O TRABALHO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO E A EDUCAÇÃO EMANCIPATÓRIA: REFLEXÕES SOBRE SUA INVIABILIDADE NA SOCIEDADE CAPITALISTA João Batista Zanardini1 RESUMO: A realização deste trabalho tem em vista contribuir com a discussão referente a possibilidade de se construir uma proposta pedagógica e educacional que partindo da realidade se efetive enquanto estratégia revolucionária de transformação radical da realidade social regida pelo capital. Intenta-se analisar ainda, como que na ânsia de se resolver o problema social pelos flancos da educação é lançado mão da categoria trabalho privilegiadamente enquanto princípio educativo para tal empreitada. Para tanto visamos recuperar uma análise crítica a respeito das aproximações do conceito de trabalho em Marx. Caminhando na direção de se supor a não efetividade do trabalho enquanto principio educativo inscrito ao capitalismo, nos voltamos para o questionamento referente ao papel da educação enquanto via capaz de revolucionar a sociabilidade regida pelo capital. Desta forma é que fazemos uma rápida e provisória incursão nos modelos educacionais que historicamente foram sendo implementados ao longo do desenvolvimento capitalista no Brasil através da qual visamos situar a educação enquanto determinada pelas bases materiais da sociedade, que no modo de produção capitalista são impostas decisivamente pela instância ideológica. Trabalhamos com o raciocínio de que enquanto persistirem as bases materiais engendradas e regidas pelo Capital consideramos de pouca efetividade qualquer pretensão de revolução via educação. Palavras-chave: trabalho, princípio educativo, educação, revolução Neste texto nos propomos a apresentar a discussão produzida a partir da realização da disciplina Tópicos Especiais de Educação e Trabalho2 e a problemática que embasa nossa preocupação/objetivo no projeto de tese que se encontra em andamento no curso de doutorado em educação da UFSC, qual seja, a grosso modo, investigar por que os produtos educacionais, apesar de todas as reformas que foram e vem sendo implementadas no campo educacional, não são tidos como os desejados. Sendo assim é 1 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação – UFSC. Email: [email protected] cel 99613698 2 Disciplina oferecida pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina no ano letivo de 2004. que ao trabalharmos com as sessões da ementa da disciplina destinadas a discussão do trabalho enquanto princípio educativo onde dentre os textos lidos/relidos alguns textos são de autoria do professor Dermeval Saviani, nos foi proposta a reflexão/provocação sobre uma suposta urgência em resgatar as idéias que embasavam os trabalhos das primeiras turmas de orientandos do referido professor na década de 80 no curso de doutorado em educação da PUC. Esta preocupação dizia respeito à necessidade de se construir uma proposta pedagógica e educacional que partindo da realidade se efetivasse enquanto estratégia revolucionária numa perspectiva emancipatória de transformação radical da realidade social regida pelo capital. Podemos entender que tal “empreitada” se constituiria “no sentido de um esforço para equacionar, pela via da compreensão teórica, a questão prática da contribuição específica da educação no processo de transformação estrutural da sociedade (como seria o caso de uma teoria crítica da educação)”3. Tal teoria, rotulada pelo próprio autor como sendo crítica, teria como reflexo, uma pedagogia revolucionária e, portanto, igualmente crítica. A pedagogia revolucionária é critica. E por ser crítica, sabe-se condicionada. Longe de entender a educação como determinante principal das transformações sociais reconhece ser ela elemento secundário e determinado. Entretanto, longe de pensar, como o faz\ a concepção crítico reprodutivista, que a educação é direcionada unidirecionalmente pela estrutura social dissolvendo-se a sua especificidade, entende que a educação se relaciona dialeticamente com a sociedade. Nesse sentido, ainda que elemento determinado, não deixa de influenciar o elemento determinante. Ainda que secundário, nem por isso deixa de ser instrumento importante e por vezes decisivo no processo de transformação da sociedade. (SAVIANI, 1989, p. 75) O desafio expressado pela elaboração de tal teoria continua de pé, e podemos afirmar que afim de cumpri-lo, seria necessário mais que entender, e sim considerar a educação enquanto um instrumento de luta, mais precisamente de uma luta hegemônica, que SAVIANI, enuncia da seguinte maneira: Luta hegemônica significa precisamente: processo de desarticulação-rearticulção, isto é, trata-se de desarticular dos interesses dominantes aqueles elementos que estão articulados em torno deles, mas não são inerentes à ideologia dominante e rearticulá-los 3 Expressão usada pelo próprio Saviani em torno dos interesses populares, dando-lhes a consistência, a coesão e a coerência de uma concepção de mundo elaborada, vale dizer de uma filosofia. Considerando-se que toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica, cabe entender a educação como um instrumento de luta. Luta para estabelecer uma nova relação hegemônica que permita constituir um novo bloco histórico sob a direção da classe fundamental dominada da sociedade capitalista – o proletariado. Mas o proletariado não pode se erigir em força hegemônica sem a elevação do nível cultural das massas. Destaca-se aqui a importância fundamental da educação. (1989b, p.10/11.) E como resultado esperado desta “luta hegemônica” via educação operacionalizaria-se na população uma transição que iria do senso comum à consciência filosófica. Tal passagem, segundo SAVIANI, (...) é condição necessária para situar a educação numa perspectiva revolucionária. Com efeito, é esta a única maneira de convertê-la em instrumento que possibilite aos membros das camadas populares a passagem da condição de “classe em si” para a condição de “classe para si”. Ora, sem a formação da consciência de classe não existe organização e sem organização não é possível a transformação revolucionária da sociedade.(Idem, p.13) Desde a proposição feita por SAVIANI, muitos autores intentaram através de suas práticas intelectuais e educativas, responder a questão que diz respeito ao papel da educação frente a transformação da sociedade regida pelo Capital. E como na perspectiva da luta contra-hegemônica, o outro da classe dominante é, quase que na totalidade das análises, representado pela classe, que salvo distinções de concepções é composta pelo proletariado, cabe então, nesta proposta, à esta classe o papel primordial de agente transformador da realidade. Motivados por este desafio e embasados talvez na conclamação feita por Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista, onde estes atestam como sendo o objetivo comunista a constituição do proletariado em classe4 e talvez ainda na necessidade 4 No Manifesto se lê: “O objetivo imediato dos comunistas é o mesmo que o de todos os demais partidos proletários: constituição dos proletários em classe, derrubada da supremacia burguesa, conquista do poder político pelo proletariado.”(MARX, ENGELS, sd. p.31) Mais adiante: “Dizeis também que destruímos os vínculos mais íntimos substituindo a educação domestica pela educação social. E vossa educação não é também determinada pela sociedade, pelas condições sociais em que educais vossos filhos, pela intervenção direta ou indireta da sociedade, por meio de vossas escolas etc.?” (Idem, p. 34) expressa neste texto da necessidade em mudar o caráter da intromissão da sociedade na educação e arrancá-la da influência da classe dominante passando-a para as mãos do proletariado5. Muitos desses autores operaram uma tríplice junção, pois uma vez eleito o proletariado como sendo o principal agente da transformação e resgatado o papel primordial que teria a educação neste quadro, bastaria então a eleição do princípio educativo que embasaria tal proposta educacional revolucionária – o trabalho. Sendo assim, na ânsia de se resolver o problema social pelos flancos da educação é que a categoria trabalho é alçada privilegiadamente enquanto princípio educativo, tendo papel primordial na conquista da “hegemonia civil”6 pelo proletariado. O proletariado por viver de forma aguçada tais contradições, por receber todo o impacto do processo da alienação capitalista e por ser, das classes dominadas, a única a não desaparecer, ampliando-se, ao contrário, à medida que se amplia o próprio capitalismo, tem um papel fundamental na direção da transformação social. (MACHADO, 1989, p. 261) Mais adiante prossegue: Todo esforço, ainda no capitalismo, de propaganda e luta em torno da proposta específica do proletariado, para a questão cultural e escolar, significa, já, o embrião da nova escola, na perspectiva de que o novo surge à medida do esgotamento do velho. Assim, as reivindicações devem ser concretas e inseridas na perspectiva da transição e da ruptura. Sem esta clareza, não é possível definir um projeto de unificação escolar sob a hegemonia do proletariado, que possa simultaneamente, resistir à imposição burguesa e consolidar esta hegemonia. A aprendizagem fundamental é, portanto, a da própria práxis revolucionária. (Idem, p.262/ 263) 5 Mais adiante no mesmo documento: Os comunistas não inventaram essa intromissão da sociedade na educação, apenas mudam seu caráter e arrancam a educação à influencia da classe dominante. (grifo nosso, Idem, p.34/35). 6 TUMOLO, na análise crítica ao trabalho de MACHADO, atesta: “Se, de fato a “fórmula da hegemonia civil” é a fórmula correta a ser utilizada pelo proletariado quando se trata do capitalismo atual, ou melhor, do “Estado moderno”, então a escola, uma das instancias de construção da hegemonia passa a ter um papel privilegiado. (1997, p. 94) .É importante salientar que tal posição não é defendida por TUMOLO, ele apenas está construindo o caminho da crítica que estabelece neste texto. Em texto mais recente7, Saviani relaciona escola e trabalho, percorrendo os vários modelos escolares que historicamente foram sendo constituídos, termina por denunciar que o espaço escolar não tem acompanhado as “novas” tendências tecnológicas, atestando ainda que o trabalho, enquanto um princípio educativo constitui-se numa tendência contraditória do capitalismo que beneficia aos trabalhadores. Nas suas palavras: (...) pode-se afirmar que o trabalho foi, é e continuará sendo o princípio educativo do sistema de ensino em seu conjunto. Determinou o seu surgimento sobre a base da escola primária, o seu desenvolvimento e diversificação e tende a determinar, no contexto das tecnologias avançadas a sua unificação. A incorporação das novas tecnologias por empresas brasileiras nas atuais circunstâncias, além de pôr em evidência o atraso em que nos encontramos em matéria de educação, terá, espera-se o papel de acentuar o sentimento de urgência na realização da meta de universalizar a escola básica, a antiga escola primaria com o seu currículo já clássico, como ponto de partida para a construção de um sistema educacional unificado em correspondência com as exigências da nova era em que estamos ingressando.(SAVIANI, 1989, p. 165) Podemos então recuperar a análise crítica feita por TUMOLO8, a respeito das aproximações que são feitas do conceito de trabalho em Marx, as quais intentam através da eleição do trabalho em geral enquanto princípio educativo, chegar à uma perspectiva emancipatória: a transformação da realidade social determinada/dominada pelo Capital. Para tanto caberia um questionamento a respeito de que forma estes autores se aproximam do conceito de trabalho em Marx, intentando torná-lo conceito chave para a transformação de uma dada realidade social9. 7 Trata-se do texto: O Trabalho como princípio educativo frente às novas tecnologias retirado de FERRETI, Celso, J. et alii (org) Novas tecnologias, trabalho e educação: um debate multidisciplinar. Petrópolis: Vozes, 1994 8 Um dos textos em que o autor discute esta idéia é: O trabalho como princípio educativo e o trabalho na forma social do Capital, 2004, mimeo. 9 Para tanto seria imprescindível investigar as inflexões que a categoria trabalho sofre ao longo da obra deste autor, o que não pode ser feito no âmbito deste trabalho, devido ao vulto desta construção teórica, bem como da incipiente aproximação que até o momento fizemos da obra O Capital. Porém o caminho até aqui percorrido nos permite tecer algumas considerações preliminares a respeito da categoria trabalho e de seu papel na sociedade capitalista, e deste modo, de seu possível papel para a construção de uma nova realidade social. A fim de sustentarem esta proposição do trabalho enquanto princípio educativo, vários autores se baseiam no que poderíamos chamar da definição que Marx faz do trabalho em geral, quando trata do processo de trabalho independentemente de qualquer forma social determinada, definição que apresentamos a seguir: Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a Natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a Natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes à sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, afim de apropriar-se da matéria natural numa forma útil para sua própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento sobre a natureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. Ele desenvolve as potências nela adormecidas e sujeita o jogo de suas forças a seu próprio domínio. (MARX, 1988, p. 142) Seria interessante investigar por que Marx faz esta definição, no início justamente da terceira seção do quinto capítulo do primeiro livro de O Capital, que traz como título A produção da Mais-Valia Absoluta. Pelo título da seção, podemos concluir que o objetivo principal do autor se deu no sentido de discutir não o trabalho, e sim a mais-valia enquanto categoria chave desta seção. Este “artifício” metodológico pode se explicado por TUMOLO, quando afirma que: “A utilização, no início do capítulo cinco, de categorias analíticas de caráter genérico, como o trabalho em geral, significou um recurso metodológico, cujo objetivo foi o de apresentar as características e fatores constitutivos do processo de trabalho, diferenciando-o do processo de valorização e, ao mesmo tempo, compreendendo, como unidade de ambos o processo de produção capitalista.” (2004, p.20) Marx lança mão da categoria trabalho sempre de forma historicizada, de forma que quando trata de sua forma geral, chama a atenção para o fato de que esta independe da forma social. Ao tratar do processo de trabalho, afirma que: “... é a atividade orientada a um fim para produzir valores de uso, apropriações do natural para satisfazer as necessidades humanas, condição universal do metabolismo entre o homem e a Natureza, condição eterna da vida humana e, portanto, independente de qualquer forma dessa vida, sendo antes igualmente comum a todas as suas formas sociais. (Marx, 1988, p.146, grifos nossos) O que gostaríamos de evidenciar é que mesmo no sistema de produção capitalista, o processo de trabalho também abrange o trabalho na sua forma geral, pois como nos lembra o próprio Marx, o trabalho é a condição eterna da vida humana e independe da forma social. Sendo assim, na forma social capitalista, o trabalho concreto criador de valor de uso, condição do homem produzir para satisfazer suas necessidades, quer venham do “estômago ou da fantasia”, convive e estabelece uma relação de profunda contradição com a característica do trabalho abstrato enquanto produtor de valor de troca, e estas duas características do trabalho compõem a condição de produção do capital. Tal contradição já se encontra presente mesmo que de forma embrionária no corpo da mercadoria unidade de valor de uso e de valor de troca10. De acordo com TUMOLO: Portanto, se o trabalho, numa forma social genérica, ‘é um processo entre o homem e a Natureza um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a Natureza.” (MARX, 1983, p.149), ou seja, é o elemento determinante na constituição da própria natureza humana, no capitalismo a construção do gênero humano por intermédio do trabalho, se dá pela sua destruição, sua emancipação se efetiva pela sua degradação, sua liberdade ocorre pela sua escravidão, a produção de sua vida se realiza pela produção de sua morte. Na forma social do capital a construção do ser humano por meio do trabalho, se processa pela sua niilização, a afirmação de sua condição de sujeito se realiza pela negação dessa mesma condição, sua hominização se produz pela produção de sua reificação. (2004, p.19) Esse é o raciocínio segundo o qual TUMOLO afirma que o trabalho não pode ser considerado enquanto princípio educativo numa perspectiva emancipadora. Gostaríamos de reafirmar que esta posição pode ser fortalecida considerando que o processo de produção do capital pressupõe o processo de produção de mercadorias e que este pressupõe o processo de trabalho, este último, encarnando a forma de trabalho genérica não pode ser fundamento educativo de uma estratégia político-educativa que vise a transformação revolucionária do capital11. 10 Apesar da mercadoria representar a unidade de valor de uso e valor de troca, e, de o seu possuidor produzir algo que sirva enquanto valor de uso, este último ao apresentar-se à esfera de circulação deve negar o valor de uso da mercadoria que está disposto a se desfazer realizando-a para si apenas enquanto valor de troca. Esta é contradição germinal dos dois aspectos de valor presentes na mercadoria. 11 Esta idéia também é defendida por TUMOLO (2004). Poderíamos inferir que os autores que advogam ser o trabalho em geral a categoria fundante de um princípio educativo numa perspectiva transformadora insistem em enxergar um horizonte romântico na citação de Marx, esquecendo que este tipo de trabalho encontra-se também no capitalismo, já que independe de forma social. Mesmo quando Marx nos propõe o seguinte: Suponhamos que produzimos como seres humanos: cada um de nós se afirmaria duplamente em sua produção, em relação a si próprio e ao outro. 1)Em minha produção, eu realizaria minha individualidade, minha particularidade. Trabalhando, experimento a alegria de manifestar a individualidade de minha vida e, contemplando o objeto produzido, alegro-me ao reconhecer minha própria pessoa como um potencial que se realizou, como algo visível, tangível, objetivo. 2) O uso que você faça do que eu produzi e o prazer que obtenha, dar-me-ia a alegria espiritual de satisfazer, através do meu trabalho, uma necessidade humana, de contribuir para a realização da natureza humana e de aportar ao outro o que lhe é necessário. 3) Eu teria consciência de atuar como mediador entre você e o gênero humano, de ser experimentado e reconhecido por você como um complemento de seu próprio ser e como uma parte indissociável de você mesmo, de ser acolhido em seu espírito e em seu amor. 4) Teria a alegria de que o que minha vida produz sirva para a realização da sua vida, de cumprir na minha atividade particular a universalidade de minha natureza, de minha sociabilidade humana. Nossas produções seriam como espelhos em que nossos seres se irradiam um ao outro. (MARX apud LOWY e BENSAID, 2000, p. 86) Afirmamos que nem mesmo diante da grandeza e do encanto desta citação, possa-se propor diante da sociabilidade regida pelo capital, o trabalho enquanto princípio educativo visando uma outra realidade social que não a reprodução deste modelo social de produção, e que efetuar tal proposição significaria adotar uma postura ideológica da qual escapa a realidade objetiva e contraditória. Deste modo, afirmamos que a suposição feita por Marx, não pode se realizar sob o capitalismo, pois, sob o Capital os homens não produzem como seres humanos, uma vez que encontram-se reificados, escondidos por detrás das relações entre as coisas que são tidas como autonomizadas. Como se as coisas possuíssem alma, ditam através destas relações as relações entre os seres humanos. Pois, como já alertara MARX no prefácio de O Capital: Para evitar possíveis erros de entendimento, ainda uma palavra. Não pinto, de modo algum, as figuras do capitalista e do proprietário fundiário com cores róseas. Mas aqui só se trata de pessoas à medida que são personificações de categorias econômicas, portadoras de determinadas relações de classe e interesse. Menos do que qualquer outro, o meu ponto de vista, que enfoca o desenvolvimento da formação econômica da sociedade como um processo histórico-natural, pode tornar o indivíduo responsável por relações das quais ele é, socialmente, uma criatura, por mais que queira colocar-se subjetivamente acima delas. (MARX, 1988, p. 19, grifos nossos) Podemos reafirmar nossa posição citando outro trecho no qual MARX trata do processo de troca: As mercadorias não podem por si mesmas ir ao mercado e se trocar. Devemos, portanto, voltar a vista para seus guardiões, os possuidores de mercadorias. As mercadorias são coisas e, conseqüentemente, não opõem resistência ao homem. Se elas não se submetem a ele de boa vontade, ele pode usar de violência, em outras palavras tomá-las. Para que estas coisas se refiram uma às outras como mercadorias é necessário que os seus guardiões se relacionem entre si como pessoas, cuja vontade reside nessas coisas, de tal modo que um, somente de acordo com a vontade do outro, portanto cada um apenas mediante um ato de vontade comum a ambos, se aproprie da mercadoria alheia enquanto aliena a própria. Eles devem portanto, reconhecer-se reciprocamente como proprietários privados. Essa relação jurídica, cuja forma é o contrato, desenvolvida legalmente ou não é uma relação de vontade, em que reflete a relação econômica. O conteúdo dessa relação jurídica ou de vontade é dado por meio da relação econômica mesma. As pessoas aqui só existem, reciprocamente, como representantes de mercadorias e, por isso, como possuidores de mercadorias. Veremos no curso do desenvolvimento, em geral, que os personagens econômicos encarnados pelas pessoas nada mais são do que as personificações das relações econômicas, como portadores das quais se defrontam. (1988, p. 80, grifos nossos) Logo, sob o capitalismo o homem não se estabelece enquanto homem verdadeiro, ele é apenas o que lhe conferem os seus predicados, sendo o possuidor de mercadorias, o vendedor, o assalariado, o operário, o proprietário, o latifundiário ou o proletário, mas, nunca o homem em si. Deste modo, trata-se de uma postura ideologizante considerar o trabalho enquanto princípio educativo num universo no qual as condições para o ser humano só se dão através de seus predicados. E de certa forma significa tornar-se cúmplice do Capital, chegando-se até mesmo a sua aceitação apologética por uma via cruel, que pretensamente propunha a superação deste modo de produzir e de viver. Sendo assim, é que em consonância com a análise empreendida por TUMOLO (2004), gostaríamos de reafirmar que o caminho que traz maior possibilidade de levar a uma práxis emancipadora, necessariamente revolucionária que possibilitaria ao homem verdadeiro emergir para além de seus predicados, passa impreterivelmente pela negação do trabalho enquanto princípio educativo, o que não significa negar o humano, mas sim justamente o seu contrário, não trata-se de negar simplesmente o trabalho e suas possibilidades, mas justamente o contrário. Significa sobremaneira negá-los durante a pré-história da humanidade editada sob o Capital, pois: O homem, em Marx, só vem a ser sujeito pleno, senhor absoluto de sua própria vontade, na sociedade comunista. Portanto, depois de uma longa jornada histórica. Antes disto, diz Fausto, tem-se apenas a pré-história do homem, que, na verdade, é a história de seus predicados; a história de sua luta para construir um mundo, no qual o verdadeiramente humano se manifeste em toda a sua plenitude e transparência. Antes disso o homem não é verdadeiramente homem, não é sujeito. Ele existe apenas por meio de seus predicados. (TEIXEIRA apud COGGIOLA, 1996, p. 259) É preciso afirmar, entretanto que, quando postulamos a negação do trabalho, não nos referimos em sentido absoluto, o que refletiria numa posição cômoda e vulgar, mas tal negação passa pela negação posicional do trabalho no “universo” do capital. Afinal acreditamos que afirmar o trabalho neste “universo” esgota toda e qualquer possibilidade de sua realização efetiva enquanto atividade verdadeiramente realizada por seres humanos. Diante de tais considerações, empreendida esta análise a respeito da não efetividade do trabalho enquanto principio educativo, nos voltamos para o questionamento referente ao papel da educação enquanto via capaz de revolucionar a sociabilidade regida pelo capital. Porém ao fazermos uma rápida e provisória incursão nos modelos educacionais que historicamente foram sendo implementados ao longo do desenvolvimento capitalista no Brasil, percebemos justamente que no discurso hegemônico a educação sempre teve papel primordial, vejamos pois: Quando, enquanto parte integrante de nosso projeto de pesquisa, objetivamos demonstrar que as intencionalidades educacionais que historicamente se fizeram presentes nas proposições de currículo para as escolas, vinham acompanhando, enquanto extensão do capital os interesses econômicos expressos nos diferentes momentos ou nas diferentes fases do desenvolvimento econômico brasileiro. Mesmo considerando as modificações que foram sendo empregadas ao conceito de desenvolvimento, pode-se constatar a importância crucial atribuída a educação, enquanto formadora e promotora do modelo de homem que os diferentes momentos econômicos vividos pela sociedade brasileira exigiam. As exigências que se fizeram e se fazem ao modelo educacional, operam uma apropriação ideológica da compreensão da realidade, pois, mesmo o mimetismo dos vários modelos educacionais realizados com a intencionalidade de acompanhar as mudanças ocorridas no processo de acumulação capitalista, foram tidos como insuficientes, pois a despeito deles, a educação permaneceu tida como inadequada e fora da realidade. De forma que se fez uma educação de elite voltada às humanidades, quando, numa economia de base rural-agrária/comercial, às elites era requerido o papel de condutoras dos destinos da nação. Na fase de desenvolvimento do processo embrionário de industrialização, quando o capitalismo se consolidava no Brasil, a educação já expressava a tentativa de assimilação e tradução do liberalismo, nas suas propostas. Em 1932, inicio da década em que se dá a realização da fase final de consolidação da ordem capitalista no Brasil, em pleno processo de industrialização há uma forte conotação vinculando a educação e o desenvolvimento econômico de traço nacionalista nas preocupações expressas no Manisfesto dos Pioneiros da Educação Nova, importando os ideais liberais de John Dewey a fim de operar “a modernização” da educação nacional. A educação é prioridade também nos anos 1950 e 1960, que foram marcados pelo redirecionamento do processo de expansão industrial acelerado que ficou profundamente marcado pelo viés da internacionalização contida na estratégia desenvolvimentista internacionalista. Neste período a educação começa a ser requerida tanto pelo crescente operariado urbano, quanto pela burguesia urbano industrial, neste sentido as idéias da Educação nova também tiveram reflexos na apresentação do Manifesto dos Pioneiros mais uma vez convocados onde alguns dos mesmos Pioneiros de 32, ao lado de outros educadores, numa visão liberal-pragmática empunharam a bandeira da democratização da educação, como forma de garantir um futuro mais digno à nação. Na década de 70, as tensões que remanesciam da suposta superação do nacionalismo pela internacionalização da economia, desembocam no golpe de 64, que reconduz o estado tanto interna quanto externamente. Através da teoria do capital humano, a educação passa a ser concebida nos moldes de uma industria de prestação de serviços, onde o seu produto o homem, é considerado parte do capital, recurso humano para a produção. É a era do capital produtivo refletido no tecnicismo. E a “revolução” do modelo educacional, visando competência e planejamento tidos como necessários à inserção tecnológica do país, sendo assim, a educação passa a incorporar os preceitos técnicos da linha de produção fabril. Escola e Universidade têm um importante papel a desempenhar, o corpo constituinte das organizações educacionais é rigidamente modificado nas distribuições de encargos e funções visando a otimização dos resultados, já que seus produtos, alunos e pesquisadores representavam peças importantes na engrenagem do processo de acumulação capitalista. Foram os traços para educação que legou a associação do desenvolvimento econômico com a “Segurança Nacional”, e seu aspecto repressivo de contenção, que se fizeram sentir na estrutura do sistema educacional, pois não devendo acontecer intersecções de funções, o espaço para o debate em torno de ideais políticos deveria ser abolido do espaço escolar. Pois para o “crescimento do bolo” cada um deveria desempenhar suas funções, professor ensina e aluno aprende, diretor dirige, operário trabalha, as elites comandam etc.. A queda do muro em Berlim marca o fim do confronto entre o primeiro e o segundo mundo, e com a derrocada do socialismo real, o capitalismo vislumbra a possibilidade de sua mundialização, como corolário da internacionalização financeira; “ingressávamos” na era da globalização. E a movimentação financeira internacional, fortemente marcada pela retomada hegemônica dos EUA reflete para os países em desenvolvimento, particularmente para o Brasil, um agudo processo de crise, mais conhecido por crise da dívida, que teve reflexos no campo educacional. Este processo de proporções amplas no fundo representava em escala mundial, uma nova reconfiguração da sociedade capitalista. O setor produtivo nacional começa a sentir os reflexos da desaceleração do crescimento nacional, era a lógica de um novo tipo de capitalismo, o financeiro, e na promessa de enterrar o obsoleto tecnicismo, novas preocupações educacionais começam a surgir. Foi um tempo de tensão educacional, já não convinha formar para a produção, com a mudança “humanizadora” no conceito de desenvolvimento que agora deveria voltar-se à satisfação das necessidades humanas elementarmente básicas, logo, um novo modelo de homem começava a ser requerido. Neste mesmo período, viveu-se o “fim da ditadura” que culminou na transição lenta e gradual da sociedade, que deveria conduzir à sua democratização. À euforia ofuscante que se pode sentir no plano político com relação à retomada das liberdades políticas somou-se a euforia por parte de muitos educadores na ânsia pelo resgate do papel político do professor. Este terreno foi o solo fértil onde vicejou a centralidade da educação de base, marcado pelo desterramento da necessidade de sua universalização. Na década de 90, a década da supremacia do global ao nacional, a década do endeusamento do mercado, há uma intencionalidade de que todos os setores nacionais, inclusive o educacional funcionem à moda mercantil, segundo os ditames (neo) liberais. As relações humanas devem ser tratadas como relações comerciais, logo a educação, agora teria que desempenhar seu papel na formação do produto esperado, o homem da era do livre mercado, o consumidor por excelência, o homem do instantâneo, “sem amarras” com o passado, apegado apenas ao futuro imediato, ou seja, o presente. Com o retorno e a exacerbação da concorrência “sadia”, o traço que precisa ser perseguido e garantido pela escola é do individualismo, travestido em autonomia. A escola deve então formar o homem para ser o “senhor único de seu destino”. É a era da flexibilização, onde as competências atitudinais ganham relevância, suplantando como “obsoleto” o conhecimento historicamente construído. Combinando com o sistema financeiro mundial, que vive o auge do capital volátil, a escola passa a valorizar muito mais a informação em detrimento da formação, e encaminha-se nesta direção adotando conhecimentos que façam sentido para o momento atual sob o jargão das decisões rápidas e da solução de problemas. A alegação da ineficiência da escola passou a ser transferida para o setor gestor administrativo, se a escola vinha funcionando mal, não era por falta de recursos, estes é que eram mal gerenciados. Logo a escola passa por uma crise de eficiência e precisa ser monitorada via avaliação a fim de conter o desperdício. Assim são criados e fortalecidos os sistemas de avaliação nacionais, que apontam - em consonância com o exterior - para a necessidade de homogeneização dos currículos escolares. Nasce assim a proposta de parâmetros curriculares nacionais para as escolas. Desta forma ocorre um movimento nacional em consonância com um movimento mais amplo conduzido pelos organismos internacionais, no sentido de que, a educação se “mundialize”. Neste sentido, tomando a reforma educacional espanhola como um dos exemplos, passariam a ser implantados em ordem crescente de escolaridade os Parâmetros Curriculares Nacionais. Na verdade como subjacente à proposta dos parâmetros curriculares nacionais, estava a ligação direta com o Sistema de Avaliação Nacional, o que se tem realmente é a proposição de um Currículo Nacional, o que leva a grande maioria das escolas a implantarem a proposta neles contida. Como exigência dessa época, no sentido de amenizar as desigualdades e garantir condições iniciais iguais para todos, a escola também foi palco da constatação estatística da universalização de seu acesso, perto da totalidade das crianças tiveram lugar nos assento nos bancos escolares. Logo, adentramos no século XXI, com uma educação básica numericamente universalizada, a estrutura curricular da escola sofreu a “ampla reformulação” de suas propostas, o traço (neo) liberal transformou-se na marca do modelo educacional brasileiro, a exemplo das demais instâncias sociais, e apesar das resistências, a relação escolar segue os ditames do mercado. Porém todo esse esforço é tido como inócuo, pois não foi capaz de colocar a escola em nível de adequação com a realidade. Os sistemas de avaliação nacional, já apontam a ineficácia do sistema: mesmo universalizada, e reformada curricularmente, a escola é apontada por não atender as exigências que lhe são impostas. Nos parece que há uma tentativa ad eternum de considerar a escola deslocada da realidade, com isso perpetuando-a enquanto mito na superação dos problemas sociais. Nossa perspectiva caminha noutro sentido, pois o desenvolvimento histórico do modelo educacional brasileiro, desenrolou-se na tensão que as classes em luta lhe foram e vão imprimindo. Pois, historicamente, assim como as elites almejavam colocar a educação ao serviço de seus interesses, do mesmo modo, as classes populares buscam na escola a satisfação de seus interesses. Eis a expressão da contradição que a luta de classes impõe à exigência educacional. E ao contrário do que ideologicamente se coloca, para além dos reais problemas que o sistema educacional enfrenta, ele sempre desempenhou o seu papel, não é em vão destacar, por mais óbvio que nos pareça que a educação nunca esteve descolada da realidade, pois como parte integrante do todo, desempenhou ao longo da historia, seu papel determinante. Porém, não foi e não é o determinante em última instância, sofreu para isso, como destacamos acima, o embate das classes em luta, de forma que o resultante sempre ficou matizado pelas classes que historicamente compunham a sociedade brasileira. Não é a escola que é capaz de unificar, assim como não é ela, também, que gera as divisões e as diferenciações. Sem progressos efetivos na democratização econômica e política de uma sociedade, torna-se difícil fazer progredir a instituição escolar, diminuindose os segregacionismos. As tentativas de abolição das diferenciações, sem os correspondentes esforços no âmbito da estrutura social, tornam-se, de certo modo, inócuas, pois a tendência é de reconstituição e recomposição de privilégios e estruturas diferenciadas de ensino, sob o pretexto de argumentos variados, impondo barreiras de novo tipo. A própria competição social, inerente ao capitalismo, restaura o monopólio e a expropriação de certos conteúdos culturais.(MACHADO, 1989, p. 255) Mesmo os interesses externos ao se chocarem com os diferentes interesses internos dentro do processo de desenvolvimento que aqui se processou, desde a sua fase nacionalista, até a fase denominada de globalização, acabaram produzindo aqui resultados particulares a formação brasileira. Estamos portanto, de acordo com TONET, quando afirma: Ao nosso ver, é perda de tempo querer pensar uma educação emancipadora (conteúdos, métodos, técnica, currículos, programas, formas de avaliação, etc.) como um conjunto sistematizado que possa se transformar em uma política educacional. Certamente, podemse estabelecer políticas educacionais mais ou menos progressistas e, por isso, a luta nessa esfera não deve ser menosprezada. Porém, o conjunto da educação só poderá adquirir um caráter predominantemente emancipador na medida em que a matriz da sociabilidade emancipada – o trabalho associado – fizer pender a balança para o lado da efetiva superação da sociabilidade do capital. Vale dizer, na medida em que se realizar uma revolução. ( TONET, 2003, P.47) Se a educação é expressão e determinação das bases materiais da sociedade, que no modo de produção capitalista são impostas decisivamente pela instância ideológica, estas bases permanecem apesar das pretensões de uma revolução cultural via educação. REFERÊNCIAS: LÖWY, Michael e BENSAID, Daniel. Marxismo, modernidade e utopia. São Paulo: Xamã, 2000. MACHADO, Lia Zanotta. Estado, escola e ideologia. São Paulo, Editora Brasiliense, 1983. MARX, Karl. Textos filosóficos. São Paulo, Biblioteca do Socialismo Científico, 1975. ____. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Nova Cultural, 1988. SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. 21ed. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1989. SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica. Primeiras aproximações. 2ªed., São Paulo: Cortez/Autores Associados. 1991. SAVIANI, Dermeval, O trabalho como princípio educativo frente as novas tecnologias. In: FERRETI, Celso, J. et alii (org) Novas tecnologias, trabalho e educação: um debate multidisciplinar Petrópolis, Vozes, 1994. TEIXEIRA, Francisco J. S. O capital e os fundamentos para uma práxis transformadora do mundo. In: COGGIOLA, Osvaldo. (org.) Marx e Engels na história. São Paulo: Xamã, 1996. TONET, Ivo. A Educação numa encruzilhada. Educação. Revista de estudos da educação, n.19, Maceió: UFAL, 2003. TUMOLO, Paulo Sérgio. O trabalho como princípio educativo e o trabalho na forma social do capital. Florianópolis, 2004 (mimeo). TUMOLO, Paulo Sérgio, Gramsci, a educação e o Brasil. Notas para uma reflexão crítica. Universidade e Sociedade, Ano VII, n.12. Brasília, ANDES,1997.