UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO A VEDAÇÃO DA LIBERDADE PROVISÓRIA NA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS (LEI N.º 8.072/90) FRANCHESCO JOSÉ MALLMANN Itajaí, outubro de 2006 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO A VEDAÇÃO DA LIBERDADE PROVISÓRIA NA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS (LEI N.º 8.072/90) FRANCHESCO JOSÉ MALLMANN Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Professor Msc. Artur Jenichen Filho Itajaí, outubro de 2006 AGRADECIMENTO Agradeço a Deus por me acompanhar em toda minha vida, principalmente nos momentos mais difíceis, onde Ele nunca nos desampara, protegendo e guiando para os bons caminhos. Agradeço a toda minha família, que sempre esteve comigo, me apoiando e me ajudando nessa árdua caminhada, até mesmo me compreendendo quando estive ausente. Aos amigos, colegas de turma e colegas de trabalho, que confiaram e sempre me estimularam para alcançar o sucesso. Aos mestres, pelo grande companheirismo apresentado nestes anos de dedicação e respeito. Em especial, ao Mestre Artur Jenichen Filho, símbolo de sabedoria e espírito humano, ao qual agradeço não só por ter colaborado neste trabalho, mas em todo meu aprendizado acadêmico. DEDICATÓRIA Dedico este trabalho aos meus pais, Tânia e Nilo, e meu irmão Philippe Gabriel, que mesmo não estando mais entre nós sempre me deu força nas horas em que mais precisei e estive só, lembrei de você, Philippe, um abraço deste irmão que te ama, a quem devo toda minha formação, não só nesta fase, mas em toda minha vida. TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Itajaí, 09 de outubro de 2006 Franchesco José Mallmann Graduando PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Franchesco José Mallmann, sob o título: A Vedação da Liberdade Provisória na Lei dos Crimes Hediondos, foi submetida em 09/11/2006 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: Msc. Artur Jenichen Filho (presidente), Dr. Álvaro Borges de Oliveira e Esp. Eduardo Erivélton Campos e aprovada com a nota 10,0 (dez). Itajaí, 09 de outubro de 2006 Professor Msc Artur Jenichen Filho Orientador e Presidente da Banca Professor Msc Antonio Augusto Lapa Coordenação da Monografia ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS ART Artigo CFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil CP Código Penal CPP Código Processo Penal HC Habeas Hábeas IBCCRIM Instituto de Ciências Criminais J Julgado MIN Ministro REL Relator REV Revista RHC Recurso Ordinário em Hábeas Corpus STF Supremo Tribunal de Justiça STJ Superior Tribunal de Justiça VOL Volume ROL DE CATEGORIAS Rol de categorias que o Autor considera estratégicas à compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais. Ação É o meio legal de reivindicar ou defender em juízo um direito subjetivo preterido, ameaçado ou violado.1 Ação criminal Meio legítimo de pedir em juízo a punição do delinqüente, Pode ser de natureza pública ou privada.2 Ação de habeas corpos Ação penal que visa garantir o direito de locomoção ao indivíduo que está impedido de fazê-lo por ilegalidade ou abuso de poder.3 Caução Garantia, segurança, responsabilidade. Valores depositados ou aceitos para garantia do contrato ou para efetivar a responsabilidade de um encargo. O código Civil admite três espécies de caução: fiança, penhor e a consignação de rendimentos.4 Crime Toda ação ou omissão ilícita, culpável, tipificada em lei, que ofenda valores sociais básicos de um dado momento histórico em determinada sociedade.5 1 BRASIL, Celso. Dicionário Jurídico de Bolso. Campinas: Servanda, 4.ª ed., 2003, p. 17. BRASIL, Celso. Dicionário Jurídico de Bolso. 4.ª ed., 2003, p. 22. 3 BRASIL, Celso. Dicionário Jurídico de Bolso. 4.ª ed., 2003, p. 25. 4 BRASIL, Celso. Dicionário Jurídico de Bolso. 4.ª ed., 2003, p. 91. 5 BRASIL, Celso. Dicionário Jurídico de Bolso. 4.ª ed., 2003, p. 127. 2 Crime hediondo Crime definido pela CF no artigo 5.º, XLIII, por sua gravidade, como inafiançável e insuscetível de graça ou anistia, sendo a pena cumprida, integralmente, em regime fechado.6 Crime inafiançável Crime cujo o autor não pode permanecer em liberdade durante o processo mediante o pagamento de uma fiança (determinada quantia em dinheiro).7 Fiança É uma garantia que o acusado presta à autoridade processante de que não vai se furtar aos efeitos do processo. Julgar-se-á quebrada a fiança quando o réu devidamente intimado para o ato do processo, deixar de comparecer sem provar incontinenti, motivo justo ou quando na vigência da fiança praticar outra infração penal.8 Graça Perdão da pena, em sentido amplo.9 Habeas corpos Medida idônea para trancar o processo-crime, abortando-o em seu curso, sempre que se mostre incabível ou se evidencie eivado de nulidade. Poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu próprio favor ou em favor de outrem.10 Liberdade provisória É a liberdade concedida pelo juiz ao indivíduo, para que este possa defender-se solto, com ou sem pagamento de fiança.11 6 BRASIL, Celso. Dicionário Jurídico de Bolso. 4.ª ed., 2003, p. 128. BRASIL, Celso. Dicionário Jurídico de Bolso. 4.ª ed., 2003, p. 129. 8 BRASIL, Celso. Dicionário Jurídico de Bolso. 4.ª ed., 2003, p. 169. 9 BRASIL, Celso. Dicionário Jurídico de Bolso. 4.ª ed., 2003, p. 176. 10 BRASIL, Celso. Dicionário Jurídico de Bolso. 4.ª ed., 2003, p. 179. 7 Prisão em flagrante Se faz no indivíduo que está cometendo a infração ou acaba de cometê-la.12 Prisão preventiva Difere da prisão em flagrante. É a captura do indiciado ou sua conservação no cárcere, a fim de que esteja presente em juízo e não escape ao cumprimento da sentença.13 Processo Conjunto organizado de preceitos legais que dão forma e movimento à ação; compõe-se de peças, termos e atos com que se instrui, disciplina e promove a lide em juízo para a efetivação do direito nela pleiteado. Seqüência de atos interdependentes que se destinam a solucionar litígio, vinculando o juiz e as partes a direito e obrigações.14 Recurso Meio de provocar a reforma ou modificação de uma sentença judicial desfavorável.15 Sentença Veredicto ou decisão que o magistrado ou tribunal profere sobre a espécie submetida a seu julgamento. Juízo pronunciado em qualquer matéria.16 11 BRASIL, Celso. Dicionário Jurídico de Bolso. 4.ª ed., 2003, p. 217. BRASIL, Celso. Dicionário Jurídico de Bolso. 4.ª ed., 2003, p. 256. 13 BRASIL, Celso. Dicionário Jurídico de Bolso. 4.ª ed., 2003, p. 256. 14 GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. São Paulo: Riddel, 2000, p. 454. 15 BRASIL, Celso. Dicionário Jurídico de Bolso. 4.ª ed., 2003, p. 273. 16 BRASIL, Celso. Dicionário Jurídico de Bolso. 4.ª ed., 2003, p. 295. 12 SUMÁRIO RESUMO ........................................................................................... XI INTRODUÇÃO ................................................................................. 12 CAPÍTULO 1 .................................................................................... 15 LIBERDADE PROVISÓRIA.............................................................. 15 1.1 CONCEITO DE LIBERDADE PROVISÓRIA ..................................................15 1.2 FUNDAMENTO DA LIBERDADE PROVISÓRIA ...........................................20 1.3 ESPÉCIES DE LIBERDADE PROVISÓRIA ...................................................21 1.4 LIBERDADE PROVISÓRIA SEM FIANÇA E COM VINCULAÇÃO ...............24 1.5 LIBERDADE PROVISÓRIA SEM FIANÇA E SEM VINCULAÇÃO................26 1.6 LIBERDADE PROVISÓRIA COM FIANÇA ....................................................26 1.7 O MODELO GARANTISTA DE LUIGI FERRAJOLI ......................................28 CAPÍTULO 2 .................................................................................... 31 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA ............................... 31 2.1 ORIGEM DO INSTITUTO ...............................................................................31 2.2 CONCEITO DE PRESUNÇÃO .......................................................................32 2.3 O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E A PRISÃO PROVISÓRIA ..............................................................................................................................34 2.4 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA OU DA NÃOCULPABILIDADE?...............................................................................................42 CAPÍTULO 3 .................................................................................... 46 LIBERDADE PROVISÓRIA NA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS ... 46 3.1 HISTÓRICO ....................................................................................................46 3.2 CONCEITO .....................................................................................................49 3.3 A PROIBIÇÃO DA LIBERDADE PROVISÓRIA NA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS ........................................................................................................53 3.4 VEDAÇÃO DA LIBERDADE PROVISÓRIA PARA OS CRIMES HEDIONDOS E O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA............................................64 3.5 EFICÁCIA DA LEI N.º 8.072/90......................................................................70 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................. 73 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS .......................................... 79 xi RESUMO Esta monografia jurídica destina-se ao estudo da vedação da liberdade provisória na Lei dos Crimes Hediondos, Lei Federal n.º 8.072, de 25 de julho de 1990. Para que seja possível alcançar o objetivo pretendido, imprescindível o estudo acerca do instituto da liberdade provisória, isoladamente analisado. Da mesma forma, torna-se relevante a abordagem do princípio constitucional da presunção de inocência, o qual diz diretamente com o direito de se aguardar o transcurso do processo criminal em liberdade, sem que o indivíduo seja considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Efetuadas as análises preliminares, é possível, então, contextualizá-las no inciso II, do art. 2.º da Lei dos Crimes Hediondos, Lei Federal n.º 8.072/90, perquirindo sobre as conseqüências da indigitada proibição, apontados pela doutrina e pela jurisprudência pátria. 12 INTRODUÇÃO O trabalho tem por objetivo efetuar pesquisa bibliográfica a respeito das controvérsias doutrinarias e jurisprudências existentes, até o presente momento em relação à vedação da liberdade provisória na Lei dos Crimes Hediondos (inciso II do art. 2.º da Lei n.º 8.072/90). Inicialmente, cumpre justificar a escolha do tema. É notório o interesse que o direito Penal e o Direito Processual Penal despertam no meio acadêmico, assim como fora dele. Isso porque, as referidas matérias lidam com direitos e garantias fundamentais do cidadão. Ainda, tais ramos do direito despertam manifestações de caráter pessoal em toda a sociedade no que concerne ao posicionamento adotado pelo constituinte, pelo legislador ordinário e pela jurisprudência nacional. Afinal, estamos todos sujeitos às disposições legais e às decisões dos tribunais pátrios. Neste contexto, compreende-se a liberdade pessoal como um dos mais importantes e significativos direitos fundamentais, merecendo, por conseguinte a proteção de todo o ordenamento jurídico. Ao vedar a concessão da liberdade provisória, o inciso II do Art. 2.º da Lei n.º 8.072/90 incitou a doutrina e a jurisprudência a se manifestarem sobre o referido dispositivo legal. É justamente esta a proposta deste trabalho: perquirir sobre os diferentes entendimentos dos aplicadores do direito no que se refere a esta vedação; é a mesma constitucional ou não? De fato, para alcançar o objetivo supra mencionado, mostrase imprescindível o estudo do instituto da liberdade provisória, não somente em seus aspectos objetivos, ou conceituais, mas como princípio insculpido na Carta Magna de 1988. Para isso, impõe-se analisar o entendimento da doutrina e o posicionamento da jurisprudência, notadamente, dos Tribunais Superiores. 13 Da mesma forma, torna-se relevante a pesquisa referente a outro princípio constitucional, consectário do instituto da liberdade provisória, qual seja, o princípio da presunção de inocência. Objetiva-se, então, caracteriza-lo por meio deste estudo, no intuito de verificar seus elementos identificadores, assim como o momento de sua verificação. Apontar quais as situações que podem comprometer a sua materialização, especialmente nas situações em que ocorrem as prisões de natureza cautelar, dizendo sobre sua constitucionalidade, ou não. Por fim, pretende-se analisar o inciso II do art. 2.º da Lei n.º 8.072/90, que proíbe a concessão da liberdade provisória para os crimes hediondos, sob o prisma do instituto da liberdade provisória e do princípio da presunção de inocência. A não-aplicação do instituto da liberdade provisória, em função da previsão legal, não estaria eivada de inconstitucionalidade? Não há nenhuma possibilidade de ser conferida ao acusado de ter cometido crime hediondo? E quanto ao princípio da presunção de inocência quando vedada a liberdade provisória? Restaria ferido? Está-se, ou não, diante de uma inconstitucionalidade? A proposta desta pesquisa é, justamente responder às indagações acima expostas para que se possa, então concluir ao final pela eficácia, ou não do meio que se utilizou o legislador para combater e punir, por meio da Lei dos Crimes Hediondos, crimes considerados mais violentos, proibindo a incidência de alguns institutos como o da liberdade provisória. Para a presente monografia foram levantadas as seguintes hipóteses: A não aplicação do instituto da liberdade provisória, em função da previsão legal, não estaria eivada de inconstitucionalidade? Não há nenhuma possibilidade de ser conferida ao acusado de ter cometido crime hediondo? 14 E quanto ao princípio da presunção de inocência quando vedada a liberdade provisória? Restaria ferido? Está-se, ou não diante de uma inconstitucionalidade? Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia é composto na base lógica Indutiva17. Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas, do Referente18, da Categoria, do Conceito Operacional19 e da Pesquisa Bibliográfica20. 17 Método é a forma lógico-comportamental na qual se baseia o Pesquisador para investigar, tratar os dados colhidos e relatar os resultados”. PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica. 7 ed: Florianópolis. OAB/SC, 2002, p. 104. Acerca dos métodos nas diversas fases da Pesquisa Científica, vide PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica, p. 99/107. 18 “explicitação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa”. PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica, p. 241. 19 “definição estabelecida ou proposta para uma palavra ou expressão, com o propósito de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias expostas”. PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica, p. 241. 15 CAPÍTULO 1 LIBERDADE PROVISÓRIA O presente capítulo tem por objetivo identificar e conceituar o instituto da liberdade provisória abordando seus elementos essenciais. Dessa forma, será possível analisá-la posteriormente, contextualizando-a na Lei dos Crimes Hediondos e abordando a polêmica de sua vedação na aplicação da mencionada lei. 1.1 CONCEITO DE LIBERDADE PROVISÓRIA Trata-se de um instituto processual elevado à categoria de garantia fundamental constitucional prevista no inciso LXVI do art. 5.º da Constituição Federal, in verbis: ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança. A doutrina, ao abordar o instituto da liberdade provisória, acena para o contraponto existente entre a necessidade de se garantir uma eficaz manutenção do processo, para qual, salvo melhor juízo, a prisão preventiva mostra-se um meio competente e a preservação de um direito fundamental consubstanciado no próprio instituto. Assim, para Júlio Fabbrini Mirabete21 o sacrifício da custódia, só deveria ocorrer em casos de absoluta necessidade, posto que a prisão antes do trânsito em julgado é um mal, ao qual o direito tem buscado combater. O referido autor dispõe que se trata de um estado de liberdade de gozo precário, pois pode estar relacionado a certas condições, a fim de garantir a presença do acusado no processo. 20 “Técnica de investigação em livros, repertórios, jurisprudências e coletâneas legais” PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica, p. 204. 21 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2000, p. 402. 16 Júlio Fabbrini Mirabete nos ensina que a expressão “provisória” se deve a: 1 – porque pode a qualquer momento ser revogada, exceto nos casos de não ser vinculada; 2 – porque perdura até o trânsito em julgado de sentença que, se condenatória, possibilita a execução da pena e em caso de ser absolutória, torna a liberdade provisória em definitiva. Ao tratar do confronto entre o instituto da prisão preventiva e a possibilidade de concessão de liberdade provisória para aquele que é preso em flagrante, Fernando da Costa Tourinho Filho22, classifica o primeiro instituto como um “mal necessário”, no qual se identifica um imbróglio entre a necessidade da manutenção da ordem no processo penal e o princípio da presunção de inocência, insculpido no inciso LVII, do art. 5.º, da CFB/88, que dispõe: ninguém será considerado culpado até o trânsito de sentença penal condenatória. Já Hélio Tornaghi23 menciona ser o instituto da liberdade provisória uma situação paradoxal do acusado por estar livre e ao mesmo tempo vinculado ao processo. Essa situação precária como salienta Fernando da Costa Tourinho Filho, visto que por meio da liberdade provisória, o cidadão tem sua liberdade de locomoção restituída, podendo, contudo, não ser absoluta: mesmo com a sua liberdade restituída, o cidadão fica, às vezes, vinculado a certas obrigações que assumiu perante a autoridade que lhe concedeu a liberdade provisória24. De fato, o sujeito fica vinculado ao processo cumprindo obrigações que lhe foram impostas pela autoridade judiciária, sob pena de revogação. Com o trânsito em julgado da sentença que o absolver, terá, novamente sua liberdade definitiva. 22 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 20. ª ed. rev. e ampl. v. 3. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 488. 23 TORNAGHI, Hélio. Curso de Processo penal. 7. ª ed., de acordo com a CFB/88. v. 2. São Paulo: Saraiva, 1990 p. 101. 24 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 20. ª ed. rev. e ampl. v. 3. 1998, p. 497/498. 17 Segundo Pedro Henrique Demercian e Jorge Assaf Maluly25, é o instituto que garante o status libertatis do acusado até o termino do processo de conhecimento condenatório. Hélio Tornaghi26 destaca, contudo que em se tratando de Brasil, não se fala em substituir a prisão preventiva pela liberdade provisória quando já decretada a primeira. Isso porque a hipótese da prisão se concretizar quando existentes os requisitos para a mesma tornando-se absolutamente necessária, nesse caso, conforme o autor, seria um contra-senso colocar o acusado em liberdade. Também, Hélio Tornaghi aponta: 1.º quando a prisão for absolutamente indispensável, ela será permitida sem se falar em liberdade provisória; 2.º em não sendo imprescindível a decretação da prisão configura abuso de poder, o autor não trata de substituição, posto que segundo o mesmo não deveria existir. Ao discorrer sobre o mesmo assunto o doutrinador Perfecto Andrés Ilbañes, também reconhece a prisão provisória como sendo um meio capaz de garantir uma regular condução do processo e a efetiva instrução probatória. Não obstante, assegurava que deve ser decretada somente quando houver e enquanto durar a necessidade. Isso porque, poderia acabar limitando a defesa do imputado, conforme dispõe: De qualquer maneira, nunca poderia deixar de se considerar que a prisão provisória poderia também limitar as possibilidades de realização de uma defesa adequada e, desde logo, uma flexível relação com o encarregado da mesma. Que não toda a atividade de investigação relacionada com o imputado é suscetível de asseguramento por essa via, como ocorre com o interrogatório, facultativo para o imputado enquanto meio de defesa, mais que meio de prova no sentido próprio. E que, se adotada com o sentido instrumental aludido, a prisão preventiva teria que 25 DEMERCIAN, Pedro Henrique, MALULY, Jorge Assaf. Curso de Processo Penal. São Paulo: Atlas, 1999, p. 168. 26 TORNAGHI, Hélio. Curso de Processo penal. 7. ª ed., de acordo com a CFB/88. v. 2. 1990, p. 102/103. 18 responder a uma necessidade realmente existente e justificável para aquela garantia e cessar necessariamente uma vez cumprida sua necessidade cautelar-processual27 (tradução do autor). No confronto que se estabelece entre a necessidade da prisão provisória e a possibilidade da mesma ser considerada antecipação de pena, portanto, uma agressão a pessoa e aos direitos do réu, o já citado autor propõe uma 3.ª (terceira) via: Trata-se, em suma, de reconhecer que não existem práticas limpas de prisão provisória; nem sequer quando se produzem mediante o uso desse relativamente sofisticado instrumento de origem jurisprudencial a que se fez referência. Pois, do princípio ao fim, a prisão provisória é sempre e já definitivamente pena. E é precisamente, antecipando de iure (direito) e de facto (fato) esse momento punitivo como cumpre o fim institucional que tenha objetivamente destinado28 (Tradução do autor). Nota-se que o entendimento doutrinário quanto a liberdade provisória, quando da não presença dos requisitos da decretação da prisão preventiva, tem se posicionado igualitariamente com os julgados do Superior Tribunal de Justiça que nestes casos, tem garantido o direito à liberdade provisória. Colaciona-se ao presente trabalho, a decisão da Egrégia 6.ª (Sexta) Turma do STJ, in verbis: 27 De cualquier manera, nunca podria dejar de considerarse que la prisión provisional podría limitar las posibilidades de realización de una defesa adecuada y, desde logo, una flexible relación con el encargado de la misma, Que no toda actividad de investigación relacionada con el imputado es susceptible de aseguramento por esa vía, como ocurre con el interrogatorio, facultativo para el imputado en tanto que medio de defensa, más que medio de prueba en sentido proprio. Y que, si adoptada con el sentido instrumental aludido, la prisión preventiva tendría que responder a una necesidad realmente existente y justificable de aquella garantia y cesar necesariamente una vez cumplida su finalidade cautelar-procesal. ILBAÑES, Perfecto Andrés, Presunción de inocencia y prisión sin condena. Revista de La Asociación de Ciencias Penales de Costa Rica, v. 9, n.º 15, agosto de 1997. 28 Se trata, en suma, de reconocer que no existen praticas limpias de la prisión provisional; ni siquiera cuando producen mediante el uso de ese relativamente sofisticado instrumental de origen jurisprudencial a que se ha hecho referencia. Pues, del principio al fin, la prisión provisional es siempre y ya definitivamente pena. Y es, precisamente, antecipando de iuere e de facto ese momento punitivo como cumple el fin institucional que tiene asignado. ILBAÑES, Perfecto 19 PROCESSO PENAL. PRISÃO EM FLAGRANTE, AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DA PRISÃO PREVENTIVA. LIBERDADE PROVISÓRIA. DEFERIMENTO. A manutenção da prisão em flagrante apenas tem lugar quando presentes os requisitos ensejadores da prisão preventiva, nos moldes do art. 310, §, único do CPP. Inexistindo demonstração de real necessidade da custodia cautelar, não se justifica a perenização do flagrante, notadamente se, como na espécie, é réu paciente primário, de bons antecedentes, com residência e trabalhos fixos. Em principio não se admite a utilização de HC para obtenção de liminar negada em outra ordem, salvo, como no caso, manifestamente ilegalidade. Ordem concedida (grifei)29. No mesmo sentido, André Pires Gontijo, argumenta que a Lei n.º 8.072/90 (art. 2.º, II) extravasou sua competência legislativa, ao proibir ao condenado por crime hediondo a concessão de fiança e liberdade provisória. O texto constitucional é claro ao restringir apenas fiança aos crimes hediondos (CF, art. 5.º, XLIII)30. Segundo João José Leal, ao proibir a concessão de fiança aos presos em flagrante pela prática do crime hediondo, a LHC, em seu art. 2.º, inc. II (1.ª hipótese), apenas reiterou os termos do preceito constitucional já examinado. Portanto, não se pode censurar o legislador por ter formalizado, na lei ordinária, proibição já determinada pela Lei Maior31. João José Leal prossegue, o seu entendimento dissertando que deve-se observar que os crimes hediondos, pela gravidade de que geralmente se revestem, são punidos com pena mínima bem superior a dois anos e, por isso, já eram insuscetíveis de fiança nos termos do art. 323, inc. I, do CPP. A exceção fica por Andrés, Presunción de inocencia y prisión sin condena. Revista de La Asociación de Ciencias Penales de Costa Rica, v. 9, n.º 15, agosto de 1997. 29 STJ, 6.ª Turma, HC 13961/BA, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 06/03/2001, publicado no DJU 19/03/2001, p. 142. 30 GONTIJO, André Pires. A concretização do princípio da individualização da pena: a interpretação evolutiva da lei dos crimes hediondos. Jusnavengandi. Disponível em: www.jus2.uol.com.br, acesso em 09 de março de 2006. 31 LEAL, João José. Crimes Hediondos – A lei 8.072/90 como Expressão do Direito Penal da Severidade. 2.ª ed. (2003), 3.ª tiragem, Curitiba: Juruá, 2005, p. 192/193. 20 conta das formas simples do crime de tortura, cuja pena mínima é de dois anos de reclusão, já que para as formas qualificadas pelo resultado lesão corporal grave ou morte, as penas mínimas cominadas são de quatro e oito anos de reclusão, respectivamente. E também, que a Lei 9.455/97, ao incriminar a tortura, fixou um regime mais brando para esta espécie de crime hediondo constitucional e criou uma situação verdadeiramente confusa no campo da doutrina e da jurisprudência32. João José Leal, arremata que “o dispositivo em exame é completamente supérfluo, proibindo o que já não era mais possível ser proibido em face do direito vigente, ou seja, proibiu o já proibido. Além disso, não se deve esquecer que a inafiançabilidade de uma infração penal não significa necessariamente impossibilidade de concessão de liberdade provisória”33. No Brasil, o instituto da liberdade provisória substitui a prisão em flagrante e a prisão em virtude de pronúncia. Serve, ainda nos casos de sentença penal condenatória recorrível, quando a lei considerar dispensável o recolhimento para apelar. 1.2 FUNDAMENTO DA LIBERDADE PROVISÓRIA Fernando da Costa Tourinho Filho pondera ser a prisão provisória a medida mais eficaz para uma efetiva condução do processo penal, salienta, porém, ser a medida que mais atinge e fere a um homem ainda não definitivamente culpado. Entende ser, hoje, um dos princípios do Direito Público “não se deve utilizar a prisão provisória, senão nos casos de absoluta necessidade”34. 32 Idem. Idem. 34 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 20. ª ed. rev. e ampl. v. 3. 1998, p. 479/498. 33 21 Para o supra-citado doutrinador, este princípio que dizer que a prisão provisória deve ser utilizada quando houver motivos legais, evitando-se que o imputado frustre a eventual execução da pena e que esta finalidade pode ser obtida por outros meios que não o da prisão provisória. Dando prosseguimento a este entendimento, lembra que a liberdade provisória, nos casos em que admissível, também pode assegurar a presença do réu em juízo sem sofrer as conseqüências do cárcere. Este mesmo entendimento é adotado por Hélio Tornaghi que dispõe: o instituto da liberdade provisória funda-se na vantagem de substituir a prisão por uma outra providencia que logre a presença do acusado sem o sacrifício do encarceramento35. 1.3 ESPÉCIES DE LIBERDADE PROVISÓRIA A liberdade provisória pode ser dividida em: 1.3.1 OBRIGATÓRIA O Promotor Fernando Capez36 leciona que se trata de um direito incondicional subjetivo, do acusado, independente de fiança, que não lhe pode ser negado. As hipóteses de cabimento estão previstas nos art. 321, I e II37 do CPP e referem-se às infrações em que a punição não é de pena privativa de liberdade ou quando o máximo da pena privativa de liberdade não exceder a 03 35 TORNAGHI, Hélio. Curso de Processo penal. 7. ª ed., de acordo com a CFB/88. v. 2. 1990, p. 102. 36 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 2. ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 231. 37 Ressalvado o disposto no art. 323, III e IV, o réu livrar-se-à solto, independentemente de fiança: I – no caso de infração, a que não for, isolada, cumulativamente ou alternativamente, cominada pena privativa de liberdade; II – quando o máximo da pena privativa de liberdade, isolada, cumulativamente ou alternativamente cominada, não exceder a 3 (três) meses 22 (três) meses. O autor refere, ainda, a hipótese prevista no § único do art. 6938 da Lei Federal n.º 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais, parte criminal), que prevê a concessão da liberdade provisória quando, nos casos de prisão em flagrante, o autor do fato comprometer-se à comparecer à sede do juizado. Acrescenta Tornaghi39 que a liberdade provisória obrigatória tem por fundamento o inciso LXVI da Carta Magna, o qual dispõe que ninguém será levado ou mantido na prisão quando a lei admitir a liberdade provisória. 1.3.2 PERMITIDA Em sua obra Hélio Tornaghi40, cita 03 (três) hipóteses de cabimento de liberdade provisória, quais sejam: 1. Art. 31041 do CPP para os crimes praticados nas condições do atual art. 2342 do CP, quais sejam, as excludentes de ilicitude; 2. Parágrafo único43 do art. 310 do CPP, quando não se verificarem as hipóteses em que se autoriza a prisão preventiva (artigos 31144 e 31245 do CPP) e 38 Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima. 39 TORNAGHI, Hélio. Curso de Processo penal. 7. ª ed., de acordo com a CFB/88. v. 2. 1990, p. 104/105. 40 Idem. 41 Art. 310. Quando o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o agente praticou o fato na, nas condições do art. 19, I, II, III, do Código Penal, poderá, depois de ouvir o Ministério Público, conceder ao réu liberdade provisória, mediante termo de comparecimento, a todos os atos do processo, sob pena de revogação. 42 Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato: I – em estado de necessidade; II – em legítima defesa; III – em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito. 43 Parágrafo único. Igual procedimento será adotado quando o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, a inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva (arts. 311 e 312). 23 3. Art. 35046 do Código de Processo Penal, em que o autor cita Carnelutti que denominou a presente hipótese como sendo “os privilégios da pobreza”. São os casos de infrações em que cabe a concessão de fiança, mas o juiz verificando ser o réu pobre, sem condições de prestá-la; fica no entanto, sujeito às obrigações constantes dos artigos 32247 e 32848 do mesmo diploma legal. Júlio Fabbrini Mirabete49 ressalta que a liberdade provisória será permitida sempre que não estiverem presentes os requisitos da prisão preventiva, mesmo nos casos de acusado pronunciado primário e de bons antecedentes (§ 2.º50 do art. 408 do CPP) e de condenado por sentença recorrível, com ou sem fiança, preenchidos os requisitos legais. 1.3.2 VEDADA No casos em que a concessão da liberdade provisória é expressamente proibida, vedada na lei, como por exemplo, segundo Capez51, a Lei dos Crimes Hediondos (Lei Federal n.º 8.072/90, art. 2.º, inciso II). Ressalta ainda que recentemente o STJ entendeu que ante a impossibilidade de se 44 Art. 311. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, ou do querelante, ou mediante representação da autoridade policial. 45 Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente da autoria. 46 Art. 350. Nos casos em que couber fiança, o juiz, verificando ser impossível ao réu prestá-la, por motivo de pobreza, poderá conceder-lhe a liberdade provisória, sujeitando-se às obrigações constantes dos arts. 327 e 328. Se o réu infringir, sem motivo justo, qualquer dessas obrigações ou praticar outra infração penal, será revogado o benefício. 47 Art. 322. A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração punida com detenção ou prisão simples. 48 Art. 328. O réu afiançado não poderá, sob pena de quebramento da fiança, mudar-se de residência, sem prévia permissão da autoridade processante, ou ausentar-se por mais de 8 (oito) dias de sua residência, sem comunicar àquela autoridade o lugar onde será encontrado. 49 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. 10. ed. rev. e atual. 2000, p. 403. 50 § 2.º Se o réu for primário e de bons antecedentes, poderá o juiz deixar de decretar-lhe a prisão ou revoga-la, caso já se encontre preso. 51 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 2. ª ed. atual. e ampl. 1998, p. 231. 24 comprovar o periculum in mora, a liberdade provisória deve ser concedida. Porém, lembra que o posicionamento do STF é pela absoluta constitucionalidade do referido artigo, visto ser a lei ordinária o meio competente para fixar parâmetros para maior ou menor restrição da liberdade (STF, 2.ª Turma. HC 73.978-4/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, j. 13/08/1996, DJU). Da mesma forma, será vedada quando presentes os requisitos da prisão preventiva. Resalta-se que este tema será abordado posteriormente, mais precisamente no Capítulo 03 (três). 1.4 LIBERDADE PROVISÓRIA SEM FIANÇA E COM VINCULAÇÃO Fernando da Costa Tourinho Filho52 faz uma analise dispondo que a liberdade provisória com fiança, hoje, está em um plano secundário, isso porque o magistrado está autorizado a conceder tal liberdade, independente de prestação pecuniária, mas sob a garantia do indiciado de que irá comparecer a todos os atos do processo. O autor entende ser este um direito público subjetivo do acusado, mais do que mera faculdade do juiz, previsto em lei. Em que pese o § único do art. 310 do CPP, utilizar a expressão poderá, entende que preenchidas as condições legais, o juiz não poderá negá-la. Já o doutrinador José Frederico Marques53, ante o conflito entre o “status libertatis” do cidadão e a “persecutio criminis” atribuída ao Estado, a liberdade provisória vinculada surge como um meio eficaz para a manutenção do processo e, ao mesmo tempo, para que o individuo não sofra as conseqüências do “periculum in mora”. Classifica, então, a liberdade provisória como uma contracautela, por meio da qual o sujeito vincula-se ao juízo, tendo, porém assegurada preventivamente sua liberdade pessoal. 52 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 20. ª ed. rev. e ampl. v. 3. 1998, p. 500/502. 53 MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Campinas: Bookseller, 1998, p. 121/122. 25 Júlio Fabbrini Mirabete54 arrola as hipóteses de cabimento para este tipo de liberdade provisória. A primeira delas diz respeito ao art. 310, caput, do codex processual que prevê ao réu a concessão da liberdade provisória uma vez firmado termo de comparecimento a todos os atos do processo, nos casos em que se verificar que o crime foi praticado na circunstância excludentes de ilicitude, elencadas no art. 23 do Código Penal. Nestes casos, explica a doutrina, que a concessão alcança o acusado primário ou não, reincidente; Isto porque, há fortes indícios de que não ocorreu crime. A segunda, é a do parágrafo único do art. 310 do CPP, que versa que o juiz poderá concede-la caso não verifique os requisitos para a prisão preventiva. Afirma que com o disposto neste parágrafo, a regra passou a ser a defesa do réu em liberdade, sem o ônus econômico, sendo a prisão em flagrante comparada à prisão preventiva. Este parágrafo, se refere as infrações afiançáveis e inafiançáveis, mesmo sendo grave, com réu primário ou reincidente, com bons ou maus antecedentes, desde que não estejam presentes os requisitos da prisão preventiva. Este é, também, o posicionamento de Frederico Marques55 ao lecionar que, em se tratando do art. 310, do diploma legal processual penal, a natureza do delito é irrelevante para a concessão da contracautela. O parágrafo único do mesmo artigo, a condiciona apenas à presença dos requisitos da preventiva. Pedro Henrique Demercian e Jorge Assaf Maluly56 acrescentam uma terceira situação em que poderá ocorrer liberdade provisória sem fiança, porém, vinculada. É o caso do art. 350 do CPP que trata do réu pobre que não puder prestar fiança. Ela será substituída pelas obrigações constantes dos artigos 327 e 328 do mesmo diploma legal. Ainda, as situações previstas nos artigos 408, § 2.º do CPP, que trata da possibilidade da liberdade provisória para o réu pronunciado, primário ou de bons antecedentes e 594 do mesmo estatuto legal que prevê a 54 55 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. 10. ed. rev. e atual. 2000, p. 404/408. MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 1998, p. 127. 26 possibilidade do réu apelar em liberdade em sendo primário e de bons antecedentes57, reconhecidos na própria sentença. 1.5 LIBERDADE PROVISÓRIA SEM FIANÇA E SEM VINCULAÇÃO Dá-se nos casos de infrações de mínima repercussão publica e pequeno potencial ofensivo. Embora regular a prisão em flagrante, a autoridade policial deverá colocar o preso em liberdade, independente de pedido ou fiança. Trata-se dos casos de delitos que recebem pena mínima, tornando-se a liberdade provisória obrigatória, sem que o indiciado (réu) preste fiança ou se sujeite a obrigações. São as situações previstas nos incisos I e II, do artigo 321 do codex processual penal, quais sejam, “no caso de infração, a que não for, isolada, cumulativa ou alternativamente, cominada pena privativa de liberdade” e “quando o máximo da pena privativa de liberdade, isolada, cumulativamente ou alternativamente cominada, não exceder a 3 (três) meses” , com as ressalvas dos incisos III e IV do art. 32358 do CPP. 1.6 LIBERDADE PROVISÓRIA COM FIANÇA A regra é a liberdade do acusado e não uma exceção, nas palavras de Demercian e Maluly59. Dessa forma, a lei menciona somente os casos em que não será concedida a liberdade provisória mediante recolhimento de 56 DEMERCIAN, Pedro Henrique, MALULY, Jorge Assaf. Curso de Processo Penal. 1999, p. 169/170. 57 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 20. ª ed. rev. e ampl. v. 3. 1998, p. 408. 58 Art. 323. Não será concedida fiança: III – nos crimes dolosos punidos com pena privativa da liberdade, se o réu já tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado; IV – em qualquer caso, se houver no processo prova de ser o réu vadio; 59 DEMERCIAN, Pedro Henrique, MALULY, Jorge Assaf. Curso de Processo Penal. 1999, p. 173/175. 27 fiança. Isso porque, se não vedada, ela será concedida. Todavia, esclarecem que uma vez presentes os requisitos da prisão preventiva, a fiança será inconcebível. Fernando da Costa Tourinho Filho, leciona que nessa hipótese de liberdade provisória, o conduzido presta caução mediante fiança e fica vinculado, por compromisso prestado perante a Autoridade, ao cumprimento de obrigações fixadas em lei como atender notificações para comparecer aos atos do inquérito, da instrução e julgamento, sujeitar-se à execução da condenação, etc. Trata-se da “liberdade provisória vinculada, com garantia”60. Já para Júlio Fabbrini Mirabete, a fiança é um direito subjetivo constitucional do acusado, que lhe permite, mediante caução e cumprimento de certas obrigações, conservar sua liberdade até a sentença condenatória irrecorrível61. Júlio Fabbrini Mirabete ainda nos ensina com sua doutrina que a fiança pode ser concedida desde o momento da prisão em flagrante até o trânsito em julgado da sentença condenatória, servindo como uma contracautela à prisão provisória, na medida em que se evita que o decurso do processo condenatório fira o status libertatis do acusado. A vedação expressa da concessão de fiança está prevista nos artigos 321, 323, 324 e 380 do CPP. A regulamentação do instituto pode ser encontrada nos artigos 322 a 350 do Código de Processo Penal. Gontijo sustenta seu entendimento diferenciando da fiança e da liberdade provisória, explicando que: A primeira se trata de um instituto em que, de acordo com as condições dispostas no Código de Processo Penal, efetua-se o pagamento de determinado valor para alcançar a liberdade provisória. Já esta, a seu turno, não precisa da fiança para ser decretada, podendo, inclusive, sofrer um juízo de maior apreciação, nos casos em que sua decretação (CPP, art. 310, 60 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 20. ª ed. rev. e ampl. v. 3. 1998, p. 499/500. 61 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. 10. ed. rev. e atual. 2000, p. 408/409. 28 parágrafo único) não ofendem os requisitos da prisão preventiva (CPP, art. 312), mais severos que os requisitos da fiança62. O pesquisador, arremata o legislador, ao proibir a liberdade provisória sem fiança, atuou de maneira inconstitucional, ofendendo além da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1.º, III) e o devido processo legal (CF, art. 5.º, LIV), o próprio direito fundamental à liberdade provisória sem fiança (CF, art. 5.º, LXVI) e a presunção de inocência sem o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, maculando, dessa maneira, o conteúdo material do Estado Democrático de Direito (CF, art. 1.º, caput)63. Até mesmo, porque, é de observar que a Lex Mater, em momento algum, menciona, sobre a liberdade provisória em se tratando de crime hediondo, sendo esta prerrogativa uma inovação introduzida pelo legislador ordinário. 1.7 O MODELO GARANTISTA DE LUIGI FERRAJOLI Oportuna uma breve análise das idéias do autor italiano Luigi Ferrajoli que consagra as garantias fundamentais, adotando um modelo de mínima intervenção estatal. Estabelece-se, inclusive, como contraponto ao entendimento de que deve haver uma atuação do Estado, em mecanismos de defesa da sociedade, traduzidos, por exemplo, nas prisões provisórias em detrimento da liberdade pessoal. Luigi Ferrajoli64 defende o direito penal mínimo com pouquíssima intervenção estatal nas garantias fundamentais. Trata-se, pois, de um sistema mínimo de garantias do cidadão frente ao poder punitivo do Estado. 62 GONTIJO, André Pires. A concretização do princípio da individualização da pena: a interpretação evolutiva da lei dos crimes hediondos. Disponível em: www.jus2.uol.com.br, acesso em 09 de março de 2006. 63 GONTIJO, André Pires. A concretização do princípio da individualização da pena: a interpretação evolutiva da lei dos crimes hediondos. Disponível em: www.jus2.uol.com.br, acesso em 09 de março de 2006. 64 FERRAJOLI, Luigi. A teoria do garantismo e seus reflexos no direito e no processo penal. São Paulo: Boletim IBCCrim, n.º 77, 1999, p. 3/4. 29 Sob esta ótica, elas seriam preponderantes às normas infraconstitucionais e deveriam ser observadas incondicionalmente. O garantismo, defendido pelo autor, trata-se de um modelo de direito de submissão à lei constitucional. Não se permite que os poderes internos institucionalizados não se subordinem a ela. Ensina, ainda, o autor que o garantismo nasceu como “forma de limite ao poder soberano estatal” com relação a aspectos como o da liberdade pessoal, de consciência. Tal modelo de Direito, dissolveu a idéia de soberania e criou o constitucionalismo que, de acordo com suas palavras “vinculou também, o legislador, não apenas na forma de produção normativa, mas também no seu conteúdo”65. Na esteira da sua exposição, ao mencionar os conceitos de garantia e eficiência, Luigi Ferrajoli discorre que o processo penal é um meio eficiente para garantir a tutela dos direitos fundamentais como a propriedade, liberdade, honra, vida; a garantia e a eficiência, conforme nos ensina, representam “a menor intervenção penal possível e a máxima realização da tutela dos direitos fundamentais”66. Antonio Magalhães Gomes Filho ressalta que se trata de um modelo ideal, porque provavelmente utópico. Isso porque, pressupõe transformações não somente dos sistemas positivos, mas da autuação estatal. Em que pese tenha reconhecido a dificuldade na adoção da referida proposta, pondera o autor: Sob o aspecto pratico, tal modelo também deve servir aos juristas e operadores do Direito para duas finalidades mais imediatas: primeiro, como parâmetro de interpretação da constituição e das leis ordinárias, de tal modo a torna-las adequadas à proteção da liberdade do cidadão; em segundo lugar, como instrumento para 65 66 Idem. Idem. 30 a critica do direito positivo e, principalmente, das praticas operativas que não levem em conta aquelas garantias67. Não obstante as idéias do doutrinador italiano tenham despertado a tenção e o respeito dos aplicadores e estudiosos do direito em nosso país, a concretização do modelo que propõe parece distante não somente de nossa legislação como de nossos julgados, principalmente no que concerne a liberdade provisória. O instituto da liberdade provisória é elevado à categoria de direitos e garantias fundamentais, previsto em nossa Carta Política, em seu art. 5.º, inciso LXVI, ao qual deve-se subordinar a legislação infraconstitucional. Todavia, este mesmo instituto sofre restrições em decorrência de disposições na legislação ordinária, pautando, dessa forma, as decisões dos tribunais pátrios. O sistema nacional, consoante o que se extrai das lições acima arroladas, afastamse e muito, do que é proposto por Luigi Ferrajoli. 67 GOMES FILHO, Antônio Magalhães. O “Modelo Garantista” de Luigi Ferrajoli. São Paulo: Boletim IBCCrim, n.º 58, 1997, p. 6. 31 CAPÍTULO 2 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA A abordagem do princípio da presunção de inocência, neste capítulo, destina-se à verificação de seus elementos e de sua inserção no ordenamento jurídico pátrio. Também objetiva identificar aquelas situações em que o acusado de um delito passa a ser beneficiado pelo princípio em comento. Frisa-se, no entanto, que a análise da incidência (ou não) do referido princípio no dispositivo da Lei dos Crimes Hediondos, Lei n.º 8.072/90, que proíbe a concessão da liberdade provisória para os crimes assim considerados, será efetuada no sub-item 3.4 do Capítulo 03 (três) do presente trabalho. 2.1 ORIGEM DO INSTITUTO Consoante doutrina de Valdir Sznick68, traz traços do princípio da presunção de inocência que são encontrados no direito romano. Com o Cristianismo, teve origem o princípio in dúbio pro reo que veio em favor do imputado. Ambos os princípios, que foram mantidos pelo direito canônico, também foram reproduzidos no direito da Inglaterra, na Idade Média. 68 SZNICK, Valdir. Comentários à lei dos crimes hediondos. São Paulo: Editora Universitária de Direito, 1991, p. 2/3. 32 Posteriormente, salienta o autor, à época das Declarações, no século XVIII, o princípio da presunção da inocência influenciou as Constituições de outros países, em especial, as legislações ordinárias. O princípio da presunção de inocência, segundo J.S. Fagundes Cunha e José Jairo Balutá69, surgiu como reação a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 178970, ao sistema processual que vigia antes da Revolução Francesa, o qual impunha ao réu o ônus da prova. Fagundes Cunha e Balutá, dispõem que a presunção de inocência, constante do art. 8.º, 271 da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), está inserta no inciso LVII, do art. 5.º da CFB/88, que dispõe que até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, ninguém será considerado culpado. Tal dispositivo, consoante disposição dos autores, não teria surgido com a finalidade de impedir a prisão antecipada, mas sim, para disciplinar os requisitos para sua decretação, referentes ao andamento e o objetivo do processo e à proteção social. 2.2 CONCEITO DE PRESUNÇÃO Valdir Sznick72, tentando dar a melhor definição a expressão presunção de inocência, noticia ter encontrado o melhor significado da palavra presunção. 69 CUNHA, J.S. Fagundes, BALUTÁ, José Jairo. O processo penal à luz do pacto de São Jose da Costa Rica. Curitiba: Juruá, 1997, p. 109/111. 70 Declaração dos direitos do homem e do cidadão de 1789: Artigo IX – Todo o acusado se presume inocente até ser declarado culpado e, se se julgar indispensável prende-lo, todo o rigor não necessário à guarda da sua pessoa, deverá ser severamente reprimido pela Lei; 71 Artigo 8.º - Garantias judiciais: 2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: 72 SZNICK, Valdir. Comentários à lei dos crimes hediondos. 1991, p. 05/10. 33 Menciona que ela trabalha a probabilidade, possui papel de prova e está relacionada ao ônus da prova. Importante, segundo o autor, que o posicionamento da doutrina que atribui à presunção a inversão do ônus da prova, cabendo ao adversário de quem tem a presunção a seu favor, o dever de provar. Mais do que isso, a presunção vincula-se à valorização e avaliação das provas, guardando relação direta com o verdadeiro e o normal, o que quer dizer que está na linha da verdade. Valdir Sznick, dispõe que, presunção de inocência se trata da busca de algo provável, pois meio de prova que é, parte de um fato conhecido para um desconhecido pelo método da indução. Segue in litteris, o conceito de presunção pelo doutrinador supramencionado: é o procedimento lógico necessário para estabelecer uma relação entre os dois fatos sobre a base de uma experiência codificada pelo legislador73. Ela seria “o resultado de uma dedução de uma regra de experiência”74. Valdir Sznick expõe e subdivide a presunção de inocência em 1. simples: meio de prova e por isso, confunde-se com indício, baseando-se no que normalmente ocorre; 2. legal: que pode ser absoluta (júris et de jure), não admitindo prova em contrario, “limitando a valoração no conjunto das provas e portanto também na avaliação judicial”, ou seja, estão ligadas às provas legais, ou relativa (júris tantum) caso em que deverá haver prova em contrario; “interfere na valoração probatória, mas não chega a influir no livre convencimento do juiz já que não tem função vinculante, como tinha a presunção absoluta”75. Devendo então o Magistrado ater-se aos fatos. Pois ora, decretada a prisão sem sua necessidade e ainda quando não passível de concessão de liberdade provisória, nesse caso, tal decretação, leva inerente uma presunção de culpabilidade, sendo que a Constituição não presume inocência, mas declara que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de 73 74 SZNICK, Valdir. Comentários à lei dos crimes hediondos. 1991, p. 05/10. SZNICK, Valdir. Comentários à lei dos crimes hediondos. 1991, p. 05/10. 34 sentença condenatória penal, ou seja, uma coisa é a certeza da culpa, outra, bem diferente, é a presunção da culpa. 2.3 O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E A PRISÃO PROVISÓRIA Fagundes Cunha e Balutá, ao tratarem da prisão preventiva não fundamentada por sólidas razões, entendem haver violação do princípio da presunção de inocência. Dessa forma, acreditam ser condenável medidas que possam estereotipar os indivíduos de forma que a investigação venha a diminuir suas garantias como se tornassem “cidadãos inferiores”76. Quanto à prisão decorrente de sentença condenatória recorrível, os autores mencionam que a condição de primariedade e bons antecedentes imposta pelo art. 594 do CPP77, assim como a “renúncia imperativa” imposta pelo art. 59578 do mesmo diploma legal, colidem não somente com o primado da presunção de inocência, mas com o direito individual de liberdade provisória, estabelecido no art. 5.º, inciso LXVI, da Constituição Federal. Sustentam estes que, a exigência do recolhimento do réu à prisão como condição para a interposição e processamento do recurso de apelação, sem que esteja presente pelos menos uma das hipóteses do art. 312 do CPP, representaria uma espécie de “requisito de admissibilidade” para poder exercer-se o direito ao duplo grau de jurisdição, componente essencial da ampla defesa que, dessa forma, restaria prejudicada. Nesse mesmo sentido, os autores dispõem que a garantia do devido processo legal (inciso LIV, art. 5.º, da CFB/88) também seria atingida, posto que prevê a observância das regras estabelecidas em benefício do acusado. 75 SZNICK, Valdir. Comentários à lei dos crimes hediondos. 1991, p. 05/10. CUNHA, J.S. Fagundes, BALUTÁ, José Jairo. O processo penal à luz do pacto de São Jose da Costa Rica. 1997, p. 111/117. 76 35 Salientam os autores supra citados que lei ordinária não tem força para inibir este direito inerente ao sistema de garantias constitucionais79. Ilustram tal posicionamento com o acórdão do STJ, abaixo transcrito: O princípio da presunção de inocência, hoje está literalmente consagrado na Constituição da República,( art. 5.º LVII). Não pode haver, assim, antes desse termo final, cumprimento da - sanção penal. As cautelas processuais penais buscam, no correr do processo, prevenir o interesse público. A carta Política, outrossim, registra o - devido processo legal; compreende o ‘contraditório e a ampla defesa, como os meios e recursos a ela inerentes’. Não se pode condicionar o exercício de direito constitucional – ampla defesa e duplo grau de jurisdição – ao cumprimento de cautela processual. Impossibilitando de não receber a apelação, ou declará–la deserta porque o réu está foragido. Releitura do art. 594, CPP, face à Constituição. Processe-se o recurso, sem sacrifício do mandado de prisão80. Os autores já referidos, ressaltam que as mesmas considerações podem ser feitas com relação à exigência do § 2.º da Lei dos Crimes Hediondos e do art. 3581 da Lei de Tóxicos (Lei 6.368/76) , que proíbem o processamento da apelação em estando o réu gozando de liberdade, considerando inconstitucional e ofensiva está exigência aos preceitos estabelecidos no Pacto de São José da Costa Rica. Para Weber Martins Batista82, no entanto, a exigência de prisão provisória para apelar, para o réu que não é primário ou que não tenha bons antecedentes, não afronta o princípio da presunção de inocência, já que tal 77 Art. 594. O réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória, ou condenado por crime de que se livre solto. 78 Se o réu condenado fugir depois de haver apelado, será declarada deserta a apelação. 79 CUNHA, J.S. Fagundes, BALUTÁ, José Jairo. O processo penal à luz do pacto de São Jose da Costa Rica. 1997, p. 111/117. 80 STJ, 6. ª Turma, RHC 6.110/SP, rel. Ministro Luiz Cernicchiaro, j. 18/12/1997, publicado no DJU de 19/05/97, pág. 20684. 81 O réu condenado por infração nos arts. 12 ou 13 desta Lei não poderá apelar sem recolher-se à prisão. 36 hipótese não representa um juízo de culpabilidade, mas sim, juízo de periculosidade, tendo em vista se tratar de réu reincidente na pratica de crime ou que possui maus antecedentes. Este contudo, não é o entendimento de Márcio Lauria Filho, ao comentar jurisprudência, destacando a relevância do princípio da presunção da inocência: Ementa: Constitucional. Processo Penal. Sentença Condenatória. Apelação. Principio da presunção de inocência: CF, art. 5.º, inc. LVII. Direito de recorrer em liberdade. CPP, art. 594. Á luz da nova ordem constitucional, que se consagra no capitulo das garantias individuais o principio da presunção de inocência (CF, art. 5.º, inciso LVII), a faculdade de recorrer em liberdade objetivando a reforma da sentença penal condenatória é a regra, somente impondo-se o recolhimento provisório do réu à prisão nas hipóteses em que enseja a prisão preventiva, na forma inscrita nos art. 312, do CPP. A regra do art. 594, CPP, deve hoje ser concebida de forma branda, em razão do aludido principio constitucional. Hábeas corpus concedido83. Márcio Lauria Filho explana que deve ser reconhecido o conflito existente entre a observação da paz social e o anseio de liberdade individual, compondo interesses da sociedade, destacando, inclusive, que o ideal seria que as sociedades de regimes democráticos restringissem a liberdade dos indivíduos somente nos casos excepcionais. Diante do exposto, justificaria-se, assim, tal medida somente quando as provas demonstrassem que a liberdade do suspeito poderia colocar em risco a ordem pública, a investigação do fato delituoso ou a aplicação da sanção penal correspondente. 82 BATISTA, Weber Martins. O principio constitucional de inocência: recurso em liberdade. Antecedentes do réu. Rio de Janeiro: Revista Forense, v. 301, 1990, p. 92. 83 LAURIA FILHO, Márcio. Princípio constitucional de presunção de inocência, direito de recorrer em liberdade e o art. 594 do CPP. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 4, n.º 15, julho/setembro, 1996, p. 385/387. 37 Márcio Lauria Filho84 ressalta, contudo, que deve ser preservado o espaço para a autoridade realizar a investigação, decorrente do poder do Estado, mais precisamente do conhecido princípio do in dúbio pro sociedade, sob pena de todas as investigações criminais serem consideradas inconstitucionais. O autor reconhece que a restrição à liberdade individual é exceção, não podendo jamais ser a regra. Isso porque, o disposto no art. 594, do CPP não possui força maior que o texto constitucional vigente. Dessa forma, entende que qualquer restrição, então, deve estar motivada com clareza, justamente por se tratar de exceção a regra constitucional. Nesse mesmo sentido, Perfecto Andrés Ilbañes dispõe sobre a necessidade de se justificar a prisão preventiva argüindo que é justamente a dificuldade de se motivar tal decisão que pode causar afronta ao princípio da presunção de inocência, conforme exposição: Entretanto, não obstante isso, há outra razão que agrava notadamente o cumprimento do dever de motivar as decisões relativas à prisão provisória. É a dificuldade técnica de faze-lo, ou seja, de fazer explicitas as verdadeiras razões daquela. E sendo estas declaradas, porque legais, a dificuldade de conseguir que no discurso motivador resultem convincente ou verosívilmente compatíveis com o princípio da presunção de inocência85. (Tradução do autor). Conflitante é o entendimento de Adhemar Maciel, que chama a atenção para a Súmula n.º 09 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: “A exigência de prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia 84 Idem. Pero, no obstante esto, hay razón que notablemente el cumplimento del deber de motivar las decisiones relativas a la prisión provisional. Es la dificuldad técnica de hacerlo, es decir, de hacer explícitas las verdaderas razones de aquéllas. Y, siendo estas confesables, por legales, la dificuldad de conseguir que en discurso motivador resulten convincente o vesímilmente compatibles con el principio de presunción de inocencia. ILBAÑES, Perfecto Andrés, Presunción de inocencia y prisión sin condena. Revista de La Asociación de Ciencias Penales de Costa Rica, v. 9, n.º 15, agosto de 1997. 85 38 constitucional da presunção da inocência”86, da qual se extrai o entendimento de que até mesmo réu primário e de bons antecedentes pode estar sujeito à prisão provisória. O presente entendimento, é totalmente conflitante com àquele defendido por Weber Martins Batista anteriormente exposto. Todavia o autor corrobora com o posicionamento defendido por doutrinadores, ao mencionar o fato de que o juiz deve demonstrar material e formalmente a necessidade acautelatória quando determinar que o acusado permaneça preso ou quando mandar prender. Não basta simplesmente invocar o inciso II, § 2.º, da Lei dos Crimes Hediondos em sua decisão, por exemplo. O autor sedimenta seu entendimento, salientando que a 6.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça tem entendido que o juiz está obrigado a demonstrar a necessidade da prisão, mesmo que se trate de um crime qualificado como hediondo, tal qual como mencionado por Márcio Lauria Filho. Uma vez não demonstrada a necessidade, tem-se a violação dos princípios constitucionais da dignidade humana, da presunção de inocência e da liberdade provisória. O entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça é o de manter a custódia somente quando se fizerem presentes os requisitos autorizadores da decretação da prisão preventiva devidamente fundamentada. Dessa forma, consoante explanação contida em seus julgados, não haveria afronta ao princípio da presunção de inocência. Colaciona-se os presentes julgados que seguem, in verbis: CRIMINAL. RHC. PRISÃO CAUTELAR MANTIDA PELA SENTENÇA DE PRONÚNCIA. PERSISTÊNCIA DOS MOTIVOS AUTORIZADORES. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. CONDIÇÕES FAVORAVEIS. IRRELEVÂNCIA. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA INOCENCIA. INOCORRÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. Se a sentença de pronúncia mantém as prisões cautelares dos réus, presos desde flagrantes em crime hediondo, por persistirem os motivos autorizadores das custódias, e inexistindo fatos 86 MACIEL, Adhemar Ferreira. Aspectos penais na constituição. São Paulo: Revista de Ciências Criminais, v. 4, n.º 13, janeiro/março, 1996, p. 97. 39 novos favoráveis à soltura e capazes de alterar a situação anterior, devem ser mantidas as segregações atacadas, não se exigindo nova ou ampla fundamentação para tanto. Condições pessoais favoráveis dos réus não são garantidoras de eventual direito subjetivo à liberdade provisória, se outros elementos dos autos recomendam as prisões processuais. Não se acolhe alegação de ofensa ao Princípio da Isonomia tanto, pela flagrante diversidade de situações evidenciadas, como pela improvável existência de dois delitos absolutamente iguais, a ensejar o reconhecimento de absoluta identidade, em feitos diferentes. O principio Constitucional da Inocência não é incompatível com as custódias cautelares, não obstando a decretação da prisão antes do trânsito em julgado da decisão condenatória, nas hipóteses prevista em lei. Recurso desprovido87. (grifei). E também: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPOS. ALEGAÇÃO DE FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. EXAME APROFUNDADO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. PRISÃO PREVENTIVA. PERICULUM LIBERTATIS. MOTIVOS CONCRETOS. IMPRESCINDIBILIDADE. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. ORDEM CONCEDIDA. O trancamento de ação penal, pela via estreita do writ, somente é possível quando, pela mera exposição dos fatos narrados na denúncia, constata-se que há imputação de fato penalmente atípico, inexistência de qualquer elemento indiciário demonstrativo da autoria do delito ou extinta a punibilidade. Marcado por cognição sumária e rito célere, o hábeas corpos não comporta o exame do conjunto fático-probatório dos autos, posto que tal proceder é peculiar ao processo de conhecimento. A decretação da prisão preventiva deve, necessariamente, estar amparada em um dos motivos constantes do art. 312 do Código de Processo Penal e, por força do art. 5.º, XLI e 93, IX, da Constituição da República, o magistrado está obrigado a apontar os elementos concretos 87 STJ, RHC 10243/PI, 5.ª Turma, rel. Min. Gilson Dipp, j. 13/09/2000, publicado no DJ 40 ensejadores da medida. No ordenamento constitucional vigente, a liberdade é regra, excetuada apenas quando concretamente se comprovar, em relação ao indiciado ao réu, a existência de periculum libertatis. A Súmula 09 desta Corte deve ser compreendida no sentido de que a prisão preventiva, quando revestida de necessária cauteralidade, não afronta o princípio constitucional do estado de inocência. A gravidade do crime não pode servir como motivo extra legem para decretação da prisão provisória. A revelia do paciente, por si só, não pode servir como motivo para decretação ou manutenção da prisão cautelar. ORDEM CONCEDIDA para revogar o decreto de prisão preventiva.88 (Grifei). Como conseqüência direta do referido entendimento, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em reiteradas decisões, reconhece que a prisão preventiva somente estará em consonância com o princípio constitucional abordado, quando restarem configurados os pressupostos e os motivos legais para a sua decretação. No arremate dessa assertiva o Superior Areópago de Justiça não discrepa e já decidiu que: HÁBEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA MANDADO PRISIONAL. CUMPRIDO APÓS NOVE ANOS. PERECIMENTO DAS RAZÕES DA PRISÃO. ORDEM CONCEDIDA. Em se oferecendo a custódia cautelar como conseqüência de simples e pura presunção decorrente da gravidade do crime, impõem-se a sua desconstituição. A prisão preventiva, cautelar excepcional diante da presunção de inocência do réu (CF, art. 5.º, inc. LVIII), somente pode ser decretada e mantida quando e enquanto presentes, demonstradamete, os seus pressupostos e motivos legais. Ordem concedida89. 23/10/2000, p. 149. 88 STJ, HC 47856/RJ, 6.ª Turma, rel. Min. Paulo Medina, j. 18/05/2006, publicado no DJ 01/08/2006, p. 553. 89 STJ, HC. 13088/SP, 6. ª Turma, rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 19/10/2000, publicado no DJ 18/12/2000, p. 245. 41 Antonio Magalhães Gomes Filho alerta que a inserção do aludido princípio na Carta Magna de 88, pressupõe um revisão das disposições legais que disciplinam as várias formas de prisão cautelar previstas em nosso sistema: à luz dessa garantia não se concebem quaisquer formas de encarceramento ordenadas como antecipação da punição, ainda que relacionadas com a gravidade do delito ou de suas circunstancias: somente a necessidade pode determinar a prisão anterior à sentença condenatória passada em julgado90. Informa, Gomes Filho, que em acórdão da 1.ª Turma do STF (RHC 68.631-1-DF, publicado pelo DJU de 23/08/1991, p. 11265), o Ministro Sepúlveda Pertence posicionou-se no sentido de que nem mesmo nos crimes qualificados como hediondos a prisão de natureza cautelar será legítima se não for necessária, tendo-se como base o princípio da presunção de inocência. Desbordando desta tese, Alberto Wunderlich, entende que, o princípio da presunção de inocência, não veda as prisões cautelares, pois tais, prisões são também autorizadas pela Lei Maior, citando inclusive, o inciso LXI91, do 5.º artigo da norma fundamental e mais a frente comenta julgados do Excelso Pretório e do STJ, que se transcreve in litteris: A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente proclamado que o instituto da prisão preventiva, que desempenha nítida função de natureza cautelar em nosso sistema jurídico, não se revela incompatível com a presunção constitucional de nãoculpabilidade das pessoas. Writ prejudicado”. (HC n.º 71402/RJ, T. Pleno, STF, Rel. Min. Celso de Mello, j. 19/05/1994). No mesmo sentido a jurisprudência do STJ: “(...) O princípio da presunção 90 GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Prisão cautelar e o princípio da presunção de inocência. Porto Alegre: Fascículos de Ciências Penais, vol. 5, n.º 1, 1992, p. 20. 91 Art. 5.º: LXI - Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei; 42 constitucional de inocência é regra geral. Não significa, a evidencia, que só se possa ser preso ou mantido preso após sentença condenatória transitada em julgado. A prisão cautelar também se acha prevista na Constituição”. (RHC nº 2481/SP, 6.ª Turma, STJ, Rel. Min. Adhemar Maciel, j. 22/03/1993)92. Wunderlich, aponta para uma solução para que o princípio constitucional da presunção de inocência, fosse melhor aproveitado: o ideal seria que todos os acusados ou indiciados pudessem defender-se em liberdade. Algumas alternativas seriam a substituição dos decretos de prisão preventiva por outras providencias cautelares, de menor teor coercitivo, tais como, a custódia em casa, o compromisso de comparecer em juízo. Estas medidas substitutivas à prisão preventiva, se encontram implantas com sucesso na legislação penal de outros países: Itália (Codice di Procedura Penale, art. 280 a 286); Portugal (Código de Processo Penal, art. 28); Argentina (Províncias: de Buenos Aires, Código Procesal Penal, arts. 159 e 160); de Cordoba, Código Procesal Penal, art. 286); de Mendoza, Código Procesal Penal, arts. 314 e 315); e Uruguai (Codígo Del Proceso Penal, de la Republica Oriental del Uruguay, art. 73)93 (Grifei). Entende-se que a possibilidade deve ser examinada em caso concreto, principalmente para que indivíduos considerados de alta periculosidade não possam ser beneficiados destas mesmas faculdades. 2.4 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA OU DA NÃO- CULPABILIDADE? Júlio Fabbrini Mirabete faz analise do tema, dispondo que atualmente o que se tem com o art. 5.º, LVII, da Constituição Federal é um estado 92 WUNDERLICH, Alberto. Princípio da presunção de inocência e a natureza jurídica da prisão preventiva. Disponível em: www.mundojuridico.adv.br. Acesso em 22 de julho de 2006. 43 de inocência, uma tendência à presunção, não tendo o constituinte optado pela referida presunção em si, uma vez que dispôs em tal preceito que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”94. O acusado, então, é inocente até sentença penal irrecorrível. Entende com isso, denominar tal garantia como o “princípio da não-culpabilidade”95. Carlos J. Rubianes, citado por Júlio Fabbrini Mirabete, nos ensina que com a instauração da opção penal, representado um ataque à inocência do acusado, tem-se uma presunção de culpabilidade ou de responsabilidade que somente com a prolação de sentença definitiva96. Complementa ainda que a presunção de culpabilidade pode aumentar conforme estejam presentes os elementos probatórios nos autos. Com isso, os dispositivos legais que permitem a prisão provisória não podem ser considerados inconstitucionais, visto que não desrespeitam o princípio em questão. A própria Carta Política admite a prisão provisória quando dispõe sobre o instituto da liberdade provisória com o sem fiança. Lembra ainda o supra citado autor que com a adesão do Brasil ao Pacto de São José da Costa Rica, por meio do Decreto n.º 678, de 06/11/92, adotou-se no país o disposto no art. 8.º, 2 da Convenção: “toda pessoa acusada de delito tem o direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”. Júlio Fabbrini Mirabete aponta como decorrência do princípio da presunção de inocência: 1. O fato de admitir-se a restrição à liberdade do acusado como medida cautelar, de necessidade ou conveniência; 2. Cabe ao acusador provar a culpa do réu e não este a sua inocência; 93 Idem. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. 10. ed. rev. e atual. 2000, Processo Penal, p. 41/42. 95 Idem. 96 Idem. 94 44 3. Para a condenação deve haver convicção do juiz, devendo absolver o réu em caso de dúvida97. Júlio Fabbrini Mirabete conclui, que com o dispositivo constitucional em questão, restaram revogados os artigos 393, inciso II e 408, § 1.º do codex processual penal, que permitiam a inscrição do nome do réu no rol dos culpados em decorrência de sentença penal condenatória recorrível ou pronúncia, respectivamente. Na mesma linha de entendimento, Luiz Flávio Gomes aponta para o fato de que o princípio constitucional abordado, possui redação dúbia, preferindo o constituinte não fazer referencia expressa à presunção de inocência, como fizeram as Constituições portuguesa e espanhola, inspirando-se no direito constitucional italiano, cujo texto Fundamental assim dispõe: o imputado não é considerado culpado senão depois de condenação definitiva98. O autor dispõe sobre o conflito entre o jus puniendi (do estado) e o jus libetatis (do cidadão), esclarecendo que, dependendo do contexto histórico, um ou outro terá maior primazia. Assim, num modelo de estado liberal, a liberdade individual ganha relevo. Já nos estados totalitários ou autoritário, a situação inverte-se. Dessa forma, o CPP italiano de 1930, concebido sob o regime fascista, terminou por seguir uma direção técnico-jurídica, a qual serviu de inspiração para o nosso estatuto processual penal de 1941. Prossegue o doutrinador Luiz Flávio Gomes, que teria surgido na doutrina a “presunção de não-culpabilidade”, através da qual o imputado ocuparia uma posição neutra frente ao processo penal, sem ser culpado nem inocente. O autor faz uma critica severa a essa concepção, dispondo: Essa linha de argumentação (antiliberal) deriva, como vimos, da Escola Técnico-Jurídica. Sua base política deita raízes no 97 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. 10. ed. rev. e atual. 2000, Processo Penal, p. 41/42. GOMES, Luiz Flávio. Sobre o conteúdo processual tridimensional do principio da presunção de inocência. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 29, 1996, p. 378/380. 98 45 fascismo, que jamais podia aceitar ou permanecer indiferente ao símbolo antiautoritario que representa a presunção da inocência99. Um reflexo dessa posição neutra do acusado, segue o magistrado Luiz Flávio Gomes, é a constatação de que a expressão presunção de inocência representa uma valoração feita pelo Legislador Constituinte frente a duas alternativas: culpado ou inocente, sem ter a certeza de que optou pela alternativa correta. 99 GOMES, Luiz Flávio. Sobre o conteúdo processual tridimensional do principio da presunção de inocência. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 29, 1996, p. 378/380. 46 CAPÍTULO 3 LIBERDADE PROVISÓRIA NA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS A polêmica que envolve alguns aspectos da Lei dos Crimes Hediondos, Lei Federal n.º 8.072/90, guarda próxima relação com o momento vivido à época da sua elaboração. Atestam alguns autores que a referida lei foi elaborada sob a pressão da sociedade, ansiosa de uma atitude dos governantes. Dessa forma, revela-se imprescindível a análise dos fatores que contribuíram para sua promulgação, assim como do que ficou determinado na referida norma legal e suas conseqüências práticas. 3.1 HISTÓRICO Thais Vani Bemfica100 inicia sua análise sobre o tema, dispondo que há muito, o mundo vem sofrendo as mais diversas formas de violência que tiveram como enfoque os diferentes interesses norteadores das variadas fases vividas pela sociedade. Dispõe que desde os primórdios, quando travavam-se lutas pela comida e por pedaços de terra, o mundo foi palco de atrocidades cometidas pelos seres humanos. Hoje, prossegue a autora, a violência invade casas, vitima crianças e idosos, assumindo uma proporção que assusta não somente por suas conseqüências, mas pelo sentimento de impotência que atinge o povo e as próprias autoridades. Nesse sentido, a autora menciona que desde os primeiros contatos do mundo com a violência, vem-se buscando minimizar seus efeitos. Ensina que os países têm tomado iniciativas como a Operação Mãos Limpas na Itália (que terminou por perder a credibilidade de seu povo), assim como outras de iniciativa de governantes, ministros e do próprio povo. 100 BEMFICA, Thaís Vani. Crimes hediondos e assemelhados: questões polêmicas. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p 5/8. 47 Segundo Thais Vani Bemfica, no Brasil, talvez de forma mais caótica que em países mais desenvolvidos, a violência não se concretiza somente na figura da administração pública. A materialização dar-se-ia, também, na violência rural, urbana, judicial, econômica, publicitária, de trânsito, entre outros. Os índices de criminalidade parecem crescer proporcionalmente aos índices de miséria e má distribuição da renda, características dos países em desenvolvimento. João José Leal, ao escrever sobre a reação ao tráfico de drogas a partir das décadas de 70 e 80, chegou a mencionar que se estabeleceu, no Rio de Janeiro, “uma autentica lei da selva”101 em que à violência dos bandidos do tráfico responde a violência institucionalizada da ordem, nem sempre atuando dentro dos limites da lei. Na década de 90, segundo o autor, a situação se agravou mais ainda. Contudo, prossegue João José Leal, a incidência da violência transcendeu os limites daquela cidade e contagiou não só os grandes centros urbanos do país como as pacatas e despreparadas cidades do interior. O autor supra referido também menciona a conseqüência inevitável do aumento desta violência que acabou por gerar a chamada “síndrome do medo”, caracterizada pelo sentimento de intranqüilidade e insegurança na sociedade. Ademais, nesse contexto, João José Leal dispõe que se revela oportuno ressaltar o papel da mídia que se encarregou de fomentar e incitar a opinião pública, desenvolvendo a idéia de que realmente estávamos vivendo o “caos social”. A inquietação da sociedade somada à pressão da mídia despertaram o Poder Legislativo para a necessidade de se adotar medida eficaz, capaz de controlar a situação. A Lei dos Crimes Hediondos teria sido a resposta ao clima vivenciado naquela ocasião, uma vez que se apresentou como uma forma apressada e conflitante de tentativa de resolução dos problemas. 101 LEAL, João José. Crimes Hediondos: aspectos políticos-jurídicos da Lei n.º 8.072/90. São Paulo: Atlas, 1996, p. 12/13. 48 Não obstante as mais diversas formas que o fenômeno adotou, ao final da década de 80 e inicio dos anos 90, uma delas assumiu assustadora dimensão, aquela que o autor acima arrolado denominou: “a industria do seqüestro”. João José Leal nos ensina, que as cidades de São Paulo e principalmente o Rio de Janeiro, passaram a vivenciar uma onda de extorsões mediante seqüestro que impressionou pela organização dos participantes, atingindo pessoas bem situadas na vida econômica, social e política. Para Antônio Lopes Monteiro102, a onda de pânico que atingiu o Rio de Janeiro, principalmente em razão destes seqüestros, culminou com o seqüestro do empresário Roberto Medina, irmão do Deputado Federal, Rubens Medina, considerando este ponto como a gota d’água para a edição da citada lei. João José Leal concorda que as extorsões mediante seqüestro tenham sido fator imediato e determinante da edição da Lei n.º 8.072/90. Dispõe que o inciso XLIII, do art. 5.º da CFB/88, que trata dos direitos e garantias individuais, previu a possibilidade de se considerarem hediondos certos tipos de crime103. Todavia, ressalta o autor, as correntes conservadoras não teriam conseguido a maioria parlamentar se não fosse o episódio do grande número de seqüestros e a manipulação político-ideológica deste fenômeno. Afirma que a lei é a filha natural da intensa onda de seqüestros ocorrida no Rio de Janeiro, São Paulo e em outros grandes centros urbanos brasileiros104. No entendimento de Valdir Sznick105, a lei dos Crimes Hediondos não atendeu somente a um preceito constitucional (inciso XLIII, do art. 102 MONTEIRO, Antônio Lopes. Crimes hediondos: texto, comentários e aspectos polêmicos. 6. ª ed. Atual., de acordo com as Leis n.º 9.677, de 02/07/98 e 9.695, de 20/08/98. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 4/5. 103 ART. 5.º, inciso XLIII, da CFB/88: “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;” 104 LEAL, João José. Crimes Hediondos: aspectos políticos-jurídicos da Lei n.º 8.072/90. 1996, p. 17. 105 SZNICK, Valdir. Comentários à lei dos crimes hediondos. 1991, p. 01/05. 49 5.º), mas sim, imperativos de ordem jurídico-social. Destaca dois (02) objetivos que levaram essencialmente à elaboração da lei: contenção do crime organizado ou por grupo, mediante o que chama de associações criminosas, classificando nesta categoria os delitos de roubo, seqüestro, entorpecentes. Além desse objetivos, teria, ainda, consoante doutrina do autor, o de buscar-se penas mais severas para conter o medo, punição de crimes violentos que são, em regra, a base dos crimes hediondos e outros. Alberto Silva Franco cita o posicionamento do Prof. João Mastieri, que dispôs que na ânsia de se proteger certas relações e direitos fundamentais, terminou-se por tornar inafiançáveis, imprescritíveis, etc., os crimes em questão106. Ainda nas palavras do referido doutrinador: na esteira desse pensamento, tornando lei maior, editaram-se no Brasil leis inacreditáveis, como a dos crimes hediondos, fazendo ‘tabula-rasa’ dos institutos da anistia, graça e indulto, da liberdade provisória e dos regimes de cumprimento de pena. Esqueceu-se, ou sequer sabia-se do fato de que tais institutos referem-se ao homem e não à quantidade do fato por ele praticado107. Há que se reconhecer que, a violação de tais princípios mencionados por Alberto Silva Franco, devem ser repudiados por qualquer operador de Direito. 3.2 CONCEITO A expressão “crimes hediondos” foi empregada pelo constituinte com o objetivo de definir a repulsa a determinados crimes por suas circunstancias objetivas e subjetivas. Na lição de Luiz Vicente Cernicchiaro e Paulo José da Costa 106 João Mastieri “Leis hediondas & penas radicais” In Estudos Jurídicos em homenagem a Manoel Pedro Pimentel, p. 194/195, apud FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos: notas sob a Lei n.º 8.072/90. 3. ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 40. 107 Idem. 50 Júnior a conduta hedionda revela um especial desprezo do agente pela condição humana. Ao referir-se a alguns dos crimes considerados hediondos, assevera: A hediondez, nesses casos, se faz presente. Em ambos (homicídio qualificado e estupro), há manifesto contraste do comportamento com o máximo de tolerância que se consente no tratamento de uma pessoa para a outra. O mínimo ético é flagrantemente desrespeitado. Exige-se ética até do 108 delinqüente . Para João José Leal109, na conceituação de crimes hediondos devem ser considerados os conceitos semântico e ontológico da palavra hediondo. Pelo primeiro, tem-se a idéia de algo repugnante, sórdido, horrendo, fora da moral vigente, ferindo sentimentos de piedade, solidariedade e respeito à dignidade humana. No sentido ontológico, tem-se a conduta dos crimes pautada na periculosidade extrema, merecendo maior reprovação por parte da sociedade. Ensina ainda que o legislador adotou um critério legal ao determinar uma punição mais grave e mais severa para os crimes que classificou como hediondos, sem que se considerassem as circunstâncias que envolvem o fato e o criminoso, os resultados advindos de tais condutas e outras circunstâncias como a participação da vítima, etc. Faz forte critica a este sistema ao referir que se trata de uma premissa cientificamente falsa, atribuindo a todos os crimes pela lei como portadores de hediondez indiscutível. Acredita ainda que deveriam se considerados hediondos apenas os crimes que envolvessem circunstâncias essencialmente graves, praticados por motivo realmente reprovável, merecendo forte reprovação. Assim, entende que a melhor definição de hediondo seria obtida por meio de um conceito 108 CERNICCHIARO, Luiz Vicente, COSTA JÚNIO, Paulo José da. Direito penal na Constituição. 3. ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 121. 109 LEAL, João José. Crimes Hediondos: aspectos políticos-jurídicos da Lei n.º 8.072/90. 1996, p. 21/25. 51 judicial, uma vez que caberia à discricionariedade do juiz a análise do caso concreto, tendo liberdade para decidir sobre ele. Este parece ser o mesmo entendimento de Antônio Lopes Monteiro110 ao mencionar que alguns dos projetos de lei a respeito dos crimes hediondos adotavam um critério mais abrangente outorgado ao juiz a função de verificar na conduta do caso concreto os elementos que compõem a atuação hedionda, pelo chamado sistema judicial. Contudo, ressalva, não foi este o critério escolhido pelo legislador que preferiu o sistema legal, no qual não há flexibilidade para análise judicial, sendo considerado hediondo única e exclusivamente aqueles crimes constantes e expressamente mencionados na Lei Federal n.º 8.072/90. Nesse sentido Alberto Silva Franco111 classifica como um verdadeiro “processo de colagem” a atitude do legislador de etiquetar tipos já previstos no Código Penal como sendo hediondos, sem ater-se a sua gravidade objetiva, meio de execução ou finalidade do crime. O papel do magistrado, então, seria secundário, preocupando-se apenas em verificar se determinado delito encontra previsão na lei em comento, dispensando de analisar as demais características do fato criminoso. Essa predeterminação legal pode provocar profundas injustiças face à rigidez de tal sistema, leciona Alberto Silva Franco; assim exemplifica, o sujeito que dá um beijo lascivo ou leve toque corporal, ou pratica um ato de libidinagem grave (ex: coito anal) contra vítima menor de 14 (quatorze) anos, terá cometido um crime hediondo. A propósito, como reflexo do divergente critério de conceituação adotado pelo legislador, a respeito de quais crimes serão considerados hediondos, notadamente com relação ao atentado violento ao pudor e ao estupro e, atento à possibilidade de ocorrência de injustiças, o Excelso 110 MONTEIRO, Antônio Lopes. Crimes hediondos: texto, comentários e aspectos polêmicos. 6. ª ed. Atual., de acordo com as Leis n.º 9.677, de 02/07/98 e 9.695, de 20/08/98. 1999, p. 16. 111 João Mastieri “Leis hediondas & penas radicais” In Estudos Jurídicos em homenagem a Manoel Pedro Pimentel, p. 194/195, apud FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos: notas sob a Lei n.º 8.072/90. 3. ª ed. rev. e ampl. 1994, p. 45/47. 52 Petrório manifestou entendimento, em julgado, de que os referidos crimes somente serão qualificados como hediondos se resultarem em lesão corporal grave ou morte. Assim, transcreve-se a ementa, in verbis: HABEAS CORPUS. PENAL PROCESSO PENAL ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. CRIMES HEDIONDOS. REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA. EXTENSÃO DA DECISÃO AO CO-RÉU. Os crimes capitulados nos arts. 213 e 214 do CP. Para serem considerados como crimes hediondos, devem resultar em lesão corporal grave ou morte. Procedente. No caso, resultaram apenas em lesões leves. O paciente deve cumprir a pena em regime inicialmente fechado. Na hipótese de concurso de agentes, o CPP a possibilidade de um dos réus aproveitar a decisão proferida em recurso de outro, desde que os motivos não se fundem em caráter exclusivamente pessoal (CPP, art. 580). A decisão que o paciente pretende ver estendida não se fundamentou em aspectos de ordem exclusivamente pessoal. Hábeas deferido112. (grifei). Este é o mesmo entendimento que adotou a 7.ª (Sétima) Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, desclassificando os crimes de atentado violento ao pudor e estupro, não mais os considerando como hediondos quando não resultarem em lesões graves ou morte. Assim, parece refletirem-se na jurisprudência os conflitos apontados pela doutrina decorrentes do critério que escolheu o legislador para definir quais são os crimes hediondos. Colaciona-se julgado in verbis: PRISÃO PREVENTIVA. REVOGAÇÃO. CRIMES DE ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. Inexistindo lesões graves e morte, em crimes contra os costumes, inocorre a hediondez. Mas, mesmo em crimes hediondos, possível é a revogação da prisão preventiva, que não se confunde com a concessão de liberdade provisória, apenas esta vedada pela 112 STF, 2.ª Turma, HC 80.479-RJ, Rel. Min. Nelson Jobim, j. 05/12/2000, publicado no DJ 27/04/2001. 53 Lei n.º 8.073/90 (art. 2.º, inc. II), permitindo-se seja revogada a segregação preventiva quando não mais subsistirem os motivos que determinaram sua decretação. Encerrada a instrução, não mais se justifica a constrição preventiva, decretada com fundamento no requisito legal da conveniência da instrução criminal. Ordem concedida pela maioria113. (grifei). Ao abordar o conceito de crimes hediondos, Valdir Sznick invoca a conceituação apresentada pelos dicionaristas que os definem como depravado, viciosos, sórdido, imundo, repulsivo. Acredita que o legislador, ao adotar tal termo, referiu-se aos “crimes que causam repulsa, medo, pavor e que são cometidos usando da violência”114. Salienta que nem mesmo se trata de um termo jurídico (como é a expressão sinônima “crimes violentos”), mas que foi utilizado justamente para representar os crimes que deponham contra a natureza humana. 3.3 A PROIBIÇÃO DA LIBERDADE PROVISÓRIA NA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS Na doutrina de Odone Sanguiné115 houve excesso legislativo quando, ao complementar o inciso XLIII do art. 5.º da CFB/88 que previu que a lei consideraria inafiançáveis e insuscetíveis de graça e anistia os crimes hediondos e a ele assemelhados, a lei ordinária extrapolou tal previsão, ultrapassando os limites da Constituição e acrescentou a vedação à liberdade provisória. Em um primeiro momento, Odone Sanguiné salienta que o inciso LXVI do art. 5.º da Carta Política que admite a liberdade provisória com o sem fiança, permite que mesmo para os crimes inafiançáveis possa haver 113 TJRS, 7.ª Câmara Criminal, HCO n.º 70000919761, Relator Des. Luis Carlos Ávila de Carvalho Leite, j. 04/05/2000. 114 SZNICK, Valdir. Comentários à lei dos crimes hediondos. 1991, p. 06. 115 SANGUINÉ, Odone. Inconstitucionalidade da proibição da liberdade provisória do inciso II, do art. 2º da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 667, 1991, p 253/258. 54 liberdade provisória (art. 310 do CPP), havendo distinção entre os dois institutos. O autor sustenta que a expressão “quando a lei admitir”, não pode ser interpretada isoladamente. Explica que não deve ser entendido seu significado como uma proibição absoluta da liberdade provisória, o que culminaria, segundo ele, em contradição com os princípios reitores da interpretação constitucional116. O entendimento do autor e a concretização do conteúdo da norma resulta no entendimento de que a liberdade provisória, por ser um direito fundamental constitucional será sempre garantida por lei para todo e qualquer crime, em caráter geral. Nesse sentido, prossegue, caberá ao juiz ou ao Tribunal, de acordo com o caso concreto, admiti-la ou não, conforme o disposto no art. 310 do Código de Processo Penal. Pedro Henrique Demercian e Jorge Assaf Maluly117 dispõem que embora os Tribunais Pátrios entendam majoritariamente pela constitucionalidade do inciso II, do art. 2º da Lei n.º 8.072/90 e que o Supremo Tribunal Federal já tenha se manifestado no sentido de que a decisão que mantém a prisão, nos casos do referido dispositivo, não precisa ser fundamentada, tal disposição ultrapassou o limite constitucional previsto no inciso XLIII, do art. 5.º da CFB. Ponderam os referidos autores acerca da irrazoabilidade de o juiz ficar vinculado ao dispositivo da mencionada lei quando, diante da possibilidade de se verificar ao longo da instrução ou mesmo antes da prolação da sentença, que o crime, inicialmente definido como sendo hediondo, não o é. Nesse caso, acreditam, o juiz deveria conceder a liberdade provisória face à ausência dos requisitos que autorizam a prisão preventiva. Os doutrinadores orientam ainda que quando houver duvida a respeito da contradição existente, a interpretação a ser feita deve ser a mais 116 Idem. 55 benéfica para o réu, posto que a liberdade antes do transito em julgado da sentença é a regra, baseada no princípio do estado de inocência. Fernando da Costa Tourinho Filho118, ao referir-se às restrições legais que sofre o instituto da liberdade provisória na lei dos crimes hediondos, dispõe tratar-se de um não-senso a proibição da liberdade quando ausentes os requisitos para a decretação da prisão preventiva, além de atentar contra o principio constitucional da presunção de inocência. Atribui as incongruências de todo o diploma legal em questão ao despreparo dos responsáveis por sua elaboração. Valdir Sznick119 aborda os diferentes entendimentos a respeito do instituto. Explica que alguns autores a consideram um direito do réu (Frederico Marques, Ada Pelegrini Grinover, Weber Martins) e outros entendem ser uma faculdade concedida ao réu (Ary Franco, Noronha Magalhães, Hélio Tornaghi, Espínola Filho). A primeira corrente, explica o autor, entende que estando o réu dentro das condições legais, preenchendo os requisitos legais (primário, bons antecedentes), a liberdade provisória não poderia ser-lhe negada, posto ser um direito seu. Já a segunda corrente acredita ser apenas uma faculdade concedida ao réu, já que a lei utiliza a palavra “poderá”, indicando faculdade. De fato, Magalhães Noronha120 entende que, ao mencionar a palavra “poderá” (art. 321, CPP), o legislador estabeleceu uma faculdade ao julgador, não se constituindo em um direito para o réu. Já a fiança, para o autor, seria um direito do réu, o que diferenciaria os dois institutos. 117 DEMERCIAN, Pedro Henrique, MALULY, Jorge Assaf. Curso de Processo Penal. 1999, p. 171/172. 118 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 20. ª ed. rev. e ampl. v. 3. 1998, p. 506/507. 119 SZNICK, Valdir. Comentários à lei dos crimes hediondos. 1991, p. 260/261. 120 NORONHA, E. Magalhães. Curso de direito processual penal. 26. ª ed., atual. São Paulo: Saraiva, 1998, p 236. 56 Em sentido contrário, José Armando da Costa121 atribui a “primariedade” da conclusão de que a concessão da liberdade provisória constitui em uma faculdade do julgador e não um direito processual subjetivo do réu, à interpretação literal que se faz à expressão “poderá”, utilizada em matéria pertinente ao instituto. Salienta que os valores jurídico-sociais devem ser considerados, já que podem transformar o “poder” em “dever” , em que pese terse utilizado o vocábulo em sentido oposto. Finaliza sua exposição, dispondo que a jurisprudência majoritária adota o mesmo entendimento, cujos defensores são José Frederico Marques, Fernando da Costa Tourinho Filho, entre outros. Valdir Sznick122 posiciona-se argumentado que o referido termo não implica em faculdade, mas sim na discricionariedade do juiz que poderá ou não conceder a liberdade provisória, constituindo-se um direito para aqueles que preencherem os requisitos legais. Na esteira desta discussão, Alberto Silva Franco123 também concorda que estando ausentes os requisitos para a manutenção da prisão cautelar, a liberdade deve ser considerada como sendo um direito do réu que preenche os requisitos legais para obter a sua soltura, antes de ser considerada como um mero benefício concedido pelo juiz. Alberto Silva Franco destaca o critério da necessidade que deve estar presente nas prisões preventiva e em flagrante, quando houver obstáculo ao desenvolvimento normal e eficaz do processo. Neste caso, seu posicionamento coaduna-se com o da doutrina acima arrolada, dispondo que a prisão provisória está de acordo com o princípio da presunção de inocência. Assim tem entendido o Superior Tribunal de Justiça conforme é possível verificar-se em seus julgados. Quando restar demonstrada a 121 COSTA, José Armando da. Estrutura jurídica da liberdade provisória. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 110/111. 122 SZNICK, Valdir. Comentários à lei dos crimes hediondos. 1991, p. 261. 57 necessidade de se manter preso em flagrante a custódia preventiva deve ser decretada. Colaciona-se o acórdão da 5.ª (Quinta) Turma do STJ: CRIMINAL. RHC. ENTORPECENTES. NULIDADE DO FLAGRANTE. AUSENCIA DE NOMEAÇÃO DE CURADOR A RÉU MENOR. INOCORRENCIA. INOCORRENCIA DE PREJUIZO. ASSISTENCIA DE DEFENSOR CONSTITUIDO. PRISÃO PREVENTIVA. NECESSIDADE DEMONSTRADA. CONDIÇOES PESSOAIS FAVORAVEIS NÃO DEMONSTRADAS. REVOGAÇÃO DO ART. 2.º DA LEI N.º 8.072/90 PELA LEI N.º 9.455/97. IMPROPRIEDADE. RECURSO DESPROVIDO. Não se conhece nulidade do auto de prisão em flagrante, decorrente da falta de nomeação de curador a réu menor, se, inobstante não ter havido prejuízo para a defesa, ainda houve assistência integral de defensor constituído durante todo o ato. Não há ilegalidade na decisão que manteve a custódia cautelar do paciente, se demonstrada a necessidade da prisão, atendendo-se aos termos do art. 312 do CPP, ainda mais se a impetração não logrou demonstrar a presença de condições pessoais favoráveis à soltura do paciente, não iludindo sequer a ressalva feita a seus péssimos antecedentes. Recurso desprovido124. (grifei). Caso não caracterizados os elementos autorizadores da custódia cautelar, não há de se falar em manutenção da prisão preventiva decretada, mesmo em se tratando de crimes hediondos, consoante entendimento do Superior Areópago de Justiça, traduzido pela ementa abaixo transcrita in verbis: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. MATÉRIA NÃO DECIDIDA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. NÃO CONHECIMENTO. PRISÃO EM FLAGRANTE. CRIME HEDIONDO. LIBERDADE PROVISÓRIA. AUSENTES REQUISITOS DA PRISÃO PREVENTIVA. Se a 123 João Mastieri “Leis hediondas & penas radicais” In Estudos Jurídicos em homenagem a Manoel Pedro Pimentel, p. 194/195, apud FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos: notas sob a Lei n.º 8.072/90. 3. ª ed. rev. e ampl. 1994, p. 78/79. 124 STJ, RHC 9981/RS, rel. Min. Gilson Dipp, j. 03/10/2000, publicado no DJ 30/10/2000, p. 168. 58 matéria suscitada na impetração não foi decidida pelo Tribunal de origem, dela não poderá se conhecer, sob pena de supressão de instância. O fato de tratar-se de crime hediondo, isoladamente, não é impeditivo da liberdade provisória, haja vista princípios constitucionais recentes da matéria (liberdade provisória, presunção de inocência, etc). Faz-se mister, então, que, ao lado da configuração idealizada pela Lei n.º 8.072/90, seja demonstrada também a necessidade da prisão. A manutenção da prisão em flagrante só se justifica quando presentes os requisitos ensejadores da prisão preventiva, nos moldes do art. 310, § único do CPP. O fundamento único da configuração de crime hediondo ou afim, sem qualquer outra demonstração da real necessidade, nem tampouco da presença dos requisitos autorizadores da prisão preventiva não justifica a manutenção da prisão em flagrante. Hábeas corpus conhecido em parte, e nesta extensão, concedido125. (grifei). Nesse mesmo sentido, a Câmara Criminal de Férias do Colendo Areópago do Estado do Rio Grande do Sul, também manifestou-se pela possibilidade da concessão da liberdade provisória nos crimes hediondos quando não estiver presente o critério de necessidade para a decretação da prisão preventiva. Caso contrario, restariam atingidos os princípios constitucionais da liberdade provisória, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa e da presunção de inocência, in verbis: LIBERDADE PROVISÓRIA. CRIME HEDIONDO. POSSSIBILIDADE. Tendo em vista que toda prisão cautelar deve, sempre, estar vinculada a um juízo de necessidade, é possível a concessão da liberdade aos autores dos chamados crimes hediondos, quando as condições assim autorizam. A evolução da ciência penal e da legislação processual penal não permitem mais a custódia provisória por presunção legal. Ademais o legislador da Lei n.º 8.072/90, fugindo do princípio da subordinação da lei à Constituição, acrescentou impedimento ao indulto e à liberdade provisória pela 125 STJ, 6.ª Turma, HC 13992/SP, Min. Fernando Gonçalves, j. 20/02/2001, publicado no DJ 12/03/2001, p. 179. 59 presumida periculosidade dos agentes, sem que a Carta Magna contenha qualquer proibição a respeito (art. 5.º XLIII). A vedação à liberdade provisória contraria os princípios da liberdade provisória; do devido processo legal; do contraditório e da ampla defesa e da presunção de inocência126. (grifei). Para Alcides Martins Ribeiro Filho, alguns aspectos da Lei n.º 8.072/90 vêm causando verdadeiros estragos nos direitos e garantias individuais dos cidadãos127, sem que tenha havido nenhuma iniciativa por parte do Poder Legislativo quanto a isso até o momento. Em sua dissertação, aborda o aspecto que considera o mais grave entre aqueles considerados polêmicos na lei dos crimes hediondos: o inciso II do art. 2.º da respectiva lei, qual seja, a vedação da “fiança e a liberdade provisória”. Considera que o legislador extrapolou os limites da norma constitucional, consubstanciada no inciso XLIII, art. 5.º da CFB/88 que considera inafiançáveis e insuscetíveis de indulto, graça ou anistia os crimes considerados hediondos e os a eles assemelhados. Entende ter sido ferido o instituto universal da liberdade provisória. O autor analisa o contraponto que se estabeleceu até mesmo na exposição dos motivos da referida lei e sua redação final. Não só o constituinte manteve intocado o instituto da liberdade provisória como o próprio Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciaria, no projeto de lei, fez a ressalva de que o impedimento da concessão da fiança, anistia e do indulto individual ou coletivo não deveriam obstar, ao acusado, de responder ao processo em liberdade, em razão do art. 310, § único do CPP. A vedação teria sido o resultado da “eloqüência das paixões do legislador, levado pelas circunstancias do momento”128. 126 TJRS, RCR n.º 699473385, Rel. Des. Sylvio Baptista Neto, j. 18/08/1999. RIBEIRO FILHO, Alcides Martins. A lei dos crimes hediondos e a liberdade provisória. Brasília: Revista Jurídica CONSULEX. n.º 6, 1997, p. 38/39. 128 Idem. 127 60 O mesmo autor chama a atenção para o fato de que, face ao que ficou determinado no dispositivo em estudo, injustiças podem ocorrer, posto que, pode acontecer de, no curso da ação penal, ficar comprovado que o réu não praticou o crime ou que praticou o fato em erro de tipo ou protegido por uma das causas excludentes de ilicitude (como por exemplo a legitima defesa), devendo, todavia, permanecer preso até o final processo, quando já se sabe de ante-mão que será absolvido. Alcides Martins Ribeiro Filho acredita que a razão para a proibição radical da concessão da liberdade provisória tenha tido acento na idéia do legislador que “imaginou somente aquelas situações em que o réu tem contra si fortes elementos probatórios”129. O referido autor ilustra sua exposição com o exemplo de um brasileiro que tem seu carro roubado e levado ao Paraguai. Recuperado o carro pela autoridade policial, o proprietário vai buscá-lo e desconhece o fato de ter sido colocada certa quantidade de drogas no embaixo do banco, este sujeito é pego numa revista realizada na fronteira e acaba por sofrer processo judicial, respondendo por um crime classificado como hediondo, mais precisamente o tráfico internacional de entorpecentes. Inocente, este cidadão deveria, pela lei dos crimes hediondos, responder a todo o processo preso. Posição contraria é defendida por Paulo Lúcio Nogueira que, a despeito do que dispõe o § 2.º, do art. 2.º da Lei n.º 8.072/90, permite ao juiz decidir, fundamentadamente, se o réu poderá ou não apelar em liberdade, entende ter se equivocado o legislador, posto que se ao réu é imposto aguardar preso a instrução do processo (conforme determinação do inciso II do mesmo artigo da referida lei), “com muito mais razão deve ser conservado preso depois de condenado”130. O autor corrobora o seu entendimento afirmando que: 129 Idem. NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Leis Especiais (Aspectos Penais): antitóxicos; abuso de autoridade, crimes hediondos, crimes culposos; economia popular; falimentar; propriedade material e imaterial; responsabilidade dos prefeitos. São Paulo: LEUD, 1993, p. 106/107. 130 61 se o recolhimento do acusado na fase instrutória não atenta contra o princípio da presunção de inocência (art. 5.º, inc. LVIII, CF), em face do sistema vigente, embora alguns defendam posição contraria, com muito mais razão o condenado deve ser conservado na prisão, dada a gravidade do crime cometido131. Na Monteiro 132 provisória mesma linha de entendimento, Antônio Lopes acredita que o dispositivo que proíbe a concessão da liberdade não pode ser considerado inconstitucional. Entende que a inconstitucionalidade de uma lei resta configurada quando houver afronta direta a preceito constitucional. Ressalva que não há nenhum dispositivo em nossa lei maior que vede o legislador ordinária de fazer tal proibição. Além disso, prossegue o autor dispondo que apropria garantia da liberdade provisória pela Constituição Federal (art. 5.º LXVI), com ou sem fiança, é ressalvada pela expressão “quando a lei admitir”, retirando-lhe, assim, o caráter absoluto e condicionado sua eficácia à regulamentação legal. A doutrina de Alberto Silva Franco confronta-se diretamente com a exposição acima quando, ao referir-se à disposição do inciso LXVI do art. 5.º da Carta Magna, que preconizou o direito fundamental à liberdade provisória, o autor é taxativo: Pouco importa que o texto constitucional referindo-se à liberdade provisória, aluda à cláusula ‘quando a lei admitir’. Isso não significa, à evidencia, que a Constituição Federal ao referir-se à mencionada cláusula tivesse autorizado o legislador ordinário a proibir, de forma absoluta, ou mesmo em relação a certos e determinados delitos, a liberdade provisória. Tal entendimento conduziria a lei infraconstitucional a uma posição diametralmente oposta ao direito fundamental consagrado pelo legislador 131 Idem. MONTEIRO, Antônio Lopes. Crimes hediondos: texto, comentários e aspectos polêmicos. 6. ª ed. Atual., de acordo com as Leis n.º 9.677, de 02/07/98 e 9.695, de 20/08/98. 1999, p. 125. 132 62 constituinte e em contraste com outros direitos fundamentais correlatos133. Com isso, o autor assevera que ao legislador ordinário não é atribuído o poder de disposição, “colocando-o numa situação de preponderância em face da Constituição”134. O autor, justifica seu entendimento reconhecimento que as medidas de coerção pessoal deverão ser decretadas, enquanto cautelares, quando presentes os requisitos que permitem sua aplicação. Acrescenta que isso não enfraquece o aparelhamento de defesa do Estado. Salienta, porém que: O que se exclui, por ofensa à Constituição, é que o juiz fique adstrito a uma lei ordinária que o impeça de conceder, a todos, ou em relação a determinados delitos, a liberdade provisória e que o libere da verificação motivada da necessidade da prisão cautelar135. Registra-se, na verdade, divergência doutrinaria com relação à interpretação do inciso II do art. 2.º da Lei n.º 8.072/90, no que tange à proibição da concessão da liberdade provisória. Nota-se, no entanto, um posicionamento majoritário no sentido de defender a inconstitucionalidade de referido dispositivo legal. Todavia, em que pese a manifestação preponderante da doutrina apontando a vedação em comento como mais um dos aspectos polêmicos da lei dos crimes hediondos, o entendimento do STF, consubstanciado em sua reiterada jurisprudência, é pela absoluta constitucionalidade da vedação da liberdade provisória para os crimes hediondos: 133 João Mastieri “Leis hediondas & penas radicais” In Estudos Jurídicos em homenagem a Manoel Pedro Pimentel, p. 194/195, apud FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos: notas sob a Lei n.º 8.072/90. 3. ª ed. rev. e ampl. 1994, p. 89/91. 134 Idem. 135 Idem. 63 EMENTA: HOMICIDIO QUALIFICADO. CRIME HEDIONDO. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISORIA CONCEDIDA E, DEPOIS CASSADA PELO TRIBUNAL COATOR. Prisão em flagrante e posterior recebimento da denúncia que imputa ao paciente a pratica de homicídio duplamente qualificado, considerando pela lei como crime hediondo. Impossibilidade de concessão de liberdade provisória em face de expressa vedação contida no artigo 2.º, II, da Lei n.º 8.072/90, cuja constitucionalidade já foi reconhecida por esta Corte. Precedentes. Hábeas corpus conhecido, mas indeferido136 (grifei). Cumpre ressaltar que, a 3.ª (terceira) Câmara Criminal do Colendo Areópago Gaúcho, em posicionamento igualmente conservador, porque em estrita conformidade com o dispositivo que veda a liberdade provisória na lei dos crimes hediondos, consolidou entendimento traduzido nos julgados abaixo transcritos: HABEAS CORPUS . TÓXICOS ART. 12. Paciente preso em flagrante, devidamente chancelado. Posterior decreto de prisão preventiva, acréscimo à prisão constitucional, que se reveste com todos os elementos exigíveis a sua manutenção. Trancamento da ação penal por falta de justa causa. Inviabilidade. Liberdade provisória. Crimes hediondos. Impossibilidade. Ordem denegada. (grifei). HABEAS CORPUS. HOMICIDIO QUALIFICADO TENTADO. Excesso de prazo. Inocorrência. Súmula 21 do STJ. A alegação de constrangimento ilegal por excesso de prazo não prospera, pois o paciente já foi pronunciado. Aplicação da súmula 21 do STJ. Liberdade provisória. Crime hediondo . É orientação consolidada na câmara que paciente denunciado por delito hediondo (homicídio qualificado), não tem, consoante expressa disposição legal (artigo 2.º , inciso II da Lei dos Crimes 136 STF, HC 79.386/AP, rel. Min. Marco Aurélio, rel. p/ acórdão Min. Maurício Correa, j. 05/10/99, publicado no DJ em 04/08/2000. 64 Hediondos), direito à liberdade provisória. Á unanimidade, denegaram a ordem137. (grifei). Segundo André Luiz Pellizzaro, cita a decisão do STJ no HC 40.932/RR. rel. Ministro Gilson Dipp, j. 07/04/2005, publicado no DJ em 09.05.2005, página 445 que dispõe que: exige-se concreta motivação para o indeferimento do benefício da liberdade provisória, com base em fatos que efetivamente justifiquem a excepcionalidade da medida, atendendo-se aos termos do art. 312 do CPP e da jurisprudência dominante. O simples fato de se tratar de crime hediondo não basta, por si só, para impedir a liberdade provisória do réu138. Entende-se que somente em casos especiais, é que poderá o Juiz, vedar a liberdade provisória, como por exemplo no Richethofen em que os acusados, tiveram por diversas vezes indeferidos os seus pedidos de responderem o processo em liberdade, tendo em vista o clamor popular e a revolta que tal posição - no caso de deferimento da liberdade - poderiam causar. 3.4 VEDAÇÃO DA LIBERDADE PROVISÓRIA PARA OS CRIMES HEDIONDOS E O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA Paulo Lúcio Nogueira dispõe em sua obra que o princípio da presunção de inocência, contemplado na Constituição Federal de 1988, pelo qual: ninguém será considerado culpado antes do transito em julgado de sentença condenatória”, deve ser avaliado “de maneira relativa e lógica, em face do sistema jurídico vigente, tendo em vista a própria personalidade do acusado e a gravidade do crime, que não recomendam sua permanência em liberdade, já que 137 HCO n.º 70000747097, Relator Des. Marco Antônio Barbosa Leal, j. 02/03/2000 e HCO n.º 70000768937, Relator Des. Saulo Brum Leal, j. 11/05/2000. 138 PELLIZZARO, André Luiz. Doutrina - Liberdade provisória em crimes hediondos. Disponível em: www.sedep.com.br/noticias.php?noticia=17525. Acesso em 22 de julho de 2006. 65 demonstrou, embora não julgado definitivamente, 139 incompatibilidade para continuar em liberdade . O autor propõe o confronto entre a necessidade da prisão provisória e a liberdade provisória com ou sem fiança, posicionando-se no sentido de fazer prevalecer o interesse social. Argumenta que a provisoriedade da prisão ocorre, muitas vezes, “no flagrante, na preventiva, na pronúncia, na condenação recorrível sem que haja afronta ao princípio da presunção da inocência”140. No mesmo sentido, Ataídes Generoso Domingos entende não haver afronta ao inciso LXVI, art. 5.º da CFB/88. Observa que deve ser feita consideração a respeito da natureza da prisão na lei dos crimes hediondos. Menciona que tanto a prisão em flagrante como a prisão preventiva, possuem natureza processual constituindo formas de prisão cautelar. Difere-as, assim, da prisão penal utilizada “como meio de repressão dos crimes e contravenções”, por serem “espécie do gênero coerção processual”141. Dessa forma, consoante o autor, a jurisprudência solidificou entendimento no sentido de não haver violação ao princípio em questão, em razão de prisão cautelar processual. Corrobora seu posicionamento mencionando a Súmula n.º 09 do Superior Tribunal de Justiça, a qual dispõe em seu teor, in verbis: “A exigência de prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência”. O autor supra citado conclui sua exposição sobre o princípio, argumentando que pelos fundamentos mencionados, a proibição da concessão da liberdade provisória na lei dos crimes hediondos está de acordo com a Carta Política e que outras interpretações levam em conta, exclusivamente, o direito do indivíduo e não da sociedade como um todo. 139 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Leis Especiais (Aspectos Penais): antitóxicos; abuso de autoridade, crimes hediondos, crimes culposos; economia popular; falimentar; propriedade material e imaterial; responsabilidade dos prefeitos. São Paulo: LEUD, 1993, p. 109. 140 Idem. 141 DOMINGOS, Ataídes Generoso. Crimes hediondos: constitucionalidade da proibição da liberdade provisória. Porto Alegre: Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul, n.º 33, 1994, p. 222/224. 66 Entendimento oposto é o de Odone Sanguiné142, ao apontar duas inconstitucionalidades na vedação da concessão da liberdade provisória pela lei em comento. Para ele, além de ferir o princípio da presunção de inocência, o inciso II, art. 2.º da Lei n.º 8.072/90, fere o princípio do Estado Democrático de Direito, em razão da violência do “due process of law” (devido processo legal) que no ordenamento jurídico pátrio encontra-se na art. 5.º, inciso LIV, da Carta Magna. Em contrapartida ao que dispõe Ataídes Domingos, Odone Sanguiné entende não ser possível distinguir-se a prisão preventiva, no plano estrutural, da pena propriamente dita, porque ambas consistem em total privação da liberdade pessoal. A distinção ocorreria apenas no plano funcional das finalidades perseguidas, cautelar em um dos casos, de prevenção e reeducação no outro. Na primeira forma de inconstitucionalidade, prossegue Odone Sanguiné que, acredita que a proibição automática da liberdade provisória atribui ao imputado a figura de culpado, razão pela qual verifica-se a violação. O dispositivo que veda o instituto configura uma antecipada qualificação de culpabilidade. Ressalta que não poderia ser antecipada uma pena ao imputado durante o procedimento da persecução penal. O autor supra referido, fazendo uma analogia, reporta à Idade Média, quando o isolamento do imputado era condição necessária para que pudesse se arrepender do delito; arrependimento este que pressupõe culpa. Já a segunda forma de inconstitucionalidade, o citado autor menciona os artigos 1.º, que traz o princípio do Estado Democrático de Direito e 5.º, § 2.º, ambos da Carta Magna, de onde deriva o princípio da proporcionalidade, ou proibição de excesso. Com isso, quer dizer (adotando os ensinamentos de Gomes Canotilho) que uma lei restritiva, mesmo que adequada e necessária, pode ser 142 SANGUINÉ, Odone. Inconstitucionalidade da proibição da liberdade provisória do inciso II, do art. 2º da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990. 1991, p. 253/254. 67 inconstitucional quando adotar carga coativa desmedida, desajustada, desproporcional, motivo pelo qual, limites devem ser impostos para que não aniquilem direitos, liberdades e garantias. Odone Sanguiné prossegue sua exposição, dispondo que o legislador deve permanecer vinculado ao “núcleo essencial”, isto porque seu poder de restrição não é absoluto. O conteúdo essencial, esclarece, não é o direito, mas o preceito constitucional. Diante dessa circunstancia, afirma o autor, a lei ordinária poderia não admitir a liberdade provisória de acordo com casos concretos, mas não poderia vedá-la de forma absoluta e genérica para certos tipos de crimes. Por essas razões, entende que a vedação da liberdade provisória constitui privação de liberdade obrigatória, uma pena antecipada sem prévio e regular processo e julgamento, ferindo diretamente o princípio do devido processo legal, previsto no inciso LIV143, art. 5.º da CFB/88, que determina que ninguém será privado da liberdade sem o devido processo legal. Pela doutrina americana, ilustra o autor, seria um ato legislativo que implica em considerar alguém culpado diretamente e destinado a infringir-lhe uma sanção sem processo ou decisão judiciária144. Nesta mesma linha de pensamento, João José Leal145, ressalta que, ao contrariar o princípio constitucional da presunção de inocência, a lei dos crimes hediondos estabeleceu uma presunção de culpa para aqueles que são autores de tais crimes, presos em flagrante. Aponta outra ofensa, decorrente da não observância do princípio antes mencionado, qual seja, a ofensa ao princípio da subordinação das normas infraconstitucionais. Isto porque, a CFB/88 predeterminou o conteúdo e o âmbito da norma contida na lei dos crimes hediondos e seus limites, ressalta o 143 Art. 5.º LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; 144 SANGUINÉ, Odone. Inconstitucionalidade da proibição da liberdade provisória do inciso II, do art. 2º da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990. 1991, p. 253/254. 68 autor, jamais poderiam ser ultrapassados por lei ordinária. Assim, continua, quando a lei maior referiu que os crimes hediondos seriam insuscetíveis de graça, de anistia e de fiança, o legislador ordinário não poderia estender tal vedação à liberdade provisória. Explica que “pela mais elementar regra de hermenêutica, as exceções devem, ser interpretadas restritivamente”146. Bellavista, citado por Alberto Silva Franco, ao se referir ao instituto da liberdade provisória, dispõe que: um Código de Processo Penal que respeite constitucional deve reduzir ao máximo os casos encarceramento cautelar, aumentando, por hipóteses liberatórias e distinguindo sempre culpado147. aquele princípio e os vínculos do outro lado, as o imputado do Alberto Silva Franco menciona que, em que pese o princípio da presunção de inocência ter sido consagrado pela Constituição Federal de 1988 e pelo Pacto Internacional sobre direitos Civis e Políticos, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, em suas jurisprudências, proíbem a concessão de liberdade provisória para os acusados de crime hediondo, desde que haja indícios da pratica deste crime. Destaca que uma vez incorporado o referido princípio pela norma interna e de nível constitucional, “é portanto, bastante explícita, não admitindo mais interpretações jurisprudências que restrinjam sua área de significado”148. 145 LEAL, João José. Crimes Hediondos: aspectos políticos-jurídicos da Lei n.º 8.072/90. 1996, p. 106/107. 146 Idem. 147 João Mastieri “Leis hediondas & penas radicais” In Estudos Jurídicos em homenagem a Manoel Pedro Pimentel, p. 194/195, apud FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos: notas sob a Lei n.º 8.072/90. 3. ª ed. ver. e ampl.1994, p. 86/88. 148 Idem. 69 Na lição de Valdir Sznick149, em não sendo provada a culpa do réu, o juiz não precisará convencer-se de sua inocência, posto que o mesmo será beneficiado pelo presunção de inocência. Entende que esse preceito pode ser encontrado, por vias indiretas, decorrentes dos princípios, como o princípio do devido processo legal e seus consectários principio da ampla defesa e o princípio do contraditório. Afirma que o princípio da presunção de inocência não se trata de simples presunção mas sim de um estado jurídico, “Status de Inocência”, que somente será atingido quando houver a condenação. Vale alumiar que numa disputada decisão, por 06 (seis) votos a 05 (cinco) o Plenário do Supremo Tribunal Federal afastou a proibição da progressão de regime para os crimes tidos como hediondos e reconheceu a inconstitucionalidade do parágrafo 1.º150, do artigo 2.º da Lei n.º 8.072/90. Tal decisão foi no HC n.º 82.759, percebendo-se, com à analise deste caso, uma preocupação da Corte Constitucional com os direitos fundamentais, sendo que o princípio constitucional utilizado para fulminar o mencionado artigo legal, foi o do princípio da individualização da pena (Art. 5.º, XLVI151, da CFB/88), sendo que o Ministro Eros Grau, em seu voto mencionou que “o cumprimento da pena em regime integral, por ser cruel e desumano importa violação a esses princípios constitucionais”. Tendo tal decisão, se tornado um verdadeiro marco na evolução da interpretação da Lei dos Crimes Hediondos, fazendo justiça a muitos que defendiam a inconstitucionalidade da Lei n.º 8.072/90, pois a mesma até então desconsiderava o princípio da individualização da pena, tornado-se um 149 SZNICK, Valdir. Comentários à lei dos crimes hediondos. 1991, p. 258/259. § 1.º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado. 151 Art. 5.º, inciso XLVI da CFB/88. “a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos;” 150 70 retrocesso ao progresso da ciência, especialmente no campo do Direito Penal, da Criminologia, da Antropologia e da Sociologia. Nessa esteira, o presidente da OAB/SP no ano de 2005, Luiz Flávio Borges D’Urso menciona, que a mesma é inconstitucional quando: por exemplo, impede a concessão de liberdade provisória para os presos em flagrante delito, acusados de prática de crimes hediondos. Se a Constituição Federal consagra o princípio da presunção de inocência, segundo o qual, todos somos inocentes até que se tenha a sentença penal condenatória definitiva, negar a liberdade para quem responde a processo é negar tal princípio152. De modo que o ideal seria um texto legal que proteja a sociedade e harmonize com a Constituição Federal, porém que ao mesmo tempo não contenha os inconvenientes da lei vigente. 3.5 EFICÁCIA DA LEI N.º 8.072/90 Para João José Leal a origem da violência e da marginalização é social e principalmente econômica. Somente será combatida com medidas socioeconômicas e políticas capazes de tornar a sociedade periférica em uma sociedade mais humana. Acredita que enquanto houver a distinção entre ricos e pobres em nosso país, nenhuma medida será satisfatória e continuaremos a viver com as mais diversas formas de violência. Acrescenta que se trata de um: grande equivoco político-jurídico de se pretender combater a delinqüência violenta através de uma medida simplista e inócua: a 152 CONSULEX, Revista Jurídica. Crimes Hediondos: A progressão de regime prisional é o caminho certo ?. Ano IX. volume 9, n.º 205, 31 de julho de 2005, p.28. 71 edição de uma lei que visa apenas reprimir e castigar de forma até mediavalesca153. Antônio Lopes Monteiro segue a mesma linha de raciocínio, colocando em dúvida o fato de a lei dos crimes hediondos ter ou não atingido seu objetivo. Segundo o autor, rotular um crime como hediondo não traz a solução. O autor, inclusive é mais incisivo em sua exposição: não é aumentando sensivelmente a pena, ou mesmo criando dispositivos que aparentemente impeçam qualquer benefício aos condenados que as quadrilhas de traficantes ou as organizações dos seqüestros serão desmanteladas154. Consoante lição do autor supra citado, enquanto não houver profunda reforma desde o caderno indiciário até o sistema penitenciário, a criminalidade permanecerá na mente do criminoso. Até isto ocorrer, dispõe que “continuaremos a assistir à edição de leis como a de n.º 8.072/90, de muita polêmica e pouca eficiência”155. Nesse mesmo sentido, Paulo Lúcio Nogueira156 menciona que a simples elaboração de leis, assim como a criação de leis, assim como a criação de leis severas, não trará a solução para se combater a criminalidade. Isso porque, quando elaboradas em momento de comoção, sem o devido cuidado para o momento de sua aplicação, conforme lição do autor, acabam por se tornar rotineiras e caem no esquecimento. 153 LEAL, João José. Crimes Hediondos – A lei 8.072/90 como Expressão do Direito Penal da Severidade. 2005, p. 33. 154 MONTEIRO, Antônio Lopes. Crimes hediondos: texto, comentários e aspectos polêmicos. 6. ª ed. Atual., de acordo com as Leis n.º 9.677, de 02/07/98 e 9.695, de 20/08/98. 1999, p. 121/122. 155 Idem. 156 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Leis Especiais (Aspectos Penais): antitóxicos; abuso de autoridade, crimes hediondos, crimes culposos; economia popular; falimentar; propriedade material e imaterial; responsabilidade dos prefeitos. São Paulo: LEUD, 1993, p. 121/122. 72 O autor acima mencionado atribui aos aspectos controvertidos da referida lei seu próprio enfraquecimento, exigindo dos tribunais devida interpretação, o que trará dúvidas e incertezas, garante. Para Alberto Silva Franco “nada mais ilusório”157 do que acreditar que leis mais severas com penas mais pesadas controlarão a criminalidade violenta. Essa idéia surge do “Movimento da Lei e da Ordem”, pelo qual se acredita, no entendimento de alguns, que a severidade e rigidez do sistema são meios eficientes para se alcançar a paz social. O autor enfatiza que se trata de uma involução as conseqüências alcançadas com a lei em comento. Segundo ele é preciso garantir as garantias pessoais e entende que isto pode ser feito pelo próprio juiz que, indiferente às pressões sociais, “tenha coragem de apontar as inconstitucionalidades e as impropriedades contidas na Lei 8.072/90”158. 157 João Mastieri “Leis hediondas & penas radicais” In Estudos Jurídicos em homenagem a Manoel Pedro Pimentel, p. 194/195, apud FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos: notas sob a Lei n.º 8.072/90. 3. ª ed. ver. e ampl. 1994, p. 51/55. 158 Idem. CONSIDERAÇÕES FINAIS Efetuada a pesquisa a qual se propôs este trabalho científico, foi possível chegar-se a algumas considerações finais, no que tange às questões constantes da introdução da presente monografia. De início, no que se refere ao instituto da liberdade provisória, verificou-se que se trata, também, de um direito reconhecidamente constitucional. E como tal, sua interpretação não deve ser restrita, assim como, não pode o legislador infraconstitucional suprimir sua aplicação. Ao adotar como princípio que nenhum cidadão será considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, o constituinte garantiu, ao autor de um delito, a preservação do que pode se chamar de “estado de inocência” e a impossibilidade de se adotarem medidas que restrinjam essa presunção. Nesse sentido, a liberdade provisória traduz a idéia de garantia, àquele que cometeu um crime, de que até a decisão final do processo, será considerado, perante a sociedade, um indivíduo inocente. Essa idéia assume maior relevância diante da possibilidade da ocorrência de situações de injustiças, caracterizadas na hipótese de um inocente permanecer preso durante todo o processo criminal, caso não fosse admitida a liberdade provisória. Assim, a não concessão da liberdade provisória somente poderia ser tolerada, nos casos em que se verificassem os requisitos autorizadores da prisão preventiva. Isso porque, nessas hipóteses, estaria presente o critério da necessidade, ou cautelaridade, ou seja, não haveria possibilidade de se promover uma efetiva condução do processo sem que o acusado fosse recolhido à prisão. 74 Esse tem sido, inclusive, o posicionamento de nossos Tribunais Superiores, ao reconhecerem que o acusado tem direito à liberdade provisória quando ausentes os motivos que ensejem a prisão preventiva. A doutrina, ao que se pode perceber da pesquisa efetuada, tem se manifestado pela tendência em admitir-se a liberdade provisória sem fiança, porem mediante vinculação, secundarizando as hipóteses de sua concessão por meio de pagamento da mencionada caução. A liberdade provisória passa a ser regra no sistema, excepcionada somente quando presentes os requisitos que autorizam a custódia preventiva. Com relação ao princípio da presunção de inocência, notase que o que se tem, na verdade, é um princípio de não-culpabilidade, tendo em vista que o legislador constituinte não ter optado pela expressão “presunção de inocência” em si e sim, disposto apenas a impossibilidade de se considerar o individuo culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. A previsão e a aplicação da presunção de inocência implicam na inversão do ônus da prova, cabendo, por conseguinte, ao acusador o dever de provar a culpa. Esta é uma reação aos sistemas anteriores que impunham ao réu o ônus de provar sua inocência. Entende-se, então, se tratar de garantia de um direito fundamental, qual, seja, ser considerado inocente, conquistada ao longo da história. Foi sendo, aos poucos, introduzida nos sistemas jurídicos de quase todo o mundo, assumindo importante destaque em estatutos que cuidaram, justamente, de normatizar, entre outras, a referida garantia. No entanto, é possível perceber a dificuldade de concretização do mencionado princípio, quando introduzido em um sistema cujas normas, por algumas vezes, confrontam-se com o mesmo. Ao adotar o princípio de inocência, nosso sistema jurídico teve de se adaptar às conseqüências que advêm de sua aplicação. Nesse sentido, o papel do magistrado, na analise do caso concreto e dos tribunais, na formação da jurisprudência, assume suma 75 importância, posto que são eles os meios hábeis para efetivar a adaptação e incorporação da garantia em comento ao sistema vigente. Sob essa ótica, a prisão provisória, quando não fundamentada por sólidas razões, quais sejam, aquelas que ensejam a autorização para a decretação da prisão preventiva, será considerada afronta direta ao princípio constitucional da presunção de inocência. Assim, quando da prisão em flagrante, somente poderá ser convertida em prisão preventiva em razão da garantia da ordem pública, da conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, assim como, a prisão exigida para interpor recurso de apelação e a decorrente sentença de pronuncia deverão prescindir dos mesmos fundamentos. Caso as referidas prisões não se verifiquem sob o amparo de tais justificativas, o princípio da presunção de inocência restará diretamente atingido. O posicionamento ora adotado, fundamenta-se no dever de subjunção da legislação ordinária às normas constitucionais. A tendência moderna do Direito Penal assenta-se na idéia de mínima intervenção estatal na esfera de direitos e garantias individuais do cidadão. Com efeito, lei ordinária, jamais poderia suprimir um direito constitucionalmente conferido a qualquer pessoa que eventualmente poderá ser processado criminalmente, posto que deve ser sempre observado, tal princípio. Diante do exposto, a vedação da concessão da liberdade provisória pela Lei Federal n.º 8.072/90, (Lei dos Crimes Hediondos), encontra sérios óbices no momento de sua aplicação, em decorrência das ponderações acima descritas. Inicialmente, oportuno salientar que se trata de uma lei cuja promulgação se deu em razão de um momento peculiar da história nacional, traduzido pelo aumento da criminalidade, consubstanciado, especialmente, na pratica do crime de extorsão mediante seqüestro. O clamor social, incitado pela mídia, apressou seu processo de elaboração, culminando em inconformidades e distorções, entre as quais, a vedação incondicional da liberdade provisória. 76 As referidas distorções têm inicio no critério utilizado pelo legislador para definir quais os crimes a serem considerados hediondos. Destarte, utilizou-se o denominado “critério legal”, caracterizado pela rotulação de condutas anteriormente tipificadas no Código Penal e em Leis esparsas, tolhendo a função judicial de identificar, em cada caso concreto, as circunstâncias objetivas e subjetivas que envolveram o fato delituoso. Ademais a vedação a que se faz referencia, ultrapassou o limite constitucional que, para os crimes hediondos e a ele assemelhados, estabeleceu a proibição da prestação de fiança e a insuscetibilidade de graça e anistia. Não se pode admitir que normas que se restrinjam direitos e garantias fundamentais sejam passiveis de ampla interpretação. Nem mesmo a justificativa da gravidade dos crimes classificados como hediondos pode legitimar a pretensão de supressão de uma garantia individual protegida pela Carta Magna, como a liberdade pessoal. Diante das prolatadas incongruências, em que pese entendimento contrario de parte (salienta-se, minoritária) da doutrina pátria, acredita-se que a vedação direta e não fundamentada da liberdade provisória para os crimes hediondos afronta incondicionalmente os princípios da presunção de inocência e da liberdade provisória, entendido, também, como um direito do réu quando ausentes os requisitos autorizadores da prisão preventiva. Conclui-se ser este o posicionamento dos Tribunais, especialmente o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (o mais inovador tribunal do país) e o Superior Tribunal de Justiça, nada obstante o Supremo Tribunal Federal ter reconhecido a constitucionalidade da vedação, objeto desta pesquisa. Todavia, parece ser consenso, ao menos entre os dois primeiros Areópagos, a necessidade de fundamentação com base em algum dos requisitos da custódia cautelar, a que se fez referencia, identificando-se, ainda, algumas manifestações mais conservadoras em alguns julgados. Desponta como alternativa eficaz, a fim de evitar-se as conseqüências supra citadas, a identificação em cada caso concreto, em matéria de crimes hediondos, da necessidade de se decretar a prisão preventiva face à 77 ocorrência de algum dos motivos que podem ensejar a cautela. Nesses casos, não haveria afronta aos princípios abordados, posto que se estaria diante de imperativo de efetiva e exitosa condução do processo penal. Com efeito, aponta-se como uma possível solução ao deslinde de tantas controvérsias, a adoção do “sistema judicial”, pelo qual, ao juiz seria atribuída a função de identificar, na análise do caso concreto, os elementos caracterizadores da conduta hedionda. O julgador, alheio às pressões dos meios de comunicação social, teria papel fundamental ao atentar para as contradições e inconstitucionalidades da lei, já que, sua conduta de independência e imparcialidade não coaduna com a aplicação automática de dispositivos que ferem garantias constitucionalmente previstas. Por fim, com relação à eficácia da Lei dos Crimes Hediondos, cumpre ressaltar que, por meio de aumento de pena, não estará a sociedade a salvo dos delinqüentes que praticam crimes violentos, nem o legislador terá cumprido de forma eficaz seu papel. O combate à violência não pode ser promovido pela utilização de meios igualmente violentos, assim, como pela adoção de medidas inconseqüentes. Da mesma forma, o aplicador do direito deve buscar a proteção dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito, entre as quais encontra-se a liberdade pessoal. Nesse contexto, o sistema jurídico deve ter seus olhos voltados para a primazia do direito do individuo e não da sociedade como um todo, sendo que inclusive a decisão do Excelso Pretório, no tocante a inconstitucionalidade da progressão de regime na Lei dos Crimes Hediondos (Lei Federal n.º 8.072/90), configurou-se um grande avanço do Direito Penal e por que não dizer no ordenamento positivo brasileiro. No que tange a primeira hipótese, esta foi confirmada, pois conforme verificado ao longo deste trabalho, não estando presente o “periculum in mora”, a liberdade provisória deve ser concedida, até mesmo porque se não concedida estaria ferido o princípio constitucional da presunção de inocência.. 78 Quanto a segunda hipótese, esta não foi confirmada, pois há possibilidade de ser conferida a liberdade provisória desde que ausente os requisitos ensejadores da prisão preventiva. Também a terceira hipótese, foi confirmada, pois quando a prisão provisória não for fundamentada por sólidas razões, quais sejam, as mesmas que autorizam a prisão preventiva, tais prisões devem ser consideradas afrontas ao princípio constitucional da presunção de inocência. Por último a quarta hipótese também, foi confirmada, sendo que estamos diante de uma inconstitucionalidade nítida, pois a Constituição não menciona uma linha sequer a respeito da liberdade provisória, sendo essa inovação do legislador ordinário que, sem sombra de dúvidas, usurpou o poder que lhe foi concedido pelo ordenamento constitucional. Isso implica dizer que a lei, desconsiderando princípio constitucional da presunção de inocência, insculpido no art. 5.º, inciso LVII, da CFB/88, estabeleceu como regra o que é exceção – a custódia processual, instrumento de que se vale a ordem jurídica em casos de justificada necessidade, para assegurar a instrução criminal, a ordem social e outros valores que a liberdade do acusado pode vir a fragilizar ou ameaçar. Além disso, restam violados os incisos LIV, LV e LXI do mesmo dispositivo constitucional, que constituem os pilares de sustentação do ordenamento jurídico em matéria de processo penal. 79 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS BATISTA, Weber Martins. O princípio constitucional de inocência: recurso em liberdade, antecedentes do réu. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 301, p. 91/100, 1990. BEMFICA, Thais Vani. Crimes hediondos e assemelhados: questões polemicas. Rio de Janeiro: Forense, 1998. CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 2.ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1998. Código de Processo Penal. 9.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. Código Penal. 18.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. CERNICCHIARO, Luiz Vicente, COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito penal na Constituição. 3.ª ed., rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. CONSULEX, Revista Jurídica. 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