Lei 10639/03 O ensino da história e cultura afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino Luiz Carlos Paixão da Rocha Sec. de Imprensa da APP-Sindicato Mestre em Educação – UFPR NEAB/UFPR O ensino da história e cultura afro-brasileira III Seminário Resgatando as Bases da Escola Pública no Estado do Paraná Colégio Estadual do Paraná Curitiba - PR Lei 10639/03 A nova legislação sancionada em 09 de janeiro de 2006,pelo Presidente Lula acrescentou dois novos artigos à Lei e Bases da Educação Nacional (Lei9394/96) Lei 10.639/03 Art.26-A - Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-brasileira. Parágrafo Primeiro – O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política, pertinentes à História do Brasil. Parágrafo segundo – Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-brasileira serão ministrados no âmbito de todo currículo escolar, em especial, nas áreas Educação Artística e de Literatura e Histórias Brasileiras. Art. 79-B – O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra. Lei 10639/03 Autoria da ex-Dep. Esther Grossi e do Dep. Ben-Hur Ferreira, ambos do Partido dos Trabalhadores; Foi apresentada na Câmara dos Deputados em 11 de março de 1999 (PL. nº 259). É aprovado e remetido ao Senado no dia 05 de abril de 2002. Vetos Parágrafo terceiro do Art. 26A – As disciplinas História do Brasil e Educação Artística, no ensino médio deverão dedicar, pelo menos, dez por cento de seu conteúdo programático anual ou semestral à temática referida nesta Lei. Artigo 79-A - Os cursos de capacitação para professores deverão contar com a participação de entidades do movimento afro-brasileiro, das universidades e de outras instituições de pesquisa pertinentes à matéria. Parecer 03/04 do Conselho Nacional de Educação aprovado no dia 10 de março de 2004, pelo CNE; relatado pela Professora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva; homologado pelo MEC, em 19 de maio de 2004; Resolução nº 1, de 17 de junho de 2004: institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. DELIBERAÇÃO N.º 04/06 Normas Complementares às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o ensino de História e Cultura AfroBrasileira e Africana. MOVIMENTO SOCIAL NEGRO E EDUCAÇÃO É antiga a preocupação dos movimentos negros com a integração dos assuntos africanos e afro-brasileiros ao currículo escolar. Talvez a mais contundente das razões esteja nas conseqüências psicológicas para a criança afro-brasileira de um processo pedagógico que não reflete a sua face e de sua família, com sua história e cultura própria, impedindo-a de se identificar com o processo educativo.Erroneamente seus antepassados são retratados apenas como escravos que nada contribuíram ao processo histórico e civilizatório, universal do ser humano. Essa distorção resulta em complexos de inferioridade da criança negra, minando o desempenho e o desenvolvimento de sua personalidade criativa e capacidade de reflexão, contribuindo sensivelmente para os altos índices de evasão e repetência. (RJ, 1991) I Fórum sobre o Ensino das Civilizações Africanas Intervenção do movimento negro Em março de 1929: 1º Congresso da Mocidade Negra no Brasil; Em 1931, funda-se a Frente Negra Brasileira (FNB); Em 1950, I Congresso do Negro Brasileiro; Teatro Experimental do Negro (MARCHA ZUMBI DOS PALMARES, 1995) Refletindo os valores da sociedade, a escola se afigura como espaço privilegiado de aprendizado do racismo, especialmente devido ao contéudo eurocêntrico do currículo escolar, aos programas educativos, aos manuais escolares e ao comportamento diferenciado do professorado diante de crianças negras e brancas. A reiteração de abordagens e estereótipos que desvalorizam o povo negro e supervalorizam o branco resulta na naturalização e conservação de uma ordem baseada numa suposta superioridade biológica, que atribui a negros e brancos papéis e destinos diferentes. Num país cujos donos do poder descendem de escravizadores, a influência nefasta da escola se traduz não apenas na legitimação da situação de inferioridade dos negros, como também na permanente recriação e justificação de atitudes e comportamentos racistas. De outro lado, a inculcação de imagens estereotipadas induz a criança negra a inibir suas potencialidades, limitar suas aspirações profissionais e humanas e bloquear o pleno desenvolvimento de sua identidade racial. Propostas Constituição 1988 Art. 4º A educação dará ênfase à igualdade dos sexos, à luta contra o racismo e todas as formas de discriminação, afirmando as características multiculturais e pluriétnicas do povo brasileiro. Art.5º O ensino de “história das Populações Negras do Brasil” será obrigatório em todos os níveis da educação brasileira, na forma que a lei dispuser. Subcomissão dos negros, populações indígenas, pessoas deficientes e minorias Propostas Constituição 1988 Art. 85. O poder público reformulará, em todos os níveis, o ensino da história do Brasil, com o objetivo de contemplar com igualdade a contribuição das diferentes etnias para a formação multicultural e pluriétnica do povo brasileiro. Comissão geral da Ordem Social e à Comissão de Sistematização Texto final - Constituição 1988 Art.242. O ensino de história do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro. LDB Artigo 26 - Parágrafo 4ª: O ensino de história do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e européia. Possibilidades da Lei 10639/03 Superando... a ideologia de dominação racial e o ... o mito da democracia racial Luiz Carlos Paixão da Rocha Mestre em Educação – UFPR [email protected] Racismo e escravidão É importante perceber que a escravidão não nasceu do racismo; ao contrário, o racismo moderno é conseqüência da escravidão (WILLIAMS, 1961) O racismo é, desta maneira, resultado de justificações e classificações ideológicas, com o objetivo de subjugação e exploração da força de trabalho. Estas foram fundamentais para a solidificação do sistema capitalista no mundo. Racismo e Ideologia O racismo moderno constitui-se, enquanto forma de ideologia de dominação de uma classe sobre outra, dentro das relações de produção da vida material, o que não é o caso da escravidão presente nas antigas sociedades greco-romanas. Estas não desenvolveram teorias de superioridade branca. O racismo é uma forma de ideologia que se desenvolveu no mundo moderno e ajudou na justificação da escravidão no Novo Mundo e as pretensões imperialistas da Europa ocidental em todos os continentes. (PRAXEDES) Raça como categoria sociológica e não biológica “as desigualdades atuais entre os chamados grupos raciais não são conseqüências de sua herança biológica, mas produtos de circunstâncias sociais históricas e contemporâneas e de conjunturas econômicas, educacionais e políticas.” (Declaração sobre Raça da Associação Norte Americana de Antropologia de 1998) O racismo é produto de movimentos ideológicos Um conjunto de idéias foram elaboradas pela elite dominante, a fim de justificar a escravidão e a constituição de novas relações sociais no Brasil, após a abolição. Ideologia Uma ideologia se torna hegemônica na sociedade quando não precisa mostrar-se, quando não necessita de signos visíveis para se impor. É hegemônica quando se de maneira espontânea flui como verdade igualmente aceita por todos (CHAUÌ, 1980) Ideologia É nuclear na ideologia, que ela possa representar o real e a prática social através de uma lógica coerente. A coerência é obtida graças a dois mecanismos: a lacuna e a “eternidade”. Isto é, por um lado, a lógica ideológica é lacunar, ou seja, nela os encadeamentos se realizam não a despeito das lacunas ou dos silêncios, mas graças a eles; por outro lado, sua coerência depende de sua capacidade para ocultar sua própria gênese, ou seja, deve aparecer como verdade já feita e já dada desde todo o sempre, como um “fato natural” ou como algo “eterno”. (CHAUI, 1980, p.25), Movimentos/fenômenos ideológicos Ideologia de dominação racial – conjunto de idéias que pregava a inferioridade do negro, a fim de justificar a escravidão; Mito da democracia racial - ao negar a questão racial, este, naturalizou as desigualdades raciais no Brasil. Ideologia de dominação racial Justificar a escravidão Igreja: os africanos seriam um povo amaldiçoado – descendentes de Cam Ciência – o negro seria uma raça inferior - Gobineau “Ensaio sobre a Desigualdade das Raças Humanas”, 1885 O negro é desconfigurado, torna-se sinônimo de ser primitivo, inferior Teoria do embranquecimento Política oficial do embranquecimento da população brasileira O estado brasileiro investiu pesadamente em programas de imigração de europeus. Só no estado de São Paulo, para exemplificar, chegaram, entre 1890 e 1914, mais de 1,5 milhões de europeus, sendo que 64% destes, com a passagem paga pelo governo estadual. “A albumina branca depura o mascavo nacional...” (PEIXOTO, 1975 p.15) Citações A raça negra no Brasil, por maiores que tenham sido os seus incontestes serviços à nossa civilização, por mais justificadas que sejam as simpatias de que cercou o resultante abuso da escravidão, por maiores que se revelem os generosos exageros dos seus turifários, há de constituir sempre um dos fatores da nossa inferioridade como povo. (RODRIGUES, 2004, p.21) Gobineau: “Trata-se de uma população totalmente mulata, viciada no sangue e no espírito e assustadoramente feia”. Louis Agassiz, 1868: “ ... Que qualquer um que duvide dos males da mistura de raças, e inclua por mal-entendida filantropia, a botar abaixo todas as barreiras que as separam, venha ao Brasil. Não poderá negar a deterioração decorrente da amálgama das raças mais geral aqui do que em qualquer outro país do mundo, e que vai apagando rapidamente as melhores qualidades do branco, do negro e do índio deixando um tipo indefinido, híbrido, deficiente em energia física e mental.” “O Brasil mestiço de hoje tem no branqueamento em um século sua perspectiva, saída e solução”. I Congresso Internacional das Raças, julho de 1911. O mito da democracia racial Os mitos existem para esconder a realidade (Florestan Fernandes) O Brasil é um país onde não há discriminação racial. Somos o país do futebol, do carnaval etc. Em 1890, os documentos relacionados à escravidão são queimados – Rui Barbosa Constituiu-se uma história oficial sem as contribuições e resistência dos negros A ausência do quesito cor nos censos populacionais – 1900,1920,1960,1970 Só presente em 1950 e a partir de 1980. As desigualdades raciais são naturalizadas O mito da democracia racial A crença da convivência cordial e harmoniosa das raças/etnias que compuseram a sociedade brasileira, aliada à construída crença da inferioridade do negro, consolidou um quadro de desigualdade racial estrutural no país. Deste modo, o racismo, aqui, toma formas especiais; ele é negado, velado. Como disse Florestan (FERNANDES, 1972, P.42): “o brasileiro tem preconceito de ter preconceito”. O racismo é um problema estrutural da realidade brasileira O racismo tem como pano de fundo uma construção ideológica de justificação, classificação e naturalização, a fim de manutenção de privilégios de um grupo sobre outro. No Brasil, cruzaram-se dois movimentos ideológicos, o da ideologia da dominação racial, que ao difundir idéias de inferioridade do negro justificava a escravidão e o mito da democracia racial que ao negar a dura realidade do negro brasileiro naturalizou as desigualdades raciais. Importância dos conteúdos Lei 10639/03 pode constituir-se como uma ferramenta de luta contra-ideológica, pois “o silêncio, ao ser falado, destrói o discurso que o silenciava” (CHAUI, 2001, p.25). Resistência negra Palmares: - 200km² - 1606 a 1694 - 20 mil habitantes/ 6 mil residências - 1519 a 1867 - 3.850.000 africanos vieram para o Brasil - 1872 – Havia no Brasil 5.756.000 negros Destes 1.500.241 escravizados – 26% Contribuições dos Africanos para a Humanidade Egito – Arquitetura/ Medicina Tecnologias trazidas para o país: ferro,mineração, cana-de-açucar, café, algodão etc. Superar no campo do currículo O negro a partir da escravidão Visão da África como continente primitivo Os negros foram escravizados por que eram mais dóceis O fim da escravidão como uma dádiva da Princesa Isabel Recuperar valores positivos da população negra, fugindo do folclorismo Trabalhar com os escritores, artistas negros no país Cuidado com os textos e imagens nos livros didáticos que trazem reflexos da ideologia de dominação racial Realidade do negro no Brasil Fora da África, o Brasil é o maior país em população negra do mundo Segundo o IBGE em 2000, cerca de 76 milhões de pessoas (cerca de 44%) se assumem oficialmente como “pretas” e “pardas”; População total: 169.872.856 Branca: 91.298.042 (53,75%); Parda: 65.318.092 (38,45%); Preta: 10.554.336(6,21%); Amarela: 761.583 (0,44%); Indígena: 734.127(0,43%). IBGE - 2007 Em 2006, entre cerca de 14,4 milhões de analfabetos brasileiros, mais de 10 milhões eram pretos e pardos. As taxas de analfabetismo para a população de 15 anos ou mais de idade foram de 6,5% para brancos e de mais que o dobro, 14%, para pretos e pardos. IBGE – 2007: pessoas com 15 ou mais anos de estudo Em 2006, apenas 8,6% possuíam esse nível de escolaridade, sendo que, nesse grupo, 78% eram de cor branca, 3,3% de cor preta, e 16,5% eram pardos. Mais de 12% dos brancos haviam concluído o terceiro grau, enquanto para pretos e pardos a participação não alcançava 4%. IBGE -2007: distribuição entre os 10% mais pobres e o 1% mais rico Em 2006, os brancos eram 26,1% dos mais pobres e 85% dos mais ricos Os pretos e pardos eram mais de 73% entre os mais pobres e somente pouco mais de 12% entre os mais ricos. IBGE – Trabalho e Rendimento 2004 RENDIMENTO-HORA DA POPULAÇÃO OCUPADA, EM REAIS E POR COR Branca Brasil Norte Nordeste Sudoeste Sul Centro-Oeste Paraná 5,90 5,20 4,20 6,50 5,60 6,70 6,00 Preta e Parda 3,20 3,40 2,50 3,60 3,30 4,10 3,30 Rendimento-hora da população ocupada por cor /Anos de Estudo Brasil Até 4 anos Branca Negra 3,00 2,00 5a8 9 a 11 3,60 2,60 5,20 3,60 5a8 3,50 3,40 9 a 11 5,70 3,40 12 ou mais 13,70 10,30 Paraná Até 4 anos Branca 3,30 Negra 2,30 Pesquisa divulgada em maio de 2006. 12 ou mais 13,00 8,70 Atlas Racial Brasileiro - 2005 Participação de negros nas 500 maiores empresas -2003 Executivo Gerência Chefia Funcional 1,8 8,8 13,5 23,4 Atlas Racial Brasileiro - 2005 Embora os negros representem 44,7% da população do país, sua participação chega a 70% entre os 10% mais pobres e seus rendimentos, somados correspondem a 26% do total apropriado pelas famílias brasileiras. Mesmo com a queda da mortalidade infantil no país entre 1980 e 2000, a taxa das crianças negras ainda era 66% maior que a das crianças brancas entre 1991 e 2000. Atlas Racial Brasileiro - 2005 A porcentagem de negros no Brasil com grau universitário em 2001 (2,5%) foi atingida nos EUA em 1947, em plena era de segregação, intolerância e violência racial aberta. De acordo com o Censo 2000, a probabilidade de um adulto preto estar encarcerado era quase quatro vezes a de um adulto branco. Atlas Racial Brasileiro/PNUD 2005 Os brasileiros negros tem em média, os níveis de qualidade de vida que os brancos tinham no começo dos anos 90. Luiz Carlos Paixão da Rocha Mestre em Educação – UFPR [email protected] O PNAD/IBGE 2001 Rendimento familiar médio per capita: O Brasil negro recebe cerca de 1,15 salários mínimos. O Brasil branco recebe 2,64 salários mínimos. Esperança de vida 72 anos para os brancos 66 anos para os negros UNIFEM – Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher e IPEA -2005 No Brasil, 21% das mulheres negras são empregadas domésticas e apenas 23% delas têm Carteira de Trabalho assinada – contra 12,5% das mulheres brancas que são empregadas domésticas, sendo que 30% delas têm registro em Carteira de Trabalho. 46,27% das mulheres negras nunca passaram por um exame clínico de mama – contra 28,73% de mulheres brancas que também nunca passaram pelo exame. UNIFEM – Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher e IPEA -2005 A renda média mensal no Brasil: Mulheres negras - R$ 279,70 Mulheres brancas - R$554,60 Homens negros - R$ 428,30 Homens brancos - R$ 931,10 Fonte PNDA/2003 -IBGE Raça e classe Em que medida as políticas afirmativas para negros contribuem com a luta pela superação do modo de produção capitalista? Raça e Classe As políticas afirmativas contribuem quando: coloca um segmento importante em movimento; questiona os pilares da atual estrutura social; alia a luta específica a luta geral; avança em novos direitos; expõe as contradições do atual modo de organização social Igualdade de oportunidades x igualdade de condições questiona a igualdade formal e avança em direção à igualdade real; alia a luta contras as desigualdades raciais à luta contra as desigualdades sociais; E, ao mesmo tempo, incorpora na luta pela igualdade social a problemática do racismo e das desigualdades raciais. Luiz Carlos Paixão da Rocha Sec. Imprensa da APP-Sindicato Mestre em Educação – UFPR NEAB/UFPR [email protected] luizpaixã[email protected]