LITERATURA INFANTIL NA HORA DO CONTO: A IMPORTÂNCIA DA LEITURA SILENCIOSA E ORAL SEGUNDO VIGOTSKI LUZIA FRANCO DUARTE1 TAMARA CARDOSO ANDRÉ2 RESUMO: No presente artigo fazemos breve relato de uma prática pedagógica, seguida de análise teórica da mesma. A prática pedagógica foi realizada em uma escola pública municipal, em uma turma do quarto ano do ensino fundamental. Consistiu na leitura, silenciosa e oral, de contos de literatura infantil. A partir da psicologia históricocultural, mais especificamente da teoria de Vigotsky, desenvolvemos dois temas concernentes à literatura infantil: a leitura silenciosa e oral na hora do conto e a criação literária. Vigotski nos ajuda a entender o papel da literatura infantil no desenvolvimento da habilidade de criação literária e o papel da leitura silenciosa para a compreensão do texto. Segundo Vigotsky (2003), a capacidade de criar deriva da experiência. Assim, se queremos formar crianças produtoras de textos, torna-se importante possibilitar a experiência com leitura e escrita. A leitura oral de textos de literatura infantil, quando texto e leitura são agradáveis, pode ajudar no desenvolvimento do gosto pela leitura. Por sua vez, a leitura silenciosa, por ser mais rápida e ritmada, ajuda a criança a melhor compreender o texto. (VIGOTSKY: 2000). Por este motivo é importante intercalar leitura oral e silenciosa. O objetivo de nossa proposta consistiu em proporcionar o contato com a literatura infantil e provocar as crianças a treinarem a leitura em casa para, depois, fazerem a leitura em voz alta para os colegas. Com isso, esperamos contribuir para o desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita literária. Palavras-chave: literatura infantil, leitura, criação 1 Professora de ensino fundamental, estudante do curso de Pedagogia da Unioeste Campus de Foz do Iguaçu, aluna do Programa de Iniciação Científica Voluntária. Email: [email protected] 2 Professora do curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, campus de Foz do Iguaçu, Mestre pela Universidade Federal do Paraná. Email: [email protected] Neste artigo relatamos uma prática pedagógica no quarto ano do ensino fundamental de uma escola pública municipal. A prática relatada foi realizada pela professora regente da turma, sob orientação e supervisão da sua professora no curso de Pedagogia da Unioeste. Embora sendo uma atividade simples, é importante relatá-la, a fim de ressaltar sua importância no cotidiano escolar, segundo a psicologia históricocultural. A atividade consistiu na leitura diária, silenciosa e oral, de literatura infantil. O objetivo foi proporcionar o contato com a literatura infantil e provocar as crianças a treinarem a leitura em casa para, depois, fazerem a leitura em voz alta para os colegas. As atividades realizadas são relatadas no primeiro tópico deste artigo. No segundo, discutimos sobre a importância da literatura infantil para a atividade criadora, segundo Vigotski. No terceiro, mostramos a importância da leitura silenciosa. 1. A Literatura infantil em sala de aula: “a atenção concentrada das crianças era muito pequena” Quando conhecemos a turma no final do mês de julho de 2008, os alunos, aparentemente, já apresentavam certos hábitos de leitura, pois tomavam livros de empréstimo na biblioteca a cada oito dias. Percebemos também que tinham muita dificuldade de produzir textos. A partir de uma análise, ainda que empírica, pudemos reconhecer que alguns dos melhores textos produzidos em sala de aula eram de autoria dos alunos que mais tomavam livros emprestados na Biblioteca Municipal. Disso adveio a idéia de incentivar o gosto pela leitura a partir da leitura oral de literatura infantil, inicialmente pela professora regente e, posteriormente, pelos alunos interessados. Tendo em vista que os alunos concentravam pouca atenção durante as atividades, inicialmente houve receio de que não apresentassem interesse em ouvir contos de literatura infantil. O maior receio foi o de infantilizar a leitura literária, pois os alunos tinham grande capacidade de compreensão e já contavam com idades entre nove e quatorze anos. Apesar dos receios, começamos as leituras na metade do mês de agosto. No primeiro dia os alunos estavam agitados, dando a impressão de que não prestariam atenção à história. No entanto, quando viram o livro “O rei que tinha quase tudo”, sobre a classe da professora, demonstraram interesse em ouvir. Apesar disso, continuavam bastante agitados. No entanto, ao ser iniciada a leitura em voz alta, os alunos começaram a ficar quietos para ouvir a história, alguns inclusive pediram silêncio para a turma. Em poucos segundo só se escutava a voz da professora em sala de aula, lendo página por página, mostrando as ilustrações. Depois deste episódio, a leitura em voz alta de livros de literatura infantil pela professora tornou-se rotina, sendo momento da aula muito aguardado pela turma. Depois de uma semana realizando leituras diárias, sem hora fixada para começar ou terminar, lançamos o desafio dos alunos se responsabilizarem ler para a turma. Muitos se voluntariaram. Estabelecemos que o responsável pela leitura não poderia faltar, que deveria ler muito bem a história em casa, mostrar as ilustrações e falar em um tom que todos os colegas pudessem escutar. Mesmo alguns alunos que inicialmente ficaram com vergonha, acabaram por se prontificar a ler em voz alta para a turma. Evitamos usar o livro infantil para propor exercícios ortográficos e gramaticais, ou interpretações mecânicos sobre moral e partes da história. Nosso objetivo foi simplesmente contar histórias bonitas de ver e de ouvir. A atenção das crianças deveria ser focada exclusivamente nos mundos fantásticos criados pela literatura. Nosso objetivo era o prazer estético proporcionado pela literatura infantil. Segundo Magnani (2001), é preciso entender que a literatura não é apenas uma obrigação curricular, pois, para formar bons leitores de bons textos, deve ser entendida como meio para obtenção do prazer estético. De acordo com Zilberman (1998), o fato de ser do âmbito da Pedagogia é algo, muitas vezes, prejudicial à literatura infantil. Na pedagogia a literatura infantil pode ganhar sentido pragmático, se descaracterizando como arte. Isto não ocorre só quando ela é utilizada em sala de aula como pretexto para propor exercício de ortografia e gramática, mas também no contexto da produção de textos para crianças. É o caso dos livros para crianças que não podem ser considerados de literatura, pois têm apenas o pretexto de ensinar lições de moral através da presença de um narrador ou personagem que ensina, julga e repreende. Em outra direção de livros sem valor estético, encontramse aqueles que buscam justificar a marginalidade ou compensar a inferioridade social da criança, elevando sua moral através de relatos de heróis mirins. Literatura, segundo Zilberman, tem linguagem simbólica, jogo de palavras, polissemia. Representa uma síntese da realidade através da ficção. Assim, a professora precisa saber escolher o livro literário pelo seu valor estético e não pelas suas possibilidades pedagógicas. Para isso, é preciso prestar atenção ao caráter inovador da obra, presente nos textos que mostram o mundo de vários ângulos. Isto é importante porque a relação entre obra e leitor se dá pela coincidência entre o mundo que o livro apresenta e o contexto do leitor. Através da linguagem simbólica, o texto leva o leitor a conhecer melhor o mundo em que vive, e a si mesmo. No que se refere à literatura infantil e seus usos em sala de aula, Zilberman considera a escola como lugar privilegiado para o desenvolvimento do gosto pela leitura. No entanto, a professora não pode reduzir o sentido do texto a um número de observações tidas como corretas, através de questionários e fichas de leitura. O melhor é enfatizar as múltiplas visões que a literatura sugere, ou seja, a singularidade da percepção. Literatura não é a mera absorção de uma mensagem, mas sim a convivência particular com o mundo criado pelo imaginário. A obra de arte não tem um conteúdo reificado, mas depende da assimilação individual de um conteúdo imaginário. Por isso é preciso estimular a verbalização da compreensão do tema, auxiliando na percepção do texto. 2. A literatura infantil e a criação literária: “será que é possível ler literatura para alunos de nove a quatorze anos de idade?’ Inicialmente houve receio de ler em voz alta para alunos de nove a quatorze anos, praticamente já na fase da puberdade. Será que a literatura infantil não se destina apenas às crianças pequenas? Pensávamos. Havia o receio dos alunos acharem a atividade muito infantil, de não prestarem atenção, de debocharem das histórias. No entanto, o interesse da turma pelas histórias contadas corroborou a tese de Vigotsky: a literatura exerce importantes influências na fase da puberdade, pois ajuda a desenvolver a criatividade e habilidade necessária para a expressão dos sentimentos. De acordo com Vigotsky (2003) se queremos que a criança desenvolva a criatividade, é preciso proporcionar-lhe uma experiência rica. A criação não surge do nada, ela é a soma das experiências e vivências humanas. Quanto mais a criança vivenciar, conhecer e experimentar, mais elementos terá para criar. Para a criança tornar-se uma produtora de textos, é preciso que antes ela se torne uma leitora. Crianças mais novas têm capacidade limitada para criar porque não têm experiência suficiente. Conseqüentemente, quando tentam fazer literatura, suas produções resultam ingênuas. O que torna possível a criação literária é a experiência no domínio da linguagem e o desenvolvimento do mundo pessoal. A partir de uma perspectiva pautada em Vigotsky, compreendemos a necessidade de propiciar a ampliação da experiência da criança se realmente queremos consolidar bases suficientemente sólidas para sua atividade criadora, pois a imaginação está sempre condicionada pelos meios materiais da realidade. A literatura amplia o mundo criativo porque fornece elementos para a criação. Vigotsky (2003) considera que, além do cérebro conservar e reproduzir a experiência, ele também combina, cria e transforma a partir dos elementos existentes na realidade. Disso se infere que, quando a criança entra em contato com a literatura infantil, sua capacidade criativa se amplia, pois ela recebe mais elementos para compor sua capacidade criadora. (...) la actividad creadora de la imaginación depende directamente de la riqueza y la diversidad de la experiencia anterior del hombre, ya que esta experiência brinda el material com cual se há estrutucrado la fantasia (VIGOTSKY, 2003: 22) A imaginação infantil não é completamente pobre quando comparada com a de um adulto, mas é menos preenchida de experiências. Muitas vezes a criança parece mais criativa que o adulto, mas isso é aparente. O que faz a criança parecer mais criativa é sua espontaneidade em relação ao adulto, geralmente mais preocupado com sua imagem perante os outros. A criatividade se desenvolve na medida da experiência, Quanto mais rica a experiência do sujeito, mais rica deve ser, em iguais condições, a imaginação. A primeira forma de relação da imaginação com a realidade fundamenta-se no fato de a imaginação sempre ser constituída a partir de elementos apropriados da realidade. Assim, as criações mais fantásticas resultam de uma combinação de elementos da realidade que foram subordinados a atividade transformadora e modificadora da imaginação humana. Ocorre uma dupla dependência entre a imaginação e a experiência, a medida que a experiência se apóia na imaginação e a imaginação se apóia na experiência. (Vigotsky, 2003) Na escrita a dificuldade criadora da criança tende a se manifestar mais. A dificuldade inicial que a criança tem de escrever é natural, pois, enquanto a linguagem oral é mais compreensiva, resultando da reação natural que surge da interação entre as pessoas, a linguagem escrita é mais abstrata. Por isso, a linguagem escrita se desenvolve mais lentamente do que a linguagem oral. De acordo com Vigotsky (2003) a linguagem escrita será desenvolvida na medida em que a criança sentir necessidade de escrever. Quando a escola impõe temas para os alunos escreverem, obrigando a seguir os modelos literários dos adultos, não leva a criança a entender os motivos da escrita. O púbere sente necessidade de relatar seus sentimentos e sua experiência. No entanto, se não tiver entrado em suficiente contato com a literatura, não terá subsídios para o desenvolvimento da imaginação criadora, de modo que acabará por desistir de escrever. Vigotsky considera que nada de grandioso na vida é feito sem sentimento. A puberdade é uma fase caracterizada pela ampliação da excitabilidade e do sentimento. A linguagem escrita, na puberdade, ajuda a transmitir com mais precisão a complexidade destes sentimentos. Por isso, a puberdade pode ser considerada o período literário. Aqui é importante ressaltar que, embora o bom escritor seja antes um conhecedor de literatura, nem todas as pessoas que lêem e conhecem literatura tornam-se escritoras. Vigotsky mostra que a vontade de escrever do adolescente tende a diminuir com o tempo. (...)¿ cuál es el sentido de esta creación si no puede formar en el niño al futuro escritor, al creador, si es solo un fenómeno breve, episódico en el desarrollo del adolescente que después se reduce y a veces se pierde por completo? El sentido y la importancia de esta creación consiste en que permite al niño dar ese paso dificil en el desarrollo de la imaginación creadora que brinda una nueva dirección de su fantasía que se mantiene para toda la vida. Su sentido está en que profundiza, amplía y purifica la vida emocional del niño, estimula y condiciona por primera vez a la adultez y, por último, su importancia radica en que le permite al niño, al ejercitar sus deseos de creación y sus hábitos, dominar el lenguaje ese instrumento delicado y complejo de formación y entrega del pensamiento y el sentimiento humanos, y del mundo interior del hombre. (VIGOTSKY, 2003: 93) Assim, a constatação inicial que fizemos sobre a dificuldade que os alunos têm de produzir textos pode ser considerada normal e esperada na idade dos nove aos quatorze anos. Entretanto, a leitura diária de literatura, pode ajudar estes alunos a desenvolverem não só o gosto pela leitura, mas também a capacidade de escrever. Aos poucos, a contação de histórias foi tornando-se um elemento inerente a um novo modo de produção textual feito pelos próprios alunos. A produção de texto, antes concebida simplesmente como um instrumento de aferição dos conhecimentos internalizados, agora era tida com uma necessidade de organizar os elementos da imaginação, na qual a criação passou a agregar os elementos da experiência. (Vigotsky, 2003). Em síntese, à luz da teoria histórico-cultural, percebemos que a leitura e a escrita dos alunos estavam se modificando em direção a uma compreensão mais ampla do conhecimento sistematizado pela humanidade, potencializando individual e socialmente o desenvolvimento da escrita. 3. A leitura silenciosa: o desafio de ler em casa Surpreendentemente, quando foi proposto que os alunos treinassem a leitura em casa para depois lerem em voz alta para a turma, houve ampla adesão. Preferimos que a adesão à atividade se desse voluntariamente, para não constranger perante a turma os alunos com pouca habilidade de leitura expressiva. No entanto, os primeiros voluntários leram baixo, sem expressividade, não chamando atenção para a história. Mais uma vez foi salientado a importância da leitura ser feita de modo agradável ao ouvinte, o que só seria possível com treino em casa. Acreditamos, no entanto, que tal atividade foi válida para levar os alunos a fazerem leitura silenciosa. Achamos conveniente nunca exigir que um aluno faça leitura em voz alta sem antes ter feito leitura silenciosa. Buscamos também sempre explicar aos alunos como se faz leitura silenciosa e a importância disso para a aprendizagem. Como veremos, Vygotski considera a leitura silenciosa essencial para o desenvolvimento da habilidade de leitura. De acordo com Vygotski (2000), a escrita é uma função cultural complexa e uma linguagem, qualitativamente diferente da fala. É uma função cultural complexa porque exerce importantes papéis nas sociedades letradas, visto que amplia as possibilidades de interação entre as pessoas, permitindo atividades que a fala não permite, como, por exemplo, escrever um bilhete para auxiliar a memória. A escrita é diferente da fala pois, como seu interlocutor é ausente ou imaginário, exige uma expressividade mais precisa, não permitindo as mesmas omissões e aglutinações que a fala permite. Por exemplo, em um diálogo oral é possível se fazer entender usando cortes, imprecisões e descontinuidades, como: ‘olha’, ‘vem o dez’, ‘eu prefiro aquele’. Na escrita, estas imprecisões resultam na incompreensão. A criança tem uma fase no desenvolvimento da escrita no qual reproduz a fala. O resultado são as produções de textos quase incompreensíveis ao leitor. No entanto, na medida em que entrar em contato com a diversidade de textos que circulam na sociedade, a criança gradualmente entenderá as diferenças da escrita em relação à fala e passará a melhorar a própria escrita. Segundo Vygotski (2000) para se apropriar da escrita como função cultural complexa, a criança precisa se desprender do seu aspecto sonoro. A leitura silenciosa é um importante meio de ajuda para que a criança se desprenda do aspecto sonoro da escrita. O ritmo da leitura silenciosa é mais adequado que o ritmo da leitura oral. A vocalização atrasa e dificulta a atenção e a compreensão. A Vocalização dos signos visuais dificulta a leitura porque o ato de falar atrasa a percepção e trava e fraciona atenção. Durante a leitura silenciosa a percepção das letras e o movimento dos olhos tornam-se mais rápidos, dando mais ritmo à leitura. Além disso, os movimentos de retorno dos olhos tornam-se menos freqüentes. A compreensão é maior quando a leitura é mais ligeira e ritmada, o que ocorre na leitura silenciosa. El estudio de la lectura demuestra que, a diferencia de la enseñanza antigua que cultivaba la lectura en voz alta, la silenciosa, es socialmente la forma más importante del lenguaje escrito y posee, además, dos ventajas importantes. Ya a finales del primer año de aprendizaje, la lectura silenciosa supera a la que se hace en voz alta en el número de fijaciones dinámicas de los ojos en las líneas. Por consiguiente, el proprio proceso de movimiento de los ojos y la percepción de las letras se aligera durante la lectura silenciosa, el carácter del movimiento se hace más rítmico y son menos frecuentes los movimientos de retorno de los ojos. La vocalización de los símbolos visuales dificulta la lectura, las reacciones verbales retrasan la percepción, la traban, fraccionan la atención. Por extraño que pueda parecer, no sólo el proprio proceso de la lectura, sino también la comprensión es superior cuando se lee silenciosamente. La investigación ha demostrado que existe una cierta correlación entre la velocidad de lectura y la comprensión. Suele creerse que cuando se lee despacio se comprende mejor, pero de hecho la comprensión sale ganando con la letura rápida ya que los diversos procesos se realizan con diversa rapidez y la velocidad de comprensión corresponde a un ritmo de lectura más rápida. (VIGOTSKI, 2000: 198) Isto não significa que a leitura em voz alta seja inadequada. Sem vocalização é muito difícil a criança se apropriar das relações grafo-fônicas no início do processo de alfabetização. No entanto, ao ajudar a criança a se desprender do aspecto sonoro da escrita, a leitura silenciosa evita a mera decodificação de letras em sons que impede o entendimento do conteúdo do texto. No que se refere à leitura oral, Vygotski (2000) diz que nesta há um intervalo visual, no qual a voz precede os olhos proporcionando a sincronização da leitura com a vocalização. Na boa leitura em voz alta, a leitura antecede a vocalização. Um bom leitor em voz alta tem um intervalo maior entre os olhos e a voz. Por sua vez, na leitura silenciosa, o bom leitor apreende mais o significado do texto do que as relações entre letras e sons. Neste caso, o significado da leitura se emancipa do som, ou seja, torna-se desnecessário o som para a compreensão. O ritmo da leitura silenciosa é mais rápido e ocorre um desprendimento do aspecto sonoro. Por sua vez, a leitura oral é mais lenta. Por este motivo, a compreensão no ato de ler é mais fácil que a compreensão no ato de ouvir alguém lendo. Conseqüentemente, se a leitura oral não for bem feita, a tendência é o não entendimento e a dispersão, do ouvinte. Disso se infere que, ao fazer uma leitura oral, é preciso usar recursos expressivos e boa entonação de voz. Provavelmente o interesse por ouvir histórias despertará o interesse pela leitura. 4. Conclusões: como contar história com a turma tão agitada? Pela experiência aqui relatada, pudemos perceber que as crianças de nove a quatorze anos gostam de ouvir contos de literatura infantil lidos em voz alta. Quando a história é boa, os alunos cessam a agitação para ouvir. Além da história em si, o modo de contá-la também precisa ser agradável ao ouvinte: voz em tom macio, nem alta nem baixa, boa entonação e respeito à pontuação e às pausas, gestos de andar pela sala e mostrar as gravuras, evitação de pausas desnecessárias (há leitores que costumam parar a leitura para fazer perguntas aos ouvintes, ou comentar a história. Consideramos que isso quebra o ritmo e a sonoridade do texto literário). São válidos recursos extras, como imitação das vozes dos personagens da história e uso de fantoches, mas eles não são imprescindíveis para a criança prestar atenção na história. Fizemos poucas análises dos critérios estéticos que formam a boa literatura infantil, pois buscamos enfatizar os motivos para a nossa atividade segundo a psicologia histórico-cultural. Fizemos isso porque acreditamos na importância de ter consciência quanto às razões das atividades realizadas na escola. No entanto vale lembrar Zilberman (1998), para quem a boa literatura infantil é polissemia, jogo de palavras, não podendo ser confundida com textos moralistas e paradidáticos. As atividades aqui relatadas resumiram-se à prática cotidiana, diária, de ler em voz alta. Com isso, ressaltamos também a importância de não usar a literatura infantil para fazer atividades de ortografia, gramática ou trabalhar conteúdos. A literatura infantil é arte, e como tal deve ser apreciada. Simplesmente proporcionar momentos de leitura, silenciosa e oral já é suficiente para melhorar as habilidades de leitura e escrita do aluno. Segundo Magnani (2001), o fracasso escolar de um indivíduo, em muitos casos, é tido como conseqüência da falta de estímulo ao hábito de leitura. Certas concepções de educação compreendem que a função da escola é oferecer formação para a vida, sendo a literatura pertinente a tal função. Em nossa prática pedagógica, buscamos evitar as atividades de leitura e escrita literária sem intencionalidade, objetivos e planejamento, pois concebemos a literatura como ‘agente de transformação’. Entendemos a literatura infantil como um encontro do leitor (mesmo o leitor-ouvinte) com o escritor, pois o texto é uma concretização de relações sociais, pelo qual os significados constituem-se pela leitura visual e sonora. Assim, a leitura e a escrita não podem ser consideradas como conteúdo concluído em certo momento estanque do processo de ensino-aprendizagem. Nossas considerações não são conclusivas, pois nossa prática pedagógica ainda está em andamento. Não consideramos a existência de uma metodologia específica para a formação de leitores-escritores, apenas buscamos subsídios na psicologia históricocultural. A partir desta concepção, compreendemos a imensa potencialidade da imaginação e criação infantil que pode ser trabalhada na leitura oral e silenciosa. RERERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS MAGNANI, Maria do Rosário Mortatti. Leitura, literatura e escola: Sobre a formação do gosto. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. VIGOTSKY, L.S. Imaginación y creación en la edad infantil. Buenos Aires: Nuestra América, 2003. VYGOTSKI, L.S. Historia del desarrollo de las funciones psíquicas superiores. In: VYGOTSKI, L.S. Obras Escogidas III. Madrid, Espanha: Visor, 2000. ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global, 1998.