PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL
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1a. Vara Federal de Santos
CONCLUSÃO
Aos 13 de fevereiro de 2013, faço estes autos
Conclusos ao MM. Juiz Federal da Primeira Vara.
Tec./Anal. Jud.
RF
Autos n. 0011903-14.2012.403.6104
Trata-se de Ação Cautelar Inominada ajuizada pelo
Município de São Vicente em face do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
– FNDE, visando à retomada do pagamento das verbas destinadas ao Programa
Nacional de Alimentação Escolar – PNAE.
Sustenta, em síntese, que, em razão da abertura de
procedimento para tomada de contas dos anos de 2008 e 2009, foram apontadas
algumas irregularidades, que deram ensejo ao sobrestamento dos pagamentos da
verba ora guerreada.
Insurge-se
contra
os
vícios
apontados
nos
pareceres n. 98/2012 e 100/2012 e contra a conclusão do processo de tomada de
contas.
Defende, ainda, a aplicação do §7º, artigo 56, da
Portaria Interministerial n. 127/08, que autoriza a retomada do repasse “desde que o
administrador seja outro que não o faltoso”, tendo em vista que o atual Secretário da
Fazenda não é o mesmo do período das irregularidades.
Com a inicial vieram documentos.
Foi determinada a notificação do Presidente do
FNDE, para prestar informações em 72 horas, em analogia ao artigo 2º da Lei n.
8.437/92.
Manifestação
a
fls.
51/55,
na
qual
aduz
a
inadequação da via eleita e a perda superveniente do objeto. Alerta que, diante da
alteração da administração do Município, os repasses serão retomados.
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Instada sobre o interesse no prosseguimento do
feito, a municipalidade salienta que a transferência das verbas ainda não foi
reiniciada.
DECIDO.
Passo, nesta primeira cognição, de forma precária,
única possível no momento processual, a apreciar o pedido de liminar.
Antes, enfrento as preliminares suscitadas pela
Procuradoria Geral Federal, enquanto representação judicial do FNDE.
Não colhe a preliminar de “inapropriedade da via
eleita – descabimento de liminar em cautelar quando a providência poderia ser obtida
via mandado de segurança”.
Cabe ao requerente, diante do seu inalienável
direito de ação (supergarantia, por ser garantia de garantia), a teor do artigo 5º, inciso
XXXV, da Constituição da República, optar por ajuizar uma demanda pelo rito
ordinário, eventualmente precedida de cautelar, ou o mandado de segurança.
Não se pode dizer que a via eleita é imprópria se há
mais de uma opção em termos de medida judicial a ser ajuizada.
O Colendo Supremo Tribunal Federal já teve
oportunidade de decidir neste sentido, e, mais ainda, afirmar que neste caso não há
competência do Pretório Excelso: “A Reclamante interpreta mal o § 1º do art. 1º da Lei
8.437/1992, que dispõe: “Art. 1° Não será cabível medida liminar contra atos do Poder
Público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar
ou preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em
ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal. § 1° Não será cabível,
no juízo de primeiro grau, medida cautelar inominada ou a sua liminar, quando
impugnado ato de autoridade sujeita, na via de mandado segurança, à competência
originária de tribunal” (grifos nossos). Esse dispositivo, em combinação com o art. 1ª
da Lei 9.494/1997, desautoriza o deferimento de antecipação de tutela em ações
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ordinárias ajuizadas contra ato administrativo do qual fosse cabível também mandado
de segurança de competência originária de tribunal. No entanto, isso não implica dizer
que nessas hipóteses não seria cabível a ação ordinária em si, mas apenas o
deferimento da antecipação de tutela. A Reclamante confunde a competência do juízo
federal para conhecer de ação ordinária ajuizada contra a União (art. 109, inc. I, da
Constituição da República) e a competência do Supremo Tribunal para conhecer de
mandado de segurança impetrado contra ato do Tribunal de Contas da União (art. 102,
inc. I, alínea d, da Constituição da República). Convivem, no ordenamento jurídico
brasileiro, a ação de mandado de segurança e a ação ordinária. Aquele que se sente
prejudicado por ato administrativo pode utilizar-se tanto de uma como de outra, desde
que atento ao rito diferenciado de cada qual. Se o autor optar por ajuizar ação
ordinária no juízo de primeiro grau, não pode o Supremo alterar o rito e a parte ré
dessa ação para transformá-la em mandado de segurança de sua competência
originária. Eventual descumprimento do que disposto no art. 1º, § 1º, da Lei n.
8.437/1992 por parte do juízo de primeiro grau que defere, em ação ordinária,
antecipação de tutela pode ser atacado pelas vias próprias, mas não resulta na
incompetência daquele juízo para conhecer daquela ação ordinária. Assim, não usurpa
a competência do Supremo Tribunal para conhecer de mandado de segurança contra
ato do Tribunal de Contas da União (art. 102, inc. I, alínea d, da Constituição da
República) o deferimento de antecipação de tutela em ação ordinária ajuizada contra a
União.” (STF, Rcl 10581, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Julgamento: 09/09/2010).
Repilo, igualmente, a alegação de impossibilidade
legal de concessão de liminar para liberação de recursos, com base na Lei n. 9.494/97,
posto que o Colendo Superior Tribunal de Justiça já decidiu, com acerto, que “A
vedação da Lei n. 8.437/92, sobre excluir a medida liminar que esgote no todo ou em
parte o objeto da ação, nos feitos contra o Poder Público, bem como as restrições do
art. 1º da Lei n. 9.494/97, que veda a antecipação de tutela contra a Fazenda Pública,
não podem ter o alcance de vedar toda e qualquer medida antecipatória, em qualquer
circunstância, senão que o juiz, em princípio, não deve concedê-la, mas poderá fazê-lo,
sob pena de frustração do próprio direito, em casos especialíssimos (RSTJ 136/484).
O caso dos autos, como se verá adiante, se reveste
da especialidade requerida pela jurisprudência para a concessão da liminar em
desfavor de ente público, mesmo porque, “Conquanto o Colendo STF, quando do
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julgamento em plenário da ADC n. 4, tenha entendido pela impossibilidade de
antecipação de tutela em face da Fazenda Pública, tal restrição deve ser considerada
com temperamentos”. (STJ, Resp 409.172, rel. Min. Felix Fischer, j. 04.04.2002).
Por outro lado, entendo como presentes o fumus
boni juris, bem assim, o periculum in mora.
Um dos fundamentos invocados pelo Município
requerente, como base para a concessão da liminar, se configura na necessidade de
se neutralizar efeitos ruinosos que afetariam o interesse público, em decorrência de
fatos alegadamente praticados na Administração municipal anterior, já que a
Municipalidade faz jus ao recebimento de verba destinada ao custeio da merenda
escolar, nos termos e condições previstos no PROGRAMA NACIONAL DE MERENDA
ESCOLAR- PNAE, vinculado diretamente ao requerido FUNDO NACIONAL DE EDUCAÇÃO
– FNDE, a qual, em face das alegadas irregularidades nos atos de gestão ocorridos nos
anos anteriores, vê suspenso o seu direito de receber tal verba.
O Ministro Celso de Mello, do Colendo Pretório
Excelso, ao deferir liminar de conteúdo idêntico, postulado por Estado-Membro,
decidiu, com maestria, cujos argumentos ora são acolhidos, que “Cumpre ter presente,
ainda, a clara diretriz jurisprudencial estabelecida por esta Suprema Corte (AC 1.763MC/SE, Rel. Min. AYRES BRITTO - AC 1.915/RJ, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA - AC 1.966MC/PE, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA - AC 2.257/PI, Rel. Min. EROS GRAU, v.g.), cujas
decisões – ordenando a liberação e o repasse de verbas federais – foram proferidas
com o propósito de neutralizar a ocorrência de risco que pudesse comprometer, de
modo irreversível, a continuidade da execução de políticas públicas ou de serviços
essenciais à coletividade (...) O que se mostra importante considerar, na realidade, é a
orientação que o Supremo Tribunal Federal firmou a respeito do tema em análise, na
qual esta Suprema Corte tem enfatizado a sua preocupação com as graves
conseqüências, para o interesse da coletividade, que podem resultar do bloqueio das
transferências de recursos federais (AC 2.032-QO/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
(STF, AC 2939, Rel. Min. Celso de Mello, j. 18.08.2011).
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Não
há dúvida
da importância da
verba do
Programa Nacional de Alimentação Escolar-PNAE, que serve para o pagamento de
merenda escolar dos alunos do Município.
No fundo, a liberação dos recursos ao Município,
visando o cumprimento de suas metas, tem como pano de fundo a coletividade de
crianças e adolescentes, reais destinatários da política pública.
Assim, há que se realçar, aqui, que nestes casos o
juiz não pode funcionar como mero “técnico a serviço do Poder” (MELO, Osvaldo
Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica. Porto Alegre : Sérgio Fabris, 1994, p. 49)
ou exercer a simples função de “boca repetidora da lei” (FRANCO, Alberto Silva. O Juiz
e o Modelo Garantista. Boletim IBCCRIM n. 56, p. 2, julho de 1997), mas sim como “um
político do Direito, garantidor dos Direitos Fundamentais e, portanto, o principal
responsável pela efetivação de práticas afinadas com o Estado Democrático de
Direito” (DALABRIDA, Sidney Eloy. Prisão Preventiva, Uma Análise à Luz do Garantismo
Penal).
A dignidade da pessoa humana, enquanto valor
fonte do sistema constitucional, prevista, expressamente, no artigo 1º, inciso III, da
Constituição
constitucional,
da
República,
condicionando
confere
a
unidade
interpretação
axiológico-normativa
e
aplicação
de
ao
todo
sistema
o
Texto
Constitucional (MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da Pessoa Humana –
Princípio Constitucional Fundamental. Curitiba : Juruá, 2004, p. 62).
Assim, considerando que os jovens munícipes são
carecedores de alimentação, direito social consagrado no artigo 6º da Constituição da
República, sendo evidente a presença do perigo da demora, impõe-se a concessão
parcial da liminar, pois se trata de concretização plena da dignidade da pessoa
humana, entendida esta como “qualidade inerente de cada pessoa humana que a faz
destinatária do respeito e proteção tanto do Estado, quanto das demais pessoas,
impedindo que ela seja alvo não só de quaisquer situações desumanas ou
degradantes, como também lhe garantindo o direito de acesso a condições
existenciais mínimas” (MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Obra citada, p. 127).
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Além disso, os destinatários finais da merenda
escolar são, em sua maioria, crianças e adolescentes sujeitos, assim, ao princípio da
proteção integral (artigo 227 da Constituição da República e artigo 1º do Estatuto da
Criança e do Adolescente – Lei n. 8.069/90).
Segundo o artigo 4º do Estatuto da Criança e do
Adolescente é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder
público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos destas pessoas
em desenvolvimento, dentre eles, a alimentação.
Ademais, o artigo 54, inciso VII, do ECA, estatui,
também, que no ensino fundamental é direito da criança e do adolescente o acesso a
programas de alimentação, que não pode ser descontinuado a pretexto de alegadas
irregularidades praticadas em gestão municipal anterior.
De fato, conforme reconhece o FNDE nas suas
informações, deve ser suspenso o “registro da inadimplência, desde que o
administrador seja outro que não o faltoso, e seja atendido o disposto nos §§ 4º, 5º e
6º deste artigo” (fls. 53).
Dessa
feita,
considero
que
não
remanescem
controvérsias sobre a possibilidade de retomada dos pagamentos a contar de janeiro
de 2013, a partir da posse do atual Prefeito do Município demandante.
No entanto, da análise das planilhas de fls. 89/93 e
101, verifico que não ficou comprovada nos autos a transferência de qualquer verba
no ano corrente, razão pela qual deve ser rejeitada, por ora, a preliminar de falta de
interesse processual superveniente.
Por outro lado, à míngua de elementos probatórios
capazes de desconstituir a conclusão administrativa, mantém-se hígida a decisão de
suspensão dos recursos no período pretérito.
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Aliás, vale constar que a alteração do Secretário da
Fazenda municipal em nada influencia, tendo em vista que a autoridade obrigada à
prestação de contas é o próprio Prefeito Municipal.
Por fim, apenas a título de esclarecimento, anoto
que a ação foi ajuizada no mês de dezembro de 2012, ou seja, ainda na gestão
anterior, na qual o repasse havia sido suspenso.
Em face do exposto, defiro parcialmente a tutela
acautelatória para determinar a retomada do repasse das verbas destinadas ao
Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE, a contar de janeiro deste ano.
Oficie-se para cumprimento.
Sem prejuízo, comprove o autor, no prazo de 10
(dez) dias, o ajuizamento da ação principal, sob pena de extinção do feito, sem
resolução do mérito, com a consequente revogação da ordem liminar.
Após, se em termos, cite-se.
Int.
Santos, 14 de fevereiro de 2013.
ROBERTO DA SILVA OLIVEIRA
Juiz Federal
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