JOÃO BATISTA DE FIGUEIREDO SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DAS DECISÕES JUDICIAIS PROFERIDAS CONTRA O PODER PÚBLICO (notícia histórica, legislação e natureza jurídica) Artigo apresentado como exigência para a conclusão do Curso de PósGraduação em Direito Processual Civil, sob a orientação do Professor DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES. Fundação Escola Superior do Ministério Público Federal - FESMPDFT BRASÍLIA - 2008 1 1 Notícia histórica e evolução legislativa. É muito provável que a existência do instituto da Suspensão de Segurança1 no Brasil decorra de inspiração romana2. É que, no período formulário do direito romano, a sentença prolatada produzia coisa julgada logo após ser proferida pelo juiz popular, não havendo a possibilidade de ser reformada pelo mesmo juiz ou por outro3. Entretanto, “indiretamente podia a parte vencida chegar a resultado a que modernamente se atinge com recursos”4. Um desses mecanismos era o intercessio, que consistia no veto que um magistrado fazia à exceção de um ato ordenado por outro. Por esse instituto, um juiz de igual ou superior hierarquia poderia suspender a execução de um ato prolatado por outro magistrado5. Outros países adotam medida similar à nossa, como na acción de amparo do direito argentino, prevista no art. 2o, alínea “c”, da Lei n. 16.986/66. Assim também no art. 86 da Lei austríaca de 1945, que permite à Corte ordenar a suspensão da execução do ato impugnado, se a medida ocasionar prejuízos à autoridade e ao interesse público. Na legislação de outros países é possível encontrar a presença de institutos similares ao nosso, como no recurso de amparo da Costa Rica, nos direitos suíço, germânico, e até em países da commom law, como na legislação de alguns writs americanos6. No Brasil, “a previsão legislativa do incidente de suspensão de execução de decisão judicial tem sua origem histórica presa à ação de mandado de segurança, motivo pelo 1 A expressão “suspensão de segurança”, que surgiu no ordenamento jurídico pátrio para suspender os efeitos de liminar em mandado de segurança, é atualmente termo genérico, utilizada não só para denominar o instituto aplicado em mandado de segurança, mas também nas demais ações proferidas contra o Poder Público. 2 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Suspensão de Segurança: sustação da eficácia de decisão judicial proferida contra o poder público. 1a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 72. 3 Entre os romanos a instância se dividia, até certa época, em duas fases: a in jure (perante o pretor) e a apud judicem (perante o juiz popular designado pelo pretor). O pretor não julgava, apenas nomeava um judex (juiz popular) para sentenciar. Este juiz não era funcionário do Estado. Ele ouvia as partes, em procedimento que inicialmente primava pela oralidade. Com o correr dos tempos, surgiu o processo formulário, que criou as seguintes modificações: o pretor já não se limitava a enviar as partes ao juiz popular, mas passou a fazê-lo através de uma fórmula escrita (daí o nome de processo formulário) que fixava o objeto do litígio, só podendo o juiz popular emitir o seu julgamento nos limites estabelecidos pela fórmula e não mais com a liberdade de que antes dispunha. Quando as partes aceitavam a fórmula tal como estava redigida pelo autor, com a colaboração do juiz e do réu, terminava a fase in jure e surgia a litis contestatio. Através dos tempos o pretor passou a ter o poder de criar ações para os casos não previstos, o que fazia concedendo uma fórmula, e daí a denominação de direito pretoriano ou jurisprudencial (v. Enciclopédia Jurídica Eletrônica Leib Soibelman, v. 2.0, 1998). 4 Apud RODRIGUES, Marcelo Abelha. Suspensão de Segurança: sustação da eficácia de decisão judicial proferida contra o poder público. 1a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 72. 5 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Op.cit. p. 72. 6 Idem, pp. 73/74. 2 qual sua previsão legislativa expressa só surgiu com o advento do próprio mandado de segurança”7. Foi o texto da Constituição Federal de 1934 que trouxe, por assim dizer, a “certidão de nascimento do mandado de segurança”8. O § 33 do art. 113 da Constituição de 19349 admitiu, pela primeira vez, o mandado de segurança em nosso ordenamento jurídico, ação constitucional que veio a se tornar a razão propulsora das suspensões de que trata este trabalho. Com a previsão constitucional do mandado de segurança, veio a lume a Lei n. 191, de 16 de janeiro de 1936, publicada no D.O. de 21 de janeiro de 1936, com o nítido propósito de estabelecer os procedimentos a serem usados na impetração, tramitação e no julgamento do mandado de segurança. Assim dispunha o art. 13 da referida lei: “Art. 13. Nos casos dos arts. 8o, §9o10, e art. 1011, poderá o presidente da Corte Suprema, quando se tratar de decisão da Justiça Federal, ou da Corte de Apelação, quando se tratar de decisão de justiça local, a requerimento do representante da pessoa jurídica de direito público interno interessada, para evitar lesão grave à ordem, à saúde ou à segurança pública, manter a execução do ato impugnado até o julgamento do feito, em primeira ou segunda instância.” Assim, a idéia básica do art. 13 da Lei 191/36 era de manutenção do ato tido como coator, determinando uma proteção provisória de clara proximidade com o instituto da suspensão de eficácia, quer de sentença, quer de liminar, já que o texto fala em “decisão”, que, de acordo com os arts. 8o, § 9o, e 10 da citada lei, tanto poderia ser initio litis ou final12. 7 Ibidem, p. 74. 8 OLIVEIRA, Francisco Antônio de. Mandado de Segurança e Controle Jurisdicional. 3a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 25. 9 “CF-1934, Art. 113, § 33. Dar-se-á mandado de segurança para a defesa de direito incontestável ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade.” 10 “Art. 8o. A inicial será desde logo indeferida quando não for caso de mandado de segurança ou lhe faltar algum dos requisitos desta lei. [...] §9o. Quando se evidenciar, desde logo, a relevância do fundamento do pedido, e decorrendo do ato impugnado lesão grave irreparável do direito do impetrante, poderá o juiz, a requerimento do mesmo impetrante, mandar, preliminarmente, sobrestar ou suspender o ato aludido.” 11 “Art. 10. Julgando procedente o pedido, o juiz: [...] Parágrafo único. Recebendo a cópia da sentença, o representante da pessoa jurídica de direito público, sob pena de responsabilidade ou, no caso do art. 1o, parágrafo único, o representante da pessoa que praticou o ato impugnado, sob pena de desobediência, dará imediatamente as providências necessárias para cumprir a decisão judicial.” 12 VILLELA, Gilberto Etchaluz. A Suspensão das liminares e das sentenças contra o Poder Público. 1a ed. Porto Alegre: Editora Síntese Ltda., 1998, pp. 29/30. 3 “Embora a interposição do recurso simultaneamente ao pedido de suspensão ao Presidente não constitua hoje um pressuposto para a sua utilização, não se pode negar, ao menos historicamente, que esse era o desejo do legislador, já que no anteprojeto original, depois substituído e convertido nesse artigo desta lei, a expressão ‘do feito’ passou a ocupar a expressão ‘do recurso’ constante no projeto original. O art. 5o, § 3o, do anteprojeto assim dispunha: ‘Não terá efeito suspensivo o recurso da decisão que conceder o mandado. Se, entretanto, o cumprimento imediato acarretar dano irreparável à ordem ou à saúde pública ou à segurança nacional, o Presidente do Tribunal ad quem poderá suspender, a requerimento da autoridade, a execução do mandado até a decisão do recurso’”13. Consoante se conclui da análise do retro mencionado art. 13, combinado o com os arts. 8 , §9o e 10, é possível afirmar: 1) as competências definidas para a apreciação da manutenção do ato impugnado eram, respectivamente, do presidente da Corte Suprema, para manter decisões da Justiça Federal, ou dos presidentes dos tribunais de justiça, para manter as decisões dos órgãos das justiças locais; 2) o objeto: manutenção do ato hostilizado da autoridade tida como coatora; 3) a causa de pedir: evitar graves lesões à ordem, à saúde ou à segurança públicas, sem inclusão, ainda, da grave lesão à economia pública; 4) a legitimidade ativa era dada, exclusivamente, à pessoa de direito público interno contra a qual foi deferida a decisão, seja ela liminar ou final. No período do “Estado Novo”, pomposo título para o estado ditatorial e policialesco criado por Getúlio Vargas com o golpe de 1937, a Carta Política de 10 de novembro daquele ano retirou do mandamus seu status de remédio constitucional, outorgada que fora por Getúlio Vargas. Entretanto, o mandado de segurança sobreviveu, ainda que, unicamente, à custa de legislação infraconstitucional, vigendo a Lei n. 191/3614. Com o advento do Código de Processo Civil de 1939, a Lei n. 191/36 foi revogada, já que aquele Estatuto cuidou do processamento do mandado de segurança, nos arts. 319 a 331, assim dispondo em seu art. 328: “Art. 328. A requerimento do representante da pessoa jurídica de direito público interessada e para evitar lesão grave à ordem, à saúde ou à segurança pública, poderá o presidente do Supremo Tribunal Federal ou do Tribunal de Apelação, conforme a competência, autorizar a execução do ato impugnado.” 13 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Suspensão de segurança: sustação da eficácia de decisão judicial proferida contra o poder público. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 78. 14 OLIVEIRA, Francisco Antônio de. Mandado de segurança e controle jurisdicional. 3a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, 25. 4 A norma acima transcrita foi visivelmente mais sucinta que a anterior, pois deixou de prever o prazo de duração do incidente de suspensão de execução de liminar, “apesar de o entendimento doutrinário continuar sendo o de que a suspensão da execução da liminar perduraria até a sua substituição pela sentença ou pelo acórdão, caso tivesse sido concedida, nesta última hipótese, em sede de mandado de segurança de competência originária do tribunal”. Entretanto, a competência para apreciar o pedido de suspensão foi definida pela norma com maior clareza, atribuindo-a ao “presidente do Supremo Tribunal Federal nos writs de competência originária de tribunal quando do deferimento da liminar, e, ainda, na hipótese típica de suspensão de execução de liminar em mandado de segurança concedida por juiz singular” 15. Tanto a liminar concedida no mandado de segurança como a sentença pronunciada no mesmo processo, poderiam ser objeto de decisão dos presidentes do Supremo Tribunal Federal ou do Tribunal de Apelação, conforme a competência, para autorizar a execução do ato impugnado16. Portanto, é possível afirmar que, à luz do disposto no retro transcrito art. 328: 1) as competências definidas para autorizar a execução do ato da autoridade tida como coatora eram, respectivamente, do presidente do Supremo Tribunal Federal, ou do presidente do Tribunal de Apelação, conforme tratasse de writs de competência originária de tribunal, ou na hipótese de writs da competência de juiz de primeiro grau; 2) o objeto: manutenção do ato hostilizado da autoridade tida como coatora; 3) a causa de pedir: evitar graves lesões à ordem, à saúde ou à segurança públicas, sem se referir, ainda, a exemplo do preceito anterior, à grave lesão à economia pública; 4) a legitimidade ativa era dada a representante de pessoa jurídica de direito público interessada. Em 1946, com a Constituição Federal promulgada pelo Congresso Constituinte de 18 de setembro, restaurava-se a democracia no país17, retornando o mandado de segurança ao status constitucional18. 15 RODRIGUES. Marcelo Abelha. Op.cit. p. 80. 16 VILLELA. Gilberto Etchaluz. Ob.cit., p. 31. 17 OLIVEIRA, Francisco Antônio de. Op.cit., p. 26. 18 “CF-1946, Art. 141, § 24. Para proteger direito líquido e certo não amparado por hábeas corpus, conceder-se-á mandado de segurança, seja qual for a autoridade responsável pela ilegalidade ou abuso de poder.” 5 Não obstante o retorno do mandado de segurança ao texto constitucional de 1946, o Código de Processo Civil de 1939 continuou a regular seu processamento, até o advento da Lei n. 1.533/51. Em 31 de dezembro de 1951, veio à luz a atual lei de regência do mandado de segurança, que, no seu art. 13, dispôs, pela primeira vez, sobre a suspensão. Não se referiu a liminares, prevendo apenas os casos de execução de sentenças. Tampouco forneceu os parâmetros para sua concessão19: “Quando o mandado fôr concedido e o Presidente do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal Federal de Recursos ou do Tribunal de Justiça ordenar ao juiz a suspensão da execução da sentença, dêsse seu ato caberá agravo de petição para o tribunal a que presida.” Nos dizeres de Marcelo Abelha Rodrigues20, consoante excertos abaixo transcritos: “Como se vê, o artigo citado retro, na tentativa de melhorar o tema, acabou por complicar o instituto, já que, não obstante ter trazido inovação salutar no tocante ao recurso de agravo de petição contra decisão suspensiva do presidente do tribunal, deixou de prever as hipóteses que dariam suporte ao pedido e ao deferimento da suspensão de execução de liminar. Parece que o ‘esquecimento’ do legislador com relação a indicação das hipóteses que ensejariam a suspensão da execução foi propositado, no sentido de permitir que ficasse a critério dos presidentes os motivos que justificassem a suspensão, tendo como parâmetro jurídico a legislação anterior. Destarte, percebe-se ainda que o referido dispositivo não mais autorizava a concessão de medida suspensiva de execução de liminar, relegando à hipótese de suspensão de execução de sentença, como pode ser visto no texto. Mesmo assim, isso não criou dificuldade para a doutrina e a jurisprudência estenderem o dispositivo às liminares concedidas no mandado de segurança.” Desse modo, a exegese do retro citado artigo 13, levada a efeito tanto pela doutrina como pela jurisprudência, permite afirmar que: 1) as competências para ordenar a suspensão da sentença, e da liminar: eram, respectivamente, do Presidente do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal Federal de Recursos ou do Tribunal de Justiça, conforme o caso; 2) o objeto: suspensão da execução da sentença e de liminar; 3) a causa de pedir: o preceito sob comento não se referiu, ao contrário das normas anteriores, aos pressupostos ensejadores do pedido de suspensão, ficando os motivos a critério dos respectivos presidentes dos tribunais; 4) a legitimidade ativa: desta feita, também não foi objeto de especificação pelo legislador, reforçando a necessidade de se aplicar, in caso, os ditames da legislação anterior sobre o tema. 19 GUTIERREZ, Cristina. Suspensão de liminar e de sentença na tutela do interesse público. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 29. 20 Op.cit., p. 81. 6 Aliás, acerca da aplicabilidade da legislação anterior que definiu os procedimentos a serem observados no processamento do mandado de segurança, outra não foi a tese defendida por Pontes de Miranda, ao asseverar que “o dispositivo que cuidava da suspensão da execução não havia sido revogado pela Lei n. 1.533, motivo pelo qual continuavam a ser utilizados, obrigatoriamente, os parâmetros estabelecidos na legislação anterior” 21. Diante de tantas imperfeições apresentadas pelo art. 13 da retro mencionada Lei n. 1.533/51, foi editada a Lei n. 4.348/64, que estabeleceu parâmetros, em seu art. 4o, para a suspensão da execução de liminar e de sentença: “Art. 4º. Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso (vetado), suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar, e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de dez (10) dias, contados da publicação do ato.” Celso Agrícola Barbi22 noticia que esta lei trouxe importantes modificações no processamento do mandado de segurança, como o prazo para informações pela autoridade coatora, a fixação do prazo de duração de medida liminar, os casos de caducidade da interlocutória, bem como a proibição de concessão de medidas liminares em certos temas relativos a servidores públicos, proibição de execução de sentenças não transitadas em julgado e novas regras nas hipóteses de suspensão de execução de liminares ou de sentenças. A Lei n. 4.348/64, “em seu art. 4o, deu maior amplitude, ao atribuir, genericamente, a competência ‘ao presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso’, abrangendo, assim, os órgãos da Justiça Especial (Eleitoral, Trabalhista, etc.) que haviam sido omitidos na Lei n. 1.533” 23. Pela primeira vez, a lei tratou da questão econômica, compondo as causas de pedir da suspensão. Ainda, acrescenta o eminente processualista que pela primeira vez a norma não especificou quais presidentes de Cortes deveriam apreciar o pedido de suspensão. Porém, falou com exclusividade de liminares e sentenças em mandado de segurança24. A decisão pela suspensão proferida pelo presidente do tribunal era agravável em 10 (dez) dias, mas somente a que deferia a suspensão, e não a que denegava. Aliás, para 21 Apud RODRIGUES, Marcelo Abelha. Op.cit., p. 81. 22 BARBI, Celso Agrícola. Do mandado de segurança. Ed. revista e aumentada. Rio de Janeiro: Forense, 2000, pp. 33/34. 23 GUTIERREZ, Cristina. Op.cit., p. 30. 24 VILLELA, Gilberto Etchaluz.Op.cit., p. 33. 7 dirimir controvérsias sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal editou o enunciado n. 506, cujo texto é o seguinte25: “Súm. 506/STF. O agravo a que se refere o art. 4o da Lei n. 4.348, de 26.06.64, cabe, somente, do despacho do Presidente do Supremo Tribunal Federal que defere a suspensão da liminar em mandado de segurança; não do que a denega.”26 A redação empregada pelo Supremo Tribunal Federal no verbete acima transcrito foi muito criticada pela doutrina, isto porque a lei não limitou o agravo apenas às decisões do presidente daquela Corte, uma vez que o recurso era igualmente cabível contra as decisões dos presidentes das demais Cortes. Além disso, também eram agraváveis as decisões pelo deferimento da suspensão dos efeitos de sentenças finais. Aliás, Marcelo Abelha Rodrigues27 traz um comentário acerca do veto que aparece entalhado no art. 4o da Lei n. 4.348/64, a saber: “O veto que aparece no meio do dispositivo refere-se à atávica idéia, que nos parece equivocada, de que no procedimento do mandado de segurança não seria cabível o recurso de agravo de instrumento. Assim, quando o dispositivo quis identificar a competência do presidente do tribunal, indicou que será aquele que presidir o tribunal que terá competência para conhecer do respectivo recurso.” Ainda sobre o texto do pluricitado artigo 4o, afirma Marcelo Abelha Rodrigues28 que “foi justamente desse texto, embora mais recentemente, que o incidente em estudo se espraiou para outros procedimentos, tais como o art. 12, § 1o29, da Lei 7.347/85, art. 2530 da Lei 8.038/90, art. 4o31 da Lei 8.437/92, art. 1o32 da Lei 9.494/97 e art. 1633 da Lei 9.507/97”. 25 Idem. 26 No julgamento da SS 1945 AgR-AgR-AgR-QO (RTJ 186/112), o Pleno do Supremo Tribunal Federal “revogou” o enunciado n. 506 de sua Súmula. 27 28 Op.cit., pp. 83/84. Idem. 29 “ART.12 - Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo. § 1º A requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, poderá o Presidente do Tribunal a que competir o conhecimento do respectivo recurso suspender a execução da liminar, em decisão fundamentada, da qual caberá agravo para uma das turmas julgadoras, no prazo de 5 (cinco) dias a partir da publicação do ato.” 30 “ART.25 - Salvo quando a causa tiver por fundamento matéria constitucional, compete ao Presidente do Superior Tribunal de Justiça, a requerimento do Procurador-Geral da República ou da pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, suspender, em despacho fundamentado, a execução de liminar ou de decisão concessiva de mandado de segurança, proferida, em única ou última instância, pelos tribunais regionais federais ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal.” 31 “ART.4 - Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus 8 A interpretação literal do artigo sob comentário permite afirmar que: 1) a competência para suspender a execução da liminar e da sentença é do presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso; 2) o objeto: suspensão da execução da liminar ou da sentença; 3) a causa de pedir: evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas (de notar que, pela primeira vez, o legislador ordinário tratou da questão econômica); 4) a legitimidade ativa: da pessoa jurídica de direito público interessada. Celso Agrícola Barbi34 noticia que a Lei n. 6.014/73, no seu art. 3o, modificou os arts. 1235 e 1336 da Lei n. 1.533/51, para adaptá-los ao novo Código de Processo Civil. Entretanto, “como houve uma falha na adaptação do parágrafo único do art. 12 da Lei n. 1.533, a Lei n. 6.071/74 veio corrigi-la”. Acerca da modificação introduzida no art. 13 da Lei n. 1.533/51 pela Lei n. 6.014/73, esta última, lamentavelmente, ignorou as modificações introduzidas pela Lei n. 4.348/64. Isto porque a nova redação do art. 13 autorizou tão-somente ao juiz a suspensão da execução da sentença, nada dizendo acerca da suspensão de liminar37. Não obstante, “a interpretação que deve ser feita – e que vem sendo adotada pelos tribunais do País – é admitir-se, também, a suspensão da execução da liminar.”38 Aliás, outro não é o entendimento de Seabra Fagundes39: agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.” 32 “ART.1 - Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1 e seu § 4º da Lei nº 5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1º, 3º, e 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992.” 33 “ART.16 - Quando o "habeas data" for concedido o Presidente do Tribunal ao qual competir o conhecimento do recurso ordenar ao juiz a suspensão da execução da sentença, desse seu ato caberá agravo para o Tribunal a que presida.” 34 Op.cit., p. 34. 35 “ART.12 - Da sentença, negando ou concedendo o mandado, cabe apelação. (redação determinada pela Lei nº 6.014, de 27 de dezembro de 1973). Parágrafo único. A sentença, que conceder o mandado, fica sujeita ao duplo grau de jurisdição, podendo, entretanto, ser executada provisoriamente” (redação determinada pela Lei nº 6.071, de 3 de julho de 1974). 36 “ART.13 - Quando o mandado for concedido e o presidente do tribunal, ao qual competir o conhecimento do recurso, ordenar ao juiz a suspensão da execução da sentença, desse seu ato caberá agravo para o tribunal a que presida” (redação determinada pela Lei nº 6.014, de 27 de dezembro de 1973). 37 38 39 GUTIÉRREZ, Cristina. Op.cit., pp. 30/31. Idem. Apud GUTIÉRREZ, Cristina. Suspensão de liminar e de sentença na tutela do interesse público. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 31. 9 “Do contrário ter-se-ia o absurdo de uma decisão, como o despacho liminar, de muito menos significado jurídico-processual, mas com a mesma intensidade nas conseqüências que a sentença, não dar ensejo, ao invés do que sucede com esta, a despacho de efeito acautelador do interesse público”. Na esteira da regulamentação da suspensão dos efeitos de liminares e sentenças proferidas contra o Poder Público, o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, de 1980, na Parte II, Do Processo, Título X, Dos Processos Incidentais, Capítulo III, Da Suspensão de Segurança, assim tratou do instituto, em seu art. 297: “Pode o Presidente, a requerimento do Procurador-Geral, ou da pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, suspender, em despacho fundamentado, a execução de liminar, ou da decisão concessiva de mandado de segurança, proferida em única ou última instância, pelos tribunais locais ou federais. [...]. § 2º Do despacho que conceder a suspensão caberá agravo regimental. § 3º A suspensão de segurança vigorará enquanto pender o recurso, ficando sem efeito, se a decisão concessiva for mantida pelo Supremo Tribunal Federal ou transitar em julgado.” O texto do art. 297, por óbvio, regula os casos de suspensão de competência daquele Pretório Excelso. Entretanto, o texto sob análise não ficou imune a críticas. Assim é que Gilberto Etchaluz Villela40 tece os seguintes comentários acerca de sua redação: “Não é primoroso o texto regimental do STF. Primeiramente, deixa de consignar no plural – como devia – a palavra públicas. Além disso, preocupou-se – ao nosso sentir inadequadamente – em permitir a suspensão, por intermédio de seu próprio Presidente, de decisões concessivas em sentenças proferidas pelos tribunais locais ou federais em única ou última instância, ou seja, daqueles pronunciamentos definitivos das cortes locais ou federais; aquelas contra as quais a autoridade interessada, naquelas mesmas Cortes, já não tivesse mais cartuchos a gastar. Mas pecou quando admitiu rever as decisões liminares sabido que, contra essas, são, em todos os Tribunais, admitidos recursos – regimentais – que os tornam decisões em relação às quais não há de se falar em última instância”. A Lei n. 7.347/85, que disciplina a Ação Civil Pública, fez constar, no § 1o do seu art. 12: “Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo. § 1º A requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, poderá o Presidente do Tribunal a que competir o conhecimento do respectivo recurso suspender a execução da liminar, em decisão fundamentada, da qual caberá agravo para uma das turmas julgadoras, no prazo de 5 (cinco) dias a partir da publicação do ato”. Este art. 12, e seu § 1º, traz as seguintes inovações: o agravo a ser interposto da decisão do presidente do tribunal será para uma das turmas, e não para o pleno do tribunal, 40 VILELLA, Gilberto Etchaluz. A suspensão das liminares e das sentenças contra o Poder Público. Porto Alegre: Síntese, 1998, p. 34. 10 como é da tradição do nosso direito em relação às decisões presidenciais. Já o agravo previsto no caput do artigo investirá contra a decisão liminar em grau de recurso normal, ou seja, recurso de decisão interlocutória proferida liminarmente pelo juízo a quo41. Observe-se que o legislador, diferentemente das legislações anteriores sobre o tema, quis prever, no caput do sobredito artigo, a possibilidade de se agravar a decisão liminar proferida na inicial de ação civil pública. Para Marcelo Abelha Rodrigues42 esse dispositivo repetiu, quase que literalmente, o preceito na Lei n. 4.348/64, mas introduzindo uma alteração importante, posto que só se admitiu “o pedido de suspensão de execução de liminar em ação civil pública”, não se admitindo o pedido em sentença de procedência na referida ação que viesse a ser executada provisoriamente, mesmo porque o art. 1443 da Lei 7.347/85 previu a faculdade de se conceder efeito suspensivo a recurso. Em seguida, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o recém criado Superior Tribunal de Justiça publicou seu Regimento Interno, em cujo art. 271 assim tratou da suspensão de liminares e de sentenças: “Art. 271. Poderá o Presidente do Tribunal, a requerimento da pessoa jurídica de direito público interessada ou do Procurador-Geral da República, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, suspender, em despacho fundamentado, a execução de liminar ou de decisão concessiva de mandado de segurança, proferida, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal. (...) § 2º Da decisão a que se refere este artigo, se concessiva da suspensão, caberá agravo regimental, no prazo de cinco dias, para a Corte Especial. § 3º A suspensão vigorará enquanto pender o recurso, ficando sem efeito se a decisão concessiva for mantida pelo Superior Tribunal de Justiça ou transitar em julgado”. Gilberto Etchaluz Villela44 assevera que a nova redação do art. 271, “infelizmente”, e a exemplo do disposto no art. 297 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, “não levou em consideração plena a norma que vigorava a respeito (ainda o art. 4o da Lei n. 4.348/64)”. 41 Idem, pp. 34/35. 42 Op.cit., pp. 86/87. 43 “ART.14 - O juiz poderá conferir efeito suspensivo aos recursos, para evitar dano irreparável à parte.” 44 VILLELA, Gilberto Etchaluz. A suspensão das liminares e sentenças contra o poder público. Porto Alegre: Síntese, 1998, p. 35. 11 De modo semelhante ao texto regimental do Supremo Tribunal Federal, referido normativo “prevê a competência não só para as sentenças” (rectius: acórdãos), “mas também para casos de liminares, que, como sabido, não são decisões de última instância nos Tribunais inferiores” 45. A Lei n. 8.038/90, que estabelece normas procedimentais para processos de competência originária do Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, também tratou do incidente de suspensão de execução de decisões judiciais proferidas contra o Poder Público, ao prever, no seu art. 25, o seguinte: “Art. 25. Salvo quando a causa tiver por fundamento matéria constitucional, compete ao Presidente do Superior Tribunal de Justiça, a requerimento do Procurador-Geral da República ou da pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, suspender, em despacho fundamentado, a execução de liminar ou de decisão concessiva de mandado de segurança, proferida, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal. § 1º O Presidente pode ouvir o impetrante, em cinco dias, e o Procurador-Geral quando não for o requerente, em igual prazo. § 2º Do despacho que conceder a suspensão caberá agravo regimental. § 3º A suspensão de segurança vigorará enquanto pender o recurso, ficando sem efeito, se a decisão concessiva for mantida pelo Superior Tribunal de Justiça ou transitar em julgado”. O dispositivo regulou de modo mais claro a utilização do pedido de suspensão de segurança no mandado de segurança em sede de tribunal, “que até então tinha previsão expressa para liminar e sentença, pelo que se verifica na Lei 4.348/64”. Nos casos de liminar ou acórdão concedidos em mandado de segurança de competência originária de tribunal regional ou local, a competência para apreciar o pedido de suspensão da execução será do Supremo Tribunal Federal, caso envolva matéria constitucional, ou do Superior Tribunal de Justiça, tratando-se de matéria de lei federal, respectivamente46. A norma sob análise estendeu a legitimidade também para o Ministério Público. É de se questionar, entretanto, acerca da possibilidade de utilização do agravo uma vez indeferido o pedido de suspensão, não obstante o enunciado n. 217 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça ter tratado do tema47: 45 Idem. 46 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Suspensão de segurança: sustação da eficácia de decisão judicial proferida contra o poder público. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 90. 47 Idem. 12 “Súm. 217/STJ. Não cabe agravo de decisão que indefere o pedido de suspensão da execução da liminar, ou da sentença em mandado de segurança.”48 Fato importante a se registrar é que a Lei n. 8.038/90 estabelece prazo distinto do previsto na Lei n. 4.348/64 para oferecimento do recurso de agravo regimental da decisão que concede a suspensão. Em 30 de junho de 1992, foi editada a Lei n. 8.437, dispondo sobre a concessão de “medidas cautelares” contra atos do Poder Público, que tratou da suspensão em seu art. 4o e parágrafos: “Art. 4° Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. § 1° Aplica-se o disposto neste artigo à sentença proferida em processo de ação cautelar inominada, no processo de ação popular e na ação civil pública, enquanto não transitada em julgado. § 2° O presidente do tribunal poderá ouvir o autor e o Ministério Público, em cinco dias. § 3° Do despacho que conceder ou negar a suspensão, caberá agravo, no prazo de cinco dias”. Gilberto Etchaluz Villela49 entende que é a Lei n. 8.437/92, especificamente em seu art. 4o e parágrafos, que regula, atualmente, o instituto da suspensão, no que se refere a liminares nas ações movidas contra o Poder Público (todas), inclusive as deferidas em mandados de segurança. Consoante sua interpretação, a lei estaria a reger também a suspensão dos efeitos de sentenças de mesma natureza. A exceção estaria tão-só para as sentenças proferidas em mandados de segurança, cujas suspensões continuam sendo regidas pelo que dispõe o art. 4o da Lei n. 4.348/64, uma vez que, “lamentavelmente”, o legislador esqueceu-se de se referir a tais sentenças no novo texto legal de 1992, já que contemplou outras, como as das ações civis públicas e ações populares. Afirma que a Lei n. 8.437/92 trouxe outras inovações, como as seguintes: a) já não restringiu a possibilidade de recurso às decisões concessivas das suspensões, mas estendeu também essa faculdade às decisões denegatórias. A exceção ficou por conta das sentenças em mandados de segurança regidas pela Lei n. 4.348/64, que só permitem agravo quando concedida a suspensão; b) alargaram-se, também, as hipóteses de cabimento do 48 No julgamento do AgRg na SS n. 1.204-AM, na sessão de 23/10/2003, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça deliberou pelo cancelamento da Súmula n. 217. Para a maioria da Corte Especial do STJ, cabe, sim, o agravo, porquanto o sistema legal do instituto da suspensão de segurança teria sido alterado pela Lei n. 8.437/92. 49 Op.cit., pp. 35/36. 13 pedido de suspensão. Além das tradicionais causas de pedir (grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas), foi acrescida a possibilidade de pedido de suspensão em casos de manifesto interesse público e de flagrante ilegitimidade das liminares (todas) ou das sentenças regidas na lei (prolatadas em ações cautelares inominadas, ações civis públicas e ações populares), e c) ficou estabelecido na lei que a competência para apreciar o pedido de suspensão é do “presidente de tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso”, circunstância “que determina, em cada caso, qual seria esse respectivo recurso antes de direcionar o pleito” 50. Marcelo Abelha Rodrigues51, também ao comentar a dicção do art. 4o da Lei 8.437/92, observa que o legislador: 1) ampliou a legitimidade para requerer a suspensão, alcançando o Ministério Público, “se bem que já fosse possível inferi-la, por aplicação subsidiária do art. 12752 do texto magno”; 2) determinou que o recurso de agravo deve ser cabível não só contra a decisão que concede a suspensão, mas também contra a decisão que a indefere, como se vê no § 3o; 3) facultou ao presidente do tribunal apenas ouvir o Ministério Público, não obstante, na aplicação subsidiária do art. 82, III53, do Código de Processo civil, “no procedimento do incidente seria obrigatória a intervenção do MP”; 4) também facultou “ouvir o autor antes da concessão da suspensão da execução, como se vê no § 2o”; 5) cometeu um deslize no caput do art. 4o, ao utilizar-se da expressão “despacho fundamentado”, quando na verdade trata-se de uma decisão monocrática. “O equívoco decorre do fato de que não se trata de despacho, mas de decisão, e, sendo decisão, pressupõe que seja fundamentada pelo teor do art. 93, IX54, da CF/88”, e 6) na redação do sobredito art. 4o, fez consignar que a suspensão da execução da liminar pode ser dada em caso de flagrante ilegitimidade. Ao permitir “a suspensão da execução da liminar por flagrante ilegitimidade, está, ao contrário de todas as hipóteses anteriores, pretendendo entrar na discussão da juridicidade da decisão proferida pelo juízo, que, data venia, só será possível por intermédio de recurso próprio. Está, 50 Idem, p. 37. 51 Op.cit., p. 89. 52 “ART.127 - O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. [...].” 53 “ART.82 - Compete ao Ministério Público intervir: [...]; III - nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural e nas demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte.” 54 “ART.93 - Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: [...]; IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes;” 14 pois, desvirtuando a própria finalidade do instituto para lhe entregar um efeito devolutivo que não se coaduna com a sua natureza. Seria, pois, maneira de devolver ao presidente do tribunal a possibilidade de indicar que a decisão foi antijurídica porque teria havido flagrante ilegitimidade. Lembre-se: o presidente do tribunal não é órgão revisor da decisão do magistrado que concedeu a medida”. No dizer de Villela, somente com o advento da Lei n. 9.139/95, que alterou dispositivos da Lei n. 5.869/73, “foram criadas no CPC as cautelares55 emergentes dos efeitos suspensivos de que foram dotados os agravos e as apelações”56, na forma do disposto nos arts. 527 e 558, com redação dada pelos arts. 1o e 2o da primeira lei referida: “Art. 527 - Recebido o agravo de instrumento no tribunal, e distribuído incontinenti, se não for caso de indeferimento liminar (art. 557), o relator: (...) II - poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso (art. 558), comunicando ao juiz tal decisão; III - intimará o agravado, na mesma oportunidade, por ofício dirigido ao seu advogado, sob registro e com aviso de recebimento, para que responda no prazo de 10 (dez) dias, facultando-lhe juntar cópias das peças que entender convenientes; nas comarcas sede de tribunal, a intimação far-se-á pelo órgão oficial; (...) “Art. 558 - O relator poderá, a requerimento do agravante, nos casos de prisão civil, adjudicação, remição de bens, levantamento de dinheiro sem caução idônea e em outros casos dos quais possa resultar lesão grave e de difícil reparação, sendo relevante a fundamentação, suspender o cumprimento da decisão até o pronunciamento definitivo da turma ou câmara. Não tendo a Lei n. 9.494/97 tratado das cautelares emergentes dos efeitos suspensivos de que foram dotados os agravos e as apelações, na forma dos transcritos arts. 527 e 558 do Código de Processo Civil, “tais medidas cautelares só são consideradas integrantes das leis que tratam de suspensões por caminhos de exegese, ausente qualquer menção expressa” 57. A Lei n. 8.952/94 deu nova redação aos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil, que tratam do instituto da tutela antecipada. Sobreveio, então, a Lei n. 9.494/97, que, em seu art. 1o, entre outras providências, mandou que se aplicasse à tutela antecipada prevista nos sobreditos artigos o disposto no art. 4o da Lei n. 8.437/92, traspassando para a antecipação de tutela a possibilidade de suspensão da execução do provimento de natureza provisória que, como a liminar, enseja execução imediata. Eis o inteiro teor do art. 1o da Lei n. 9.494/97: “ART.1 - Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei nº 4.348, de 26 de junho de 55 Consideradas em sentido lato, visto que de cautelares propriamente ditas não se trata. 56 VILLELA, Gilberto Etchaluz. Op.cit., p. 40. 57 Idem. 15 1964, no art. 1 e seu § 4º da Lei nº 5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1º, 3º, e 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992”. Desse modo, “todas as vezes que for deferida tutela antecipada contra o Poder Público nasce a possibilidade de suspensão da execução do provimento antecipatório para proteção do interesse público”58, por força do preceito do art. 1o da Lei n. 9.494/97. Por fim, a Lei n. 9.507, de 12 de novembro de 1997, também cuidou do incidente de suspensão no novo procedimento do habeas data, consoante prescreve o art. 16 da Lei n. 9.507, de 12 de novembro de 1997: “Art. 16. Quando o "habeas data" for concedido o Presidente do Tribunal ao qual competir o conhecimento do recurso ordenar ao juiz a suspensão da execução da sentença, desse seu ato caberá agravo para o Tribunal a que presida”. Houve nítida regressão do legislador, uma vez que tanto o habeas data como o mandado de injunção eram regidos pelas normas procedimentais do mandado de segurança, conforme determina o art. 24, parágrafo único59, da Lei n. 8.038/90, sendo mesmo “criticável e de duvidosa aplicabilidade o disposto no art. 16 retrocitado”, posto que o artigo não revela os motivos ensejadores da suspensão de execução de sentença. Entende ainda o processualista que, embora não haja previsão legal de suspensão de liminar, “não deve ser descartada a sua concessão por ser inerente e ínsita à figura dos writs” 60. 2 Natureza jurídica. 2.01 Introdução. A polêmica em relação ao instituto sob comento tem início com a indagação acerca da sua natureza jurídica. Tal indagação não deve ser relegada como questão de somenos importância, sendo mesmo fundamental para sua compreensão, pois da colocação adotada a respeito decorrem implicações posteriores e decisivas quanto a todos os problemas suscitados na matéria61. 58 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Suspensão de Segurança: sustação da eficácia de decisão judicial proferida contra o poder público. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 90. 59 ART.24 - Na ação rescisória, nos conflitos de competência, de jurisdição e de atribuições, na revisão criminal e no mandado de segurança, será aplicada a legislação processual em vigor. Parágrafo único. No mandado de injunção e no "habeas data", serão observadas, no que couber, as normas do mandado de segurança, enquanto não editada legislação específica. 60 61 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Op.cit. pp. 91/92. GUTIÉRREZ, Cristina. Suspensão de liminar e de sentença na tutela do interesse público. Rio de Janeiro: Forense, p. 47. 16 Afigura-se tarefa difícil estudar a natureza jurídica do requerimento de suspensão de decisões judiciais proferidas contra o Poder Público sem fazê-lo conjuntamente com a da decisão proferida pelo presidente do tribunal competente para apreciá-lo. Isto porque a maioria dos doutrinadores costumam identificar a natureza jurídica dos provimentos jurisdicionais segundo o fim visado pela parte, no pedido inicial: se o que se deseja é o acertamento de um direito, tem-se uma ação de conhecimento, com seu respectivo processo de conhecimento e um provimento jurisdicional denominado sentença de conhecimento (podendo se desdobrar em declaratória, constitutiva e condenatória); se o que se pede é a realização efetiva de uma situação jurídica já apurada, tem-se uma ação de execução, com seu respectivo processo de execução e um provimento jurisdicional denominado de sentença executiva; por outro lado, se o que se busca é assegurar, garantir o eficaz desenvolvimento e o profícuo resultado dos processos de conhecimento e de execução, tem-se uma ação cautelar, com seu respectivo processo cautelar e um provimento jurisdicional denominado cautelar62. Como se vê, essa classificação ora apresentada leva muito mais em conta o fim visado no pedido inicial do que a gênese dos respectivos institutos jurídicos. Isto é, se o pedido visa a prevenir, a decisão jurisdicional, por certo, só pode cingir-se ao pedido de prevenção63. Tanto é assim que os doutrinadores não se têm preocupado em fazer tal distinção, embora ela exista64. Desse modo, a natureza jurídica do instituto da suspensão de decisões judiciais proferidas contra o Poder Público deve ser estudada conjuntamente, tanto sob o prisma do requerimento de suspensão como da decisão concessiva da suspensão. São diversas as teses doutrinárias acerca da natureza jurídica do instituto da suspensão da eficácia de decisões judiciais proferidas contra o Poder Público, a saber: 2.02 Natureza de ato de caráter administrativo ou político. No magistério de Francesco Conte65, o requerimento de suspensão de liminar ou de sentença não possui a natureza das ações, isto porque não há falar, in caso, em pretensão resistida, pois o “desiderato almejado repousa, ‘apenasmente’, na suspensão da 62 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo cautelar. 19ª ed., revista e atualizada. São Paulo: Livraria e Editora Universitária do Direito, 2000, pp. 33-40 63 Com a ressalva de que, conforme alerta Marcelo Abelha Rodrigues, esta classificação não leva em conta a gênese dos institutos jurídicos, considerando muito mais sua finalidade. 64 65 Op.cit., p. 64. CONTE, Francesco. Suspensão de execução de medidas liminares e sentenças contra o poder público. Revista ADV – Advocacia Dinâmica. Seleções jurídicas. Julho de 1995, p. 09. 17 execução da liminar e de sentença”, sem que haja ação nova, não apresentando também características próprias dos recursos, uma vez que a pessoa jurídica de direito público interessada não chega a expressar seu inconformismo com a decisão, sequer postulando sua reforma ou anulação. Assim sendo, segundo o jurista, o requerimento tem caráter administrativo, “que, sob este prisma, será examinado pelo presidente do tribunal, não se ajustando na moldura de ação ou mesmo ao conceito de recurso”66. Helen Gracie Northfleet67, ao analisar a natureza do provimento ao pedido de suspensão, parece entender também que tem ele caráter administrativo, pois faz referência a Francesco Conte, para dizer que “a natureza do ato presidencial não se reveste de caráter revisional, nem substitui ao reexame jurisdicional na via recursal própria”, não se constituindo recurso e menos ainda ação. Acrescenta, ainda, que o requerimento de suspensão não constitui recurso nem ação, nele não havendo espaço para o contraditório, frisando tratar-se de “excepcional autorização, em que a Presidência exerce atividade eminentemente política avaliando a potencialidade lesiva da medida concedida e deferindo-a em bases extrajurídicas, com discricionariedade própria de juízo de conveniência e oportunidade”. De igual modo, Pedro dos Santos Barcelos68, embora não se refira expressamente à natureza jurídica do requerimento de suspensão, manifesta entendimento no sentido de que “o poder discricionário dado ao presidente do tribunal competente, de suspender a execução de liminar e de sentença em mandado de segurança é um resquício do autoritarismo do Estado” e conclui asseverando que “o ato do presidente do tribunal tem cunho meramente administrativo, em caráter cautelar”. Também Diogo de Figueiredo Neto69 vê no requerimento da suspensão uma forma especial de controle administrativo hierárquico dentro do Poder Judiciário. É o que se conclui do texto abaixo transcrito: “Todavia, para que as liminares concedidas em atenção a direitos individuais, não venham a se tornar lesivas ao interesse público, assim entendida, in genere a lesão à ordem, à saúde, 66 Idem. 67 NORTHFLEET, Ellen Gracie. Suspensão de sentença e de liminar. Estudos em homenagem ao Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Revista de Processo. Ano 25. Janeiro-março de 2000, n. 97, pp.12-13. 68 BARCELOS, Pedro dos Santos. Medidas liminares em mandado de segurança. Suspensão de execução de medida liminar. Suspensão de execução de sentença. Medidas liminares. Revista dos Tribunais. Ano 80 – Janeiro de 1991 – vol. 663. 69 Apud GUTIÉRREZ, Cristina. Suspensão de liminar e de sentença na tutela do interesse público. Rio de Janeiro: Forense, 2000, pp. 48-49. 18 à segurança e à economia públicas, as Leis n. 1.533, de 31 de dezembro de 1951, no seu art. 13, e a n. 4.348/64 [sic], no seu art. 4o, estabelecem uma forma especial de controle hierárquico dentro do Poder Judiciário... Observe-se que não se trata, no caso, de um recurso processual, porquanto o Presidente do Tribunal não é instância recursal de mandado de segurança; sua competência, portanto, não vai até o emprego da força rescindente e rescisória de julgado anterior, mas, apenas, à força suspensiva da respectiva execução. E se não é, formalmente um recurso, tampouco materialmente o é; a apreciação do Presidente não se dá sobre a legalidade do processo ou da decisão, mas se dirige a considerações colaterais, discricionárias de conveniência e oportunidade – o interesse público, enfim, porventura comprometido. Trata-se como se depreende de típico controle administrativo e não processual, materialmente entendido” (destaques do original). Contudo, adverte Cristina Gutiérrez70 que “a questão deve ser analisada dentro de uma visão global e sistêmica do Direito”, não se podendo considerar o pedido de suspensão “como um ato administrativo, nem tampouco como um controle de natureza administrativa”. Em socorro de sua tese, explana: “Fundamental é a distinção entre administração e jurisdição. Ambas aplicam a lei, mas, segundo Chiovenda, a administração é uma atividade primária, espontânea, que aplica o direito por iniciativa própria, tendo em vista os interesses da própria administração. Não há, portanto, imparcialidade, como ocorre na jurisdição; qual seja, a imparcialidade no sentido de ausência de interesse do magistrado no deslinde da causa. A atividade jurisdicional é atividade inerte, vale dizer, somente atua quando provocada, visando substituir a vontade ou a atividade das partes. Tal caráter de substitutividade e imparcialidade constituem notas distintivas da jurisdição em face da administração”. Ressalte-se, ainda, que um dos primeiros autores a expressar o entendimento de que trata a suspensão de um ato administrativo foi Othon Sidou71. Sustenta que o conteúdo do art. 13 da Lei n. 1.533/51 vale por um “incidente extraprocessual, fruto da mais pura aplicação do poder de polícia do presidente do tribunal”, destinado a “aplicar o princípio da supremacia da Administração, no sacrifício do interesse privado em face do interesse público.” Nas palavras do processualista: “O sentido exato do art. 13 da Lei 1.533 não se pode dirigir, em apreço à técnica jurídica, à medida liminar e muito menos à sentença. Vale por um incidente extraprocessual, e se traduz em uma ordem em que o presidente do tribunal previne ao juiz da causa que tal ato tem sua autorização para executar-se ou deixar de executar-se, autorização que a lei lhe confere e até que sobre o ato duvidoso decida ordinariamente o corpo judiciário a que preside, ou até que sobre a autorização, incidentemente, decida o mesmo tribunal, por ser o competente para conhecer do eventual recurso. A ordem, portanto, não se atém à relação nem ao normal andamento do feito”. Marcelo Abelha Rodrigues72 tece críticas ao argumento trazido à colação, alegando que, “ao conferir gênese administrativa ao ato do presidente estaríamos admitindo 70 GUTIÉRREZ, Cristina. Suspensão de liminar e de sentença na tutela do interesse público. Rio de Janeiro: Forense, p. 49. 71 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Suspensão de segurança: sustação da eficácia de decisão judicial proferida contra o poder público. São Paulo: Editora Revista dos Tribunbais, 2000, p. 95. 72 Op.cit., p. 96. 19 que poderia um ato administrativo sobrepor-se a um ato jurisdicional, até mesmo para retirarlhe a eficácia”. Adverte ainda que “não se pode admitir que, sendo um ato administrativo, pudesse ser ele desafiado por um recurso de natureza processual, endereçado a um órgão colegiado, cuja decisão teria igual teor jurisdicional”. Em sendo medida administrativa, “o remédio jurídico para atacá-lo seria, por certo, o mandado de segurança e não o recurso de agravo”, consoante previsão legal. 2.03 Natureza recursal. O saudoso Hely Lopes Meirelles73 inclui-se entre aqueles doutrinadores que entendem ser o requerimento de suspensão de decisões judiciais proferidas contra o Poder Público um recurso. Eis que assim se manifesta: “Além disso, é de se recordar que para a suspensão dos efeitos da sentença concessiva da segurança há recurso específico ao Presidente do Tribunal (Lei n. 1.533/51, art. 13), o que está a indicar que essa suspensão não pode ser obtida por via de apelação ou de qualquer outro recurso genérico”. Também Mantovanni Colares Cavalcante74, embora reconheça no requerimento de suspensão um incidente de suspensão de decisão judicial, afirma que a decisão que susta a eficácia da liminar ou da sentença “acaba se transformando em antecipação de tutela recursal, diante da ampla possibilidade de interpretação de uma das hipóteses autorizadoras da suspensão, que é o manifesto interesse público, ou mesmo a violação da ordem pública”. Ainda, Wellington Pacheco Barros75 atesta a natureza recursal do requerimento de suspensão, ao afirmar que, “quando a decisão judicial concede o controle de urgência”, na ação de mandado de segurança, “o recurso cabível a ser interposto pela pessoa jurídica de direito público interessada, por lógico, aquela a que integre a autoridade coatora, é ao Presidente do Tribunal a quem está afeto o prolator da decisão”. 73 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. Ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, “hábeas data”, ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade e argüição de descumprimento de preceito fundamental. São Paulo: Malheiros Editores, 23a Edição, 2001, atualizada por Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes. 74 75 CAVALCANTE, Montovanni Colares. Mandado de segurança. São Paulo: ed. Dialética, 2002, p. 169. BARROS, Wellington Pacheco. Considerações sobre o controle jurisdicional de urgência na ação de mandado de segurança. Revista da AJURIS – doutrina e jurisprudência – n. 76, ex.2, 1999, p. 63. 20 2.04 Natureza de ação incidental autônoma de impugnação. Cristina Gutiérrez76 aborda o tema sob o prisma de o pedido de suspensão de eficácia de decisões judiciais ter a natureza jurídica de ação incidental autônoma de impugnação, sem, contudo, assumir essa posição. É que as impugnações por via de ações incidentais acabam por instaurar um processo distinto daquele em que se proferiu a decisão impugnada: de modo idêntico, o “pedido de suspensão é feito em outro processo, em uma nova relação jurídica processual”, cumprindo-nos indagar “qual a finalidade e a natureza desse novo processo incidental”77. Uma ação só é idêntica à outra quando atendidos os requisitos do art. 301, § 2o, do Código de Processo Civil, quais sejam, “as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido”. Por conseguinte, havendo diversidade quanto a estes elementos, instaurada estará nova relação processual. Seria exatamente o que ocorre na suspensão de liminar ou de sentença: não se adequando o pedido de suspensão à natureza recursal (pelo menos na definição do insigne Barbosa Moreira)78, tratar-se-ia, conseqüentemente, de ação incidental autônoma de impugnação. 2.05 Natureza cautelar. O saudoso Celso Agrícola Barbi79 também conferia ao provimento do presidente do tribunal natureza cautelar e, por conseguinte, segundo critério inverso do fim visado pelo pedido inicial, é possível asseverar que o renomado mestre via no requerimento de suspensão um pedido de natureza cautelar. Eis a lição: “Natureza jurídica – Ordenando a suspensão, terá o juiz antecipado, em caráter “provisório”, a providência que caberia à sentença final, e isso para “evitar o dano” que decorreria da natural demora na instrução do processo. Ora, toda medida provisória, que tenha por fim evitar danos possíveis com a demora natural do processo, tem a substância de medida cautelar. Em sua fundamental monografia sobre o tema, Calamandrei assim resume a essência da medida “cautelar”: “antecipação provisória de certos efeitos da providência definitiva, e destinada a prevenir o dano que poderia derivar do retardamento da mesma 76 GUTIÉRREZ, Cristina. Suspensão de liminar e de sentença na tutela do interesse público. Rio de Janeiro: Forense, 2000. 77 Op.cit., p. 53. 78 Para o renomado processualista, recurso é “o remédio voluntário e idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidade, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna”(in Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 1985, vol. 5, p. 229). 79 BARBI, Celso Agrícola. Do mandado de segurança. Ed. Revisada e aumentada. Rio de Janeiro: ed. Forense, 2000, pp. 141-142. 21 providência”. A mesma conceituação, em linhas gerais é adotada por grande número de processualistas. Afigura-se-nos incontestável portanto, que a suspensão liminar no processo de mandado de segurança seja uma providência ou “medida cautelar”. A circunstância de não ser objeto de um processo especial para sua discussão, como é comum nas ações dessa natureza – a ponto de Chiovenda colocar a ação cautelar ao lado da ação de cognição e da ação de execução, numa tríplice classificação das ações –, não influi na natureza da decisão que julga o pedido de suspensão liminar, porquanto, como nota com acuidade Carnelutti, existe aí antes uma ‘frase cautelar do processo’ do que um processo cautelar”. Idêntico é o pensamento de Cássio Scarpinella Bueno80, manifestado por ocasião de seus comentários ao art. 4o da Lei n. 4.348/64. Andrei Pitten Velloso81 alerta para a existência de significativas controvérsias acerca da natureza jurídica do pedido de suspensão de execução dos efeitos de liminar, e de sentença, proferidos contra o Poder Público, bem assim lembra que seu caráter predominantemente político é ressaltado, “de forma quase uníssona” pela doutrina e pela jurisprudência. Por outro lado, descarta a inserção do pedido de suspensão no gênero dos recursos, “eis que não visa à reforma ou anulação de um ato judicial, mas, tão-só, à suspensão de seus efeitos”, sendo, por conseguinte, “instrumento jurídico inábil a obter a alteração do provimento jurisdicional, carecendo, para tal desiderato, da interposição do recurso cabível”82. Mas, afirma: “Em essência, reveste-se de caráter predominantemente cautelar, mais especificamente contracautelar, porquanto visa à sustação de efeitos de uma decisão cautelar, ou, mesmo, antecipatória dos efeitos da sentença de mérito”83. No mesmo sentido, sustentam Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery84: “Não se trata de recurso, mas de pedido de competência originária do presidente do tribunal, visando tão-somente a suspensão provisória dos efeitos da liminar, uma vez verificadas as circunstâncias mencionadas no dispositivo comentado”. 80 BUENO, Cassio Scarpinella. Liminar em mandado de segurança: um tema com variações. 2a ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 1999, p. 211. 81 VELLOSO, Andrei Pitten Velloso. Pedido de suspensão da execução e princípio da inafastabilidade do controle judicial. Boletim dos Procuradores da República. Ano III – N. 26 – Junho-2000. 82 83 84 Idem. Ibidem. NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 4a ed., revista e ampliada. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 1999, p. 2.443. 22 De igual modo, Gilberto Etchaluz Villela85 assevera que o instituto da suspensão tem a natureza das tutelas jurisdicionais cautelares, visando garantir a utilidade do resultado final do processo. Na verdade, segundo afirma, tratar-se, especificamente, de uma contracautela, posto que visa combater os efeitos de cautela anteriormente deferida. Sustenta, acertadamente, que a decisão do presidente na suspensão de segurança possui natureza jurisdicional e não administrativa. Aliás, sobre o tema, cabe-nos trazer à colação a ementa do seguinte precedente86: “Processual civil. Suspensão de segurança. Natureza. Transito em julgado. Agravo. Ausencia de prequestionamento da materia. 1. A suspensão de segurança possui natureza jurisdicional e não administrativa, sujeitandose, portanto, aos efeitos da coisa julgada. 2. Não tendo havido o prequestionamento da materia em sede do agravo regimental, o não conhecimento do recurso se impõe. 3. Recurso especial não conhecido”. Ainda, Cristina Gutiérrez87 parece não deixar dúvida de que a suspensão de liminar ou de sentença tem natureza cautelar. Para ela, vislumbra-se claramente no instituto a ocorrência da instrumentalidade e da provisoriedade, características das cautelares. Entende que a suspensão de liminar e de sentença tem caráter instrumental, “porque somente é útil e necessária com referência à suspensão da medida se e enquanto não for conhecida a matéria, em seu sentido amplo, pelo órgão próprio do mesmo tribunal”88. De igual modo, tem caráter provisório, “porque o provimento subsistirá enquanto não sobrevier a decisão no julgamento do pré-falado recurso”89. Enfoca também a questão dos requisitos gerais das ações cautelares, quais sejam, o periculum in mora e o fumus boni iuris, para concluir que é possível vislumbrar-se, in casu, um fumus boni iuris específico, “consistente na plausibilidade das alegações daquele que pleiteia a suspensão, vale dizer, o risco de lesão aos referidos bens jurídicos”, bem assim 85 Op.cit., pp. 124/125. 86 Acórdão citado pelo Autor, proferido no Resp n. 126586/SP, DJ de 30/03/1998, p. 13: Superior Tribunal de Justiça. http://www.stj.gov.br. 24.03.2002. 87 88 89 Op.cit., p. 54. Idem. Ibidem. 23 um periculum in mora, “a iminência da lesão, a caracterizar dano irreparável enquanto se aguarda o provimento definitivo”90. Em defesa de sua tese, traz o entendimento de Athos Gusmão Carneiro91 e de Galeno Lacerda92, além de citar recentes julgados do Pretório Excelso, que, segundo informa, já pacificou a natureza cautelar do pedido de suspensão: “Suspensao de Seguranca. Pressupostos. Natureza do Provimento. Descabe discutir, no quadro do pedido de suspensao de seguranca, quer o merito do mandado, quer a juridicidade da liminar, mas tao-somente a verificacao dos pressupostos estatuídos no art. 297 do RI, sob o prisma da medida cautelar que é. Agravo Regimental improvido”93. “Suspensão de segurança: natureza cautelar e pressuposto de viabilidade do recurso cabível contra a decisão concessiva da ordem. A suspensão de segurança, concedida liminar ou definitivamente, é contracautela que visa à salvaguarda da eficácia plena do recurso que contra ela se possa manifestar, quando a execução imediata da decisão, posto que provisória, sujeita a riscos graves de lesão interesses públicos privilegiados - a ordem, a saúde, a segurança e a economia pública: sendo medida cautelar, não há regra nem princípio segundo os quais a suspensão da segurança devesse dispensar o pressuposto do fumus boni juris que, no particular, se substantiva na probabilidade de que, mediante o futuro provimento do recurso, venha a prevalecer a resistência oposta pela entidade estatal à pretensão do impetrante”94. Aliás, consoante se observa dos transcritos precedentes do Supremo Tribunal Federal, a questão se encontra pacificada no âmbito do Pretório Excelso, conferindo ao pedido de suspensão natureza cautelar ou, mais precisamente, uma verdadeira contracautela. 2.06 Natureza de incidente processual. Marcelo Abelha Rodrigues95 defende a tese de que o requerimento de suspensão de execução de decisão judicial não é nem ação nem recurso, “figurando-se, sim, como típico instituto representante dos incidentes processuais, que se manifesta por intermédio de uma questão incidente”, e acrescenta que o instituto “não tem cheiro nem cor de recurso, por lhe faltar inúmeros aspectos atinentes a este instituto”, estando ausentes “a tempestividade, o preparo, a tipicidade, a devolutividade, a legitimidade, a competência etc.”, 90 Ibidem, pp. 54-55. 91 CARNEIRO, Athos Gusmão. Das liminares nos mandados de segurança. Livro de estudos jurídicos. Rio de Janeiro: Instituto dos Estudos Jurídicos, 1994, vol. 5, p. 277. 92 LACERDA, Comentários ao código de processo civil. 5a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1993, vol. 8, p. 54. 93 AGRSS-228/BA - Agravo regimental em suspensão de segurança. Relator: Min. Rafael Mayer. Publicação: DJ de 17/06/1988 – p. 15.250. Ementa Supremo Tribunal Federal. http://www.stf.gov.br. 25.03.2002. 94 AGRSS-846/DF. Agravo Regimental em Suspensão de Segurança. Relator: Min. Sepúlveda Pertence. Publicação: DJ de 08/11/1996, pp. 43.208. Supremo Tribunal Federal. http://www.stf.gov.br. 25.03.2002. 95 RODRÍGUEZ, Marcelo Abelha. Op.cit., pp. 92-98. 24 isso porque o pedido de suspensão não tem como objeto nem a reforma nem a anulação da decisão, posto que, “mesmo depois de concedida a medida, o conteúdo da decisão permanecerá incólume”. Assevera, ainda, que “as razões para se obter a sustação da eficácia da decisão não está [sic] no conteúdo jurídico ou antijurídico da decisão concedida, mas na sua potencialidade de lesão ao interesse público” 96. Para fundamentar sua tese, refere-se a um julgado do Superior Tribunal de Justiça97: “Tratando-se de liminar que não implica risco de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, não cabe o requerimento de suspensão ao presidente do tribunal previsto no art. 4o da Lei n. 4.348/64, mas, sim, agravo de instrumento para um dos órgãos colegiados da Corte”. Ressalta também que o incidente de suspensão não se confunde com o antigo instituto da avocação de causas para o Supremo Tribunal Federal, previsto na alínea “o” do inciso I do art. 119 da Carta pretérita, com a redação da Emenda Constitucional n. 7/77, posto que “a única semelhança desse instituto com o incidente de suspensão de execução de decisão judicial diz respeito à finalidade preventiva de ambos”98. Por fim, alerta que, “mais grave do que apontar uma natureza de recurso ou de ação para esse incidente, é emoldurá-lo sobre o rótulo de medida administrativa praticada pelo presidente do tribunal no exercício de poder de polícia”. Isto significaria admitir a sobreposição de um ato administrativo a um ato jurisdicional. Por outro lado, não é possível admitir que um ato administrativo pudesse vir a ser desafiado por um recurso de natureza processual. “Se fosse medida administrativa, o remédio jurídico para atacá-la seria, por certo, o mandado de segurança e não o recurso de agravo como está previsto na lei” 99. No mesmo sentido, qual seja, o de que o instituto da suspensão de segurança não tem natureza recursal, mas sim de incidente processual, manifesta-se, com propriedade, Bernardo Pimentel Souza100. Nas suas palavras: “Em primeiro lugar, o instituto da suspensão de segurança não tem natureza recursal. Na verdade, trata-se de incidente processual, que não tem o condão de afastar a via recursal adequada. Sob o ponto de visa técnico-processual, o recurso é marcado pela existência de 96 Idem. 97 Recurso Especial n. 120.530/SP. Relator: Min. Adhemar Maciel. Superior Tribunal de Justiça. http:/www.stj.gov.br. 25.03.2002. 98 99 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Op.cit. pp. 92-98. Idem. 100 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. Belo Horizonte-MG: Mazza Edições Ltda. 2ª edição. 2001, pp. 275-276. 25 prazo peremptório para o respectivo exercício. Todavia, não há na legislação de regência da suspensão prazo peremptório para a formulação do requerimento. E mais. O recurso pode ensejar a reforma, a cassação ou a integração da decisão jurisdicional impugnada. Ao revés, como o próprio nome revela, o instituto da suspensão tem como finalidade específica ‘suspender’ ‘a execução’ da decisão. Realmente, não é possível reformar ou cassar a decisão na angusta via da suspensão. Conclusão oposta configuraria verdadeira contradictio in adiecto. A legislação de regência da suspensão ainda fornece outros argumentos que demonstram a ausência da natureza recursal do instituto. Tanto o artigo 4o da Lei n. 4.348 como o artigo 25 da Lei n. 8.038 utilizam o vocábulo ‘requerimento’ ao tratar da suspensão. Ao revés, o recurso é ‘interposto’ conforme revelam os artigos 506, 507, 508, 509, 511, 541 e 559, todos do Código de Processo Civil. Ademais, a expressão ‘respectivo recurso’ inserta no artigo 4o também reforça a conclusão de que o instituto não pode ser confundido com o recurso próprio. O proêmio do § 3o do artigo 25 conduz ao mesmo raciocínio: ‘A suspensão de segurança vigorará enquanto pender o recurso’”. 2.07 Conclusão. O instituto da suspensão de eficácia de decisões judiciais proferidas contra o Poder Público não tem natureza jurídica de ato administrativo ou político. Conferir tal natureza ao instituto seria admitir a supremacia de um ato administrativo ou político do presidente do tribunal sobre uma decisão jurisdicional, ainda que de instância inferior, para a qual a lei prevê a possibilidade de recurso processual. Andou bem Marcelo Abelha Rodrigues101 quando teceu críticas a essa tese, ainda porque tanto a decisão que dá ensejo ao pedido de suspensão, como a que decide o referido pedido, têm índole jurisdicional. Também não tem natureza recursal. Em sentido restrito, recurso é a provocação de um novo exame da decisão pela mesma autoridade ou outra superior. Melhor ainda, nas palavras de José Carlos Barbosa Moreira102: “É remédio voluntário e idôneo para ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidade, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna”. Ora, o requerimento de suspensão não visa a reforma ou a anulação da decisão objeto do pedido e a decisão do presidente do tribunal sobre o pedido de suspensão prende-se tão-somente à análise da ocorrência dos pressupostos legais autorizadores da medida – grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia publica –, não examinando existência de eventual error in judicando ou error in procedendo da decisão objeto do requerimento de suspensão. Embora prevaleça na doutrina e na jurisprudência, inclusive a do Supremo Tribunal Federal, tese de que a natureza jurídica do requerimento de suspensão é a das cautelares, mais precisamente uma contracautela, posto que presentes os requisitos gerais do 101 102 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Op.cit., pp. 95/96. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense: 1985, vol. 5, p. 229). 26 fumus boni iuris e periculum in mora, mais os da provisoriedade e da instrumentalidade, a razão parece estar com Marcelo Abelha Rodrigues103, segundo o qual os que assim definem o instituto partem de um critério equivocado, qual seja, o de sua finalidade, e não de sua gênese, que é, na essência, um incidente processual, porque se manifesta por intermédio de um incidente. Questão interessante é a seguinte: o requerimento de suspensão, consoante descreve Cristina Gutiérrez104, parece preencher os requisitos de uma ação incidental autônoma de impugnação, posto que instaura uma novo processo. Entretanto, consoante afirma categoricamente Francesco Conte105, o requerimento de suspensão não possui natureza de ação, pela inexistência de pretensão resistida. De igual modo, Élio Wanderley de Siqueira Filho106 afirma que “não se pode enquadrar a suspensão da liminar ou da segurança entre as ações”. Justamente por “não se poder falar em pretensão resistida, vez que o pedido não ataca o direito líquido e certo do impetrante, objetivando tão-somente suspender os efeitos do pronunciamento judicial, não há uma nova ação”. Os incidentes processuais podem-se manifestar por intermédio de um ponto incidente, uma questão incidente ou uma causa incidente: 1) será causa incidente, “quando se manifestar por ação incidental no feito já existente, num verdadeiro processo incidental; 2) será questão incidente, quando possuir natureza jurídica de questão, isto é, quando, no curso normal do processo, surgir uma controvérsia ou dúvida sobre aquilo que se afirma na razão da pretensão; 3) por sua vez, será ponto incidental, quando tratar-se de ponto qualquer de afirmação ou negação de fato ou de direito contida na razão da pretensão” 107. Assim sendo, o fato de o instituto constituir-se em uma causa incidental, uma questão incidente ou um ponto incidente, isso não lhe retira a natureza de um incidente processual, posto que incide, cai, em um processo principal já existente. Incidente processual nada mais é do que “uma situação nova que cai sobre algo preexistente”, ou, ainda, “fato jurídico que surge no curso normal do feito, incidindo sobre a relação jurídica processual 103 Op.cit., p. 92. 104 GUTIÉRREZ, Cristina. Op.cit., p. 53. 105 CONTE, Francesco. Suspensão de execução de medidas liminares e sentenças contra o Poder Público. ADV Advocacia Dinâmica. Julho de 1995, p. 9. 106 SIQUEIRA FILHO, Hélio Wanderley. Da ultra-atividade da suspensão de liminar em writ. Revista Forense. Janeiro – Fevereiro – Março, vol. 221, ano 1989. 107 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Op.cit., pp. 25-26. 27 anterior, causando-lhe embaraço, justamente porque não faz parte de sua essência”, ou, melhor, “fato jurídico superveniente, seja decorrente da vontade humana, seja decorrente de agente da natureza (fato jurídico em sentido lato), que cai sobre a relação jurídica processual em movimento”108. Entretanto, se o requerimento de suspensão de segurança é incidente processual, cabe esclarecer que não é, por óbvio, mero ponto incidente, mas também não é ação incidente, pois lhe faltam requisitos para tanto. É incidente processual voluntário, não suspensivo do processo, que se manifesta por uma questão incidente, processada por meio de um procedimento lateral e avulso ao procedimento principal. Ainda, sobre a natureza da decisão proferida no incidente de suspensão de segurança, destaca-se entendimento de Cristina Gutiérrez109, quando lhe atribui 1) caráter político – no sentido da valorização do interesse público em jogo pelo presidente do tribunal; 2) natureza desconstitutiva – posto que atua no plano da eficácia da decisão objeto de suspensão, e não no plano de sua validade; 3) natureza rebus sic standibus – lembrando acerca do cabimento de revisão, pelo presidente do tribunal respectivo para o conhecimento do recurso, de sua decisão suspensiva dos efeitos da liminar ou da sentença; 4) conteúdo sentencial da decisão suspensiva – posto que, tanto o requerimento de suspensão, como o de revisão de suspensão concedida, constituem novas relações jurídicas processuais em relação às ações originárias previstas nas Leis de regência, e 4) natureza cautelar – segundo a tradicional classificação das ações (e seus respectivos processos e sentenças) em de conhecimento, de execução e cautelar, sendo as ações de conhecimento qualificadas de declaratórias, constitutivas, condenatórias ou mandamentais, de acordo com o provimento que se pretende alcançar110. Conclui dizendo que, “da mesma forma que o pedido de suspensão, transparece nítida a natureza jurídica da decisão suspensiva da liminar ou de sentença: decisão política, de conteúdo sentencial cautelar e desconstitutivo, rebus sic standibus”111. A esse respeito, Marcelo Abelha Rodrigues112, fiel ao seu entendimento, afirma que “o pronunciamento a ser dado pelo presidente do tribunal é uma decisão 108 Idem, p. 26-30. 109 GUTIÉRREZ, Cristina. Suspensão de liminar e de sentença na tutela do interesse público. Rio de Janeiro: Forense, 2000, pp. 61/62 110 GUTIÉRREZ, Cristina. Op.cit., p. 47. 111 Idem, op.cit., p. 64. 28 jurisdicional monocrática em sede de tribunal, de natureza interlocutória, já que resolveu uma questão incidente no curso do processo sem extingui-lo”. Adverte para o fato de que é assente na doutrina a utilização da expressão cautelar para designar a finalidade do incidente, mas prefere se utilizar do rigor técnico, visando evitar confusão com a tutela de índole realmente cautelar, “que se coloca como instrumental ao quadrado”113, porque garante o fim útil do processo principal. Por isso, afirma que a atividade cognitiva do juiz, emitindo decisão favorável, tem cunho predominantemente preventivo. É que “preventivo e cautelar (este tomado na concepção de processo cautelar) não são sinônimos”114. Definitivamente, a preventividade do caso em tela não está relacionada com o fim útil do processo no qual “caiu” o incidente. Isto porque o motivo da decisão suspensiva do presidente do tribunal, que susta a eficácia da decisão de instância inferior, “não é a legalidade ou ilegalidade dessa mesma decisão, isto é, não se quer tutelar o fim útil do processo, porque o que está em jogo não é o mesmo interesse público a ser protegido pelo incidente”, não existindo relação de instrumentalidade entre a suspensão da eficácia da decisão e a tutela jurisdicional pleiteada pelo demandante. Em outras palavras, não há falar em instrumentalidade da suspensão da eficácia da decisão, se nem sequer há exame no plano da validade da decisão proferida em instância inferior, bem assim “não há uma relação direta ou biunívoca entre o bem tutelado pela medida suspensiva e o bem da vida discutido no processo sobre o qual caiu o incidente” 115. No seu sentir, trata-se de atividade de conhecimento exercida pelo presidente do tribunal, restando identificar, contudo, se o provimento assume natureza declaratória, constitutiva ou condenatória, para concluir que se trata de decisão de natureza 112 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Op.cit., p. 157. 113 Idem, pp. 158-159. 114 Mais uma vez adverte Marcelo Abelha Rodrigues, em sua pluricitada obra, que, sempre que conceituarmos os institutos processuais pela finalidade, mediata ou imediata, perceberemos que grande parte deles possui “índole”, “finalidade” ou “natureza” CAUTELAR, resguardadora ou protetora de valores. Mas uma coisa é a finalidade, aspecto teleológico do instituto, e outra é a sua natureza jurídica. “A decisão do presidente que julga o pedido de suspensão de execução da decisão judicial tem inescondível função protetora, preventiva, acauteladora, resguardadora do interesse público, embora isso não nos permita dizer que a sua natureza jurídica (em que categoria irá se enquadrar no direito) seja de provimento típico do processo cautelar, pelo simples fato de que, para se enquadrar nessa categoria jurídica, não basta uma finalidade preventiva, mas, principalmente, que essa finalidade esteja relacionada com a asseguração de outro provimento ou processo do qual o cautelar é acessório ou instrumental”. Assim, “apenas em sentido genérico, latíssimo mesmo, como foi colocado no início deste parágrafo, é que podemos falar em ‘natureza cautelar’ deste instituto”. (v. op.cit., p. 160). 115 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Op.cit., p. 161. 29 constitutiva porque, “quando o presidente suspende a execução da decisão, cria situação jurídica nova, porque antes dela tinha a situação jurídica de exeqüibilidade da decisão, coisa que, depois da suspensão, não mais tem, pelo fato de que esta lhe retirou, temporariamente, a eficácia executiva, criando, pois, situação jurídica diversa da anterior” 116. Entretanto, deve-se discordar da afirmação de que a decisão proferida no incidente de suspensão de segurança tem natureza política de conteúdo sentencial, por resolver ação autônoma de impugnação. Sua natureza é de um incidente processual, com nítida finalidade cautelar. Sobre ter a decisão proferida no incidente de suspensão natureza rebus sic standibus, parece ser procedente tal afirmação. É que a cláusula rebus sic standibus parece estar presente em toda decisão judicial, principalmente nas decisões interlocutórias. Assim, deve-se reconhecer também nas decisões sobre suspensão de segurança a presença de referida cláusula. A questão vem regulada pelo Código de Processo Civil, em seu art. 471, que trata das relações jurídicas continuativas. Dito preceito assevera que, sobrevindo “modificação no estado de fato ou de direito, poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença”. Dita cláusula atua diretamente na eficácia da decisão judicial, de modo que até mesmo a sentença transitada em julgado dela não escapa, caso sobrevenha modificação da situação fática ou jurídica sobre as quais se formou a coisa julgada material. Assim, se a cláusula rebus sic standibus atinge, até mesmo, a coisa julgada, nada obsta a que interfira na eficácia de decisões interlocutórias, bastando que sobrevenha modificação no suporte fático ou jurídico da decisão proferida. É que “a sentença tem eficácia enquanto se mantiverem inalterados o direito e o suporte fático sobre os quais estabeleceu o juízo de certeza. Se ela afirmou que uma relação jurídica existe ou que tem certo conteúdo, é porque supôs a existência de determinado comando normativo (norma jurídica) e de determinada situação de fato (suporte fático de incidência); se afirmou que determinada relação jurídica não existe, supôs a inexistência, ou do comando normativo, ou da situação de fato afirmada pelo litigante interessado. A mudança de qualquer desses elementos compromete o silogismo original da sentença, porque estará alterado o silogismo do fenômeno de incidência por ela apreciado: a relação jurídica que antes 116 Idem, p. 166. 30 existia deixou de existir, e vice-versa. Daí afirmar-se que a força da coisa julgada tem uma condição implícita, a da cláusula rebus sic standibus, a significar que ela atua enquanto se mantiverem íntegras as situações de fato e de direito existentes quando da prolação da sentença. Alterada a situação de fato (muda o suporte fático, mantendo-se o estado da norma) ou de direito (muda o estado da norma, mantendo-se o estado de fato), ou dos dois, a sentença deixa de ter força de lei entre as partes, que até então mantinha”117. Assim, uma vez demonstrado pela parte interessada o desaparecimento do risco de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas, decorrente de fato superveniente a que alude o art. 471, inciso I, do Código de Processo Civil, é cabível a revisão, pelo presidente do tribunal respectivo para o conhecimento do recurso, de sua decisão suspensiva dos efeitos da liminar ou da sentença118. De igual modo, o aparecimento superveniente do risco de grave lesão aos bens jurídicos tutelados pelo instituto da suspensão de segurança autoriza o Ente Público a manejar o requerimento de suspensão, visando suspender a execução da decisão objeto do pedido. Ademais, é característica dos provimentos de urgência a provisoriedade e a revogabilidade, não havendo falar em decisão de mérito no incidente de suspensão, porque não versa sobre a lide, e, por isso, não transita em julgado. Sua mutabilidade e revogabilidade decorrem da própria natureza de seus objetivos, querendo isto dizer que, se desaparece a situação fática que levou o órgão jurisdicional a acautelar o interesse da parte, cessa a razão de ser da precaução119. Por tudo, é possível concluir que o instituto da suspensão de segurança dá ensejo a um incidente processual, mais precisamente uma questão incidente, com finalidade de contracautela, que tem como escopo retirar a eficácia da anterior decisão jurisdicional, ensejando a prolação de decisão monocrática do presidente do tribunal de natureza constitutiva negativa, que projeta efeitos ex nunc, consoante já decidiu o Superior Tribunal de Justiça120, e que contém ínsita a cláusula rebus sic standibus. 117 ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2005, pp. 88-89. 118 GUTIERREZ, Cristina. Suspensão de liminar e de sentença na tutela do interesse público. Rio de Janeiro: Forense, 2000, pp. 61-62. 119 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil; Vol. II; Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 332. 120 V., a propósito, o AgRg na SL 162/PE, Rel. Min. Edson Vidigal, Corte Especial do STJ, julgado em 15.03.2006, DJ 01.08.2006, p. 293. BIBLIOGRAFIA. BARBI, Celso Agrícola. Do mandado de segurança. 9a ed. Revista e atualizada por Eliana Barbi Botelho. Rio de Janeiro: Forense, 2000. BARCELOS, Pedro dos Santos. Medidas liminares em mandado de segurança: suspensão de execução de medida liminar, suspensão de execução de sentença, medidas cautelares. Revista dos Tribunais. Ano 80 – janeiro de 1991, vol. 663. BARROS, Wellington Pacheco. Considerações sobre o controle jurisdicional de urgência na ação de mandado de segurança. 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