Justiça Federal
Tribunal Regional Federal da 5ª Região
Desembargador Federal Fernando Braga
APELAÇÃO CRIMINAL nº 10572/PE
APTE
APTE
REPTE
APDO
ORIGEM
RELATOR
(2004.05.00.030744-7)
: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
: LUCIANO JOSE FERREIRA DA SILVA LIMA
: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
: OS MESMOS
: 13ª VARA FEDERAL DE PERNAMBUCO (PRIVATIVA EM
MATéRIA PENAL E COMPETENTE P/ EXECUçõES PENAIS)
: DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA –Segunda
Turma
RELATÓRIO
O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA
(RELATOR): Trata-se de apelações interpostas pelo Ministério Público Federal e por
Luciano José Ferreira da Silva Lima.
A sentença condenou Luciano José Ferreira da Silva Lima, pela prática
da conduta tipificada no art. 1o, I, do Decreto-lei no 201, de 27/2/1967, a 10 anos de
reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime fechado, e decretou a perda do
cargo e a inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função
pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil do dano causado ao
patrimônio público ou particular (fls. 868/887).
Luciano José Ferreira da Silva Lima pleiteou absolvição, por atipicidade
de conduta. Alternativamente, requereu que (a) a pena privativa de liberdade seja
reduzida e substituída por sanções restritiva de direitos; e (b) não seja aplicada a
pena do art. 1o, § 2o, do Decreto-lei no 201/1967 (fls. 898 e 901/906v).
O MPF requereu que a pena-base seja elevada, pela existência de
circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu (fls. 889 e 892/896).
As contrarrazões encontram-se nas fls. 907/910 e 913/930.
Em parecer (fls. 938/942), a Procuradoria Regional da República da 5a
Região, opinou pelo não provimento dos recursos.
É o relatório.
Ao eminente Revisor.
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: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
: LUCIANO JOSE FERREIRA DA SILVA LIMA
: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
: OS MESMOS
: 13ª VARA FEDERAL DE PERNAMBUCO (PRIVATIVA EM
MATéRIA PENAL E COMPETENTE P/ EXECUçõES PENAIS)
: DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA –Segunda
Turma
VOTO
O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA
(RELATOR): Luciano José Ferreira da Silva Lima apelou, pleiteando absolvição, por
atipicidade de conduta (fls. 898 e 901/906v). Segundo o recorrente, o município
celebrou o convênio no 1.048/2000 com o Ministério da Integração Nacional, para
construção de 20 barreiros. O município contratou a empresa Obra Nova Construtora
e Incorporadora Ltda., a quem efetuou o pagamento pela execução da obra.
Consoante a apelação, o responsável pela transferência do valor pago pela prefeitura
à construtora (cheques nos 850001 e 850002, fls. 230/233) para a sogra do prefeito, foi
José Carlos Lopes da Silva, proprietário da empresa. O apelante afirma que:
O endosso, por si só, não pode ser considerado ato infracional, nem servir de
parâmetro à condenação do apelante. Em verdade, tal endosso foi realizado em
virtude da distância da sede da empresa em relação ao município onde a obra
seria executada. Ao descontar os cheques no mesmo município, restariam
facilitadas a contratação de mão-de-obra e a compra de materiais para a
construção das barragens, eliminando-se os transtornos de grandes
deslocamentos apenas para o saque das quantias. Revela-se, sem muito esforço,
a atipicidade da conduta. Desconsiderar em absoluto essas circunstâncias é
fechar os olhos às dificuldades estruturais dos municípios do interior dos estados
nordestinos.
O réu tenta demonstrar que o pagamento pela execução dos barreiros,
apesar de ter sido transferido por endosso dos cheques para a conta bancária de sua
sogra, fora efetivamente utilizado pelo proprietário da empresa contratada para a
execução da obra.
Essa tese de negativa de autoria não me convence, porque
desacompanhada de prova. Como se viu, o objeto do convênio não foi integralmente
executado e, a parte dele que foi concluída, não foi construída pela empresa Obra
Nova Construtora e Incorporadora Ltda., mas por máquina e operador da Empresa
de Abastecimento e Extensão Rural do Estado de Pernambuco (Embape). Auditoria
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APELAÇÃO CRIMINAL nº 10572/PE
(2004.05.00.030744-7)
do Tribunal de Constas do Estado de Pernambuco constatou, também, que a
hospedagem e alimentação do operador Irineu Nascimento Costa foi paga pela
Prefeitura de Salgadinho.
Entendo, como a sentença, que a autoria e a materialidade do delito.
restaram cabalmente demonstradas.
Não se trata de atribuir responsabilidade objetiva ou condenação sem
culpa - que é vedada pelo Direito Penal brasileiro - pelo simples fato de o réu, na
época dos fatos, ocupar o cargo de prefeito municipal. Luciano José Ferreira da Silva
Lima era o ordenador das despesas e responsável pela verificação da legalidade da
licitação e pela realização das obras. O pagamento que realizou pelas obras
inacabadas teve destino final na conta bancária da sogra dele. Considero que a
instrução criminal revelou a mínima relação de causa e efeito entre a imputação e a
atuação do recorrido na gestão do município (STJ, HC no 119.511/MG, rel. Min.
Jorge Mussi, 5a Turma, julgado em 21/10/2010, DJe 13/12/2010).
Diz a sentença (fls. 874/877):
[...] nos autos, há prova efetiva de que o denunciado LUCIANO, de
forma consciente e voluntária, na condição de Prefeito de Salgadinho/PE,
recebeu verbas públicas federais mediante convênio celebrado com o Ministério
da Integração Nacional para a realização de barragens, deixando, todavia, de
empregar os recursos nos fins acordados. Os valores, por seu turno, foram
desviados para JOSÉ CARLOS - dono de construtora responsável pelas obras
que não foram realizadas - e para conta de titularidade de JOSEFA, sogra de
LUCIANO.
A materialidade e autoria delitivas restaram estampadas nas provas
colacionadas, senão vejamos.
A Procuradoria Geral de Justiça de Pernambuco, por meio do Ofício
GPG/PGJ n.º 455/2004, em 22/06/2004, noticiou a propositura de ações civis
públicas contra LUCIANO, Prefeito de Salgadinho/PE, além de ter
encaminhado cópia de ação de improbidade administrativa n.º 6183/04 também
promovida em desfavor do aludido denunciado.
As irregularidades, segundo a documentação acostada nestes autos, foram
cometidas na gestão de LUCIANO, ocorrida em 2001/2004, quando da
aplicação de recursos públicos federais repassados ao aludido município pela
União, através do Ministério da Integração Social, cuja finalidade era a
construção de 20 barreiros.
O repasse das verbas foi subsidiado pela assinatura do Convênio n.º
1048/2000, cujo termo simplificado repousa às fls. 44 do apenso, cabendo a
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(2004.05.00.030744-7)
União o valor de R$ 100.000,00 e ao município, a contrapartida de R$
50.000,00,
Com a finalidade de promover a execução da obra, LUCIANO, na
condição de prefeito, celebrou o contrato de empreitada de fls. 76/78 do apenso
no valor de R$ 105.000,00 com a construtora Obra Nova, mediante licitação.
Todavia, o emprego dos valores, como bem delineou o TCE, não se deu da
forma como acordada. Ao reverso, após analisar minuciosamente a prestação de
contas apresentada por LUCIANO, o TCE julgou-as irregulares, máxime no
que toca à aplicação da verba federal em comento.
É que, consoante se observa da decisão de fls. 214/215, o montante
repassado pela União não foi aplicado na construção dos barreiros, motivo pelo
qual se determinou que LUCIANO restituísse os valores aos cofres públicos.
Aliás, a aludida decisão foi bastante clara ao pontuar pela "existência de
provas que atestam pagamento por serviços não realizados, relativos a
construção de 20 barreiros, que acabou por acarretar um prejuízo no valor de
R$ 105.000,00" ao município de Salgadinho, conduta que perfeitamente se
amolda no delito previsto pelo art. 1º, I, do Decreto-lei n.º 201/67.
Além de o valor repassado pela União não ter sido empregado na
finalidade prevista e a obra não ter sido realizada integralmente, observou-se
ainda que a empresa contratada - Obra Nova - não foi a que, efetivamente,
chegou a atuar na execução do projeto, o que demonstra a ocorrência de outra
grave irregularidade.
Mas não foi só.
Inferiu-se ainda que os recursos foram diretamente depositados em favor
da titular da conta-bancária n.º 6.887-X, Agência de João Alfredo, do Banco do
Brasil (fls. 237), quem seja, JOSEFA ARAÚJO DE MOURA, que é
justamente a sogra do denunciado.
O aludido parentesco - que afasta toda e qualquer dúvida sobre a autoria
delitiva cominada ao acusado - foi comprovada pela certidão de casamento de
fls. 244 do apenso.
Enfim, da prova documental colacionada, possível inferir que
LUCIANO, na condição de gestor público e prefeito de Salgadinho/PE, recebeu
verba pública federal para construir 20 barreiros, porém, a quantia fora
desviada e deixou de ser aplicada na obra que ensejou seu recebimento, nos
exatos termos indicados pela acusação.
E no mesmo diapasão seguiu a prova testemunhal, senão vejamos.
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Irineu Nascimento da Costa, ouvido em sede judicial (fls. 566/567), só
veio a confirmar que, de fato, LUCIANO solicitou da EMBAPE a utilização de
trator e de funcionário do órgão para a execução da obra, em que pese ter
celebrado contato de empreitada com pessoa jurídica diversa, inclusive
mediante licitação. Na cadência do depoimento, a aludida testemunha também
foi firme ao pontuar que nem todos os barreiros foram construídos, o que
evidencia ainda mais o desvio de verbas públicas, consoante já aduzido.
Cumpre consignar que o laudo de auditoria do TCE atestou às fls.
180/181 as mesmas afirmações trazidas por Irineu Nascimento da Costa.
Resumidamente, como bem arrematou o MPF por ocasião das alegações
finais:
(...) Evidencia-se, assim, conforme suficientemente demonstrado nos
autos, que contrato decorrente do certame 21/2001 era apenas uma farsa,
bem como que as notas de empenho, as notas fiscais de serviço e os recibos
relativos àquela empresa era todos ideologicamente falsos. De fato, o
acusado LUCIANO JOSÉ FERREIRA DA SILVA LIMA emitiu nota de
empenho autorizando o pagamento à construtora Obra Nova Construtora e Incorporadora Ltda. por serviços que sabia não executados
por ela, dela recebendo ainda documentos sabidamente falsos. (...)
(fls. 792/793).
Além de Irineu Nascimento da Costa, a testemunha Fábio Cesar de
Almeida Pereira de Lyra, técnico do TCE de inspetoria de obras públicas, ao ser
indagado sobre os fatos (fls. 543), também foi contundente ao informar a
inexecução da obra, objeto do convênio comentado.
No mesmo sentido, seguiu o depoimento de Gustavo Walter Xavier,
inclusive ao esclarecer que era o acusado quem dava subsídio ao tratorista da
EBAPE, evento que torna induvidoso o conhecimento da fraude por parte de
LUCIANO e mais: a intenção clara de acobertá-la.
Ao arremate, o comprovado "destino" da verba pública federal torna
desnecessário tecer maiores elucubrações sobre a autoria e materialidade
delitivas. É que, como já sinalado, os valores foram diretamente depositados na
conta-corrente da sogra do acusado, pessoa idosa, doente e sem a menor
condição de responder por seus atos.
Aliás, o estado de saúde da sogra do acusado - o que ocasionou, inclusive,
o desmembramento do feito - constou expressamente na certidão de fls. 411-v,
exarada pelo oficial de justiça responsável por sua citação. Na oportunidade, o
serventuário da justiça fez questão de registrar a má-fé do acusado, que induziu
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a senhora a assinar o mandado sem que soubesse minimamente do que se
tratava, fato que torna ainda mais induvidoso o esquema articulado por
LUCIANO para encobrir o desvio do repasse.
Por fim e após todas as pontuações expostas, desmerece guarida a versão
apresentada pelo acusado no sentido de que o cheque referente ao pagamento
pelos serviços poderia, por coincidência, ter sido depositado na conta de sua
sogra. Ora, a teoria soa tão absurda, que chega a ser insólita.
Enfim, de tudo o que fora carreado nos autos, sobretudo em face da prova
documental, testemunhal e do próprio interrogatório do acusado, restou
evidente que LUCIANO, de modo consciente e voluntário, na condição de
prefeito de Salgadinho/PE, desviou R$ 105.000,00 atinentes a verba pública
federal repassada com a finalidade de construir obra que não chegou a ser
encerrada.
Portanto, certas se fizeram à materialidade e autoria delitivas.
Considero corretas, do ponto de vista jurídico, e harmônicas com o
acervo probatório essas considerações da sentença, do ilustre Juiz Federal César
Arthur Cavalcanti de Carvalho, as quais adoto como razões adicionais para este
julgamento.
— II —
Alternativamente, Luciano José Ferreira da Silva requereu que (a) a
pena privativa de liberdade seja reduzida e substituída por sanções restritivas de
direitos; e (b) não seja aplicada a pena do art. 1o, § 2o, do Decreto-lei no 201/1967.
Por seu turno, o Ministério Público Federal requereu que a pena-base
seja elevada, porque o exame das circunstâncias judiciais foi integralmente
desfavorável ao réu (fls. 889 e 892/896).
Diz a Sentença (fls. 880/885):
3.1 Dosimetria:
[...]
3.1.1. Da aplicação da pena privativa de liberdade: critério trifásico:
Primeira fase: análise das circunstâncias judiciais:
A - Culpabilidade:
A configuração da culpabilidade no caso em apreço e a análise acerca dos
elementos que a compõem já foram objeto de linhas anteriores e assim se
procedeu justamente para que se pudesse concluir sobre ser o réu merecedor ou
não de condenação.
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Assim sendo e superada a referida questão, em sede de circunstâncias
judiciais, não mais cabe definir a culpabilidade, mas sim observar, no caso em
concreto, o grau de reprovação social que o crime e o autor merecem, atribuindo
à culpabilidade a qualificação de intensa, média ou reduzida.
No caso sub examine, verifica-se que o réu, na condição de prefeito e em
absoluto descompasso para com o munus que desempenhava, desviou quantia
substancial de verba pública federal (R$ 105.000,00) que deveria ter sido
aplicada em favor da população, na construção de 20 barreiros.
Sobre sua conduta, portanto, máxime levando em conta o montante
desviado, entendo que a culpabilidade assumiu grau intenso.
B - Antecedentes:
Em obediência ao princípio constitucional da presunção de inocência e em
anuência ao entendimento esposado por boa parte da doutrina e reiteradamente
assentado na jurisprudência, inclusive do STF e STJ, entendo como maus
antecedentes - a serem sopesados negativamente em desfavor do réu - apenas os
registros em folhas de antecedentes criminais que representem condenação com
trânsito em julgado e que, adiante, não possam ser acatadas como agravante
genérica da reincidência.
Sob este enfoque, portanto, e diante das certidões acostadas, verifico não
poder o réu ter esta circunstância sopesada em seu desfavor.
C - Conduta Social:
Quanto a esta circunstância, deve o magistrado perquirir, diante das
provas coligidas e se assim for possível, a folha de antecedentes criminais do réu,
o papel assumido por ele na sociedade, sua forma de se portar no ambiente
familiar, profissional, perante seus vizinhos, conhecidos e amigos, para que se
possa concluir se este se comporta ou não de acordo com as normas sociais que
exigem uma conduta harmônica e baseada em respeito mútuo.
Neste diapasão, cabível a ressalva de que os registros nas folhas de
antecedentes - que, obviamente, não se refiram a condenações transitadas em
julgado, sobre as quais já se tratou no tocante à circunstância que a esta
antecede - se não podem ser considerados como maus antecedentes criminais,
podem e devem ser considerados como maus antecedentes sociais. É que,
inegavelmente, aquele que já foi processado ou mesmo indiciado várias vezes ainda que não tenha sido condenado - não se porta, ao menos socialmente, sob a
égide da boa conduta, tampouco em harmonia no meio em que vive.
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Pois bem, sob este enfoque, do que pôde apreender este magistrado, se
inferiu má conduta social assumida pelo agente, que, na condição de
representante do povo, fez exatamente o oposto do que a sociedade esperava:
desviou verba pública que tinha o propósito de melhorar a cidade.
D - Personalidade:
Considerando a personalidade como sendo o conjunto de caracteres
exclusivos de uma pessoa que, muitas vezes, se tornam patentes por intermédio
de seus atos, volto-me às provas carreadas para concluir que, aos olhos deste
magistrado, se mostrou o réu como sendo pessoa articulada, ardilosa, experiente
e de má-fé, que chegou a maquiar o destino real da verba pública, depositando-a
na conta da própria sogra, senhora idosa e bastante doente, que não tinha sequer
condições de se defender.
E - Motivos:
Como circunstância judicial, o motivo deve ser entendido como a razão de
ser, a causa, o fundamento do crime perpetrado, sua mola propulsora.
Sob este enfoque, portanto, verifico que, no caso dos autos, o motivo do
delito foi a ganância, a vontade de obter lucro fácil, ainda que de modo ilícito.
F - Circunstâncias:
As circunstâncias a que se refere o art. 59 do CPP são aquelas
relacionadas ao cometimento do fato havido por delituoso, ou seja, são
peculiaridades, particularidades, detalhes e/ou nuanças observadas ao derredor
da conduta, que podem ser sopesadas ou não em desfavor daquele que age.
Muitas das circunstâncias observadas já estão previstas como agravantes,
atenuantes, causas de aumento ou de diminuição de pena. Portanto, a
consideração de determinada circunstância nesta primeira fase é residual, ou
seja, somente deve ser considerada aquela circunstância que, mais adiante, não
esteja prevista como apta a ser sopesada na segunda e na terceira fase.
Com estes esclarecimentos, volto-me ao caso em apreço para pontificar que
vislumbrei particularidades circunstanciais no cometimento do ilícito a ser
sopesada em desfavor do réu, máxime o fato de ter forjado a contratação de
empresa e mesmo a existência de documentação para acobertar a fraude,
envolvendo outra pessoa jurídica e funcionários inocentes no embuste.
G - Consequências:
Como se sabe, a prática de qualquer crime traz consequências já implícitas
à violação da norma, que, inclusive, podem compor o próprio tipo penal
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infringido. Inobstante, como circunstâncias judiciais, não serão essas as
conseqüências analisadas e sopesadas, mas sim aquelas que extrapolam o
cometimento padrão do ilícito em questão.
Em suma, como bem alertou NUCCI, apenas "o mal causado pelo crime,
que transcende o resultado típico, é a conseqüência a ser considerada para a
fixação da pena".
Pois bem.
No caso dos autos, vislumbram-se consequências outras além daquelas já
implícitas à violação da norma penal em análise, na medida em que
Salgadinho/PE deixou de contar com a obra contratada, a qual, certamente,
traria grandes vantagens para a cidade.
H - Comportamento da vítima:
O comportamento da vítima, no presente caso, em nenhum momento pode
ser encarado como provocador da conduta do réu, evento que deve ser sopesado
em desfavor do réu.
Pena-base:
O art. 1º, I e II, do Decreto-lei n.º 201/67 prevê para quem o infringe
pena de 02 (dois) a 12 (doze) anos.
Tendo em conta a grande quantidade de circunstâncias judiciais
desfavoráveis ao acusado, fixo a pena-base acima do mínimo, ou seja, em 10
(dez) anos de reclusão.
Segunda fase: análise das circunstâncias agravantes e atenuantes
genéricas:
Antes de tudo, ressalto que as circunstâncias agravantes (art. 61 e art. 62
do CPB) e atenuantes (art. 65 e art. 66 do CPB) não podem ser sopesadas para
reduzir a pena-base já estipulada na primeira fase aquém do mínimo, nem elevála por sobre o máximo (súmula 231 do STJ).
Não vislumbro qualquer circunstância atenuante.
Também não vislumbro agravantes.
Terceira fase: análise das causas de aumento e de diminuição de pena:
Não vislumbro qualquer causa de aumento ou de diminuição de pena.
Pena privativa de liberdade definitiva:
Assim sendo, considerando a pena-base aplicada e demais nuanças
correlatas, a pena privativa de liberdade definitiva cominada é de 10 (dez) anos
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de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime fechado (art. 33, § 2º, "a",
do CPB).
Ainda como pena, aplico a prevista no § 2º do art. 1º do Decreto-lei n.º
201/67, que prevê a perda de cargo e a inabilitação, pelo prazo de cinco anos,
para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem
prejuízo da reparação civil do dano causado ao patrimônio público ou
particular.
[...]
3.5.3. Da perda do cargo e da inabilitação:
Como efeito da condenação, tendo em conta o previsto no art. 1º, § 2º, do
Decreto-lei n.º 201/67 e no art. 92, I, "a", do CPB, determino a perda da função
pública ou da aposentadoria respectiva, caso tenha sido concedida, já que, além
de a pena ter sido superior a 01 ano, o réu cometeu o crime com violação a dever
para com a Administração Pública.
Nesse ponto, assiste razão ao acusado. Entendo que o comportamento
da vítima (o Estado), que em nada contribuiu para o cometimento do delito, não
deve ser sopesado em desfavor do réu. O comportamento da vítima apenas deve ser
considerado em benefício do agente, quando a vítima contribui decisivamente para a prática do
delito, devendo tal circunstância ser neutralizada na hipótese contrária, de não interferência do
ofendido no cometimento do crime, não sendo possível, portanto, considerá-la negativamente
na dosimetria da pena (STJ, HC no 255.231/MG, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 5a
Turma, j. em 26/2/2013, DJe 4/3/2013).1
Verifico, também, que não se trouxe aos autos elementos concretos que
apontem para uma maior gravidade/reprovabilidade da motivação do agente.
A circunstância judicial da conduta social (art. 59 do CP) não pode ser
negativamente ponderada, pela existência de feitos criminais em tramitação. Esse é
o teor da súmula no 444 do Superior Tribunal de Justiça: é vedada a utilização de
inquéritos policias e ações penais em curso para agravar a pena-base.
Posto isso, em razão do exame negativo da culpabilidade,
personalidade, circunstâncias e consequências do crime,2 reduzo a pena-base, para
fixá-la em cinco anos e oito meses de reclusão, a ser cumprida inicialmente em
regime semiaberto (art. 33, § 1o, b, § 2o, b, do Código Penal).
Nesse mesmo sentido: HC no 284.951/MG, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 5a Turma, j. em
8/4/2014, DJe 23/4/2014; REsp no 1.117.700/ES, rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6a T., j. em 15/8/2013,
DJe 28/8/2013.
2 A sentença não sopesou negativamente os antecedentes do acusado.
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No entanto, mantenho a condenação à perda da função pública ou da
aposentadoria respectiva, caso tenha sido concedida, porque, como acertadamente
asseverou a sentença, representa efeito da condenação, previsto no art. 1o, § 2o, do
Decreto-lei no 201/1967 e no art.92 do CP.
— III —
Posto isso, nego provimento à apelação do Ministério Público e dou
parcial provimento à apelação do réu, para, mantida a condenação, reduzir a penabase, nos termos acima expostos.
É como voto.
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Relator
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Turma
EMENTA: PENAL. CRIME DE RESPONSABILIDADE. DESVIO DE
RENDAS PÚBLICAS (ART. 1o, I, DO DECRETO-LEI No 201, DE
27/2/1967). AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS.
MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO. REDUÇÃO DA PENA-BASE.
1. O ex-prefeito apelou de sentença que o condenou pelo desvio dos
recursos do Convênio no 1.048/2000 (R$ 100.000,00, em 2001), celebrado
entre o Município de Salgadinho (PE) e o Ministério da Integração
Nacional, para construção de 20 barreiros.
2. O Ministério Público Federal apelou para que a pena-base seja
elevada.
3. Conjunto probatório - laudo de auditoria técnica de obras e serviços
de engenharia e prova testemunhal - que confirma o desvio de verbas
federais pelo acusado, em conluio com o sócio-proprietário da empresa
Obra Nova Construtora e Incorporadora Ltda., já que: (a) o pagamento
pelas obras foi realizado; (b) dois barreiros não foram executados; (c) os
demais foram construídos com máquina e por operador da Empresa de
Abastecimento e Extensão Rural do Estado de Pernambuco (Embape);
(d) a hospedagem e alimentação do operador de máquina foi paga pela
Prefeitura de Salgadinho; (e) o sócio-proprietário da empresa
transferiu, por endosso dos cheques da prefeitura, o pagamento para a
conta bancária da sogra do acusado (já falecida).
4. A sentença condenou o ex-prefeito a dez anos de reclusão, pelo
exame negativo das circunstâncias da culpabilidade (valor desviado),
conduta social (processo judicial em curso), personalidade (ardilosa;
utilizou-se de senhora idosa, para maquiar o destino real dos recursos
públicos), motivo (obtenção de lucro fácil), circunstâncias (mediante
fraude - nota fiscal inidônea) e consequências do crime (inexecução da
obra) e comportamento da vítima (não provocação).
5. Todavia, a pena-base deve ser reduzida para cinco anos e oito meses
de reclusão, pois: (a) o comportamento da vítima (o Estado), que em
nada contribuiu para o cometimento do delito, não deve ser sopesado
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Justiça Federal
Tribunal Regional Federal da 5ª Região
Desembargador Federal Fernando Braga
APELAÇÃO CRIMINAL nº 10572/PE
(2004.05.00.030744-7)
em desfavor do réu (STJ: HC no 255.231/MG); (b) não se trouxe aos
autos elementos concretos que apontem para uma maior
gravidade/reprovabilidade da motivação do agente; (c) a súmula no
444 do Superior Tribunal de Justiça veda a utilização de inquéritos
policias e ações penais em curso para agravar a pena-base, como fez a
sentença na análise da conduta social.
6. A condenação à perda da função pública ou da aposentadoria respectiva,
caso tenha sido concedida, deve ser mantida, pois representa efeito da
condenação, previsto no art. 1o, § 2o, do Decreto-lei no 201/1967 e no
art. 92 do CP.
7. Apelação do Ministério Público Federal improvida. Apelação do
réu parcialmente provida, para, mantida a condenação, reduzir a
pena.
ACÓRDÃO
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região,
por maioria, dar parcial provimento à apelação de Luciano Jose Ferreira da Silva
Lima, e, à unanimidade, negar provimento à apelação do Ministério Público Federal,
nos termos do voto do Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas que
passam a integrar o presente julgado.
Recife (PE), 07 de outubro de 2014 (data do julgamento).
Desembargador Federal Fernando Braga
Relator
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luciano jose ferreira da silva lima repte