Gabriela Phalempin O Novo Regime do Despedimento por Inadaptação e a Terceira Alteração ao Código do Trabalho de 2009 operada pela Lei 23/2012, de 25 de Junho VERBO jurídico ® 2 3 Índice I – Introdução 5 II – Considerações gerais sobre a figura do despedimento por inadaptação 6 III – O caminho legislativo percorrido 10 IV – Os Acórdãos n.°s 107/88, de 31 de Maio e 64/91, de 4 de Abril do Tribunal Constitucional e a Constituição da República Portuguesa 22 V – O Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica e o Compromisso para o Crescimento, Competitividade e Emprego 37 VI – O regime da Lei 23/2012, de 25 de Junho 39 VII – As reacções ao actual regime 42 VIII – O Acórdão n.°602/2013, de 20 de Setembro do Tribunal Constitucional 48 IX – Conclusões 56 X – Bibliografia 59 4 Lista de Abreviaturas e Siglas Ac. – Acórdão art. – Artigo CC – Código Civil CRP – Constituição da República Portuguesa DL – Decreto-Lei ed. – Edição ibidem – No mesmo lugar / Na mesma obra ob. - Obra ob. cit. – Obra citada p./pp. – Página/Páginas ss. – Seguintes TC – Tribunal Constitucional Vol. - Volume Os acórdãos de Tribunais portugueses que não tenham identificada a sua fonte podem encontrar-se em www.dgsi.pt. 5 I – Introdução O presente tema, e consequente trabalho desenvolvido em torno do mesmo de Agregação à Ordem dos Advogados serve, não só o objectivo de conclusão de formação de estágio profissional, mas também o debate de algumas questões - como os conceitos de caducidade e justa causa, o paralelismo com a figura do despedimento por extinção de posto de trabalho e alguns princípios constitucionais - que, como veremos, não são, de todo, recentes, e que foram (novamente) suscitadas pela Terceira Revisão ao Código do Trabalho de 2009 (de ora em diante, CT), operada pela entrada em vigor da Lei 23/2012, de 25 de Junho. Antes, porém, de iniciarmos o conjunto de considerações e conclusões a respeito das mesmas, recordemos que, nas palavras de Jorge Leite, a sociedade em que vivemos está fundada no trabalho, sendo este “uma exigência natural, (…) uma componente essencial do modo de vida de cada um de nós e (…) um elemento determinante de estruturação social”1. Porém, como tantas outras ao longo da vida do ser humano, a relação jurídico-laboral findará, mais cedo ou mais tarde, e o vínculo romper-se-á, como adiante explicaremos. Bem sabemos que a extinção deste vínculo e a consequente perda do emprego poderá acarretar efeitos devastadores, especialmente ao nível social. Segundo João Leal Amado, vivemos, hoje, “num contexto de flexigurança”, querendo o autor com tal neologismo significar que a perda de emprego se vai desdramatizando, perdendo o lugar de destaque em face da “ideia de transição”2. É verdade que estamos a atravessar uma fase em que a transição entre empregos é uma constante, uma realidade que arriscaríamos dizer indissociável da maioria da população, visto que o “emprego para toda a vida” findou há muito e é, hoje, um fenómeno de uma época que se nos afigura extremamente distante. E, se assim é, também não é menos verdade que a Humanidade assim o quis e a tal obrigou, com todos os inconvenientes que tal possa ter suscitado. O Mercado em constante mutação procura empreendedorismo e os Estados veêm-se “coagidos” a reforçar políticas de gestão de recursos humanos, de reforço da posição das empresas via inovação/evolução tecnológica e de resposta aos desafios que surgem todos os dias por força do aumento feroz da concorrência. Não podemos, pois, estranhar que a legislação tenha também sentido necessidade de acompanhar este novo cenário e de se transmutar. Eis o que nos propomos analisar e justificar. 1 2 Cfr. Leite, “Direito do trabalho”, Vol. I. Cfr. LEAL AMADO, “Contrato de Trabalho”, p. 351 e ss. 6 II – Considerações gerais sobre a figura do despedimento por inadaptação O Despedimento Por Inadaptação, modalidade de despedimento por iniciativa do empregador prevista actualmente nos artigos 373° a 380° e 385° do CT, tem vindo a ser definida pela doutrina portuguesa como a possibilidade de o empregador fazer “cessar o contrato de trabalho sempre que se determine a incapacidade do trabalhador para o exercício das suas funções, tornando praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”3. Existem, no entanto, certas particularidades de que alguns autores vão dando conta, às quais nem todos se apresentam tão “sensíveis”, em virtude de este ramo do Direito e, em particular, o tema de que ora cuidamos, estar repleto dos denominados “conceitos indeterminados”. A propósito destes últimos, como ensina António Francisco De Sousa, tal expressão “pretende referir aqueles conceitos que se caracterizam por um elevado grau de indeterminação”, ou cujo “grau de indeterminação não é sempre o mesmo: ele varia e pode variar muito”. Assim, alguns conceitos poderão reunir o consenso generalizado com relativa facilidade mas, relativamente a outros, esse mesmo consenso será mais difícil de obter, senão mesmo impossível, “já que a sua interpretação ocorre sempre, ou quase sempre, associada a uma perspectiva necessariamente pessoal, moldada de acordo com os padrões morais, sociais, culturais, políticos e religiosos do indivíduo”. Ora, o legislador português, na sua profícua técnica legislativa, “recorre cada vez mais a conceitos de interpretação difícil e aplicação ainda mais complexa”4, sendo que é esta uma das causas em que se alicerça o presente trabalho. Quanto ao que à origem da figura diz respeito, entende João Soares Ribeiro que a mesma surgiu “porque os empresários se queixavam de que não havia nenhum mecanismo legal que lhes permitisse «gerir» os recursos humanos tendo em conta a evolução técnica e tecnológica, o que facilmente lhes fazia perder competitividade face às empresas congéneres estrangeiras pelo que, em última análise, a falta dum tal instrumento legal que poderia sacrificar alguns trabalhadores que não conseguiriam acompanhar o progresso, se iria traduzir, 3 Cfr. ROMANO MARTINEZ, “Direito do Trabalho”, p. 1075 e ss.. Sobre esta figura, podem ver-se LEAL AMADO, ob.cit., VIEIRA GOMES, “Direito do Trabalho – Volume I – Relações Individuais de Trabalho”, p. 997 e ss., MOTTA VEIGA, “Lições de Direito do Trabalho”, p. 555 e ss., LOBO XAVIER, com a colaboração de FURTADO MARTINS, NUNES DE CARVALHO, VASCONCELOS, e GUERRA DE ALMEIDA, p. 781 e ss., PALMA RAMALHO, “Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais”, p. 913 e ss., MONTEIRO FERNANDES, “Direito do Trabalho”, p. 514 e ss.. 4 Cfr. FRANCISCO DE SOUSA, “Conceitos Indeterminados” no Direito Administrativo”, pp. 17 e ss., especialmente pp. 23 e 24. 7 a prazo, numa perda irremediável de todos os postos de trabalho daquelas empresas condenadas à obsolescência e à extinção”5. Ora, ressalvando algum exagero de tão douto autor, não podemos deixar de compreender as opções que justificaram a instituição da figura de que ora curamos no nosso ordenamento jurídico, bem como as alterações de que foi alvo em 2012. Por outro lado, é inequívoca a confusão gerada pela proximidade da figura da inadaptação e a da Caducidade. António Menezes Cordeiro parece defender que, em certas situações da vida laboral de uma empresa, perante a introdução de uma modificação tecnológica a que um trabalhador não logra adaptar-se, mesmo após o fornecimento da formação adequada, e para o qual não haja nenhum outro posto a atribuir, “a impossibilidade parece patente. E a assim ser, o novo fundamento mais não seria do que uma forma de caducidade do contrato.”6. Verificámos, portanto, que o autor atribui à caducidade um sentido demasiado amplo. Não assim, Pedro Romano Martinez, defendendo que, “em caso de caducidade, o contrato cessa pela ocorrência de um facto jurídico stricto sensu, por exemplo, na hipótese de extinção do objecto ou pela verificação de qualquer facto ou evento superveniente a que se atribua efeito extintivo da relação contratual”7. Para que não surjam posteriores querelas jurídico-linguísticas, fornece como exemplos de verificação deste «efeito extintivo», “as prestações que devam ser realizadas num determinado prazo”, o esgotamento “do objecto do contrato” ou mesmo “a morte do trabalhador”. Não afasta, ainda, a hipótese de se verificar uma impossibilidade superveniente de prestar ou de receber o trabalho, porque, afinal, estamos perante um vínculo sinalagmático e, “via de regra, a caducidade também funciona automaticamente, não necessitando de ser invocada por qualquer das partes”, o que nos leva a concluir pela não sustentabilidade da tese adiantada por Menezes Cordeiro que, aliás, no nosso entender, apenas vem “(con)fundir” duas realidades distintas. Merecedora de nota é, ainda, a distinção dos conceitos de “Inaptidão” e “Inadaptação”, os quais surgem, muitas das vezes, indiferenciadamente em textos legais e doutrinais mas que, na verdade, não o são. Assim, ao passo que a inadaptação é superveniente e motivada pela falta de capacidade do trabalhador em se moldar a uma nova realidade, a inaptidão pode ser originária. Neste último caso, o trabalhador, “desde o início da execução 5 Cfr. SOARES RIBEIRO, “Da cessação do contrato de trabalho por inadaptação do trabalhador”, p. 401. Cfr. MENEZES CORDEIRO, “Da cessação do contrato de trabalho por inadaptação do trabalhador perante a Constituição da República”, p. 398. 7 Cfr. ROMANO MARTINEZ, ob. cit., pp. 977 e ss. 6 8 laboral não promove um desempenho adequado ou satisfatório face às exigências do empregador. A inaptidão será superveniente quando, no decurso do contrato, o trabalhador perdeu as aptidões que possuía, sem, no entanto, tal perda motivar a caducidade do contrato (será um dos casos de admissibilidade da mudança de categoria do trabalhador)”8. Pensemos num acidente, de foro não laboral (uma vez que, como estipula o art. 374°, nº 3 do CT, deste regime estão excluídas as consequências de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, prevenindo, assim, uma utilização abusiva deste regime em relação a trabalhadores com capacidade de trabalho reduzida não superveniente, com deficiência ou doença crónica), que vem originar a perda de capacidades funcionais do indivíduo/trabalhador em determinado grau, por exemplo. Pesem embora as diferentes interpretações destas disposições e conceitos legais, e suas consequências práticas na realidade jurídica, certo é que, nas palavras de Maria do Rosário Palma Ramalho, “o grau de exigência da lei na configuração do despedimento por inadaptação, na sua configuração tradicional, não só pelo número de requisitos que o rodeia, como pelo carácter cumulativo destes requisitos, tornou a figura muito difícil de aplicar e, portanto, de escassa utilidade prática, o que é confirmado pela falta de jurisprudência nesta matéria”9. Seguindo ainda a linha de raciocínio da autora, o qual tivemos a oportunidade de verificar, os Acórdãos que se referem a esta figura, fazem-no do modo indirecto, isto é, a propósito da apreciação dos requisitos substanciais da figura do despedimento por extinção do posto de trabalho, estabelecendo comparações, e/ou diferenciando os dois regimes. Propomo-nos ir mais longe e tentar demonstrar - contrariamente ao que parece ser a convicção da supra citada autora, e sublinhamos o vocábulo «parece» pois, com a devida reverência nos merece, através da redacção da sua própria obra, esta não sustenta a sua opinião com certeza (“Com as alterações introduzidas – que, em geral, se consideram positivas, à excepção da supressão do despedimento modificativo, pode esta figura vir a ter uma maior 8 Cfr. QUINTAS, P. e QUINTAS, H., “Manual de Direito do Trabalho e de Processo do Trabalho”, pp.168 e ss. 9 Cfr. PALMA RAMALHO, ob. cit., especialmente pp. 923 e 924. No mesmo sentido, cfr. VIEIRA GOMES, ob. cit. e NETO, “Novo Código do Trabalho e Legislação Complementar Anotados”, p. 911, “4. Embora seja comummente reconhecida a necessidade de existir um mecanismo relevante para ultrapassar situações de impossibilidade de prossecução da relação de trabalho motivadas pela falta de capacidade profissional, o certo é que a prática tem demonstrado que o despedimento por inadaptação, tal como se encontra estruturado desde a publicação do DL n.° 400/91, de 16 – 10, não é o adequado, como o demonstra a ausência de jurisprudência sobre esta figura, e foi expressamente reconhecido no Livro Branco das Relações Laborais, 2007, p.113, no qual foram enunciadas diversas medidas tendentes a tornar efectiva a aplicação prática deste regime, sem que o legislador haja adoptado qualquer delas.”. 9 aplicação”10) – que a actual configuração da figura do despedimento por inadaptação não fará abalar as suas considerações relativamente à aludida “configuração tradicional”, uma vez que os requisitos permanecem rígidos, cumulativos e, como tal, de muito difícil aplicação prática e consequente chegada à barra dos tribunais. 10 Cfr. PALMA RAMALHO, ob. cit. 10 III – O caminho legislativo percorrido A “narrativa” tem, pois, início há já algumas décadas, mais concretamente com a Lei n.° 1:952, de 10 de Março de 1937. No seu artigo 11°, a existência de justa causa, quer para efeitos de rescisão ou denúncia do contrato por qualquer uma das partes, deveria ser apreciada pelo juiz, o qual, senhor de um “prudente arbítrio”, teria em consideração as relações entre dirigentes e subordinados, a sua condição social, o seu grau de instrução e, permitam-nos enfatizar, as “demais circunstâncias do caso”. No parágrafo único que segue ao supra citado artigo, relativamente ao conceito de justa causa, lia-se “qualquer facto ou circunstância grave que torne prática e imediatamente impossível a subsistência das relações que o contrato de trabalho supõe, e em especial (…)”. No artigo seguinte, o 12°, o elenco de três números especialmente destacados pelo legislador da época, vem, não só ser alargado, como sistematizado separadamente consoante as infracções ocorram por parte do “empregado” (hoje, “trabalhador”), ou da entidade empregadora. Não deixa, pois, de ser “curioso” encontrar, na alínea b), que concerne aos fundamentos da entidade empregadora para accionar o despedimento com justa causa, um primeiro ponto que expressamente refere “A manifesta inaptidão do empregado para o serviço ajustado;”. Uns anos decorridos, a regulamentação jurídica da contratação individual de trabalho torna-se necessária face “à evolução entretanto operada na doutrina”, tal como se pode ler, desde logo, no ponto primeiro da exposição de motivos do Decreto-Lei n.° 47 032, de 27 de Maio de 1966. Assim, no que aos modos de cessação do contrato de trabalho diz respeito, vem a alínea d) deste mesmo ponto primeiro referir-se ao Capítulo VI e, bem assim, à “revogação, rescisão, denúncia e caducidade, com particular referência aos motivos de justa causa de rescisão, tanto pela entidade patronal como pelo trabalhador (…)”. Efectivamente, o art. 95°, c) do referido Decreto-Lei consagra, como causa extintiva da relação laboral, a rescisão por justa causa e, desta feita, o art. 99° do mesmo diploma legal refere-se especificamente à justa causa de rescisão por iniciativa da entidade patronal. Facto deveras interessante do pensamento legiferante que presidiu à elaboração do Decreto-Lei que ora analisamos é o de que, das 10 (dez) alíneas que constituem este artigo, desde logo na primeira, na alínea a), se estatui “A manifesta inaptidão do trabalhador para as funções ajustadas”. 11 Cumpre salientar que, tal como em 1937, a justa causa seria alvo de apreciação judicial, dentro dos mesmos moldes, isto é, de acordo com um prudente critério e tendo em atenção, não só as relações laborais entre ambas as partes, bem como os seus graus social, educacional e demais circunstâncias do caso concreto. Do mesmo modo, no art. 97°, que cura da cessação por caducidade, num elenco desta feita meramente exemplificativo, a alínea c) refere-se expressamente à verificação de uma “impossibilidade superveniente absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o trabalho ou de a entidade patronal o receber”. Muito embora consagrado no âmbito de diversos regimes de cessação do contrato de trabalho, não serão de ler, nestes exemplos, não um despedimento por justa causa ou por caducidade, mas verdadeiras situações de inadaptação do trabalhador ao posto de trabalho? Esta impossibilidade de a entidade patronal “receber” a prestação laboral pelo trabalhador, não poderá ser interpretada como um prejuízo em mantê-lo ao seu serviço? Quer-nos parecer, portanto, que estávamos, não só nos primórdios do Despedimento por Inadaptação, como perante uma sua versão encapotada. De ressalvar que, no art. 132° do Decreto-Lei de que cuidamos, foi expressamente consagrado o seu carácter provisório ou experimental, confirmado pelo diploma legal que se lhe seguiu, sendo que foi mesmo estipulado o prazo de dois anos para a revisão deste diploma. Sucede, porém, que a referida revisão não veio a ter lugar até 31 de Dezembro de 1968, mas com o Decreto-Lei 49 408, de 24 de Novembro de 1969, o qual consagrou a Lei do Contrato Individual de Trabalho (LCT). Contudo, e como explicita o preâmbulo, no seu ponto 2., quase em jeito de justificação por um ano de “atraso” de revisão, esta “não determina, todavia, transformações radicais na matéria, o que melhor vem demonstrar ainda o cuidado que a elaboração desse diploma mereceu (o Decreto-Lei n.° 47 032) e a justiça da posição que desde o início ocupou no contexto da mais moderna legislação europeia sobre o direito do trabalho”. A LCT veio, pois, manter, com uma ligeira alteração sistemática, no seu artigo 98°, nº 1, c), a rescisão com justa causa como causa de cessação da relação laboral por qualquer uma das partes; no seu art. 102°, a), como parte integrante do elenco taxativo das causas passíveis de constituir justa causa a invocar pela entidade patronal, a inaptidão do trabalhador e, no seu art. 100°, referente à caducidade do contrato de trabalho, a já aludida não possível “recepção”, pela entidade patronal, do trabalhador. 12 Todavia, o art. 101° veio, no seu nº 2, estabelecer uma cláusula geral do conceito de justa causa, definindo-a ou defendendo a sua constituição “em geral” – o que desde logo nos transporta para a consagração de um conceito amplo – “qualquer facto ou circunstância grave que torne praticamente impossível a subsistência das relações que o contrato de trabalho supõe, nomeadamente a falta de cumprimento dos deveres previstos nos artigos 19° e 20°.” (sublinhado nosso). Aqui chegados, salientamos que os artigos 19° e 20° concernem, respectivamente, aos deveres da entidade patronal e trabalhador, bem como a alínea f) do referido art. 20°, a qual estipula o seguinte: “Promover ou executar todos os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa;”. Não podemos deixar de denotar as similitudes gramaticais com a actual configuração do regime do despedimento por inadaptação, bem como os objectivos subjacentes à fixação de tal dever, dever este que, de resto, hoje se encontra consagrado no artigo 128°, h) do Código do Trabalho. Conhecemos bem a História do nosso país e a Revolução de 25 de Abril de 1974, bem como as transformações que desta data derivaram. Por isso, não é, de todo, estranho que, em 16 de Julho de 1975, um novo Decreto-Lei viesse regular a cessação do contrato individual de trabalho. Falamos do Decreto-Lei n.° 372-A/75. Na verdade, no curto preâmbulo deste diploma legal, é difícil não ver espelhados os “estandartes” da época, “de acordo com os mais legítimos anseios das organizações sindicais e da generalidade do povo trabalhador”. Refere-se ainda, pela primeira vez, e pela positiva, os direitos fundamentais, temática que serve também de alicerce a este trabalho (“(…) na defesa dos direitos dos trabalhadores, nomeadamente do seu direito fundamental, o direito ao trabalho”.). Logo em sede de disposições gerais, este diploma legal revoga o Capítulo VI do Decreto-Lei precedente, bem como todos os preceitos desconformes com o regime que então se instituía, passo que abriria portas, pensaria um profissional, estudioso ou mesmo leigo, à data e hoje, a uma inversão total do regime. Não obstante referências expressas a uma “sociedade a caminho do socialismo” ou “camaradas”, como, aliás, era fruto da época, não cremos que tal tenha acontecido. Quanto ao despedimento colectivo, assiste-se, e é de grande importância referirmonos, nesta sede, a este regime, como infra se verá, à consagração de “circunstâncias objectivas”. Por via delas, a “manutenção da relação de trabalho” teria de tornar-se “incompatível com os interesses globais da economia” (cfr. Art. 2.°, b) Decreto-Lei 372-A/75). 13 O artigo 4.° do supra citado Decreto-Lei, não só consagra a justa causa como forma de operar a cessação do contrato de trabalho, como, na sua alínea d), permite o despedimento “com base em motivo atendível”, ou seja, um novo conceito indeterminado em sede de legislação laboral. A cessação por caducidade permanece, no ponto em que nos vimos focando, fiel à redacção que lhe foi dada anteriormente. O art. 10° consagra uma cláusula geral de justa causa de cariz condizente com o ano em questão, enfatizando a culpa, a gravidade e a ultima ratio do despedimento em si como sanção a aplicar mas, no seu nº 2, consagra um elenco meramente exemplificativo, o que nos leva a considerar que temos, aqui, não uma consagração efectiva de um conceito restrito de justa causa (pela primeira vez na nossa ordem jurídica) mas, antes, uma consagração meramente “aparente” do mesmo. Senão vejamos. Neste nº 2, são de salientar duas alíneas pela amplitude que, em si mesmas, encerram: as alíneas d) e f). A primeira, “O desinteresse repetido pelo cumprimento das obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho que lhe esteja confiado, com a diligência devida”, porque a conjugação dos vocábulos “desinteresse”, “inerentes” e “diligência” são passíveis de uma compatibilização com a actual redacção do art. 374° CT. A segunda, “A lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa”, porque nela não se lê algo como os designados “crimes de colarinho branco” mas, precisamente, uma inadequação ao modus operandi actual - leia-se, da data em questão - que apenas redunda no prejuízo que a entidade empregadora suporta em manter um trabalhador não qualificado em determinado posto de trabalho. Mais uma vez, somos a crer que estamos perante a consagração da figura do despedimento por inadaptação. Também o art. 12°, nº 5 não pode, ainda, deixar de ser alvo de menção, pois ao consagrar o modo de apreciação da existência de justa causa de despedimento ou da adequação da sanção aplicada ao comportamento concreto, dirige-se expressamente à “lesão dos interessados da economia nacional ou da empresa”, para além das já aludidas relações inter partes e demais circunstâncias do caso. Ora, não caberá, aqui, uma apreciação semelhante à elaborada no parágrafo precedente? Os interesses da economia, à luz do aludido prudente arbítrio do julgador, não se poderiam incluir numa inadaptação de um trabalhador ao seu posto de trabalho, isto é, num trabalhador que, sem intenção culposa ou dolo, reiteradamente se colocasse perante a entidade empregadora numa posição produtivamente “dispensável” e, quiçá, provocadora de prejuízos? Este diploma legal destaca-se, ainda, por uma referência à cessação do contrato individual de trabalho por motivo atendível. Esta novidade normativa, - de pouca dura, é certo 14 - não só destoou espírito pós-revolucionário subjacente, como recebeu uma redacção extremamente actual, tendo em vista as críticas com que nos debatemos e as conclusões que pretendemos alcançar. Assim, nos termos do art. 14°, nº 1, motivo atendível, seria todo “o facto, situação ou circunstância objectiva, ligado à pessoa do trabalhador ou à empresa, que, dentro dos condicionalismos da economia da empresa, torne contrária aos interesses desta e aos interesses globais da economia a manutenção da relação de trabalho” (sublinhado nosso). Deste modo, não podemos deixar de verificar como, em pleno ano de 1975, estava consagrado o despedimento por motivos, não só subjectivos, como objectivos, internos e externos à pessoa do trabalhador e em prol de um eficaz e competitivo funcionamento da economia, considerada quer ao nível da empresa, quer ao nível nacional. No seu nº 2, este mesmo artigo, adquire uma redacção, se nos permitem, caricata, como à guisa de perdão e em clara contradição com a indubitável consagração do número precedente. Como é óbvio, a perda de um posto de trabalho nunca foi um fenómeno bem-vindo por parte do trabalhador, podendo inclusive acarretar reflexos sociais e psicológicos negativos na pessoa do mesmo, pelo que estipular a apreciação da “gravidade das consequências que para o trabalhador representa a perda do emprego, nomeadamente face às condições do mercado” e “características pessoais” do mesmo se nos assemelha utópico, senão mesmo demagógico. Destaque merece, por fim, o nº 3 do artigo que vimos analisando, em especial a sua alínea b). Em primeiro lugar, este número, não consagra um elenco taxativo (“(…) poderão ser considerados motivos atendíveis:”) e, em segundo, fez questão de considerar “a manifesta inaptidão e impossibilidade de preparação do trabalhador para as modificações tecnológicas que afectem o posto de trabalho”. Foi, portanto, clara a tentativa de instituir a figura do despedimento por inadaptação já em 1975, ainda que sob uma diferente veste. Aliás, é nossa convicção de que, à data, esta estava consagrada, pelo menos teleologicamente. A revisão do regime estatuído no diploma supra citado não se fez esperar, de modo que, logo em 28 de Janeiro de 1976, era publicado o Decreto-Lei n.° 84/76. Este pouco extenso diploma legal foi o suficiente para levar a cabo a supressão da matéria respeitante ao despedimento por motivo atendível, justificada no seu preâmbulo pela inadequação da defesa da estabilidade do emprego e à contestação generalizada que provocou. 15 Também o despedimento por justa causa (cfr. art. 10.°, nº 2) sofreu alterações, vendo o seu elenco, embora permanecendo não taxativo, reduzido a 6 (seis) alíneas e, especialmente, a alínea d), passou a estipular uma “lesão culposa de interesses patrimoniais sérios da empresa”. Assistiu-se, portanto, à introdução da vertente culposa na redacção e espírito da figura, e ao consequente afastamento do regime de 1975, com o concomitante regresso às redacções de 1966 e 1969. Como referimos, todo o anterior Capítulo V dedicado ao despedimento por motivo atendível foi revogado e substituído por disposições concernentes ao despedimento colectivo. Bem sabendo que ora não tratamos desta matéria, não poderíamos deixar de referir a absoluta incongruência de regimes entre despedimento colectivo e individual existente à data. Na verdade, como se poderá ter alguma vez concebido a revogação/supressão do supra aludido Capítulo V e da admissibilidade de despedimentos por causas objectivas e de mercado ao nível do contrato individual de trabalho, quando, no art. 13.°, nº 2, semelhante forma de cessação do contrato de trabalho é possível em sede de despedimento colectivo? E, saliente-se, não nos focamos em despedimentos em massa, mas na mera possibilidade de ocorrência do despedimento de, sublinhe-se, apenas 2 (dois) trabalhadores. Vejamos: “Considera-se despedimento colectivo, para efeitos do presente diploma, a cessação de contrato de trabalho (…) que abranja, pelo menos, dois ou cinco trabalhadores, conforme se trata respectivamente de empresas com dois a cinquenta ou mais de cinquenta trabalhadores, sempre que (…) ou redução do pessoal determinada por motivos tecnológicos ou conjunturais”. Perguntamos, então, o que entender por “conjunturais”? Atrevemo-nos a aventar que seriam, muito provavelmente, algumas das circunstâncias objectivas, como os interesses da empresa, os interesses globais da economia a que aludia o Decreto-Lei 372-A/75, entre outros, os quais, fruto da delicadeza temática e polémica que tendiam e ainda tendem a gerar, conviria clarificar. Parece-nos, todavia, que se entendeu por bem ocultar. Eis que é publicado o Decreto-Lei n.° 64-A/89, de 27 de Fevereiro, o qual vem aprovar o Regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo (LCCT). No seu relativamente extenso preâmbulo, assumem relevância novas preocupações, principalmente derivadas do mercado único europeu e, bem assim, enfatiza-se a necessidade de modernização das empresas portuguesas, nomeadamente através dos seus processos produtivos, inovação tecnológica, actividades de investigação, introdução de modernos métodos de gestão, estratégias de internacionalização e mesmo de marketing (cfr. 2º 16 parágrafo do aludido preâmbulo). Os trabalhadores não poderiam deixar de ser envolvidos neste processo evolutivo, na medida em que são e, aliás, não poderiam deixar de ser vistos como a «pedra de toque» do mesmo, “visando o aumento da produtividade” e, novamente, “a modernização das empresas, designadamente na introdução de novos métodos de trabalho”. Consequentemente, chama-se à prolação o “espírito de concertação” de ideias e “diálogo construtivo” entre sindicatos e empresários na prossecução destes objectivos, ao mesmo tempo que se reconhece abertamente a desadequação dos mecanismos até então previstos (“anquilosados e tecnicamente ultrapassados”), “concebidos em épocas onde as condições prevalecentes eram significativamente diferentes das que hoje nos são proporcionadas pela integração nas Comunidades Europeias”. Assim, seguindo a linha dos países-membros da então Comunidade Económica Europeia (CEE), a cessação da relação de trabalho poderia resultar de um conjunto de circunstâncias objectivas decorrentes de necessidades da empresa, sempre com as devidas garantias dos trabalhadores, seus direitos e princípios, quer ao nível do Direito Substantivo, quer Processual do Trabalho. Outra preocupação deste diploma foi, sem dúvida, a dispersão legislativa em matéria laboral da época, influenciada, inclusive, nas palavras do mesmo preâmbulo “por diferentes concepções, que conduzirão progressivamente à sua descaracterização”. Permitam-nos acrescentar que muitas destas concepções já o estavam e, no fundo, dada a sua proliferação e constante mutação, talvez nunca tenham estado verdadeiramente “caracterizadas” no seio da nossa ordem jurídica. Assume, portanto, a LCCT, o compromisso de alcançar e executar o mais justo equilíbrio e estabilidade do emprego no seio da modernização, colocando a empresa como foco de realização profissional e pessoal. Para tanto, uma profunda e equilibrada revisão dos regimes de cessação contratual de então tornava-se imperiosa, bem como reinava a “preocupação de não fomentar o desenvolvimento de estruturas rigidificantes, que, na prática, acabam por impossibilitar as empresas de se adaptarem às exigências externas”, pondo em causa a sua “própria subsistência”. Deste modo, se temia o que designou por “proteccionismo excessivo”, a LCCT manteve a preocupação de afastar os despedimentos arbitrários, consagrando-os em conformidade com os desígnios constitucionais. Por outro lado, procurou salvaguardar a “inércia do trabalhador”. Vejamos como. No seu art. 3.°, consagrou, desde logo, as formas de cessação do contrato de trabalho, admitindo, no nº 2, f), que causas objectivas de ordem estrutural, tecnológica ou conjuntural 17 relativas à empresa presidissem à cessação por extinção do posto de trabalho, razão pela qual dois destes conceitos apareceram desenvolvidos no art. 26.° do mesmo diploma. O art. 4.° regulou as causas de caducidade do vínculo laboral, verificando-se a manutenção da fórmula já adoptada no Decreto-Lei n.° 47 032, de 27 de Maio de 1966, ou seja, “a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de a entidade empregadora o receber” (cfr. art. 4.°, b)). Por nossa parte, reiteramos que nesta fórmula legal se confundem, indevidamente, duas situações distintas. Uma impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva poderá ocorrer e originar a caducidade do contrato de trabalho, por exemplo, em virtude de um acidente de trabalho ou de um acidente de cariz não laboral que provoque um grau de incapacidade tal do trabalhador que o impeça do desempenho das suas funções, ou mesmo ocorrendo uma situação análoga à que deu origem ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 24/09/2008, em que o funcionário da Sociedade Hoteleira em questão, exercendo as funções de cozinheiro, contraiu o vírus de HIV positivo11. Por seu turno, a impossibilidade de a entidade patronal receber o trabalhador poderá decorrer da circunstância de o trabalhador, por motivos objectivos e/ou subjectivos, tornar-se um elemento não válido à empresa que o emprega. Devidamente documentada, e assegurados que estejam os direitos do trabalhador visado, defendemos que poderá ocorrer a cessação do vínculo entre ambas as partes, não à luz da caducidade, mas à luz da inadaptação do trabalhador ao respectivo posto de trabalho. No que concerne à justa causa de despedimento, o art. 9.°, nº 1, procede a ligeiras alterações de construção frásica, mas mantém o enfoque no comportamento culposo do trabalhador, cuja gravidade e consequências tornem a manutenção da relação laboral imediatamente impossível. Já o seu nº 2, num elenco não taxativo (“Constituirão, nomeadamente (…)”) e bem mais extenso do que os consagrados até então, não deixa de consagrar alguns comportamentos dignos de destaque, como sejam o “Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida (…)”, a “Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa” – e, desta feita, não uma lesão culposa, como à luz dos art.s 10°, nº 2, d) do DecretoLei n.° 84-/76, 102°, g) do Decreto-Lei n.° 49 408 e 99.°, g) do Decreto-Lei n.° 47 032 – ou as “reduções anormais da produtividade do trabalhador” (cfr. alíneas d), e) e f), respectivamente, do citado artigo). Todas estas situações são, na linha de entendimento que adoptamos, passíveis de integrar o actual regime de despedimento por inadaptação ao posto de trabalho, como passaremos a explicar. 11 Cfr. Acórdão STJ nº SJ20080924037934, Processo 07S3793, de 24-09-2008, disponível em www.dgsi.pt 18 A propósito do disposto na alínea d), lembremos o Acórdão do STJ de 21/09/2004, no qual, muito embora se discutisse a cessação do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho, a Autora não conseguiu evitar o seu despedimento, nomeadamente por falta de empenho em se adaptar a uma nova função dentro da empresa, tendo sido provado que, face a dificuldades perante formação ministrada, a trabalhadora/Autora “desistiu de concluir tal formação” e “não aceitou ir para Espanha para fazer formação e integrar o projecto T0, no qual não existia soldadura automática”12, área de trabalho em que laborava e que se viria a extinguir. Assim, verificamos que esta trabalhadora demonstrou, precisamente, um “desinteresse repetido” pela manutenção de uma função no seio da empresa, não tendo, de todo, actuado com a “diligência devida”. Não podemos ainda, está claro, deixar de estabelecer um paralelismo entre a referida alínea f) e o actual regime do despedimento por inadaptação que, recorde-se, à data, não estava instituído no nosso ordenamento jurídico. Como sabemos, o actual art. 374°, nº 1, a) e b), estipulam o seguinte: “Redução continuada de produtividade ou de qualidade” e “Avarias repetidas nos meios afectos ao posto de trabalho”. Ora, para além de constituírem fórmulas muito pouco diferenciadas de transmitir o mesmo pensamento legislativo, estamos, inequivocamente, perante, uma “(…) inadaptação superveniente do trabalhador ao posto de trabalho” (cfr. art. 373° CT actual), “(…) determinada pelo modo de exercício de funções do trabalhador” (cfr. art. 374° CT actual), tornando praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. Uma última referência ao art. 16° do Decreto-Lei sub judice, que optou por manter a já aludida incompreensibilidade no que concerne ao regime de cessação de contrato de trabalho por extinção de posto de trabalho, fundada, esta sim, em causas objectivas, e admitida para um mínimo de, relembre-se dois trabalhadores. Introdução ou Reintrodução? Foi, finalmente, com o Decreto-Lei n.° 400/91, de 16 de Outubro, que a figura do despedimento por inadaptação foi expressamente introduzida na ordem jurídica portuguesa. Porém, muitos são os autores que aqui leêm uma “reintrodução” e não uma verdadeira 12 Cfr. Acórdão STJ nº SJ200506220009234, Processo 05S923, de 22-06-2005, disponível em www.dgsi.pt 19 “introdução”, face ao caminho legislativo que vimos analisando13. Alinhamos, naturalmente, com aqueles. Dispõe o preâmbulo deste DL que, à semelhança do que ocorre ao nível do regime previsto para o despedimento por extinção do posto de trabalho, em virtude da introdução de “modificações para as quais o trabalhador venha a revelar impossibilidade de adaptação”, também o funcionamento da empresa sairá perturbado, o seu equilíbrio económico-financeiro posto em risco e, a prazo, outros postos de trabalho extintos. Assim, “atenta a objectividade que deve ser assegurada” nestes casos, estabelece-se uma “regulamentação substantiva e processual que confira segurança e justiça à decisão de fazer cessar o contrato por aquele motivo”, obedecendo mesmo a 7 (sete) princípios fundamentais, quais sejam, uma tipificação rigorosa de situações que revelam a aludida inadaptação do trabalhador; a definição dos requisitos de licitude da cessação do contrato com este fundamento; a especificidade e exigibilidade de objectivos no regime dos cargos de complexidade técnica ou de direcção; a salvaguarda do direito de oposição do trabalhador; o seu direito de acção judicial, com vista à eventual declaração de nulidade da cessação do contrato de trabalho por inadaptação; a instituição de uma providência cautelar de suspensão da cessação do contrato e, por fim, a proibição da diminuição do volume de emprego permanente da entidade empregadora (cfr. preâmbulo do supra citado Decreto-Lei n.° 400/91). Isto posto, os artigos 1° a 12° estabeleceram o regime da cessação do contrato de trabalho com fundamento em inadaptação do trabalhador ao posto de trabalho, sendo de destacar o art. 2° e o seu nº 1, com um elenco taxativo de três situações em que, objectivamente, “pelo modo de exercício de funções do trabalhador”, o vínculo laboral se tornava impossível de manter (“a) Redução reiterada de produtividade ou de qualidade; b) Avarias reiteradas nos meios afectos ao posto de trabalho; c) Riscos para a segurança e saúde do próprio ou dos restantes trabalhadores ou de terceiros.”). O nº 2 do mencionado artigo cuidava do regime específico previsto para os cargos de complexidade técnica ou de direcção, binómio que hoje se mantém e cremos que bem. Não perfilhamos inteiramente a crítica tecida por Abílio Neto quando se refere, a nosso ver, com demasiado afinco terminológico, ao facto de o CT “não ter definido, directa ou indirectamente, o que deva entender-se por «cargos de complexidade técnica ou de direcção»”14 pois, no caso concreto, será de relativa facilidade, a qualquer uma das partes, demonstrar, através das funções desempenhadas/exigidas, se estamos perante um cargo que poderá merecer tais 13 Cfr. PALMA RAMALHO, ob. cit., pp. 913 e ss. e ROMANO MATINEZ, ob. cit., pp. 1075 e ss.. Em sentido diverso, cfr. MONTEIRO FERNANDES, “Direito do Trabalho”, pp. 416 e ss., especialmente pp. 514 a 517. 14 Cfr. NETO, ob. cit., pp. 910 e ss. 20 configuração e designação. Não será, portanto, necessariamente, um cargo que exija, no mínimo, uma licenciatura ou um grau de estudos ainda superior. Obedecendo à mesma objectividade e impossibilidade de manutenção da relação laboral, a inadaptação, nestas situações, verifica-se aquando do não cumprimento dos “objectivos previamente fixados e formalmente aceites” entre as partes. Trata-se, aqui, nas palavras do supra citado autor, de um “acordo de rendimento”, cuja redução a escrito se afigura essencial e poderá ocorrer, “quer na altura da admissão do trabalhador, quer no decurso da vigência do contrato, abarcando um período de tempo mais ou menos longo, mas não tão exíguo que não permita uma avaliação séria e ponderada”. Aliás, continua o autor, “perante uma proposta de acordo deste tipo, o trabalhador deve ponderar bem se lhe convém aceitá-la – e essa recusa/aceitação é inteiramente livre -, pois bem pode suceder que se trate de uma “armadilha”, destinada a pôr termo ao contrato (…)”.15 Convém, no entanto, não esquecer aqueles postos de trabalho, como sejam, por exemplo, os comerciais de vendas, em que a definição e o alcance de determinados objectivos ou metas temporalmente fixados, constitui, normalmente, uma vertente implícita do seu exercício, objectivos estes que, precisamente em virtude da economia de mercado e de factores de vária ordem interna e externa da empresa, podem e variam certamente com regularidade. Somos da opinião de que, nestes cenários, a opção entre optar/recusar não será, de todo, equacionável. Temos vindo a defender e a sustentar doutrinalmente a fraca adesão a esta figura para fazer cessar o contrato de trabalho, pelo que se nos afigura extremo e quase maquiavélico imaginar que nos tempos hodiernos uma entidade empregadora, visando alcançar tal objectivo, delineie semelhante trajecto tão meticuloso e dispendioso. Mesmo assim, não deixa, de todo, de ser uma possibilidade perfeitamente compaginável com o regime em mãos e, de resto, com a natureza humana. Pedro Romano Martinez, entende que “complexidade técnica” se trata de um “conceito indeterminado que abrange um número elevado de situações, carecendo, pois, de concretização”16, concretização que, contudo, não adianta. Os já aludidos objectivos previamente fixados serão, na óptica do mesmo autor, uma condição “que não é, por si, resolutiva, mas que funciona como requisito da inadaptação”. Lamentamos que esta posição se encontre, apesar de apreensível, pouco desenvolvida no que concerne à sua contribuição para a praticabilidade do regime. 15 Cfr. NETO, ibidem. Cfr. ROMANO MARTINEZ, em coautoria com MONTEIRO, VASCONCELOS, MADEIRA DE BRITO, DRAY e GONÇALVES DA SILVA, “Código do Trabalho Anotado”, pp. 973 e ss. 16 21 Quanto à impossibilidade de subsistência da relação de trabalho, elemento basilar de ambos os regimes (inadaptação tout court e inadaptação nos casos de cargos de complexidade técnica ou de direcção), entende, ainda, que deve ser vista como a “inviabilidade de o empregador manter aquele trabalhador inadaptado, para o qual não tem posto de trabalho compatível”, aludindo ao preceituado no art. 368°, nº 4 CT a propósito do regime de despedimento por extinção de posto de trabalho (“4. Para efeito da alínea b) no n.° 1, uma vez extinto o posto de trabalho, considera-se que a subsistência da relação de trabalho é praticamente impossível quando o empregador demonstre ter observado critérios relevantes e não discriminatórios face aos objectivos subjacentes à extinção do posto de trabalho.”)17 Atentemos, agora, no art. 3.° do Decreto-Lei n.° 400/91, o qual estabelecia as condições desta forma de cessação do contrato de trabalho. Verificamos, pois, que se tratava de um elenco taxativo de 6 (seis) requisitos cumulativos, o que não só atestava as pretensões aludidas no preâmbulo do diploma, como tornava extremamente difícil o recurso a este mecanismo como forma de uma entidade empregadora se “ver livre”, facilmente, de qualquer trabalhador, o que, de resto, fica patente pela leitura do restante regime consagrado neste diploma legal (cfr., nomeadamente, os artigos 4.° (Comunicações), 5.° (Processo), 8.° (Ilicitude da cessação do contrato) e 10.° (Manutenção do nível de emprego permanente). 17 Cfr. ROMANO MARTINEZ, em coautoria com MONTEIRO, VASCONCELOS, MADEIRA DE BRITO, DRAY, e GONÇALVES DA SILVA, ob. cit. 22 IV – Os Acórdãos n.°s 107/88, de 31 de Maio e 64/91, de 4 de Abril do Tribunal Constitucional e a Constituição da República Portuguesa Surgido na sequência de um requerimento do então Presidente da República (PR) Mário Soares, o Acórdão n.° 107/88, de 31 de Maio, do Tribunal Constitucional (TC), veio fiscalizar preventivamente 5 (cinco) normas do Decreto da Assembleia da República (AR) n° 81/V, decreto de autorização legislativa que procedia à revisão do regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho, do contrato a termo e do regime processual da suspensão e redução da prestação de trabalho. Das normas submetidas a apreciação constitucional, releva para o presente trabalho o art. 2°, a) do citado Decreto, que visava alargar o conceito de justa causa para despedimento individual a factos, situações ou circunstâncias objectivas que inviabilizassem a relação de trabalho e estivessem ligados à aptidão do trabalhador ou fossem fundados em motivos económicos relativos à empresa, estabelecimento ou serviço. Estaria, pois, em vista, a legitimação do despedimento por factos não ligados à conduta estritamente culposa do trabalhador. Na sua fundamentação, entendeu o PR que tal contenderia com os direitos de segurança no emprego e no trabalho e ao trabalho, previstos nos art.s 53° (“Segurança no emprego – É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos”) e 59°, nº 1 - hoje 58°, nº 1 (“Direito ao trabalho – 1. Todos têm direito ao trabalho.”) - da Constituição da República Portuguesa (CRP). O Acórdão viria a pronunciar-se pela inconstitucionalidade da norma “por violação no disposto nos artigos 55º, alínea d), 57º, nº 2, alínea a) e também do disposto no artigo 53º, todos da Constituição”18, aderindo a uma natureza restrita do conceito de justa causa, incluindo nele apenas as situações subjectivas disciplinares, de comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, levasse a uma imediata e impossível subsistência da relação laboral. O TC escudou a sua decisão em fundamentos e argumentos históricos pois, “não definindo a Constituição o que sejam despedimentos sem justa causa, cabe apurar se, aquando do recebimento do conceito, este foi acolhido com o sentido que lhe vinha sendo dado na ordem jurídica interna anterior, ou se, porventura, foi transformado o seu significado e sentido, isto é, o seu espaço semântico.”19 Seguindo o entendimento de J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, sustentou o douto Acórdão que “quando a Constituição 18 Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 107/88, de 31 de Maio, Processo nº 220/88, disponível em www.tribunalconstitucional.pt 19 Cfr. ibidem. 23 recebe um determinado conceito legal com um certo sentido, este fica, por assim dizer, «constitucionalizado», deixando de estar à disposição do legislador”. Assim, ao rejeitar cabalmente uma concepção do conceito de justa causa em sentido amplo, afastou a inaptidão/inadaptação do trabalhador. Considerou o douto Acórdão (Ac.) que a CRP, ao acolher o conceito de “justa causa”, fê-lo com um sentido “rigorosamente delimitado”, não podendo a lei ordinária vir, posteriormente, modificá-lo de forma a fazer corresponder ao dito preceito “coisas substancialmente diferentes do que originariamente dizia”. Contradizendo um pouco a sua fundamentação, continua o Ac. referindo que, “como em qualquer outro conceito constitucional, existe, é certo, uma determinada margem de liberdade de configuração legislativa concreta de justa causa.” O que não pode suceder é vir o legislador “transfigurar o conceito, de modo a fazer com que ele cubra dimensões essenciais e qualitativamente distintas daquelas que caracterizam a sua intenção (…)”, concluindo, por isso, que o alargamento em análise configuraria uma “transmutação substancial”. Não podemos, de modo algum, perfilhar esta linha de pensamento, não só porque entendemos não se tratar de qualquer transmutação conceptual, como a escolha de tal vocábulo foi infeliz e abrupta. De facto, na precipitação de votar a inconstitucionalidade, parece-nos que foi verdadeiramente descurada a adaptabilidade e oportunidade legislativas que a Proposta de lei em análise mereciam. Falamos do acompanhamento e evolução da realidade legislativa à realidade social e económica e não de uma subversão insultuosa à Lei Fundamental. De maior relevância se nos afigura a grande questão que o TC deixa expressamente em aberto. Aparentemente, não mereceu importância determinar se, “à proibição constitucional do despedimento sem justa causa corresponde, necessariamente, a exclusiva legitimidade constitucional do despedimento com justa causa, ou se, pelo contrário, ainda seria igualmente lícita a previsão de despedimentos fundados em causas objectivas não imputáveis a culpa do empregador que, em cada caso concreto tornem praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”. Simplificando, seriam estes despedimentos realmente proibidos/ilícitos, ou foi esta redacção infeliz? Continuou argumentando que, se “se seguisse tal entendimento, (…) sempre se exigiria um tratamento distinto”20 daquele porque se regem os despedimentos por justa causa em termos substantivos e processuais. Não admitiu, ainda, o douto Ac. que a figura consagrada no supra analisado DecretoLei n.° 372-A/75 do despedimento por motivo atendível “renascesse”. 20 Cfr. ibidem. 24 Tal decisão do TC não foi, contudo, unânime, tendo inclusive suscitado quatro declarações de voto de vencido dos Conselheiros Raúl Mateus, Messias Bento, José Manuel Cardoso da Costa e Armando Manuel Marques Guedes, os quais consideraram que a CRP admitia um conceito amplo de justa causa e, por consequência, o despedimento fundado em causa objectivas. Nesta parte, o diploma não seria, portanto, inconstitucional. Assim, Raúl Mateus, partindo do mesmo pressuposto histórico que levou o douto Ac. a considerar inconstitucional o alargamento do conceito de justa causa, na medida em que este apenas abarcaria um critério subjectivo (um comportamento culposo e censurável do trabalhador) e já não um critério objectivo (um qualquer outro motivo baseado em razões puramente externas), vem, de encontro ao nosso entendimento, inferir dos diplomas publicados desde 1937 uma conclusão oposta. Este juiz Conselheiro considerou que, na Lei 1952, de 10 de Março de 1937, o conceito de justa causa consagrado era amplo, atendendo tanto a motivos subjectivos - ligados à conduta do trabalhador -, como a motivos objectivos circunstâncias alheias à vontade deste último -, desde que a gravidade então verificada fosse de tal ordem que não tornasse possível a manutenção da relação laboral entre as partes. Os diplomas que se lhe seguiram (DL 47 032, de 27 de Maio de 1966 e DL 49 408, de 21 de Novembro de 1969 - LCT) mantiveram este conceito amplo de justa causa, não obstante as suas já analisadas alterações de ordem sistemática e o facto de terem, ainda, “sucessivamente, implementado novo regimes jurídicos do contrato individual de trabalho”.21 Acrescenta, relativamente ao DL 49 408, que o mesmo nos “dá uma definição de justa causa de tal modo lata que nela se hão-de compreender necessariamente tanto causas subjectivas como objectivas de despedimento, e, por outro lado, porque o artigo 102° do mesmo diploma legal faz uma enumeração meramente exemplificativa, como nele expressamente se refere, dos factos constitutivos de justa causa.”22 Prossegue a sua análise histórica de forma minuciosa, de modo que, chegados a 1975, entende ter sido o regime patente na LCT simplesmente suspenso, pelo prazo de 30 dias, estipulado pelos art.s 21° a 23° do DL 292/75, de 16 de Julho, o que o leva a concluir, e bem, segundo cremos, que o regime estatuído naquele diploma legal e, consequentemente, o conceito de justa causa nele expresso, “ao menos em termos absolutos, não foi então posto à margem. Simplesmente, e para aquele período transitório de congelamento de despedimentos, se estabeleceu, e excepcionalmente, um regime de ínterim.”23 21 Declaração de voto de vencido do Juiz Conselheiro Raúl Mateus no supra citado Acórdão n.° 107/88 do Tribunal Constitucional. 22 Cfr. ibidem. 23 Cfr. ibidem. 25 Continua com alusão aos projectos de revisão constitucional apresentados à Assembleia Constituinte pelos partidos Socialista (PS) e Popular Democrático (PPD) pois, da sua leitura, no que se refere à matéria de segurança no emprego, retira a consagração de um “conceito amplo de justa causa de despedimento” que, reitera, “desde 1937, e sem interrupções, vinha vigorando na ordem jurídica portuguesa. De facto, nem num, nem noutro projecto, se estabelecem limitações a tal conceito, cuja amplitude e significado se manteve naturalmente por adquirida”.24 Entretanto, no decorrer dos aludidos trabalhos da Assembleia Constituinte, foi publicado o supra analisado DL 372-A/75, de 16 de Julho, o qual, como vimos, consagrou, nas palavras de Raúl Mateus, “pela primeira vez no nosso ordenamento jurídico laboral, um conceito restrito de justa causa”, mas cujas causas, entende, passaram a ser catalogadas “à parte, na categoria dos motivos atendíveis, motivos com base nos quais ficou a ser consentido o despedimento com aviso prévio, e não já o despedimento imediato”.25 O supra aludido diploma legal tinha um mês e meio de vigência e prosseguiram os trabalhos da Assembleia Constituinte, destacando o conselheiro as propostas do PS e PPD a propósito da Garantia do direito ao trabalho. Salienta o entendimento dos dois partidos, em 17 de Setembro de 1975, tendo o PS retirado a sua proposta e apresentado uma outra em sua substituição, proposta essa que o PPD (bem como os restantes partidos, que não tomaram parte na discussão) veio a aprovar, por repensada a redacção que havia dado à sua. Vai ainda mais longe e transcreve excertos do debate dos deputados Marcelo Curto (pelo PS) e Mário Pinto (pelo PPD). Deste modo, entendeu Marcelo Curto, ficarem de “fora desta proibição os despedimentos tecnológicos ou os chamados despedimentos colectivos, porque esses despedimentos ou essa colocação no desemprego de alguns trabalhadores é uma constante da própria reorganização económica” e, na mesma linha de raciocínio, entendeu Mário Pinto, que “ficou claro qual o alcance dado ao conceito «justa causa», alcance que não corresponde exactamente ao sentido, ao âmbito técnico e clássico do termo ou da expressão, mas que é um pouco mais amplo, abrangendo situações objectivas socialmente relevantes e justificadas, designadamente face aos planos socio-económicos. Esse entendimento corresponde à posição do Partido Popular Democrático, que, aliás, já tinha repensado a proposta de ontem (…), substituindo a expressão «motivo atendível» por «motivo socialmente justificado».”26 Face ao exposto, acusando o douto Acórdão de ter feito uma leitura errada dos acontecimentos que culminaram com a aprovação da proposta do PS e com o sentido da 24 Cfr. ibidem. Cfr. ibidem. 26 Cfr. ibidem. 25 26 mesma, conclui Raúl Mateus que não era lícito ao mesmo pugnar pela consagração de um conceito restrito de justa causa, bem como o entendimento de que “a Constituição há-de cristalizar necessariamente os conceitos legais vigentes ao tempo da sua aprovação”.27 Neste sentido, parece-nos adequado fazer referência à concepção constitucional de justa causa defendida por Monteiro Fernandes, a qual abrangerá “toda e qualquer situação (de natureza disciplinar ou outra) capaz de, em concreto, suscitar a impossibilidade prática da subsistência das relações que o contrato de trabalho supõe” 28, não podendo resultar de uma determinação acidental mas, antes, de uma consolidação legislativa. O autor dá, aliás, como exemplo desta determinação acidental, o conturbado período legiferante que Portugal viveu nos anos de 1975 e 1976, os quais tivemos oportunidade de analisar, e que caracteriza de “instabilidade social e cultural”29. Acrescentaríamos, política. Perante tão detalhada análise por parte de Raul Mateus, e o que se nos assemelha como uma inequívoca opção pela consagração de um conceito amplo de justa causa no ordenamento jurídico laboral português, não podemos compreender a posição do TC ou a sua interpretação da Proposta de lei sujeita a fiscalização preventiva, a qual patenteia uma autêntica “teimosia” em não querer suscitar querelas doutrinais de grande monta. Avançando para a Revisão constitucional de 1982, o juiz conselheiro que temos vindo a citar salienta, não só a transformação da segurança no emprego como mera incumbência do Estado em garantia dos trabalhadores (Cfr. art.s 52°, b) do texto de 1976 e art. 53° actual CRP), como também a proposta de alteração apresentada pelo Partido Comunista Português (PCP), a qual mereceu uma rejeição que, no seu entendimento – o qual, aliás, secundamos – “não pode deixar de ter uma clara significação: a de que o poder constituinte derivado recusou expressamente restringir o conceito constitucional de justa causa”. Não deixa de ser curioso que esta passagem da história constitucional portuguesa seja omitida no acórdão. Incompreensivelmente? Talvez não. Posteriormente, segundo o douto Acórdão, tanto a LCCT, como a legislação ordinária terão interpretado o conceito de justa causa em sentido estrito, lendo-o unicamente à luz de motivações do tipo subjectivo. Também aqui o voto de vencido faz uma chamada de atenção para um diploma em particular: o DL 508/80, de 21 de Outubro, que veio regulamentar o contrato de serviço doméstico e veio dar ao conceito de justa causa uma “definição alargada”, tendo em atenção a sua “natureza especial”.30 27 Cfr. ibidem. Cfr. MONTEIRO FERNANDES, ob. cit. 29 Cfr. MONTEIRO FERNANDES, ob. cit. 30 Cfr. art. 16°, nº 1 do DL 508/80, de 21 de Outubro. 28 27 Muito embora seja o argumento histórico a base da argumentação de Raúl Mateus, esta não finda com ele. Desta feita, encontra fundamentos também no Direito Internacional. De acordo com o preceituado no artigo 23°, nº 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH) - cujos preceitos a CRP recebe e interpreta em conformidade (16°, nº 2 CRP) -, “toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à protecção contra o desemprego”. Deste modo, causas objectivas que tornem impossível a continuidade da relação laboral, não serão, de modo algum, condições equitativas e satisfatórias de trabalho. Outrossim, a própria Organização Internacional do Trabalho (OIT), instituição especializada da Organização das Nações Unidas (ONU), na Recomendação nº 119 que emitiu – “Nenhum despedimento se deverá verificar sem que ocorra motivo válido (…) ligado à aptidão ou à conduta do trabalhador ou devido a necessidades de funcionamento da empresa, do estabelecimento ou do serviço.” – interpretou, “naturalmente nesse sentido a DUDH”, e “considerou justificável o despedimento por razões objectivas, desde que impostas por necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço. Tendo, pois, em conta o disposto no artigo 16°, nº 2, da Constituição, deveria ter sido interpretado nesta mesma linha o artigo 53° da Constituição. Não foi, porém, o que se verificou”.31 Regressando ao direito nacional, termina lembrando que, uma vez que a própria CRP não fixou quaisquer princípios de forma a proceder à sua interpretação, sempre se deverá recorrer aos “geralmente considerados como princípios de aplicação universal na nossa ordem jurídica”32, consagrados no art. 9° do Código Civil (CC). Face à realidade e à perpétua dualidade/conflito que constituem os interesses do trabalhador e os interesses da empresa, não seria, reconhece “naturalmente fácil, nem talvez possível, dizer-se (…) qual deveria ser a solução mais acertada”. Porém, afirma e reitera que a aferição do Acórdão nº 107/88 foi “extremista”, protegendo “quase absolutamente a estabilidade no emprego”, prejudicando “quase absolutamente o equilíbrio económico das empresas, e que pela sua inflexibilidade” viria “a ter, a prazo, efeitos devastadores na economia”.33 Não poderia, por isso, ser este o caminho certo, um caminho tão afastado da equidade desejável, que abriu portas à discórdia, não só em 1988, como nos dias de hoje. O juiz conselheiro Messias Bento, secundado pelos conselheiros Cardoso da Costa e Marques Guedes, votou vencido em termos bastante similares aos supra aludidos. 31 Cfr. ibidem. Cfr. ibidem. 33 Cfr. ibidem. 32 28 Desde logo, entendeu que o conceito constitucional de justa causa “é susceptível de cobrir «factos, situações ou circunstâncias objectivas»” que fundamentem despedimentos individuais, “liguem-se eles à aptidão do trabalhador ou fundem-se, antes, em motivos económicos, tecnológicos, estruturais ou de mercado relativos à empresa” 34, questão que, enfatiza, o Tribunal deixou em aberto. Uma vez mais, confrontamo-nos com a perfilhação de um conceito amplo de justa causa. Percorrendo igualmente, mas de forma um pouco mais abreviada, o percurso histórico-legislativo português, entende que, com o DL n.° 84/76, de 28 de Janeiro, foram desatendidas, não só a “inaptidão ou incompetência do trabalhador”, como as “necessidades de conservação empresarial, por mais imperiosas que fossem”35 e, citando Bernardo da Gama Lobo Xavier, “não faz sentido que a Constituição recebesse um conceito tão restrito (…). A Constituição, quando proíbe os despedimentos sem justa causa, coloca-se noutra perspectiva: a de defesa do emprego e a necessidade de não consentir denúncias motivadas. (…) a proibição constitucional pretende atingir os despedimentos arbitrários, isto é, sem motivo justificado.” 36 Como verificamos, não estaria vedado o despedimento por motivos objectivos relacionados com a evolução tecnológica e, claro está, com a capacidade de adaptação a esta pelo trabalhador ou necessidades empresariais. Messias Bento coloca, deste modo, e cremos que acertadamente, o enfoque, na proibição da discricionariedade, nos despedimentos sem qualquer motivo – ad nutum – ou sem motivo justo/razoável, isto é, arbitrários. Mais, visto tratar-se a justa causa de um conceito indeterminado, como o é a própria ideia de Justiça, caberá ao legislador especificar ao máximo e dar forma ao seu conteúdo. Considera mesmo “inexigível” a manutenção da relação laboral quando esta advenha de factos, situações ou circunstâncias objectivas, quer por parte do trabalhador (inaptidão ou falta de preparação para as modificações impostas), quer por parte da empresa (desenvolvimento tecnológico, estrutural ou de mercado), podendo tornar-se “imperioso proceder à extinção de postos de trabalho”37 em tais casos. Mas, por razões de justiça e equidade, exige que tais despedimentos não ocorram sem o pagamento da devida indemnização e aviso prévio, concluindo que “um despedimento individual sujeito a um regime desta natureza (…) é algo que a própria dinâmica da economia inelutavelmente acaba por impor”.38 34 Cfr. Declaração de voto de vencido do Juiz Conselheiro Messias Bento no supra citado Acórdão n.° 107/88, do Tribunal Constitucional. 35 Cfr. ibidem. 36 Cfr. ibidem. 37 Cfr. ibidem. 38 Cfr. ibidem. 29 Este juiz conselheiro termina com dois pensamentos de extrema relevância. Em primeiro lugar, considera “deveras incompreensível que razões do tipo apontado” possam legitimar constitucionalmente despedimentos colectivos e já não o despedimento de um único trabalhador e, em segundo lugar, que a palavra “modernização”, imposta aos empresários, transforme o posto de trabalho num direito absoluto e incondicional, “uma espécie de direito de propriedade”.39 Três anos decorridos, em virtude de um novo decreto de autorização legislativa (Decreto nº 302/V da Assembleia da República, resultante da aprovação da Proposta de Lei nº 176/V, consequência de um processo de negociações em sede de Conselho Permanente de Concertação Social que culminou, em 19 de Outubro de 1990, com a assinatura do Acordo Económico e Social) que visava, entre outras matérias, regular a cessação do contrato de trabalho por inadaptação do trabalhador, suscitou-se, uma vez mais, a questão da constitucionalidade. Neste sentido, o Presidente da República (PR), Mário Soares, requereu a fiscalização preventiva do diploma, não só dada “a importância das matérias em questão”, mas também “a necessidade de ser aprofundada a doutrina que emana do acórdão nº 107/88”40 do TC que acabamos de analisar. Receava-se, então, na parte que nos concerne ao presente estudo, que o que se entendeu por uma enunciação genérica das medidas a adoptar em sede de despedimento por inadaptação poderiam pôr em causa o princípio da Tipicidade e violar os princípios da Proibição do Excesso e da Segurança do emprego, consagrados nos artigos 18°, nº 2 e 53° da CRP. Como já fizemos notar, na sequência de quaisquer “malentendidos” que, desde 1988, tivessem permanecido, entendeu o TC apreciar de novo a questão da delimitação da noção constitucional do conceito de justa causa de despedimento. Certo é, no entanto, que o TC viria a pronunciar-se pela inconstitucionalidade de todas as normas constantes do supra citado decreto por violação de normas que contenderam com o processo de elaboração do mesmo, isto é, por falta de audição e participação das comissões de trabalhadores e associações sindicais (cfr. art.s 54° e 56° CRP), tendo expressamente declarado que “este Tribunal perfilha o entendimento de que não é constitucionalmente ilegítima esta nova figura de cessação de contrato de trabalho, nos precisos termos em que 39 Cfr. ibidem. Cfr. Acórdão do n.° 64/91, de 4 de Abril, do Tribunal Constitucional, disponível em www.tribunalconstitucional.pt 40 30 está regulada no Decreto em apreciação, desenvolvendo assim a problemática do Acórdão nº 107/88” (sublinhado nosso). 41 Não antecipando a questão em demasia, estavam em causa os artigos 2° e 6°, nº 2, a) e c) do referido decreto, cuja única diferença substancial de redacção relativamente ao regime actualmente estabelecido consiste, naturalmente, no facto de não estar prevista a possibilidade de recurso a esta figura de cessação de contrato de trabalho nos casos em que não tenha havido introdução de modificações tecnológicas no posto de trabalho. Este acórdão salientou a posição tomada pelo seu “predecessor” e explanou as motivações aduzidas por aquele. Porém, não deixou de referenciar a questão que o mesmo teve o cuidado, senão a intenção, de deixar em aberto: será lícita a previsão de despedimentos com justa causa objectiva não imputável à pessoa do empregador em situações analisadas concretamente, que impossibilitem a manutenção do vínculo laboral? Sublinhou que, a serem admitidos, tais despedimentos, necessitariam, aliás, como já havia sido salientado em 1988, de regulamentação substantiva e processual própria. Ora, este acórdão encontrava-se, à data, perante uma regulamentação desta exacta natureza. O acórdão passou, então, a enumerar os objectivos do Acordo Económico e Social assinado em Outubro de 1990, salientando a criação da figura de que cuidamos, bem como destacando os objectivos que presidiram à sua celebração, de entre os quais não podemos deixar de salientar “a modernização do tecido empresarial”, a “reestruturação da empresas”, a “introdução de novas tecnologias ou equipamentos”, “a racionalização e adequação dos recursos humanos no quadro de uma situação favorável de emprego”, a prevenção de “desequilíbrios estruturais” por via da inadaptação e perda de competitividade do trabalhador ou o incentivo da “formação profissional”42, todos patenteando uma incrível verosimilhança com os objectivos que presidiram ao Compromisso Para o Crescimento, Competitividade e Emprego (2011) e ao Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica (2012), como infra veremos. Analisando em concreto o requerimento que lhe foi dirigido, o TC, pareceu considerar o mesmo, no que às normas respeitantes ao despedimento por inadaptação concernem, algo vago, porquanto não entendeu como poderiam estar os princípios da Igualdade e Tipicidade postos em perigo quando as alíneas visadas do Decreto claramente distinguiam as situações em que tal figura poderá ser aplicada ao trabalhador comum (alínea a) e aos trabalhadores que exerçam cargos de complexidade técnica ou de direcção, distinção já nossa conhecida e 41 42 Cfr. ibidem. Cfr. ibidem. 31 analisada. Não compreendeu também o douto acórdão como pôde o visado decreto fazer perigar a Segurança no emprego, visto constar das normas sujeitas a fiscalização a garantia de, “nomeadamente, prévia formação formação profissional e um período de adaptação suficiente no posto de trabalho”.43 Curiosamente, o PR, no requerimento elaborado ao TC, não se mostrou atingido pela redacção da alínea que estabelecia as situações de inadaptação ou os seus condicionamentos, mas sujeitou a fiscalização da alínea c) do nº 2 do art. 6° do decreto, a qual estabelecia, precisamente, os condicionamentos específicos da cessação relativamente aos cargos de complexidade técnica ou de direcção. Não é, pois, no mínimo, “estranho”, que os condicionamentos gerais tenham escapado ao crivo constitucional? Não seria de esperar uma ordem de factores precisamente inversa? Citando o douto acórdão, “poderia mesmo concluir-se que o Presidente da República não suscita dúvidas de constitucionalidade quanto à cessação do contrato de trabalho por inadaptação do comum dos trabalhadores, mas tão-somente quanto aos trabalhadores que desempenham cargos de complexidade técnica ou direcção. A verdade, porém, é que há-de reconher-se que tal conclusão não é segura”.44 Por isso, procedeu o Tribunal a uma análise ampla das normas e não tão restritiva quanto parecia pretender-se, tendo concluído que a expressão/conceito indeterminado “cargos de complexidade técnica ou de direcção” haveria de ser interpretada de modo a “abranger grosso modo os quadros técnicos da empresa”45. Ademais, não haveria qualquer desproporcionalidade inconstitucional na distinção entre os regimes das alíneas a) e c) sub judice, visto que, não só tratavam de características e exigências inerentes a situações distintas de per si como, tal como aprendemos nos bancos da faculdade de Direito, será de aplicar a máxima “tratar de forma igual o que é igual e de forma diferente, o que é diferente”. Como referimos supra, apesar da inconstitucionalidade que assolou todo o diploma em apreço, a questão de que ora nos ocupamos recebeu o aval do TC, pelo que devemos fazer referência aos argumentos esgrimidos pelo douto acórdão nesse sentido. Em primeiro lugar, igualmente suportando a posição defendida por Bernardo da Gama Lobo Xavier, entendeu que a CRP, quando recebe o conceito de justa causa, pretende tãosomente, assegurar a defesa do emprego no sentido de prevenção de despedimentos imotivados, arbitrários ou injustificados, remetendo neste ponto para a Declaração de voto conjunta dos conselheiros Cardoso da Costa e Messias Bento, esmiuçada supra. Deduzimos, 43 Cfr. ibidem. Cfr. ibidem. 45 Cfr. ibidem. 44 32 assim, que o douto acórdão “não se limita à noção de justa causa disciplinar aceite no nosso Direito do Trabalho desde 1976”.46 Em segundo lugar, assumindo que ainda que se perfilhasse um entendimento diferente, sustentou, chamando a atenção para o afastamento do despedimento por “motivo atendível”, a CRP “não vedou em absoluto ao legislador ordinário a consagração de certas causas de rescisão unilateral do contrato de trabalho pela entidade patronal com base em motivos objectivos, desde que as mesmas não derivem de culpa do empregador ou do trabalhador e que tornem praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral”.47 Todavia, de forma a salvaguardar o princípio da Proporcionalidade, consideração que subscrevemos inteiramente, não poderá esta forma de cessação servir os “humores” da entidade patronal ou as suas conveniências, pelo que, tal como vimos, haveria de ser alvo de uma regulamentação própria e, desta feita, distinta da prevista para os despedimentos por justa causa. Só assim se poderia evitar a transfiguração deste último conceito. De resto, se uma “verdadeira impossibilidade objectiva de subsistência da relação laboral é que justifica a legitimidade constitucional dos despedimentos colectivos”, seria uma “impossibilidade objectiva análoga que há-de justificar também os despedimentos individuais com base em motivos de inadaptação por evolução tecnológica” 48, argumento que temos vindo a sustentar, especialmente perante o incipiente número de trabalhadores que estabelece a barreira de aplicabilidade de um e outro regimes. Também neste ponto remeteu o douto acórdão para as declarações de voto dos conselheiros Raúl Mateus, Cardoso da Costa e Messias Bento. A respeito das garantias dos trabalhadores, salientou, também, o TC, a necessidade de fiscalização dos procedimentos por via de uma entidade exterior ao vínculo laboral, bem como a disponibilização da devida indemnização ao trabalhador despedido por recurso a esta figura. À data, tais garantias apareciam asseguradas, quer a nível substantivo, quer a nível processual, nomeadamente, através do estabelecimento da necessidade de administração de uma prévia formação profissional e respectivo período de adaptação às modificações introduzidas; pela necessidade de comunicação de aviso prévio pela entidade patronal fundamentando os motivos do despedimento; pelo direito que assistia ao trabalhador de apreciar tais motivos e a eles escolher, ou não, opor-se; pelo direito de crédito de horas durante o período de aviso prévio; pelo direito a indemnização; pelo carácter urgente das acções judiciais que se destinassem a declarar a ilicitude do despedimento por esta via ou pela previsão de uma 46 Cfr. ibidem. Cfr. ibidem. 48 Cfr. ibidem. 47 33 providência cautelar de suspensão desta causa de cessação de contrato de trabalho. Não ficava – como, aliás, não fica actualmente – a entidade patronal, isenta de obrigações e punições, pelo que se lhe impunha, ainda, a obrigação de informação e consulta das estruturas representativas dos trabalhadores, bem como o nível de emprego deveria manter-se. A regulamentação apresentava-se, em suma, suficientemente detalhada, exigivelmente determinável e, como tal, sem qualquer “risco de subjectivismo na aplicação judicial futura”.49 Concluiu o douto acórdão que o princípio da Tipicidade não surgiu, de todo, ferido pela regulamentação do decreto submetido a apreciação, uma vez que a CRP “apenas exige que os casos de cessação do contrato de trabalho por inadaptação do trabalhador sejam tipificados pela lei em termo de se fornecerem ao juiz critérios seguros de decisão”50, não remetendo inteiramente ao seu arbítrio o desfecho de uma decisão desta índole. Uma última nota para referir que também esta decisão do TC não foi unânime, tendo o Conselheiro Mário de Brito declarado vencido e pugnado por um conceito restrito de justa causa, ou seja, de cariz puramente culposo, disciplinar e de ultima ratio na hierarquia das sanções laborais. A Constituição da República Portuguesa Face ao supra exposto, é chegada a altura de tecer algumas considerações aos normativos constitucionais que instituem a Segurança no emprego (artigo 53° CRP) e o Direito ao Trabalho (artigo 58° CRP). A primeira revisão constitucional (LC nº 1/82) reuniu num capítulo próprio os direitos dos trabalhadores, tendo também transferido os mesmos para o título dos Direitos, Liberdades e Garantias (DLG), nos art.s 53° a 57°, anteriormente previstos entre os Direitos económicos, sociais e culturais (DESC). Tal individualização, no entender dos ilustres constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira, significou não apenas o abandonar de uma concepção dos DLG como direitos exclusivamente do Homem ou do Cidadão, que seriam demasiado genéricos, como a intervenção do Homem enquanto Trabalhador, mais concretamente do 49 50 Cfr. ibidem. Cfr. ibidem. 34 trabalhador subordinado, “como titular de direitos de igual dignidade”.51 Soar-nos-á algo bizarro separar o “Homem” do “Trabalhador”, como que imaginando duas personalidades num só corpo, mas quiseram os autores significar que, a partir desse momento, os direitos dos trabalhadores adquiriram uma dimensão objectiva e, consequentemente, o conceito de empresa terá sofrido uma transformação, de modo que não mais seria compreendida como “domínio privado dos seus titulares”, bem como terão os empregadores sofrido uma compressão dos seus poderes, perdendo “a liberdade de despedir e dispor dos empregos”.52 Para tal, terá ainda contribuído a consagração, nos art.s 54° e 55° da CRP das Comissões de Trabalhadores e Liberdade Sindical, respectivamente. Ocorreu, portanto, 1982, uma tentativa de contrabalançar a clássica definição de relação laboral, em que os dois pólos da mesma aparecem em desigualdade de armas: o trabalhador, numa posição inferior, de dependência e o empregador, numa posição superior, de poder. O Direito à segurança no emprego (art. 53º CRP), como primeiro direito, liberdade e garantia dos trabalhadores consagrado, reveste a maior importância, particularmente no que concerne à proibição dos despedimentos sem justa causa. Será uma “expressão directa do direito ao trabalho” (cfr. art. 58° CRP), o qual encerra duas vertentes. “Na sua vertente positiva, (…) consiste no direito a procurar e a obter emprego; na sua vertente negativa, (…) garante a manutenção do emprego, o direito a não ser privado dele”.53 Sucede, porém, que surgem dificuldades e, como temos vindo a destacar, divergências no que tange às consequências da, a nosso ver, aparentemente pacífica conceptualização desta segunda vertente. Mas, sem dúvida de que estamos perante uma garantia de proibição de acções ou comportamentos que conduzam a um despedimento injustificado. Gomes Canotilho e Vital Moreira têm o cuidado de salientar de que “o direito à segurança no emprego significa, assim, não por certo um «direito real» dos trabalhadores sobre o posto de trabalho adquirido (…) mas, pelo menos, uma alteração qualitativa do estatuto do titular da empresa enquanto proprietário, empresário, patrão”.54 Aqui chegados, cabe discutir uma vez mais aquela que será a mais importante dimensão deste direito: a proibição dos despedimentos sem justa causa. Para estes constitucionalistas, é “evidente” que se trata de “uma negação clara ao despedimento livre ou 51 Cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “CRP – Anotada, Volume I, Artigos 1° a 107°”, 4ª edição revista, p. 702 e ss. 52 Cfr. ibidem. 53 Cfr. ibidem. 54 Cfr. ibidem. 35 discricionário por parte dos empregadores”55 que, salvo sem justa causa e, portanto, por sua livre iniciativa, não poderão fazer cessar o vínculo laboral. Tal garantia parece-nos, de igual modo, evidente. Contudo, o problema coloca-se a posteriori, pois a Lei Fundamental não fornece, como também já tivemos oportunidade de realçar, qualquer definição de justa causa. Este é um conceito indeterminado e, nas palavras dos supra citados constitucionalistas, “existem (…) duas posições distintas, aliás sucessivamente perfilhadas pelo Tribunal Constitucional”.56 A primeira, adopta o conceito restrito de justa causa, “em princípio” – notese a redacção cuidadosamente escolhida pelos autores - recebido pela Constituição. A segunda, adopta um conceito não tão arreigado a uma interpretação puramente histórica e, por isso, mais aberto, apesar de excluir, como entendemos que deve em todo o tempo, os despedimentos ad nutum. Não exclui os despedimentos por motivos objectivos, isto é, não imputáveis nem ao empregador, nem ao trabalhador, sendo que aqui se inclui o despedimento por inadaptação. “Tal é a solução perfilhada pela lei, com o beneplácito do Tribunal Cnstitucional” (sublinhado nosso).57 O Direito ao trabalho, consagrado no art. 58° CRP, é o primeiro do catálogo do DESC, o que se afigura de extrema relevância, sendo que Gomes Canotilho e Vital Moreira entendem que este estará “para os direitos económicos, sociais e culturais, na mesma posição em que se encontra o direito à vida para os direitos, liberdades e garantias, cujo elenco igualmente inicia”.58 Na verdade, seguindo as considerações destes autores, uma vez que a sobrevivência humana dependerá, em princípio, da sua actividade laboral e dos dividendos dela auferidos, este será um pressuposto e antecedente, não apenas de todos os direitos económicos, sociais e culturais, mas também do próprio direito à vida, consagrado no art. 24° da CRP. O direito ao trabalho contém igualmente duas vertentes, uma positiva e outra negativa. A vertente positiva, podemos traduzir como o direito a obter um emprego, o que transforma este direito eminentemente social, uma vez que caberá ao Estado promover que tal pretensão se concretize. Todavia, não confundamos esta incumbência social estatal com um direito subjectivo de que gozam os trabalhadores, pois, como frisamos – e frisam os autores que temos vindo a citar – existe também uma vertente negativa. Cumpre-nos salientar que estas dimensões entroncam directamente com o direito supra analisado, isto é, “o direito a não ser privado de trabalho alcançado (direito à segurança no emprego), sendo proibidos 55 Cfr. ibidem. Cfr. ibidem. 57 Cfr. ibidem. 58 Cfr. ibidem, p. 761 e ss. 56 36 designadamente os despedimentos sem justa causa”59. Numa primeira análise, contudo, e em termos práticos, a distinção não se torna tão clara. Já nos referimos ao direito ao trabalho como uma incumbência estatal, ou seja, uma obrigação do Estado em agir em determinado sentido e, também aqui, duas alíneas do artigo 58° CRP se nos afiguram de extrema importância no cerne da figura do despedimento por inadaptação. Em primeiro lugar, em conformidade com o disposto no nº2, a) do referido preceito constitucional, cabe ao Estado levar a cabo a promoção de políticas de económicas e laborais cujo objectivo vise a manutenção e favorecimento dos níveis mais estáveis e elevados possíveis de emprego. Ora, como vimos supra, pela análise do percurso legislativo percorrido especialmente desde 1937 e veremos infra, pela análise e contexto actual da política laboral em vigor, concluímos que tal preceito se encontra cabalmente preenchido, não só do ponto de vista das exigências com que nos vimos hodiernamente confrontados, como do ponto de vista de salvaguarda da posição do trabalhador. Em segundo lugar, e tendo agora em atenção o disposto no nº2, c) do mesmo preceito constitucional, somos a entender que tais políticas devem consubstanciar a devida formação cultural, técnica e profissional, com vista a evitar que as mesmas acarretem, não só a impossibilidade de obtenção de emprego por parte dos trabalhadores, salvaguardando-lhes a devida possibilidade de adaptação a quaisquer inovações técnicas e tecnológicas que possam surgir, bem como possibilitando-lhes a progressão nas suas carreiras. Claro está que tal implica um aumento nas obrigações das entidades patronais, às quais incumbe de igual forma prover a que esta formação tenha lugar não apenas num momento inicial, mas também numa fase posterior. “Esta formação é indissociável do direito ao trabalho, configurando-se aqui um direito individual do trabalhador à formação”.60 Ora, como veremos, a prestação da devida formação é um dos requisitos a preencher pela entidade patronal que pretenda fazer cessar o contrato de trabalho por via do despedimento por inadaptação, de acordo com o disposto no art. 375°, nº 1, b), assim como deve este, bem como os restantes requisitos, constar da decisão de despedimento constante do art. 378°, nº 1, b) do CT. Ainda, de acordo com o art. 385°, a) do CT, caso o despedimento por inadaptação não obedeça aos requisitos do supra citado art. 375° do mesmo diploma legal, este será tido como ilícito. Antecipamos, assim, a conclusão de que o regime instituído cumpre com os ditames da Lei Fundamental. 59 60 Cfr. ibidem. Cfr. ibidem. 37 V – O Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica e o Compromisso Para o Crescimento, Competitividade e Emprego Em 17 de Maio de 2011, O Governo Português, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu assinaram um Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica, no contexto do programa de auxílio financeiro efectuado pelo nosso país às aludidas organizações. O ponto 4. do referido documento, sob a epígrafe “Mercado de Trabalho e Educação”, tem como objectivos, nomeadamente, “rever o sistema de prestações de desemprego (…) reduzir o risco de desemprego de longa duração e, ao mesmo tempo, fortalecer as redes de apoio social; implementar reformas na legislação relativa à protecção ao emprego para combater a segmentação do mercado de trabalho; promover a criação de emprego e facilitar a transição dos trabalhadores entre várias actividades, empresas e sectores; (…) acomodar melhor as diferenças de padrões de trabalho nos diferentes sectores e empresas e aumentar a competitividade das empresas; (…) garantir boas práticas e recursos apropriados para Políticas Activas do Mercado de Trabalho, com o objectivo de melhorar a empregabilidade dos jovens e das categorias desfavorecidas e minorar os desajustamentos no mercado de trabalho”, ao mesmo tempo afiançando que, “Serão implementadas reformas na legislação do trabalho e de segurança social após consultas aos parceiros sociais, tendo em consideração as possíveis implicações constitucionais e respeitando as Directivas da UE e as normas fundamentais do trabalho.”61 No seu ponto 4.5., em a “Definição de despedimentos”, o Governo português comprometeu-se a preparar uma proposta de lei, com prazo limite até ao primeiro trimestre de 2012, cujo objectivo seria o de introduzir ajustamentos aos casos de despedimentos individuais com justa causa previstos no CT, com vista a “combater a segmentação do mercado de trabalho e aumentar a utilização dos contratos sem termo.” Previa-se, ainda, no Memorando, no ponto 4.5., i., que “os despedimentos individuais por inadaptação do trabalhador deverão ser possíveis mesmo sem a introdução de novas tecnologias ou outras alterações no local do trabalho”. O regime do despedimento por inadaptação nas situações de cargos de complexidade técnica ou de direcção não foi olvidado, sendo que, uma nova causa justificativa “pode ser acrescentada”. Assim, tendo acordado com a entidade empregadora atingir determinados objectivos que não cumpriu, o trabalhador pode 61 Cfr. Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica, celebrado entre o Estado Português, a Comissão Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu, em 17 de Maio de 2011, pp. 20 e ss. 38 ser alvo desta forma de cessação do contrato de trabalho, desde que tal tenha sucedido “por razões que sejam da sua exclusiva responsabilidade”62. Mas, atentemos, esta sua responsabilidade deve ser entendida sob o ponto de vista de desempenho das suas funções e, insistimos, não como uma violação culposa das mesmas. Em Janeiro de 2012, a Comissão Permanente de Concertação Social procedeu a uma discussão em sede de concertação social com os Parceiros Sociais, em virtude das tão conhecidas obrigações assumidas pelas autoridades portuguesas junto da Comissão Europeia (CE), do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Central Europeu (BCE). Imperioso era, e é, que, a par da redução do défice orçamental, fossem “criadas condições para uma recuperação forte e duradoura do crescimento económico, multiplicando as oportunidades de investimento, para a criação de emprego e manutenção e melhoria da sua qualidade”63. Esta Comissão pretendeu (e pretende), através do Compromisso para o Crescimento, Competitividade e Emprego, combater o denominado “flagelo do desemprego” com modelos de desenvolvimento sustentáveis geradores de emprego, bem como “reforçar as políticas activas de emprego (…), incentivar a criação e manutenção de emprego e reforçar a qualificação e empregabilidade dos trabalhadores no activo e dos desempregados” 64. Assim, este documento, procurando sempre “salvaguardar as categorias dos trabalhadores mais vulneráveis e com maior dificuldade de acesso ao mercado de trabalho”, preocupando-se com os trabalhadores “mais jovens, bem como com aqueles que se encontram afastados do mercado de trabalho há um período de tempo considerável”65, veio consagrar importantes alterações em matéria de legislação laboral, designadamente no que concerne ao despedimento por motivos objectivos, entre as quais podemos encontrar a admissibilidade do recurso ao mecanismo do despedimento por inadaptação sem que ocorram modificações no posto de trabalho, obedecendo a um regime substantivo rígido e, é claro, a uma série de princípios cumulativos, que o torna protecionista o bastante para desencorajar a sua efectiva utilização e, concomitantemente, afasta os afincados receios laborais e constitucionais que tantas vozes clamam desrespeitados. 62 Cfr. ibidem. Cfr. Conselho Económico e Social, Comissão Permanente de Concertação Social, “Compromisso Para o Crescimento, Competitividade e Emprego” de Janeiro de 2012, p. 3 e ss. 64 Cfr. ibidem. 65 Cfr. ibidem, p. 39 e ss. 63 39 VI – O Regime da Lei 23/2012, de 25 de Junho Não vamos, agora, repetir as considerações já tecidas a propósito destas alterações, designadamente citando legislação anotada, pelo que nos referiremos apenas àquelas a que não aludimos ainda. Deste modo, em sede dos requisitos de despedimento por inadaptação, a alínea b), do nº 1 do art. 375° CT surge numa redacção mais exigente do que aquela que a precedeu, na medida em que a formação profissional adequada às modificações introduzidas não se basta com um “controlo pedagógico da autoridade competente ou de entidade formadora certificada”, tendo mesmo que ser ministrada por aquela autoridade ou entidade. Este é, de resto, o entendimento de Abílio Neto66, o qual perfilhamos na íntegra e vem, a nosso ver, criar claras e musculadas dificuldades para as entidades empregadoras que se queiram servir desta figura como recurso ao despedimento dos seus trabalhadores. Um dos grandes tumultos gerou-se em torno da eliminação da alínea d) do mesmo preceito. Assim, as entidades empregadoras deixarão de ter de provar que, aquando destes despedimentos, existe na empresa um outro posto de trabalho compatível com a capacidade técnica do trabalhador despedido. Entende o supra citado autor que, tal facto “na prática, assume assinalável relevância, na medida em que era esse factor cuja falta de prova acarretava a procedência da maioria das acções de impugnação desta modalidade de despedimento”67. Parece, contudo, ter o mesmo autor esquecido em parte as considerações que teceu relativamente ao recurso prático e efectivo a esta figura – que considerou, recorde-se, raro face à sua estruturação regimental e escassez de jurisprudência –, bem como, de nossa parte, não podemos esquecer os restantes requisitos cumulativos deste nº 1, nem dos números 2 e 3 deste art. 375° que concorrem, claramente, para que a eliminação desse factor não possa ser, de todo, avaliado de forma isolada, muito pelo contrário. Neste aspecto, outros elementos colidem, como sejam, por exemplo, a viabilidade económica da própria empregadora, ou o facto de o número de trabalhadores no sector em que aquele que está em vias de ser despedido poderia ser inserido encontrar-se plenamente preenchido. (Revogação da alínea em questão declarada inconstitucional pelo Ac. 603/2013, de 20 de Setembro – Mantemos considerações tecidas) 66 67 Cfr. NETO, ob. cit. Cfr. NETO, ibidem. 40 O nº 2 do art. 375° e as suas 4 (quatro) alíneas constituem, na nossa opinião, face a tudo quanto tem vindo a ser explanado, a grande novidade desta Lei. O despedimento por inadaptação passa a ser possível mesmo nos casos em que não tenha havido modificações no posto de trabalho. Há, todavia, um grande “senão” nesta aparente porta aberta aos despedimentos, como muitos a rotularam: os quatro (que, pela leitura da alínea d) podemos concluir que são, na verdade, cinco) elaborados requisitos cumulativos para que tal despedimento possa ocorrer. Convém, aliás, acrescentar que, nos termos do art. 378°, nº 1, b), estes requisitos, terão de ser confirmados na decisão de despedimento. O art. 376°, nº 1, a) introduz uma alteração terminológica que vemos com bons olhos. A “necessidade” de despedir é, hoje, uma “intenção” de despedir. Ora, a verdade é a de que, em virtude da verificação das circunstâncias elencadas nas várias hipóteses previstas no artigo que o precede, muito embora esta forma de cessação do contrato de trabalho seja, no fundo, uma necessidade para a empresa que não pode continuar a laborar com um trabalhador que não corresponde às expectativas e, a prazo, poderá colocar em risco muito mais do que apenas o seu posto de trabalho, o que a empresa comunica, verdadeiramente, é uma intenção de proceder ao ser despedimento. O art. 377°, nº 1 vem, no nosso entendimento, reforçar as garantias na pessoa do trabalhador. Cremos, então, que a junção de documentos e a possibilidade de requerer diligências probatórias (nos termos do regime do despedimento por justa causa para que remete o nº 2 do preceito aludido), surgem reforçadas face à anterior redacção, a qual previa a emissão de um parecer fundamentado e a possibilidade de mera apresentação de meios de prova, meios de prova que seriam mais susceptíveis de “ataque” pela outra parte. O art. 379° foi integralmente reformulado. Assim, como salienta Abílio Neto, “o regime do aviso prévio (art. 363° - 4), do crédito de horas (art. 364°), da denúncia do contrato pelo trabalhador (art. 365°) e do pagamento da compensação (art. 366°), fixado para o despedimento colectivo, aplica-se, de igual modo, no âmbito do despedimento por inadaptação”. Neste ponto, coloca o autor, uma questão de não menor importância. Será legítimo ao trabalhador, face ao depósito da quantia compensatória pela entidade patronal e comunicada a tal título, não a devolver, movimentar e, mesmo assim, contestar o seu despedimento? Veio já o STJ, em 29 de Janeiro de 2003, sustentar que não, e somos a crer que tal entendimento mantém toda a actualidade. Realmente, exercendo “actos de domínio e de disposição sobre o respectivo dinheiro”, o trabalhador declara que “aceitou essa 41 compensação”. O recebimento da compensação funcionará, assim, como uma presunção juris et de jure da aceitação do despedimento. Mas, tal não quer significar que o recebimento da compensação tenha como cominação a fragilização da “segurança do emprego e o direito ao trabalho, pois, para o trabalhador se furtar a tal cominação, bastar-lhe-á rejeitar a dita indemnização”. Por outro lado, se a receber, “terá de se sujeitar às consequências que a lei atribui a esse acto: a aceitação do despedimento e a cessação da relação laboral”.68 O art. 380° permaneceu inalterado, pelo que sustentamos a posição do autor que temos vindo a citar, na medida em que a manutenção do nível de emprego deve ser assegurada pela entidade empregadora, através da “integração no quadro permanente de um trabalhador a termo”69, bem como pela intervenção da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) para os casos em que se verifique qualquer incumprimento do disposto neste preceito. Fica, também aqui, patente, mais uma forma de salvaguardar os direitos do trabalhador despedido à luz deste regime, bem como mais uma imposição para a entidade empregadora. Esta é, de resto, mais uma forma de demonstrar que não estamos perante uma forma de “disfarçar” despedimentos injustificados. Por fim, uma breve referência ao art. 385°, que foi alvo da Declaração de Rectificação nº 38/2012, de 23 de Julho, estipulando a ilicitude do despedimento por inadaptação por incumprimento do disposto nos já analisados art.s 374°, nºs 3 e 4 (Situações de inadaptação) e 375°, nºs 1 a 3 (Requisitos de despedimento por inadaptação), bem como nos casos em que não tenha sido posto à disposição do trabalhador a devida compensação e créditos vencidos e exigíveis. 68 69 Cfr. NETO, ibidem. Cfr. NETO, ibidem. 42 VII – As reacções ao actual regime Como não poderia deixar de ser, as reacções às alterações supra descritas não se fizeram esperar, quer por parte de associações profissionais, partidos políticos e mesmo advogados e sociedades de advogados. No “portal de informação alternativa, que aspira a concorrer com os portais dos órgãos de informação, mas apresentando uma óptica crítica, de esquerda”, encontramos artigos perante os quais, com as presentes alterações, o Governo visa reforçar o despedimento por inadaptação e facilitar despedimentos, em dois artigos de 21 de Setembro de 2011 e 16 de Janeiro de 2012, respectivamente. De facto, segundo os referidos artigos, os novos “critérios tornarão os trabalhadores «descartáveis»”, bem como levantam dúvidas ao que será futuramente entendido como “qualidade de trabalho prestado”, acusando tal conceito de “arbitrário” e facilitador de despedimentos. Não descura, ainda, uma alusão ao despedimento com justa causa aquando do não cumprimento dos “objectivos definidos pelo patronato” por parte do trabalhador. 70 Também em sentido oposto pelo que temos vindo a pugnar, o Bloco de Esquerda (BE) assumia, em 23 de Março de 2012, que o trabalhador fica, com a então proposta de Lei, “isolado e mais fragilizado”. Acusa, então, o Governo de reduzir os direitos dos trabalhadores e destruir a economia e o emprego, não apresentando “proposta alguma para a criação de emprego mas, extraordinária e insolitamente, anunciando uma lei que facilita os despedimentos”. O Executivo português, a seus olhos, não tem “nenhum pejo em aumentar a crise social provocada pela sangria dos despedimentos” e “lança uma enorme ofensiva contra a noção de justa causa, permitindo o despedimento por inadaptação baseado em critérios subjectivos”. O BE entende, pois, haver lugar a uma “total arbitrariedade e discricionariedade por parte dos patrões”71. Verificamos que o BE parece confundir o conceito de despedimento por justa causa nas suas vertentes objectiva e subjectiva com a figura do despedimento por inadaptação pois, como temos vindo a sustentar, este último coloca o ênfase no modo como o trabalhador labora e não na culpa. 70 71 Cfr. www.esquerda.net Cfr. www.beparlamento.net 43 O deputado do CDS-PP, Raúl de Almeida, escrevia, em 15 de Abril de 2012, que durante a discussão na especialidade do CT, o qual veio a ser aprovado em plenário da Assembleia da República (AR), o grupo parlamentar deste partido iria “propor um «regime de excepção» que salvaguarde os deficientes de uma maior vulnerabilidade ao despedimento por inadaptação”, dado que “nunca esteve na mente do Governo quando fez o pacote de legislação laboral permitir que tal lacuna acontecesse”, ficando “salvaguardada a especificidade da situação do trabalhador com deficiência” e respeitando as convenções e directivas europeias neste sentido.72 Esta posição veio, efectivamente, a ficar claramente prevista no actual regime no art. 374°, nº 3 do CT. Ricardo Meireles Vieira, advogado na sociedade “António Vilar, Luís Cameirão & Associados” acentua como “tónica única” das alterações à lei laboral a “flexibilização (interna e externa) das relações laborais”73, aguardando qual a aplicabilidade e eficiência prática que estas novas regras trariam pois, à data em que escreve, a Proposta de Lei não havia ainda sido aprovada. Ressalva, contudo, não obstante a possibilidade de ocorrência de despedimento por inadaptação ainda que não tenham sido introduzidas modificações no posto de trabalho, o procedimento a observar pelo empregador: este teria o dever de informar o trabalhador por escrito, juntando cópia dos documentos relevantes com descrição circunstanciada e demonstrativa dos factos, isto é, da modificação substancial da prestação, bem como os direitos de defesa deste último. Na Newsletter nº 36 da sociedade “Abreu & Marques E Associados, RL”, pode ler-se, um pouco na mesma linha do artigo precedente, que, “não obstante a aparente flexibilização dos motivos, mantém-se a estrutura formal e relativamente complexa da tramitação que impõe, nomeadamente, a necessidade de prestação de formação e da concessão de um período de adaptação pós formação”.74 Joana Carneiro, advogada do Departamento de Direito do Trabalho da “JPAB – José Pedro Aguiar Branco & Associados”, ao enunciar e analisar as alterações operadas pela Lei 23/2012, de 25 de Junho, no dia da sua entrada em vigor (1 de Agosto de 2012), escrevia que “é ainda estabelecido um novo procedimento para a concretização do despedimento, de modo 72 Cfr. www.cds.pt Cfr. www.antoniovilar.pt 74 Cfr. Newsletter nº 36, in www.amsa.pt 73 44 a acautelar a possibilidade de defesa do trabalhador, em moldes semelhantes aos do despedimento colectivo e por extinção do posto de trabalho”.75 Luís Couto, sócio da “TLCB Advogados”, em 11 de Fevereiro de 2013, pronunciava-se em sentido diverso do que temos defendido até agora, vendo no alargamento conceptual da figura do despedimento por inadaptação uma “contradição essencial”. Contudo, não deixava de sublinhar, e aqui subscrevemos a sua opinião, que a aplicabilidade deste mecanismo, “como o demonstra a escassa jurisprudência produzida a respeito do mesmo, na sua actual configuração, é de difícil concretização, pelo recurso excessivo a conceitos indeterminados, cuja concretização em juízo se torna tarefa hercúlea”. Entende, ainda, e neste ponto reiteramos as nossa discordância e profundas dúvidas, que a positivação do acordado em sede de concertação social “corre o risco de apenas servir para avolumar a conflitualidade laboral”.76 Manuel Teixeira Gomes, advogado na sociedade “Gameiro & Associados, RL”, considerou “imprescindível referir o carácter indeterminado e abstracto” da nova imposição de verificação de uma nova modificação substancial e/ou diminuição de produtividade continuada que faça prever um carácter definitivo no exercício de funções pelo trabalhador. Obviamente, e como já vimos salientando ao longo do presente trabalho, o recurso a conceitos indeterminados ou, se preferirmos, neste caso, “não tão fáceis de determinar à partida”, tem vindo a ser frequente. Destarte, não nos parece, e mais uma vez reiterando os requisitos cumulativos instituídos no mesmo regime, que tal imposição venha trazer problemas de maior monta, passando apenas pela interpretação deste diploma à luz dos objectivos que lhe subjazem. O Advogado não deixa de dar ênfase e, por isso, reforçamos o que temos vindo a explanar, à necessidade de o empregador se precaver se, realmente, quiser lançar mão desta forma de despedimento, pois está assegurada a existência de “mecanismos que proporcionam a eliminação da situação de inadaptação”, como sejam a “concessão de formação adequada”77, reunindo uma voz mais nesta linha de raciocínio que temos vindo a defender. A sociedade “Macedo Vitorino & Associados”, RL, em 30 de Janeiro de 2012, também num artigo sobre as alterações concernentes à terceira alteração ao CT de 2009, pronunciouse simultaneamente em dois sentidos opostos. Tentando exemplificar, se por um lado reconheceu que as medidas, no seu conjunto, “visam potenciar um acréscimo de produtividade 75 Cfr. www.advocatus.pt Cfr. www.advocatus.pt 77 Cfr. www.advocatus.pt 76 45 nas empresas”, e que foi preocupação do Governo português “a mantenção/aumento da qualidade de trabalho e o aumento da produção empresarial”, por outro, viu com preocupação as alterações introduzidas no regime do despedimento por inadaptação, cuja preocupação terá sido “a de acelerar e flexibilizar procedimentos que conduzam ao despedimento (…)”, tornando-o fácil e célere para o empregador. Aliás, para esta sociedade, o alargamento do elenco de “possibilidades que o empregador tem ao seu dispor” terá como consequência “a previsão de novos fundamentos (…) com vista a cessar os contratos de trabalho”. Todavia, as contradições não ficam por aqui. Desta clara afectação das prerrogativas do trabalhador (itálico nosso), este artigo expressamente declara que “importará verificar se estas alterações serão suficientes para promover a aplicação” desta figura, “praticamente sem utilização desde que foi criada”, concluindo que “somente o futuro revelará se foi mantido um equilíbrio”78 entre as posições entidade empregadora – trabalhador. Também a secção “Press Center” do site da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) fez publicar alguns artigos sobre as alterações de que ora cuidamos, sendo de destacar um de Glória Rebelo em que a autora conclui com uma série de preocupações relacionadas com o “impacto socioeconómico”, nomeadamente estabelecendo uma relação directa entre a possibilidade de redução dos custos salariais pelas empresas e a cessação do contrato de trabalho com os trabalhadores mais antigos e consequente “aumento do desemprego junto da população sénior”79, preterida por jovens pior pagos, bem como com o desemprego de longa duração. Por seu turno, para Filomena Lança, citando a advogada Maria da Glória Leitão, “o despedimento por inadaptação será a alteração passível de suscitar mais litígios”, posição não inteiramente sufragada pelo seu colega, Tiago Cortes, que prevê que o aumento da conflitualidade e consequente número de processos que dá entrada nos tribunais poderá “ser travado pelo próprio contexto de crise que o País atravessa e começa a traduzir-se numa certa «anemia reinvindicativa»”. Ainda o magistrado Azevedo Mendes reconhece que “o despedimento por inadaptação é de prova muito difícil”, o que já não acontece com os mecanismos de despedimento por extinção de posto de trabalho ou despedimento colectivo, pelo que, “neste contexto de crise é possível que as empresas recorram mais a esses”. 80 78 Cfr. www.macedovitorino.com/pt/ Cfr. www.asjp.pt, e Diário de Notícias, em 22 de Dezembro de 2011. 80 Cfr. www.asjp.pt e Jornal de Negócios, em 22 de Fevereiro de 2012. 79 46 Por fim, em Novembro de 2012, Manuel Ramirez Fernandes, num “Estudo elaborado para ser apresentado nas delegações do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados” (OA), analisando a visada alteração ao CT de 2009, teceu algumas considerações que não poderíamos deixar de parte. Desde logo, no âmbito do art. 375°, nº 6, entende o autor que, “interpretado «a contrario sensu», caso o anterior posto de trabalho esteja ocupado definitivamente, o trabalhador já não beneficia desta prerrogativa”. A Lei 23/2012 padecerá, também, de alguma incompletude ou mesmo incongruência terminológica, uma vez que o legislador “aproximou o despedimento por inadaptação do despedimento colectivo, considerando que o empregador, ao enviar a comunicação ao trabalhador, deve manifestar (…) a «intenção» de proceder ao despedimento” (vejam-se, a este respeito, os art.s 360°, nº 1 e 376°, nº1, a) do CT acerca comunicações em caso de despedimento em ambos os regimes). Porém, o despedimento por extinção de posto de trabalho manteve a sua terminologia anterior, sendo que o empregador, no art. 369°, nº 1, a) e b) do CT, na comunicação que faz ao trabalhador, manifesta a “necessidade” de proceder ao seu despedimento. Neste ponto, não podemos deixar de perfilhar o espanto de Manuel Ramirez Fernandes, visto que, tal como defende, em confronto com os fundamentos que aos referidos regimes subjazem, adequado “seria tratar os despedimentos colectivos e por extinção de posto de trabalho como uma «necessidade» do empregador, relegando para o despedimento por inadaptação a «intenção» de proceder ao despedimento”. Entende o autor que, não se tratando de um despedimento de cariz disciplinar, esta figura apresenta requisitos objectivos bastante semelhantes a este tipo de infracções, pelo que estabelece comparações entre as regras concernentes à produtividade, às avarias repetidas e o velar pela boa conservação e utilização de bens relacionados com o trabalho e os riscos para a segurança e o cumprimento das prescrições sobre a mesma que decorram da lei laboral ou a falta culposa às mesmas. Claro que a tónica estará, nas suas palavras “mais na imputação subjectiva do comportamento ao trabalhador, do que na imputação objectiva”81, pois, tal como entendemos o regime estatuído, o trabalhador inadaptado, não será, à partida, um causador consciente e resoluto das suas falhas. O autor enumera, ainda, alguns pontos que entende merecerem apreciação constitucional, de entre os quais nos aproveita a eliminação do ónus de verificação de inexistência de um outro posto de trabalho compatível com a categoria profissional de um trabalhador inadaptado (o que, como infra veremos, se revelou profético) e o art. 53° da CRP, isto é, a consagração (estrita ou ampla?) da proibição de despedimento sem justa causa. Continuando na senda da 81 Cfr. RAMIREZ FERNANDES, “A terceira alteração ao Código do Trabalho de 2009 (Estudo elaborado para ser apresentado nas delegações do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados)”, p. 32 e ss. 47 constitucionalidade, apresenta algumas dúvidas quanto à necessidade das normas adoptadas nesta terceira avaliação face ao controlo do deficit público, bem como advoga a insegurança patente no art. 204° da CRP (“Apreciação da inconstitucionalidade – Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”), através do qual, defende, “qualquer tribunal pode decidir não aplicar determinada norma jurídica, se o magistrado judicial titular desse tribunal e processo entender que a norma em causa é inconstitucional.”82 Não é essa a interpretação que podemos fazer do mencionado preceito constitucional, o qual consagra uma vinculação funcional, configurando os tribunais como bouche de la loi. Os tribunais são, nos termos do art. 202°, nº 1 CRP, “os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo.”. Todavia, a entidade com competência específica para apreciar da conformidade das normas legais com a Constituição da República Portuguesa é o Tribunal Constitucional (TC), nos termos do art. 221° e ss. CRP, o que, como de resto já tivemos ocasião de referir e analisar, já fez. 82 Cfr. RAMIREZ FERNANDES, ob. cit. 48 VIII – O Acórdão nº 602/2013, de 20 de Setembro do Tribunal Constitucional Um grupo de 24 (vinte e quatro) deputados dos partidos políticos CDU, BE e PEV suscitou a fiscalização sucessiva abstracta da constitucionalidade de um conjunto de normas atinentes ao CT, de entre as quais o nº 2 do art.375°, com a redacção da Lei 23/2012, de 25 de Junho, e o nº 2 do art. 9° deste mesmo diploma legal. Não obstante os equívocos cometidos pelos próprios requerentes na formulação do pedido de apreciação da constitucionalidade destas normas, a verdade é que o TC veio a pronunciar-se, em 20 de Setembro de 2013, pela constitucionalidade da figura do despedimento por inadaptação tal como se apresenta estruturado no CT, mormente no nº 2 do art. 375°, disposição que enumera os seus requisitos. No que ao nº 2 do art. 9° concerne, a questão que se suscitou não se prendeu com uma fiscalização de constitucionalidade tout court, mas sim com a fiscalização da constitucionalidade da revogação, sem mais, de duas alíneas (alíneas d) e e)) que, actualmente, não fazem parte do elenco do art. 375°. Curiosamente, os requerentes não parecem ter reparado que a aludida alínea e) foi “transportada” para o actual nº 4 do art. 374° CT, pelo que o TC, após a devida chamada de atenção, não se debruçou sobre o pedido nesta parte e, em consequência, pronunciou-se pela não inconstitucionalidade da mesma. Diferente foi a posição deste douto tribunal quanto à alínea d) do supra citado artigo. Na verdade, mais de um ano volvido sobre a vigência desta lei (a Lei 23/2012 de 25 de junho foi aprovada em 11 de Maio de 2012, tendo entrado em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação – cfr. art. 11° do diploma), veio o TC decidir pela inconstitucionalidade da revogação da disposição que instituía a entidade empregadora na obrigatoriedade de recolocar o trabalhador tido como inadaptado num posto que, no seio da empresa, se adequasse ao seu rendimento. Dispunha a alínea em questão: “d) Não exista na empresa outro posto de trabalho disponível e compatível com a qualificação profissional do trabalhador;”. À semelhança dos Acórdãos constitucionais que já tivemos oportunidade de analisar, também este não recolheu unanimidade, pelo que cinco juízes conselheiros votaram vencido relativamente à alínea j) da decisão do douto Acórdão, ou seja, pugnaram pela inconstitucionalidade do nº 2 do art. 375° CT. A fundamentação dos requerentes, na parte que ao nosso estudo releva, em nada surpreendeu, não só pela história que precedeu e acompanha a instituição desta figura do nosso direito laboral, como pela ideologia política que aos mesmos subjaz, não sendo, todavia, por tal motivo que nos afastaremos da imparcialidade com que, até agora guiamos o nosso trabalho. Não seria, aliás, ético fazê-lo. 49 Posto isto, entenderam os requerentes que, uma vez que a lei ordinária não pode diminuir os direitos dos trabalhadores plasmados na CRP, esta “vê” a relação laboral como um desequilíbrio inato entre trabalhador e empregador, sendo o primeiro, claro está, o contraente mais fraco e, portanto, o que melhor deve ser defendido. Salientaram que as diversas alterações legislativas que têm sucedido no âmbito do Direito do Trabalho, não só têm vindo a contribuir para um aumento da fragilidade desta relação, de si, já frágil, como vão mais longe, sugerindo uma desvirtuação da matriz constitucional do direito laboral. Os deputados requerentes entenderam, ainda, que a proliferação legislativa não tem vindo a cumprir com “os desígnios constitucionais, infringindo vários dos seus princípios e normas, designadamente, entre outros, o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio do direito ao trabalho e á estabilidade no trabalho, o princípio da conciliação da vida profissional com a vida familiar, o princípio da liberdade sindical, o princípio da autonomia coletiva”83. Referindo-se especificamente às normas de que ora nos ocupamos, os requerentes identificaram como “pontos de pressão” da nova redacção da figura do despedimento por inadaptação, a desnecessidade de introdução de modificações no posto de trabalho para que a ela se possa recorrer; o facto de a administração da adequada formação não ser suficiente para suprir o recurso a esta figura e a dispensa da necessidade da existência de um outro posto de trabalho na empresa adequado à capacidade – diminuída – do trabalhador. Tal como referimos no início, existe uma confusão entre os conceitos de “inadaptação” e “inaptidão”, e os requerentes pretenderam tirar partido da mesma (o que, como veremos infra, não jogou em seu favor). Perante as diferenças com que, aparentemente, se depararam, numa situação de inadaptação, “terá forçosamente que existir uma modificação objetiva no posto de trabalho à qual o trabalhador, após a verificação de uma série de requisitos tendentes à criação das condições para a sua adaptação a essas novas circunstâncias, não consiga adaptar-se.”84 Já numa situação de inaptidão, será determinante “a falta de capacidade ou predisposição (características meramente subjetivas), para a realização de determinada tarefa, na qual se inclui a «modificação substancial da prestação realizada pelo trabalhador, de que resultem, nomeadamente, a redução continuada de produtividade ou de qualidade, avarias repetidas nos meios afetos ao posto de trabalho ou riscos para a segurança e saúde do trabalhador, de outros trabalhadores ou de terceiros, determinados pelo modo do exercício das funções”. Assim, concluem que o regime do art. 375° estatuí uma forma de despedimento por 83 Cfr. Ac. TC nº 602/2013, de 20 de Setembro, http://www.tribunalconstitucional.pt/tc//tc/acordaos/20130602.html 84 Ibidem. 50 “inaptidão” e, por conseguinte, por motivos subjectivos, motivos estes avaliados pela entidade patronal, aspecto com o qual discordam em absoluto. Neste ponto, porém, não podemos deixar de anotar que, em primeiro lugar, não estamos perante verdadeiros critérios subjectivos pois, muito embora afectos à pessoa do trabalhador, não lhos são imputados a título de culpa e, em segundo lugar, se não for a entidade empregadora a definir os seus objectivos/metas a atingir, os seus níveis de produtividade, a avaliar os resultados das estratégias que implementa, bem como os seus resultados, quem será? Não estaremos, aí sim, perante uma violação do direito à livre iniciativa económica? Face ao que já tivemos oportunidade de explanar a propósito dos requisitos plasmados no actual art. 375º CT, aqui visado, não podemos, de forma alguma, concordar com os requerentes quando reiteram que o novo despedimento por inadaptação veio e vem possibilitar uma cessação do vínculo laboral sem mais, por via de critérios arbitrários, unilaterais e sem qualquer possibilidade de reacção por parte do trabalhador, das suas organizações representativas ou mesmo por parte da ACT. A sua fundamentação traz também, e inevitavelmente, à colação o conceito de justa causa de despedimento, o qual entendem profundamente afectado pela redacção da Lei 23/2012, na medida em que a CRP apenas admite “a consagração de certas causas de rescisão unilateral do contrato de trabalho pela entidade empregadora com base em motivos objetivos, desde que as mesmas não derivem de culpa do trabalhador ou da entidade patronal e que tornem praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral. No caso do despedimento por inadaptação antes previsto nos artigos 373.º e seguintes do Código do Trabalho, a sua admissibilidade constitucional resulta do facto de se fundar na causa objetiva de o trabalhador não conseguir adaptar-se a uma alteração tecnológica do seu posto de trabalho, mesmo depois de realizadas todas as diligências necessárias e adequadas a essa adaptação.” Agora, ao invés, defendem, “passamos a estar perante uma causa subjetiva, um facto do próprio trabalhador que, sem que tivesse ocorrido qualquer causa externa relacionada com o posto de trabalho, passa a produzir menos ou com menos qualidade.” Já nos pronunciamos supra relativamente à subjectividade/objectividade dos motivos do despedimento por inadaptação, pelo que não vemos motivo para o fazer novamente e porque, como adiante constataremos, esta questão será abordada na fundamentação da decisão do douto TC. Todavia, sempre se dirá que o próprio conceito de justa causa sobressai algo confuso da fundamentação dos requerentes, não se conseguindo destrinçar se pugnam por uma vertente ampla ou restrita do mesmo, ou se, na falta de consenso, terão optado por não alargar em demasia as suas considerações concernentes ao art. 53° CRP. 51 Terminaram, referindo ser impossível uma determinação suficientemente clara das causas de despedimento por inadaptação (entendimento que, reiteramos, não podemos subscrever perante a detalhada conceptualização da figura no actual CT), assim como consideraram não estarem fornecidos elementos necessários para que, tanto a entidade empregadora, como o julgador possam aferir do que seja a “impossibilidade da subsistência do vínculo laboral”. Ora, não nos parece, no universo das questões que aqui se levantam, ser esta a mais relevante ou, dito de outro modo, a que mereça o maior grau de preocupação, pois, como bem sabemos, em Direito, como na vida, tudo é mutável e “tudo” é algo que nunca se conseguirá plasmar na lei. Por isso, caberá ao legislador fornecer critérios orientadores para o que constituirá determinada situação; ao advogado, caberá fazer corresponder as situações da realidade quotidiana com que se depara com a legislação vigente e, ao julgador, aferir dessa mesma correspondência, decidindo em conformidade e de acordo com os padrões que lhe são impostos, tanto pela ética profissional, como pela lei. Deste modo, entendemos que, numa situação de despedimento por inadaptação, serão a entidade empregadora, por um lado, e o trabalhador, por outro, quem irão justificar se se encontram perante uma situação de ruptura que tornará a continuidade da relação insustentável ou não. A Fundamentação do Tribunal Constitucional Após devidamente delimitar o objecto do pedido de fiscalização, o TC principia a sua douta fundamentação com as razões que estiveram na origem da redacção da Lei 23/2012 de 25 de Junho, ou seja, a necessidade de corresponder às exigências resultantes do Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica, de 17 de Maio de 2011 e do Compromisso para o Crescimento, Competitividade e Emprego, de 18 de Janeiro de 2012, sobre as quais já nos debruçamos no presente trabalho e que deram origem a normas que, naturalmente, geraram variadas opiniões. Na óptica do legislador, esta lei teve como objectivo primordial proporcionar o devido reconhecimento normativo ao necessário equilíbrio entre os direitos dos trabalhadores emergentes do contrato de trabalho e a liberdade de empresa, pelo que, face a uma economia global, concorrencial e, actualmente, em crise a esta mesma escala, para obter a satisfação dos primeiros, ter-se-á que passar pela prestação de garantias de sustentabilidade e de eficácia à segunda. Recuando no tempo, recorda o douto Acórdão que a figura do despedimento por inadaptação foi instituída em Portugal em 1991, embora advoguemos, não obstante a “oficialidade” de tal facto, que esta figura foi, na verdade, reintroduzida no nosso ordenamento jurídico nesse ano. Recordando o seu propósito de controlo de eficácia por parte 52 das empresas inseridas no mercado, nunca abandonando a segurança dos direitos dos trabalhadores, não deixa de aludir à contestação que com ela nasceu e que culminou, como também vimos, com a intervenção deste Tribunal (Cfr. Acórdãos nºs 108/88 e 64/91). Entende o TC, em suma, que passaram a existir, lado a lado, dois regimes de despedimento por inadaptação, classificação que, por mera facilidade de exposição teórica, manteremos. Assim, por um lado, teremos a modalidade “tradicional”, que surge no seguimento da introdução de modificações no posto de trabalho e, por outro, uma modalidade “inovadora”, que permite, verificados determinados requisitos, o recurso a esta via de despedimento sem que tenham ocorrido no posto de trabalho as aludidas modificações. No que concerne à noção de inadaptação, pugna o TC por um entendimento objectivo, “um minus, mas ainda assim suficientemente relevante para justificar a atribuição de um direito de resolução do contrato ao empregador, atentos os interesses em jogo”, isto é, uma causa objectiva que se reporta ao trabalhador e não à empresa; uma inadaptação que este desenvolve no decorrer do cumprimento do seu contrato e, por isso mesmo, superveniente. A tónica distintiva desta figura situa-se, então, no facto de que a inadaptação, nas palavras de Maria do Rosário Palma Ramalho, “se fique a dever ao modo de exercício da função pelo trabalhador”, fixando “a origem do facto extintivo na pessoa do trabalhador (ou melhor dito, no modo como ele executa a sua prestação)”. Alude também a uma questão que inicialmente abordamos, que se prende com a figura da caducidade. O TC assegura que o despedimento por inadaptação com ela não se confunde, sendo que o que aqui “está em causa não é uma impossibilidade de desenvolver a prestação mas antes a diminuição significativa da aptidão do trabalhador para a função (i.e., no fundo uma redução grave da qualidade do trabalho prestado) por uma razão atinente ao trabalhador, sendo que o caráter permanente desta inaptidão superveniente torna inexigível ao empregador a continuação do vínculo.” Monteiro Fernandes, autor citado para reforçar esta convicção, vê no despedimento por inadaptação uma “perda de qualidade ou rendimento do trabalho”. O TC tem, ainda, o cuidado de afastar qualquer equívoco que se possa estabelecer entre esta figura e o despedimento com justa causa subjectiva ou com a existência de um período experimental no tempo inicial de execução do contrato de trabalho, considerando tais abordagens do problema sub judice, simplesmente, incorrectas. Opta, ainda, pela designação de despedimento por “inaptidão”, conseguindo, sob o nosso ponto de vista, ser bem sucedido na transmissão das considerações que o levam a tal conclusão. Na verdade, apesar de este ser, à primeira vista, um aspecto de menor importância 53 perante a grande questão com que nos debatemos, após reflexão, compreendemos o porquê de estabelecer esta dicotomia e perfilhamos as conclusões deste Tribunal. Assim, juridicamente, à “inaptidão”, corresponderá uma menor capacidade profissional do trabalhador e, a “inadaptação”, não poderá prescindir da ocorrência de modificações no posto de trabalho. Recorrendo uma vez mais às palavras de Monteiro Fernandes para suportar esta tese, a inaptidão traduzirá realidades em que “o trabalhador, sem culpa, manifeste uma redução ou mesmo cessação das aptidões físicas, psíquicas ou técnicas que levaram à sua contratação e serviram de suporte à sua prestação de trabalho até certo momento. (…) A ausência de culpa exclui a justa causa disciplinar, e a inaptidão pode não ser consequência de qualquer modificação técnica ou organizacional, pelo que ficará também descartada invocação de inadaptação.” Desta feita, com a redacção da Lei 23/2012, quer o TC defender um ajuste da denominação da figura que ocupa o nosso estudo. Porém, não nos parece comportável uma nova reforma legislativa laboral com base em tal alteração perfeitamente perceptível. Avança, então, para o regime concretamente estabelecido no CT. Principia por saudar as imposições consagradas nos nºs 1 e 4 do art. 374°, bem como faz questão de mencionar que os casos de assédio e outras formas de pressão sobre o trabalhador que possam dar origem a uma redução da sua normal capacidade laboral afastam o recurso a esta figura. Igualmente afastados pelo regime do despedimento por inadaptação ao posto de trabalho estão as consequências dos acidentes de trabalho e de doenças profissionais, tal como claramente estipula o nº 3 do art. 374º. Entende, tal como Maria do Rosário Palma Ramalho, que tais medidas previnem a “utilização abusiva deste regime em relação a trabalhadores com capacidade de trabalho reduzida, com deficiência ou doença crónica. (…) Na verdade, embora esta regra seja formalmente enunciada como um pressuposto comum a todas as modalidades de inadaptação (…), ela é particularmente vocacionada para esta nova modalidade”. Continuando a citar a supra citada autora, (…) No caso agora em apreço, a causa do despedimento refere-se exclusivamente ao próprio trabalhador e ao modo de exercício das suas funções, exigindo-se tão-somente que a inadaptação revelada pelos maus resultados da sua prestação laboral – a aludida redução continuada da produtividade ou de qualidade da prestação - não lhe seja imputável a título de culpa e que “seja razoável prever que tal inadaptação tenha caráter definitivo”.). Deste modo, independentemente da “modalidade” de despedimento por inadaptação de que nos ocupemos, deve esta sempre, em qualquer circunstância, respeitar os requisitos impostos pelo CT e, acima de tudo, ser usada como 54 última instância. Em bom rigor, o que haverá sempre a ponderar, serão os direitos à segurança no emprego e à livre iniciativa económica. Deste modo, Maria do Rosário Palma Ramalho vem suportar o que temos vindo a defender quando refere que “mesmo na ausência de modificações introduzidas no posto de trabalho, continua a não ser exigível ao empregador a manutenção do vínculo laboral com um trabalhador que, reconhecidamente, não consegue trabalhar com o equipamento disponibilizado, que põe em risco a sua segurança ou a de outros pelo modo como realiza a sua prestação ou cuja produtividade diminuiu drástica e definitivamente.” Pedro Romano Martinez defende, igualmente, uma ponderação, um apuramento das causas subjacentes ao recurso ao despedimento por inadaptação. Aliás, vai mais longe e salienta que, “o novo regime, ao permitir o despedimento sem necessidade de alteração do posto de trabalho, passa a ser mais exigente do ponto de vista procedimental, dando-se ao trabalhador a possibilidade de defesa, contestando a invocada redução de produtividade, etc., ou alegando que resulta de fatores empresariais.” Para o autor, o procedimento instituído no art. 375º CT é complexo e revela duas fases: a primeira, corresponde à averiguação da modificação substancial da prestação laboral e suas causas, sendo imperioso que não se conclua que tal se ficou a dever a motivos empresariais mas, antes, estritamente relacionados com a pessoa do trabalhador e, a segunda, à comunicação fundamentada ao trabalhador, comunicação este perante a qual este pode apresentar a sua defesa. O artigo 9°, nº 2, d) da Lei 23/2012, de 25 de Junho Face à extinta alínea d) do preceito em análise, o TC parece não perfilhar o entendimento de Pedro Romano Martinez e, deste modo, não consegue “desligar” a impossibilidade da manutenção do vínculo contratual com a existência de um outro posto de trabalho na empresa que o mesmo trabalhador possa ocupar. Decidiu, como tal, pela inconstitucionalidade da revogação da norma em apreço, por violação da proibição do despedimento sem justa causa consagrado no art. 53° da CRP. Perante o conflito dos direitos constitucionais que temos vindo a analisar – segurança no emprego e livre iniciativa económica – o TC defende que o primeiro só poderá cair na medida do estritamente necessário do segundo, impondo-se que, “existindo na empresa outro posto de trabalho disponível e compatível com a qualificação profissional do trabalhador e com a capacidade prestativa que o mesmo mantenha, tal posto seja oferecido ao trabalhador em causa.” Outrossim, “o despedimento por causas objetivas deve ser configurado como ultima ratio, o que não é compatível com a dispensa do dever de integrar o trabalhador 55 em posto de trabalho alternativo, quando este exista. A mesma exigência pode extrair-se do princípio da proporcionalidade, na vertente da proibição do excesso.” Sublinhamos, no entanto, o excerto “quando este exista”, o que vem sufragar o nosso entendimento de que não será exigível a uma empresa, cujos quadros de pessoal estejam preenchidos, face a uma situação de despedimento por inadaptação, seja forçada a “encaixar” um trabalhador comprovadamente inadaptado. Aliás, a sua manutenção redundará, desde logo, num prejuízo salarial, pois colocamos a empresa numa delicada situação que obriga à criação de mais um posto de trabalho, o que poderá não ser economicamente comportável. Na verdade, temos que manifestar a nossa confusão perante esta decisão quando é o próprio TC que citando, uma vez mais, Maria do Rosário Palma Ramalho, defende, e bem, que “mesmo na ausência de modificações introduzidas no posto de trabalho, continua a não ser exigível ao empregador a manutenção do vínculo laboral com um trabalhador que, reconhecidamente, não consegue trabalhar com o equipamento disponibilizado, que põe em risco a sua segurança ou a de outros pelo modo como realiza a sua prestação ou cuja produtividade diminuiu drástica e definitivamente.” As Declarações de voto de vencido Como tivemos oportunidade de referir supra, o Acórdão nº 602/2013, de 20 de Setembro mereceu cinco votos de vencido dos juízes Conselheiros Maria João Antunes, Maria de Fátima Mata-Mouros, Catarina Sarmento e Castro, Fernando Vaz Ventura e Joaquim de Sousa Ribeiro. O seu teor debruçou-se, essencialmente, no entendimento de que esta nova modalidade de despedimento por inadaptação não deixa de consagrar uma forma de despedimento sem justa causa, violando, claro está, o art. 53° da CRP, por via de uma imputação de factos ao trabalhador de que este não terá culpa. Assim, muito embora estejamos perante um despedimento por motivos objectivos, distorcem o propósito deste instituto e colocam a tónica na origem do “problema” e esta será subjectiva – a culpa – e, portanto, disciplinar. Alguns temem mesmo a abertura de precedentes no que concerne ao despedimento de trabalhadores de idade mais avançada. 56 IX – Conclusões A preocupação com os níveis de desemprego não é um tema de hoje, muito pelo contrário. Representa uma preocupação social e económica dos Estados e seus governantes desde sempre, e não é difícil perceber porquê. Empregos estáveis e empresas, estabelecimentos e serviços economicamente equilibrados, com capacidade de resposta às suas necessidades e metas, origina, inevitavelmente, uma luta permanente entre trabalhadores e entidades empregadoras. Ora, na era da economia globalizada em que vivemos, em que o dinamismo, a inovação e a competitividade são palavras de ordem, como podemos dissociar-nos desta arena? Simplesmente não podemos, pois empregadores sem trabalhadores não existem, e vice-versa. Aquilo que cabe aos governantes é fazer o melhor possível para equilibrar o desejo insaciável pelo desenvolvimento económico, sem pôr em causa o bem-estar social e económico dos seus povos. Na tentativa de prossecução deste objectivo, imperial é que, nos quadros legais que se fixarem, não se afaste a estabilidade e a segurança no emprego e muito menos o escrutínio dos tribunais, ou que a flexibilidade laboral aumente de tal ordem que se abram portas ao livre arbítrio das entidades patronais ao nível dos despedimentos. Pelo que acima ficou exposto, cremos que tal será evitado, pelo menos, através da actual configuração da figura da cessação do despedimento por inadaptação. Mesmo a Constituição da República Portuguesa, não pode ficar imune à evolução e pretender cristalizar conceitos perpetuamente, qual relíquia de uma era de ouro que, por muito orgulho que nos proporcione recordar, inevitavelmente passou. O legislador hodierno padece, cremos, do que classificaríamos de uma “legiferação alucinante”, o que não raro redunda em precipitações e, infelizmente, erros. Todavia, errar é humano e a correcção é a sua consequência, pelo que não se deve esconder estes erros sob a capa constitucional. Urge inverter tal tendência pois, em Direito, nas palavras do Professor António Almeida Costa, a resposta, na esmagadora maioria das vezes é “depende” e a Lei Fundamental poderá revelar-se verdadeiramente impeditiva de qualquer inovação. Citando João Leal Amado, “quem não acompanha as mudanças, fica, inoperavelmente, para trás. E, as mudanças, nos dias que correm, sucedem-se a um ritmo vertiginoso. Em suma: quem não se adapta, morre!”.85 85 Cfr. LEAL AMADO, ob. cit. 57 Muitas vozes se levantarão, especialmente após a publicação do Ac. TC 602/2013, clamando pelo fim da controvérsia. Todavia, cabe-nos recordar que esta questão esteve como que adormecida durante doze anos, tendo reavivado antigas querelas doutrinais ao longo desta recente discussão. Não podemos, portanto, esperar que estabilize por completo, muito menos se considerarmos os insistentes votos de vencido e a doutrina em que os mesmos se apoiam. Não obstante, acompanhando, em parte, a ideia de que a concepção de uma estrutura dominial da empresa está, como defende Monteiro Fernandes, há muito, em profunda ruptura; considerando a Lei 23/2012, de 25 de Junho na sua extensa regulamentação, nos seus rígidos e cumulativos requisitos, nas suas exigências procedimentais, na consagração do ónus probatório, na consagração de sanções que recaem sobre as entidades patronais e, claro, não deixando de mencionar a fraca adesão destas últimas ao despedimento por inadaptação até ao momento, antevemos que tal tendência se mantenha no futuro. Arriscamo-nos, por isso, a reformular a frase de João Leal Amado: Em suma, quem não se adapta, estagna! E, como temos vindo a justificar, a estagnação poderá levar a uma legítima cessação do vínculo laboral. 58 59 XI – Bibliografia e outros elementos de estudo AMADO, João Leal – Contrato de Trabalho, 3ª edição, Coimbra Editora, 2011; CORDEIRO, António Menezes – Da cessação do contrato de trabalho por inadaptação do trabalhador perante a Constituição da República, RDES, Julho-Dezembro 1991, Ano XXXIII (VI da 2ª série, nºs 3 e 4, Almedina; FERNANDES, António de Lemos Monteiro - Direito do Trabalho, 16ª edição, Almedina, 2012; GOMES, Júlio Manuel Vieira – Direito do Trabalho – Vol. I – Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007; LEITE, Jorge – Direito do Trabalho, Serviços de Acção Social da U.C., Serviço de Textos, Coimbra, 2004; MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho, IDT da Faculdade de Direito de Lisboa, 5ª edição, Almedina, 2010; QUINTAS, Paula e QUINTAS, Hélder - Manual de Direito do Trabalho e de Processo do Trabalho, 2ª edição, Almedina, 2012; RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 4ª edição revista e actualizada ao Código do Trabalho de 2009 com as alterações de 2011 e 2012, Almedina, 2012; RIBEIRO, João Soares - Cessação do contrato de trabalho por inadaptação do trabalhador, IV Congresso Nacional de Direito do Trabalho – Memórias, Coordenação de António Moreira, Almedina, 2002; SOUSA, António Francisco de - Conceitos Indeterminados no Direito Administrativo, Almedina, 1994; VEIGA, António Jorge da Motta – Lições de Direito do Trabalho, 6ª edição revista e actualizada, SPB – Editores e Livreiros, Lisboa, 1995; XAVIER, Bernardo da Gama Lobo – Manual de Direito do Trabalho, com a colaboração de Pedro Furtado MARTINS, António Nunes de CARVALHO, Joana VASCONCELOS e Tatiana Guerra de ALMEIDA, Verbo/Babel, Lisboa, 2011; Comentários de legislação portuguesa CANOTILHO, J. J. Gomes e Vital MOREIRA - CRP Anotada, Artigos 1º a 107º, Vol. I, 4ª edição revista, Coimbra Editora, 2007; MARTINEZ, Pedro Romano, em coautoria com Luís Miguel MONTEIRO, Joana VASCONCELOS, Pedro Madeira de BRITO, Guilherme DRAY e Luís Gonçalves da SILVA - Código do Trabalho Anotado, 8ª edição, Almedina, 2009; NETO, Abílio – Novo Código do Trabalho e Legislação Complementar Anotados, 3ª edição, Setembro 2012, Ediforum, Lisboa; Artigos consultados online ABREU & MARQUES E ASSOCIADOS, Sociedade de Advogados, RL – Newsletter nº 36, de Dezembro de 2012, in www.amsa.pt; ALMEIDA, Raúl de – artigo de opinião de 15 de Abril de 2012, in www.cds.pt; CARNEIRO, Joana – artigo de opinião de 01 de Agosto de 2012, in www.advocatus.pt; COUTO, Luís – artigo de opinião in www.advocatus.pt; FERNANDES, Manuel Ramirez – A terceira alteração ao Código do Trabalho de 2009 (Estudo elaborado para ser apresentado nas delegações do CDL da OA), Novembro de 2012, in www.oa.pt; 60 GOMES, Manuel Teixeira – artigo de opinião in www.advocatus.pt; LANÇA, Filomena – artigo de opinião in www.asjp.pt e Jornal de Negócios de 22 de Fevereiro de 2012; MACEDO VITORINO & ASSOCIADOS, Sociedade de Advogados, RL – artigo de opinião de 30 de Janeiro de 2012, in www.macedovitorino.com; REBELO, Glória – artigo de opinião in www.asjp.pt; VIEIRA, Ricardo Meireles – artigo de opinião in www.antoniovilar.pt; www.beparlamento.net – artigo de opinião de 23 de Março de 2012; www.esquerda.net – artigos de opinião de 21 de Setembro de 2011 e 16 de Janeiro de 2012; Jurisprudência Acórdão do STJ nº SJ20080924037934, Proc. 07S3793, de 24-09-2008, in www.dgsi.pt; Acórdão do STJ nº SJ200506220009234, Proc. 05S923, de 22-06-2005, in www.dgsi.pt; Acórdão do TC nº 107/88, Proc. 220/88, in www.tribunalconstitucional.pt; Acórdão do TC nº 64/91, Proc. 117/91, in www.tribunalconstitucional.pt