos68, embora não se refira
expressamente à natureza jurídica do requerimento de suspensão, manifesta entendimento no
sentido de que “o poder discricionário dado ao presidente do tribunal competente, de
suspender a execução de liminar e de sentença em mandado de segurança é um resquício do
autoritarismo do Estado” e conclui asseverando que “o ato do presidente do tribunal tem
cunho meramente administrativo, em caráter cautelar”.
Também Diogo de Figueiredo Neto69 vê no requerimento da suspensão uma
forma especial de controle administrativo hierárquico dentro do Poder Judiciário. É o que se
conclui do texto abaixo transcrito:
“Todavia, para que as liminares concedidas em atenção a direitos individuais, não venham a
se tornar lesivas ao interesse público, assim entendida, in genere a lesão à ordem, à saúde,
66
Idem.
67
NORTHFLEET, Ellen Gracie. Suspensão de sentença e de liminar. Estudos em homenagem ao Min.
Sálvio de Figueiredo Teixeira. Revista de Processo. Ano 25. Janeiro-março de 2000, n. 97, pp.12-13.
68
BARCELOS, Pedro dos Santos. Medidas liminares em mandado de segurança. Suspensão de execução de
medida liminar. Suspensão de execução de sentença. Medidas liminares. Revista dos Tribunais. Ano 80 – Janeiro
de 1991 – vol. 663.
69
Apud GUTIÉRREZ, Cristina. Suspensão de liminar e de sentença na tutela do interesse público. Rio de
Janeiro: Forense, 2000, pp. 48-49.
18
à segurança e à economia públicas, as Leis n. 1.533, de 31 de dezembro de 1951, no seu
art. 13, e a n. 4.348/64 [sic], no seu art. 4o, estabelecem uma forma especial de controle
hierárquico dentro do Poder Judiciário... Observe-se que não se trata, no caso, de um
recurso processual, porquanto o Presidente do Tribunal não é instância recursal de
mandado de segurança; sua competência, portanto, não vai até o emprego da força
rescindente e rescisória de julgado anterior, mas, apenas, à força suspensiva da respectiva
execução. E se não é, formalmente um recurso, tampouco materialmente o é; a apreciação
do Presidente não se dá sobre a legalidade do processo ou da decisão, mas se dirige a
considerações colaterais, discricionárias de conveniência e oportunidade – o interesse
público, enfim, porventura comprometido. Trata-se como se depreende de típico controle
administrativo e não processual, materialmente entendido” (destaques do original).
Contudo, adverte Cristina Gutiérrez70 que “a questão deve ser analisada
dentro de uma visão global e sistêmica do Direito”, não se podendo considerar o pedido de
suspensão “como um ato administrativo, nem tampouco como um controle de natureza
administrativa”. Em socorro de sua tese, explana:
“Fundamental é a distinção entre administração e jurisdição.
Ambas aplicam a lei, mas, segundo Chiovenda, a administração é uma atividade primária,
espontânea, que aplica o direito por iniciativa própria, tendo em vista os interesses da
própria administração. Não há, portanto, imparcialidade, como ocorre na jurisdição; qual
seja, a imparcialidade no sentido de ausência de interesse do magistrado no deslinde da
causa. A atividade jurisdicional é atividade inerte, vale dizer, somente atua quando
provocada, visando substituir a vontade ou a atividade das partes. Tal caráter de
substitutividade e imparcialidade constituem notas distintivas da jurisdição em face da
administração”.
Ressalte-se, ainda, que um dos primeiros autores a expressar o entendimento
de que trata a suspensão de um ato administrativo foi Othon Sidou71. Sustenta que o conteúdo
do art. 13 da Lei n. 1.533/51 vale por um “incidente extraprocessual, fruto da mais pura
aplicação do poder de polícia do presidente do tribunal”, destinado a “aplicar o princípio da
supremacia da Administração, no sacrifício do interesse privado em face do interesse
público.” Nas palavras do processualista:
“O sentido exato do art. 13 da Lei 1.533 não se pode dirigir, em apreço à técnica jurídica, à
medida liminar e muito menos à sentença. Vale por um incidente extraprocessual, e se
traduz em uma ordem em que o presidente do tribunal previne ao juiz da causa que tal ato
tem sua autorização para executar-se ou deixar de executar-se, autorização que a lei lhe
confere e até que sobre o ato duvidoso decida ordinariamente o corpo judiciário a que
preside, ou até que sobre a autorização, incidentemente, decida o mesmo tribunal, por ser o
competente para conhecer do eventual recurso. A ordem, portanto, não se atém à relação
nem ao normal andamento do feito”.
Marcelo Abelha Rodrigues72 tece críticas ao argumento trazido à colação,
alegando que, “ao conferir gênese administrativa ao ato do presidente estaríamos admitindo
70
GUTIÉRREZ, Cristina. Suspensão de liminar e de sentença na tutela do interesse público. Rio de Janeiro:
Forense, p. 49.
71
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Suspensão de segurança: sustação da eficácia de decisão judicial
proferida contra o poder público. São Paulo: Editora Revista dos Tribunbais, 2000, p. 95.
72
Op.cit., p. 96.
19
que poderia um ato administrativo sobrepor-se a um ato jurisdicional, até mesmo para retirarlhe a eficácia”. Adverte ainda que “não se pode admitir que, sendo um ato administrativo,
pudesse ser ele desafiado por um recurso de natureza processual, endereçado a um órgão
colegiado, cuja decisão teria igual teor jurisdicional”. Em sendo medida administrativa, “o
remédio jurídico para atacá-lo seria, por certo, o mandado de segurança e não o recurso de
agravo”, consoante previsão legal.
2.03 Natureza recursal.
O saudoso Hely Lopes Meirelles73 inclui-se entre aqueles doutrinadores que
entendem ser o requerimento de suspensão de decisões judiciais proferidas contra o Poder
Público um recurso. Eis que assim se manifesta: “Além disso, é de se recordar que para a
suspensão dos efeitos da sentença concessiva da segurança há recurso específico ao
Presidente do Tribunal (Lei n. 1.533/51, art. 13), o que está a indicar que essa suspensão não
pode ser obtida por via de apelação ou de qualquer outro recurso genérico”.
Também Mantovanni Colares Cavalcante74, embora reconheça no
requerimento de suspensão um incidente de suspensão de decisão judicial, afirma que a
decisão que susta a eficácia da liminar ou da sentença “acaba se transformando em
antecipação de tutela recursal, diante da ampla possibilidade de interpretação de uma das
hipóteses autorizadoras da suspensão, que é o manifesto interesse público, ou mesmo a
violação da ordem pública”.
Ainda, Wellington Pacheco Barros75 atesta a natureza recursal do
requerimento de suspensão, ao afirmar que, “quando a decisão judicial concede o controle de
urgência”, na ação de mandado de segurança, “o recurso cabível a ser interposto pela pessoa
jurídica de direito público interessada, por lógico, aquela a que integre a autoridade coatora, é
ao Presidente do Tribunal a quem está afeto o prolator da decisão”.
73
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. Ação popular, ação civil pública, mandado de
injunção, “hábeas data”, ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade e argüição
de descumprimento de preceito fundamental. São Paulo: Malheiros Editores, 23a Edição, 2001, atualizada por
Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes.
74
75
CAVALCANTE, Montovanni Colares. Mandado de segurança. São Paulo: ed. Dialética, 2002, p. 169.
BARROS, Wellington Pacheco. Considerações sobre o controle jurisdicional de urgência na ação de
mandado de segurança. Revista da AJURIS – doutrina e jurisprudência – n. 76, ex.2, 1999, p. 63.
20
2.04 Natureza de ação incidental autônoma de impugnação.
Cristina Gutiérrez76 aborda o tema sob o prisma de o pedido de suspensão
de eficácia de decisões judiciais ter a natureza jurídica de ação incidental autônoma de
impugnação, sem, contudo, assumir essa posição.
É que as impugnações por via de ações incidentais acabam por instaurar um
processo distinto daquele em que se proferiu a decisão impugnada: de modo idêntico, o
“pedido de suspensão é feito em outro processo, em uma nova relação jurídica processual”,
cumprindo-nos indagar “qual a finalidade e a natureza desse novo processo incidental”77.
Uma ação só é idêntica à outra quando atendidos os requisitos do art. 301, §
2o, do Código de Processo Civil, quais sejam, “as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o
mesmo pedido”. Por conseguinte, havendo diversidade quanto a estes elementos, instaurada
estará nova relação processual.
Seria exatamente o que ocorre na suspensão de liminar ou de sentença: não
se adequando o pedido de suspensão à natureza recursal (pelo menos na definição do insigne
Barbosa Moreira)78, tratar-se-ia, conseqüentemente, de ação incidental autônoma de
impugnação.
2.05 Natureza cautelar.
O saudoso Celso Agrícola Barbi79 também conferia ao provimento do
presidente do tribunal natureza cautelar e, por conseguinte, segundo critério inverso do fim
visado pelo pedido inicial, é possível asseverar que o renomado mestre via no requerimento
de suspensão um pedido de natureza cautelar. Eis a lição:
“Natureza jurídica – Ordenando a suspensão, terá o juiz antecipado, em caráter
“provisório”, a providência que caberia à sentença final, e isso para “evitar o dano” que
decorreria da natural demora na instrução do processo. Ora, toda medida provisória, que
tenha por fim evitar danos possíveis com a demora natural do processo, tem a substância de
medida cautelar. Em sua fundamental monografia sobre o tema, Calamandrei assim resume
a essência da medida “cautelar”: “antecipação provisória de certos efeitos da providência
definitiva, e destinada a prevenir o dano que poderia derivar do retardamento da mesma
76
GUTIÉRREZ, Cristina. Suspensão de liminar e de sentença na tutela do interesse público. Rio de Janeiro:
Forense, 2000.
77
Op.cit., p. 53.
78
Para o renomado processualista, recurso é “o remédio voluntário e idôneo a ensejar, dentro do mesmo
processo, a reforma, a invalidade, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna”(in
Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 1985, vol. 5, p. 229).
79
BARBI, Celso Agrícola. Do mandado de segurança. Ed. Revisada e aumentada. Rio de Janeiro: ed.
Forense, 2000, pp. 141-142.
21
providência”. A mesma conceituação, em linhas gerais é adotada por grande número de
processualistas.
Afigura-se-nos incontestável portanto, que a suspensão liminar no processo de mandado de
segurança seja uma providência ou “medida cautelar”. A circunstância de não ser objeto de
um processo especial para sua discussão, como é comum nas ações dessa natureza – a
ponto de Chiovenda colocar a ação cautelar ao lado da ação de cognição e da ação de
execução, numa tríplice classificação das ações –, não influi na natureza da decisão que
julga o pedido de suspensão liminar, porquanto, como nota com acuidade Carnelutti, existe
aí antes uma ‘frase cautelar do processo’ do que um processo cautelar”.
Idêntico é o pensamento de Cássio Scarpinella Bueno80, manifestado por
ocasião de seus comentários ao art. 4o da Lei n. 4.348/64.
Andrei Pitten Velloso81 alerta para a existência de significativas
controvérsias acerca da natureza jurídica do pedido de suspensão de execução dos efeitos de
liminar, e de sentença, proferidos contra o Poder Público, bem assim lembra que seu caráter
predominantemente político é ressaltado, “de forma quase uníssona” pela doutrina e pela
jurisprudência.
Por outro lado, descarta a inserção do pedido de suspensão no gênero dos
recursos, “eis que não visa à reforma ou anulação de um ato judicial, mas, tão-só, à suspensão
de seus efeitos”, sendo, por conseguinte, “instrumento jurídico inábil a obter a alteração do
provimento jurisdicional, carecendo, para tal desiderato, da interposição do recurso cabível”82.
Mas, afirma: “Em essência, reveste-se de caráter predominantemente
cautelar, mais especificamente contracautelar, porquanto visa à sustação de efeitos de uma
decisão cautelar, ou, mesmo, antecipatória dos efeitos da sentença de mérito”83.
No mesmo sentido, sustentam Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade
Nery84: “Não se trata de recurso, mas de pedido de competência originária do presidente do
tribunal, visando tão-somente a suspensão provisória dos efeitos da liminar, uma vez
verificadas as circunstâncias mencionadas no dispositivo comentado”.
80
BUENO, Cassio Scarpinella. Liminar em mandado de segurança: um tema com variações. 2a ed., rev.,
atual. e ampl. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 1999, p. 211.
81
VELLOSO, Andrei Pitten Velloso. Pedido de suspensão da execução e princípio da inafastabilidade do
controle judicial. Boletim dos Procuradores da República. Ano III – N. 26 – Junho-2000.
82
83
84
Idem.
Ibidem.
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado e legislação
processual civil extravagante em vigor. 4a ed., revista e ampliada. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 1999, p.
2.443.
22
De igual modo, Gilberto Etchaluz Villela85 assevera que o instituto da
suspensão tem a natureza das tutelas jurisdicionais cautelares, visando garantir a utilidade do
resultado final do processo. Na verdade, segundo afirma, tratar-se, especificamente, de uma
contracautela, posto que visa combater os efeitos de cautela anteriormente deferida.
Sustenta, acertadamente, que a decisão do presidente na suspensão de
segurança possui natureza jurisdicional e não administrativa. Aliás, sobre o tema, cabe-nos
trazer à colação a ementa do seguinte precedente86:
“Processual civil. Suspensão de segurança. Natureza. Transito em julgado. Agravo.
Ausencia de prequestionamento da materia.
1. A suspensão de segurança possui natureza jurisdicional e não administrativa, sujeitandose, portanto, aos efeitos da coisa julgada.
2. Não tendo havido o prequestionamento da materia em sede do agravo regimental, o não
conhecimento do recurso se impõe.
3. Recurso especial não conhecido”.
Ainda, Cristina Gutiérrez87 parece não deixar dúvida de que a suspensão de
liminar ou de sentença tem natureza cautelar. Para ela, vislumbra-se claramente no instituto a
ocorrência da instrumentalidade e da provisoriedade, características das cautelares.
Entende que a suspensão de liminar e de sentença tem caráter instrumental,
“porque somente é útil e necessária com referência à suspensão da medida se e enquanto não
for conhecida a matéria, em seu sentido amplo, pelo órgão próprio do mesmo tribunal”88.
De igual modo, tem caráter provisório, “porque o provimento subsistirá
enquanto não sobrevier a decisão no julgamento do pré-falado recurso”89.
Enfoca também a questão dos requisitos gerais das ações cautelares, quais
sejam, o periculum in mora e o fumus boni iuris, para concluir que é possível vislumbrar-se,
in casu, um fumus boni iuris específico, “consistente na plausibilidade das alegações daquele
que pleiteia a suspensão, vale dizer, o risco de lesão aos referidos bens jurídicos”, bem assim
85
Op.cit., pp. 124/125.
86
Acórdão citado pelo Autor, proferido no Resp n. 126586/SP, DJ de 30/03/1998, p. 13: Superior Tribunal
de Justiça. http://www.stj.gov.br. 24.03.2002.
87
88
89
Op.cit., p. 54.
Idem.
Ibidem.
23
um periculum in mora, “a iminência da lesão, a caracterizar dano irreparável enquanto se
aguarda o provimento definitivo”90.
Em defesa de sua tese, traz o entendimento de Athos Gusmão Carneiro91 e
de Galeno Lacerda92, além de citar recentes julgados do Pretório Excelso, que, segundo
informa, já pacificou a natureza cautelar do pedido de suspensão:
“Suspensao de Seguranca. Pressupostos. Natureza do Provimento. Descabe discutir, no
quadro do pedido de suspensao de seguranca, quer o merito do mandado, quer a
juridicidade da liminar, mas tao-somente a verificacao dos pressupostos estatuídos no art.
297 do RI, sob o prisma da medida cautelar que é. Agravo Regimental improvido”93.
“Suspensão de segurança: natureza cautelar e pressuposto de viabilidade do recurso cabível
contra a decisão concessiva da ordem. A suspensão de segurança, concedida liminar ou
definitivamente, é contracautela que visa à salvaguarda da eficácia plena do recurso que
contra ela se possa manifestar, quando a execução imediata da decisão, posto que
provisória, sujeita a riscos graves de lesão interesses públicos privilegiados - a ordem, a
saúde, a segurança e a economia pública: sendo medida cautelar, não há regra nem
princípio segundo os quais a suspensão da segurança devesse dispensar o pressuposto do
fumus boni juris que, no particular, se substantiva na probabilidade de que, mediante o
futuro provimento do recurso, venha a prevalecer a resistência oposta pela entidade estatal à
pretensão do impetrante”94.
Aliás, consoante se observa dos transcritos precedentes do Supremo
Tribunal Federal, a questão se encontra pacificada no âmbito do Pretório Excelso, conferindo
ao pedido de suspensão natureza cautelar ou, mais precisamente, uma verdadeira
contracautela.
2.06 Natureza de incidente processual.
Marcelo Abelha Rodrigues95 defende a tese de que o requerimento de
suspensão de execução de decisão judicial não é nem ação nem recurso, “figurando-se, sim,
como típico instituto representante dos incidentes processuais, que se manifesta por
intermédio de uma questão incidente”, e acrescenta que o instituto “não tem cheiro nem cor
de recurso, por lhe faltar inúmeros aspectos atinentes a este instituto”, estando ausentes “a
tempestividade, o preparo, a tipicidade, a devolutividade, a legitimidade, a competência etc.”,
90
Ibidem, pp. 54-55.
91
CARNEIRO, Athos Gusmão. Das liminares nos mandados de segurança. Livro de estudos jurídicos. Rio
de Janeiro: Instituto dos Estudos Jurídicos, 1994, vol. 5, p. 277.
92
LACERDA, Comentários ao código de processo civil. 5a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1993, vol. 8, p. 54.
93
AGRSS-228/BA - Agravo regimental em suspensão de segurança. Relator: Min. Rafael Mayer.
Publicação: DJ de 17/06/1988 – p. 15.250. Ementa Supremo Tribunal Federal. http://www.stf.gov.br.
25.03.2002.
94
AGRSS-846/DF. Agravo Regimental em Suspensão de Segurança. Relator: Min. Sepúlveda Pertence.
Publicação: DJ de 08/11/1996, pp. 43.208. Supremo Tribunal Federal. http://www.stf.gov.br. 25.03.2002.
95
RODRÍGUEZ, Marcelo Abelha. Op.cit., pp. 92-98.
24
isso porque o pedido de suspensão não tem como objeto nem a reforma nem a anulação da
decisão, posto que, “mesmo depois de concedida a medida, o conteúdo da decisão
permanecerá incólume”.
Assevera, ainda, que “as razões para se obter a sustação da eficácia da
decisão não está [sic] no conteúdo jurídico ou antijurídico da decisão concedida, mas na sua
potencialidade de lesão ao interesse público” 96. Para fundamentar sua tese, refere-se a um
julgado do Superior Tribunal de Justiça97:
“Tratando-se de liminar que não implica risco de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança
e à economia públicas, não cabe o requerimento de suspensão ao presidente do tribunal
previsto no art. 4o da Lei n. 4.348/64, mas, sim, agravo de instrumento para um dos órgãos
colegiados da Corte”.
Ressalta também que o incidente de suspensão não se confunde com o
antigo instituto da avocação de causas para o Supremo Tribunal Federal, previsto na alínea
“o” do inciso I do art. 119 da Carta pretérita, com a redação da Emenda Constitucional n.
7/77, posto que “a única semelhança desse instituto com o incidente de suspensão de
execução de decisão judicial diz respeito à finalidade preventiva de ambos”98.
Por fim, alerta que, “mais grave do que apontar uma natureza de recurso ou
de ação para esse incidente, é emoldurá-lo sobre o rótulo de medida administrativa praticada
pelo presidente do tribunal no exercício de poder de polícia”. Isto significaria admitir a
sobreposição de um ato administrativo a um ato jurisdicional. Por outro lado, não é possível
admitir que um ato administrativo pudesse vir a ser desafiado por um recurso de natureza
processual. “Se fosse medida administrativa, o remédio jurídico para atacá-la seria, por certo,
o mandado de segurança e não o recurso de agravo como está previsto na lei” 99.
No mesmo sentido, qual seja, o de que o instituto da suspensão de segurança
não tem natureza recursal, mas sim de incidente processual, manifesta-se, com propriedade,
Bernardo Pimentel Souza100. Nas suas palavras:
“Em primeiro lugar, o instituto da suspensão de segurança não tem natureza recursal. Na
verdade, trata-se de incidente processual, que não tem o condão de afastar a via recursal
adequada. Sob o ponto de visa técnico-processual, o recurso é marcado pela existência de
96
Idem.
97
Recurso Especial n. 120.530/SP. Relator: Min. Adhemar Maciel. Superior Tribunal de Justiça.
http:/www.stj.gov.br. 25.03.2002.
98
99
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Op.cit. pp. 92-98.
Idem.
100
SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. Belo Horizonte-MG:
Mazza Edições Ltda. 2ª edição. 2001, pp. 275-276.
25
prazo peremptório para o respectivo exercício. Todavia, não há na legislação de regência da
suspensão prazo peremptório para a formulação do requerimento. E mais. O recurso pode
ensejar a reforma, a cassação ou a integração da decisão jurisdicional impugnada. Ao revés,
como o próprio nome revela, o instituto da suspensão tem como finalidade específica
‘suspender’ ‘a execução’ da decisão. Realmente, não é possível reformar ou cassar a
decisão na angusta via da suspensão.
Conclusão oposta configuraria verdadeira contradictio in adiecto. A legislação de regência
da suspensão ainda fornece outros argumentos que demonstram a ausência da natureza
recursal do instituto. Tanto o artigo 4o da Lei n. 4.348 como o artigo 25 da Lei n. 8.038
utilizam o vocábulo ‘requerimento’ ao tratar da suspensão. Ao revés, o recurso é
‘interposto’ conforme revelam os artigos 506, 507, 508, 509, 511, 541 e 559, todos do
Código de Processo Civil. Ademais, a expressão ‘respectivo recurso’ inserta no artigo 4o
também reforça a conclusão de que o instituto não pode ser confundido com o recurso
próprio. O proêmio do § 3o do artigo 25 conduz ao mesmo raciocínio: ‘A suspensão de
segurança vigorará enquanto pender o recurso’”.
2.07 Conclusão.
O instituto da suspensão de eficácia de decisões judiciais proferidas contra o
Poder Público não tem natureza jurídica de ato administrativo ou político. Conferir tal
natureza ao instituto seria admitir a supremacia de um ato administrativo ou político do
presidente do tribunal sobre uma decisão jurisdicional, ainda que de instância inferior, para a
qual a lei prevê a possibilidade de recurso processual. Andou bem Marcelo Abelha
Rodrigues101 quando teceu críticas a essa tese, ainda porque tanto a decisão que dá ensejo ao
pedido de suspensão, como a que decide o referido pedido, têm índole jurisdicional.
Também não tem natureza recursal. Em sentido restrito, recurso é a
provocação de um novo exame da decisão pela mesma autoridade ou outra superior. Melhor
ainda, nas palavras de José Carlos Barbosa Moreira102: “É remédio voluntário e idôneo para
ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidade, o esclarecimento ou a integração
de decisão judicial que se impugna”. Ora, o requerimento de suspensão não visa a reforma ou
a anulação da decisão objeto do pedido e a decisão do presidente do tribunal sobre o pedido
de suspensão prende-se tão-somente à análise da ocorrência dos pressupostos legais
autorizadores da medida – grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia publica –,
não examinando existência de eventual error in judicando ou error in procedendo da decisão
objeto do requerimento de suspensão.
Embora prevaleça na doutrina e na jurisprudência, inclusive a do Supremo
Tribunal Federal, tese de que a natureza jurídica do requerimento de suspensão é a das
cautelares, mais precisamente uma contracautela, posto que presentes os requisitos gerais do
101
102
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Op.cit., pp. 95/96.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense:
1985, vol. 5, p. 229).
26
fumus boni iuris e periculum in mora, mais os da provisoriedade e da instrumentalidade, a
razão parece estar com Marcelo Abelha Rodrigues103, segundo o qual os que assim definem o
instituto partem de um critério equivocado, qual seja, o de sua finalidade, e não de sua gênese,
que é, na essência, um incidente processual, porque se manifesta por intermédio de um
incidente.
Questão interessante é a seguinte: o requerimento de suspensão, consoante
descreve Cristina Gutiérrez104, parece preencher os requisitos de uma ação incidental
autônoma de impugnação, posto que instaura uma novo processo.
Entretanto, consoante afirma categoricamente Francesco Conte105, o
requerimento de suspensão não possui natureza de ação, pela inexistência de pretensão
resistida. De igual modo, Élio Wanderley de Siqueira Filho106 afirma que “não se pode
enquadrar a suspensão da liminar ou da segurança entre as ações”. Justamente por “não se
poder falar em pretensão resistida, vez que o pedido não ataca o direito líquido e certo do
impetrante, objetivando tão-somente suspender os efeitos do pronunciamento judicial, não há
uma nova ação”.
Os incidentes processuais podem-se manifestar por intermédio de um ponto
incidente, uma questão incidente ou uma causa incidente: 1) será causa incidente, “quando se
manifestar por ação incidental no feito já existente, num verdadeiro processo incidental; 2)
será questão incidente, quando possuir natureza jurídica de questão, isto é, quando, no curso
normal do processo, surgir uma controvérsia ou dúvida sobre aquilo que se afirma na razão da
pretensão; 3) por sua vez, será ponto incidental, quando tratar-se de ponto qualquer de
afirmação ou negação de fato ou de direito contida na razão da pretensão” 107.
Assim sendo, o fato de o instituto constituir-se em uma causa incidental,
uma questão incidente ou um ponto incidente, isso não lhe retira a natureza de um incidente
processual, posto que incide, cai, em um processo principal já existente. Incidente processual
nada mais é do que “uma situação nova que cai sobre algo preexistente”, ou, ainda, “fato
jurídico que surge no curso normal do feito, incidindo sobre a relação jurídica processual
103
Op.cit., p. 92.
104
GUTIÉRREZ, Cristina. Op.cit., p. 53.
105
CONTE, Francesco. Suspensão de execução de medidas liminares e sentenças contra o Poder Público.
ADV Advocacia Dinâmica. Julho de 1995, p. 9.
106
SIQUEIRA FILHO, Hélio Wanderley. Da ultra-atividade da suspensão de liminar em writ. Revista
Forense. Janeiro – Fevereiro – Março, vol. 221, ano 1989.
107
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Op.cit., pp. 25-26.
27
anterior, causando-lhe embaraço, justamente porque não faz parte de sua essência”, ou,
melhor, “fato jurídico superveniente, seja decorrente da vontade humana, seja decorrente de
agente da natureza (fato jurídico em sentido lato), que cai sobre a relação jurídica processual
em movimento”108.
Entretanto, se o requerimento de suspensão de segurança é incidente
processual, cabe esclarecer que não é, por óbvio, mero ponto incidente, mas também não é
ação incidente, pois lhe faltam requisitos para tanto. É incidente processual voluntário, não
suspensivo do processo, que se manifesta por uma questão incidente, processada por meio de
um procedimento lateral e avulso ao procedimento principal.
Ainda, sobre a natureza da decisão proferida no incidente de suspensão de
segurança, destaca-se entendimento de Cristina Gutiérrez109, quando lhe atribui 1) caráter
político – no sentido da valorização do interesse público em jogo pelo presidente do tribunal;
2) natureza desconstitutiva – posto que atua no plano da eficácia da decisão objeto de
suspensão, e não no plano de sua validade; 3) natureza rebus sic standibus – lembrando
acerca do cabimento de revisão, pelo presidente do tribunal respectivo para o conhecimento
do recurso, de sua decisão suspensiva dos efeitos da liminar ou da sentença; 4) conteúdo
sentencial da decisão suspensiva – posto que, tanto o requerimento de suspensão, como o de
revisão de suspensão concedida, constituem novas relações jurídicas processuais em relação
às ações originárias previstas nas Leis de regência, e 4) natureza cautelar – segundo a
tradicional classificação das ações (e seus respectivos processos e sentenças) em de
conhecimento, de execução e cautelar, sendo as ações de conhecimento qualificadas de
declaratórias, constitutivas, condenatórias ou mandamentais, de acordo com o provimento que
se pretende alcançar110.
Conclui dizendo que, “da mesma forma que o pedido de suspensão,
transparece nítida a natureza jurídica da decisão suspensiva da liminar ou de sentença: decisão
política, de conteúdo sentencial cautelar e desconstitutivo, rebus sic standibus”111.
A esse respeito, Marcelo Abelha Rodrigues112, fiel ao seu entendimento,
afirma que “o pronunciamento a ser dado pelo presidente do tribunal é uma decisão
108
Idem, p. 26-30.
109
GUTIÉRREZ, Cristina. Suspensão de liminar e de sentença na tutela do interesse público. Rio de
Janeiro: Forense, 2000, pp. 61/62
110
GUTIÉRREZ, Cristina. Op.cit., p. 47.
111
Idem, op.cit., p. 64.
28
jurisdicional monocrática em sede de tribunal, de natureza interlocutória, já que resolveu uma
questão incidente no curso do processo sem extingui-lo”.
Adverte para o fato de que é assente na doutrina a utilização da expressão
cautelar para designar a finalidade do incidente, mas prefere se utilizar do rigor técnico,
visando evitar confusão com a tutela de índole realmente cautelar, “que se coloca como
instrumental ao quadrado”113, porque garante o fim útil do processo principal. Por isso, afirma
que a atividade cognitiva do juiz, emitindo decisão favorável, tem cunho predominantemente
preventivo. É que “preventivo e cautelar (este tomado na concepção de processo cautelar) não
são sinônimos”114.
Definitivamente, a preventividade do caso em tela não está relacionada com
o fim útil do processo no qual “caiu” o incidente. Isto porque o motivo da decisão suspensiva
do presidente do tribunal, que susta a eficácia da decisão de instância inferior, “não é a
legalidade ou ilegalidade dessa mesma decisão, isto é, não se quer tutelar o fim útil do
processo, porque o que está em jogo não é o mesmo interesse público a ser protegido pelo
incidente”, não existindo relação de instrumentalidade entre a suspensão da eficácia da
decisão e a tutela jurisdicional pleiteada pelo demandante. Em outras palavras, não há falar
em instrumentalidade da suspensão da eficácia da decisão, se nem sequer há exame no plano
da validade da decisão proferida em instância inferior, bem assim “não há uma relação direta
ou biunívoca entre o bem tutelado pela medida suspensiva e o bem da vida discutido no
processo sobre o qual caiu o incidente” 115.
No seu sentir, trata-se de atividade de conhecimento exercida pelo
presidente do tribunal, restando identificar, contudo, se o provimento assume natureza
declaratória, constitutiva ou condenatória, para concluir que se trata de decisão de natureza
112
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Op.cit., p. 157.
113
Idem, pp. 158-159.
114
Mais uma vez adverte Marcelo Abelha Rodrigues, em sua pluricitada obra, que, sempre que
conceituarmos os institutos processuais pela finalidade, mediata ou imediata, perceberemos que grande parte
deles possui “índole”, “finalidade” ou “natureza” CAUTELAR, resguardadora ou protetora de valores. Mas uma
coisa é a finalidade, aspecto teleológico do instituto, e outra é a sua natureza jurídica. “A decisão do presidente
que julga o pedido de suspensão de execução da decisão judicial tem inescondível função protetora, preventiva,
acauteladora, resguardadora do interesse público, embora isso não nos permita dizer que a sua natureza jurídica
(em que categoria irá se enquadrar no direito) seja de provimento típico do processo cautelar, pelo simples fato
de que, para se enquadrar nessa categoria jurídica, não basta uma finalidade preventiva, mas, principalmente, que
essa finalidade esteja relacionada com a asseguração de outro provimento ou processo do qual o cautelar é
acessório ou instrumental”. Assim, “apenas em sentido genérico, latíssimo mesmo, como foi colocado no início
deste parágrafo, é que podemos falar em ‘natureza cautelar’ deste instituto”. (v. op.cit., p. 160).
115
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Op.cit., p. 161.
29
constitutiva porque, “quando o presidente suspende a execução da decisão, cria situação
jurídica nova, porque antes dela tinha a situação jurídica de exeqüibilidade da decisão, coisa
que, depois da suspensão, não mais tem, pelo fato de que esta lhe retirou, temporariamente, a
eficácia executiva, criando, pois, situação jurídica diversa da anterior” 116.
Entretanto, deve-se discordar da afirmação de que a decisão proferida no
incidente de suspensão de segurança tem natureza política de conteúdo sentencial, por
resolver ação autônoma de impugnação. Sua natureza é de um incidente processual, com
nítida finalidade cautelar.
Sobre ter a decisão proferida no incidente de suspensão natureza rebus sic
standibus, parece ser procedente tal afirmação. É que a cláusula rebus sic standibus parece
estar presente em toda decisão judicial, principalmente nas decisões interlocutórias. Assim,
deve-se reconhecer também nas decisões sobre suspensão de segurança a presença de referida
cláusula.
A questão vem regulada pelo Código de Processo Civil, em seu art. 471, que
trata das relações jurídicas continuativas. Dito preceito assevera que, sobrevindo
“modificação no estado de fato ou de direito, poderá a parte pedir a revisão do que foi
estatuído na sentença”.
Dita cláusula atua diretamente na eficácia da decisão judicial, de modo que
até mesmo a sentença transitada em julgado dela não escapa, caso sobrevenha modificação da
situação fática ou jurídica sobre as quais se formou a coisa julgada material. Assim, se a
cláusula rebus sic standibus atinge, até mesmo, a coisa julgada, nada obsta a que interfira na
eficácia de decisões interlocutórias, bastando que sobrevenha modificação no suporte fático
ou jurídico da decisão proferida.
É que “a sentença tem eficácia enquanto se mantiverem inalterados o direito
e o suporte fático sobre os quais estabeleceu o juízo de certeza. Se ela afirmou que uma
relação jurídica existe ou que tem certo conteúdo, é porque supôs a existência de determinado
comando normativo (norma jurídica) e de determinada situação de fato (suporte fático de
incidência); se afirmou que determinada relação jurídica não existe, supôs a inexistência, ou
do comando normativo, ou da situação de fato afirmada pelo litigante interessado. A mudança
de qualquer desses elementos compromete o silogismo original da sentença, porque estará
alterado o silogismo do fenômeno de incidência por ela apreciado: a relação jurídica que antes
116
Idem, p. 166.
30
existia deixou de existir, e vice-versa. Daí afirmar-se que a força da coisa julgada tem uma
condição implícita, a da cláusula rebus sic standibus, a significar que ela atua enquanto se
mantiverem íntegras as situações de fato e de direito existentes quando da prolação da
sentença. Alterada a situação de fato (muda o suporte fático, mantendo-se o estado da norma)
ou de direito (muda o estado da norma, mantendo-se o estado de fato), ou dos dois, a sentença
deixa de ter força de lei entre as partes, que até então mantinha”117.
Assim, uma vez demonstrado pela parte interessada o desaparecimento do
risco de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas, decorrente de fato
superveniente a que alude o art. 471, inciso I, do Código de Processo Civil, é cabível a
revisão, pelo presidente do tribunal respectivo para o conhecimento do recurso, de sua decisão
suspensiva dos efeitos da liminar ou da sentença118. De igual modo, o aparecimento
superveniente do risco de grave lesão aos bens jurídicos tutelados pelo instituto da suspensão
de segurança autoriza o Ente Público a manejar o requerimento de suspensão, visando
suspender a execução da decisão objeto do pedido.
Ademais, é característica dos provimentos de urgência a provisoriedade e a
revogabilidade, não havendo falar em decisão de mérito no incidente de suspensão, porque
não versa sobre a lide, e, por isso, não transita em julgado. Sua mutabilidade e revogabilidade
decorrem da própria natureza de seus objetivos, querendo isto dizer que, se desaparece a
situação fática que levou o órgão jurisdicional a acautelar o interesse da parte, cessa a razão
de ser da precaução119.
Por tudo, é possível concluir que o instituto da suspensão de segurança dá
ensejo a um incidente processual, mais precisamente uma questão incidente, com finalidade
de contracautela, que tem como escopo retirar a eficácia da anterior decisão jurisdicional,
ensejando a prolação de decisão monocrática do presidente do tribunal de natureza
constitutiva negativa, que projeta efeitos ex nunc, consoante já decidiu o Superior Tribunal de
Justiça120, e que contém ínsita a cláusula rebus sic standibus.
117
ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo. Editora
Revista dos Tribunais, 2005, pp. 88-89.
118
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120
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