PRESIDÊNCIA PORTUGUESA DA UNIÃO EUROPEIA Conferência As escolas face a novos desafios Lisboa, Parque das Nações – Pavilhão Atlântico (2 - 3 Novembro 2007) Avaliação externa das escolas em Portugal1 José Maria Azevedo, Inspector-Geral da Educação Esta comunicação tem quatro andamentos: caracterização sumária da modalidade de avaliação externa actualmente desenvolvida pela Inspecção-Geral da Educação (IGE); a relação entre auto-avaliação e avaliação externa; a relação entre avaliação externa e autonomia das escolas; uma breve reflexão final sobre a missão ou as missões da escola. A preocupação central da minha intervenção é a articulação da avaliação das escolas com actuações noutros campos que potenciem a sua utilidade para a melhoria das práticas e da qualidade do seu desempenho. 1. A modalidade actual de avaliação externa das escolas Como nota introdutória, poderemos afirmar que a história da avaliação externa nos últimos 15 anos, em Portugal, é a história de uma acumulação de experiência(s) e de saber fazer, da parte de instituições estatais e privadas, uma história de participação em instituições e projectos de nível internacional, mas, sobretudo do ponto de vista das políticas públicas, é também uma história de falta de continuidade nas instituições e nos programas. Esta descontinuidade não criou condições para consolidar programas e projectos e favoreceu a sua relativização. Desde há um ano, a IGE é responsável por um programa de avaliação externa das escolas públicas que oferecem a educação pré-escolar e os ensinos básico e secundário. De facto, na sequência da actividade desenvolvida, em 2006, pelo Grupo de Trabalho para a Avaliação das Escolas, a IGE foi encarregada de dar continuidade à avaliação externa das escolas, no que diz respeito a iniciativas do Ministério da Educação. Esta é uma modalidade diversa de actividades anteriores e que tem de ser gerida a par de outras incumbências da IGE; em contrapartida, a Inspecção tem a seu favor a experiência adquirida em múltiplas actividades desenvolvidas nos últimos 15 anos2 e o conhecimento aprofundado das escolas que a maioria dos inspectores possui. 1 Esta comunicação recorre e segue de perto três fontes fundamentais: o trabalho que desenvolvi em 2005 para o Conselho Nacional de Educação (Conselho Nacional de Educação – Avaliação das Escolas – Modelos e Processos, Lisboa, 2007); o relatório final do Grupo de Trabalho para a Avaliação das Escolas – 2006 (disponível em http://www.min-edu.pt/np3/392.html); os textos produzidos no âmbito da actividade Avaliação Externa das Escolas, desenvolvida pela IGE, em 2007 (http://www.ige.min-edu.pt). 2 Exemplos mais significativos: Avaliação do funcionamento global das escolas (1993-95), a Auditoria Pedagógica (1997), a Avaliação das Escolas Secundárias (1998-99), a Avaliação Integrada das Escolas (1999-2002) e a Aferição da efectividade da auto-avaliação (2004-06). 1 a) Escolas em avaliação Na fase de experimentação, realizada em 2006, foram avaliadas 24 escolas; entre Fevereiro e Maio de 2007, a IGE realizou a avaliação de 100 escolas; no presente ano lectivo, está prevista a avaliação de 276 escolas. O universo total de escolas, aqui entendidas como unidades orgânicas de gestão, é de 1168, no Continente, pelo que avaliaremos este ano lectivo cerca de 24% das escolas. Ou seja, aproximamo-nos do desejado ciclo de quatro anos. b) Objectivos da avaliação externa Os objectivos da avaliação externa foram sintetizados do seguinte modo: 9 Fomentar nas escolas uma interpelação sistemática sobre a qualidade das suas práticas e dos seus resultados; 9 Articular os contributos da avaliação externa com a cultura e os dispositivos da auto-avaliação das escolas; 9 Reforçar a capacidade das escolas para desenvolverem a sua autonomia; 9 Concorrer para a regulação do funcionamento do sistema educativo; 9 Contribuir para o melhor conhecimento das escolas e do serviço público de educação, fomentando a participação social na vida das escolas3. Três destes cinco objectivos são referenciados às escolas, o que revela a preocupação em centrar na escola a utilidade da avaliação externa. A escola é o primeiro destinatário dos resultados e a unidade central de análise, pois a avaliação externa pretende, antes de mais, constituir-se como um instrumento útil para os próprios avaliados. Para além de identificar as dificuldades e os constrangimentos, a avaliação valoriza os pontos fortes e as potencialidades. Desta forma, contribui para o reconhecimento social do trabalho desenvolvido pelas escolas. A divulgação pública dos resultados da avaliação é uma forma de prestação de contas das escolas e, de algum modo, dos próprios avaliadores. Dada a preciosa informação recolhida, é também um contributo para a qualificação do debate público sobre a educação e um incentivo a uma maior participação social nas escolas. Como forma de divulgar esta actividade junto das escolas e dos cidadãos, em geral, a IGE disponibiliza os documentos no seu sítio na internet4. No mesmo sentido, vai o esforço para escrever relatórios sucintos, em linguagem simples, de forma a serem acessíveis a diversos níveis de leitura. O que não é fácil. 3 Inspecção-Geral da Educação – Plano de Actividades 2007. Nomeadamente: Folheto de divulgação da Avaliação Externa das Escolas; Quadro de referência para a avaliação de escolas e agrupamentos; Tópicos para a apresentação da escola; Perfil de escola ou agrupamento; Escala de avaliação; Agendas das visitas e regras para a constituição dos painéis nas diversas tipologias de escolas. 4 2 c) As equipas de avaliação A avaliação de cada escola é realizada por uma equipa constituída por dois inspectores e por um avaliador externo à Inspecção (professores e investigadores do ensino superior, professores dos ensinos básico e secundário em funções exteriores às escolas, outros técnicos superiores, etc.). Esta constituição das equipas é exigente, dos pontos de vista logística e de cooperação, mas também é enriquecedora do trabalho, pela multiplicação de olhares. d) Passos da avaliação (i) A avaliação externa da escola inicia-se com o tratamento, pela equipa de avaliação, de dados estatísticos relevantes5. Estes dados permitem perceber a evolução dos resultados escolares nos últimos anos e caracterizar o contexto social, económico e cultural das famílias dos alunos da escola. O acesso a informação sistemática sobre as escolas, a sua população e os seus resultados é fundamental para que as apreciações produzidas pelas equipas de avaliação externa sejam mais contextualizadas e, tendencialmente, mais justas. Esta informação é também necessária para comparar o desempenho da escola com o seu próprio desempenho nos anos anteriores e para considerar a relação com os valores globais. A primeira comparação visa apreciar o caminho percorrido; com a segunda pretende-se, nomeadamente, evitar a naturalização de baixas expectativas. Estamos a trabalhar no sentido de criar bases para a definição de valor acrescentado. (ii) A equipa analisa a informação recolhida no documento de apresentação da escola, que referirei adiante, e noutros documentos orientadores da vida da escola. (iii) Seguidamente, a equipa de avaliação externa visita a escola, durante dois ou dois dias e meio, consoante se trate de uma escola singular ou de um agrupamento de escolas. A visita inicia-se com uma sessão de apresentação da escola, feita pela Direcção Executiva perante as entidades convidadas e a equipa de avaliação externa; segue-se a visita às instalações e serviços e a audição, através de entrevistas em painel, de vários actores internos e externos da escola: docentes, de acordo com os seus cargos e mesmo um painel de docentes sem cargos atribuídos, alunos, pais, funcionários não docentes, autarcas e outros parceiros da escola em avaliação. A audição de diversos membros da comunidade educativa e dos parceiros da escola constitui uma forma reconhecer e de suscitar a participação dos actores locais na vida da escola. 5 Séries de resultados dos alunos da escola na avaliação interna e nos exames nacionais dos ensinos básico e secundário; taxas de transição/retenção e de abandono; idade média dos alunos por ano de escolaridade; número de alunos apoiados pela Acção Social Escolar; acesso dos alunos às Novas Tecnologias de Informação; profissões e habilitações dos pais e das mães. 3 (iv) A avaliação, expressa numa escala com quatro níveis (muito bom, bom, suficiente e insuficiente), incide sobre cinco domínios: Resultados, Prestação do serviço educativo; Organização e gestão escolar, Liderança, Capacidade de auto-regulação e progresso da escola. (v) O relatório de cada escola ou agrupamento de escolas é elaborado com base no cruzamento de fontes e de olhares e é enviado à escola avaliada, que dispõe de um prazo para apresentar contraditório. (vi) O texto integral do relatório e o eventual contraditório são divulgados pela IGE, no seu sítio na internet. e) Relatório nacional O relatório nacional é um complemento dos relatórios de escola e um outro meio de concretizar, numa perspectiva mais geral, os objectivos de regulação e de informação à sociedade. A qualidade global dos resultados e da apreciação do desempenho das 100 escolas avaliadas em 2007 não pode ser considerada representativa de todas as unidades de gestão. No entanto, é possível retirar dos resultados obtidos algumas tendências. Alguns exemplos: porque será que as escolas singulares apresentam melhores classificações que os agrupamentos de escolas? O que explica que factores como Comportamento e disciplina, Diferenciação e apoios, Motivação e empenho ou Abertura à inovação sejam os que recolhem mais apreciações positivas e que factores como Sucesso Académico, Acompanhamento da prática lectiva na sala de aula, Auto-avaliação sejam os que obtêm menos apreciações positivas? O relatório nacional será, cada vez mais, matéria para reflexão e contributo para a formulação, acompanhamento e avaliação do impacto das medidas de política. 2. A promoção da auto-avaliação Como acabei de referir, a auto-avaliação é um dos aspectos de desempenho das escolas que recolhe menos apreciações positivas na avaliação externa. Por definição, a auto-avaliação deve ser um processo próprio de cada escola e depende da iniciativa e das energias de cada escola. No entanto, pode haver estímulos e incentivos. Recordo e adapto algumas das sugestões apresentadas pelo Grupo de Trabalho para a Avaliação das Escolas6: 6 9 para além de professores, outros funcionários e alunos, deverá ser fomentada a participação de pais, autarcas e de outros membros da comunidade; 9 será de incentivar a constituição de redes de escolas que desenvolvam dinâmicas associativas, através do intercâmbio de boas práticas, da partilha de recursos, do apoio à autoformação; Cfr. http://www.min-edu.pt/np3/392.html 4 9 criação e dinamização de um sítio da auto-avaliação, como centro de recursos e fórum; 9 o Conselho de Escolas, recentemente criado, poderá ser um agente privilegiado de contacto, entreajuda e promoção de boas práticas; 9 as instituições de ensino superior e de outros centros com as competências requeridas poderão assumir um papel de relevo, como amigo crítico ou como assessoria; 9 a administração educativa tem um papel importante, designadamente: 9 pela produção de informação sobre as escolas; 9 pelo fornecimento às escolas dos resultados de testes, exames e provas, bem como de outra informação que permita a cada escola aferir a sua situação e o seu percurso; 9 pelo apoio à formação em métodos e dispositivos de auto-avaliação; Finalmente, os instrumentos da avaliação externa e, por maioria de razão, os resultados da avaliação externa, são uma ajuda e um apoio importante na selecção das áreas a trabalhar; de forma especial, o instrumento Tópicos para a apresentação da escola, que orienta a escola na elaboração de uma síntese da leitura que faz de si mesma. 3. Planos de acção para a melhoria e contratos de autonomia e desenvolvimento A autonomia das escolas já foi objecto de debate ontem. Neste momento, quero referir alguns aspectos da relação entre autonomia e avaliação externa. Ao identificar pontos fortes e pontos fracos, bem como oportunidades de desenvolvimento e constrangimentos, a avaliação externa oferece elementos para a construção ou o aperfeiçoamento de planos de melhoria e de desenvolvimento de cada escola. O que mais importa é a melhoria. Nesse sentido, o acompanhamento, apoio e exigência relativamente às escolas com classificações de insuficiente é fundamental para que a avaliação constitua uma oportunidade de responsabilização e não um risco de penalização. A administração educativa tem como desafio encontrar as modalidades mais adequadas de acompanhamento das escolas, gerindo a tensão entre a pressão e o incentivo. Com o impulso dado pela assinatura recente de 22 contratos de desenvolvimento e autonomia, podemos caminhar no sentido de a relação entre a avaliação e autonomia assumir a seguinte feição: 9 a avaliação externa é uma condição prévia de contratualização, 9 a auto-avaliação é uma prática permanente de escolas com autonomia, 9 a avaliação externa da concretização da autonomia é uma base para a redução, a manutenção ou o aprofundamento do grau dessa autonomia. 5 A avaliação e a autonomia são instrumentais. A eficácia do seu contributo para a melhoria da educação depende da articulação com outros campos, também eles instrumentais, designadamente: 9 uma maior capacidade de intervenção da direcção da escola; 9 um aumento da participação da comunidade no governo estratégico das escolas; 9 a existência de condições básicas nas escolas para uma educação de qualidade e uma afectação equilibrada de recursos técnicos; 9 a estabilidade e a continuidade das equipas docentes; 9 uma formação contínua dos profissionais que sirva as prioridades da escola. 4. O papel da escola nas sociedades contemporâneas ou As escolas para o século XXI Falou-se ontem do alargamento da missão da escola e da necessidade de conter esse alargamento, pois as expectativas são muitas, por vezes ambíguas e até de sinal contrário; falou-se da reconceptualização e do redesenho da escola e referiu-se a necessidade de pensar a escola em interacção com outras instituições. Entre nós, António Nóvoa tem chamado a atenção para um excesso de expectativas e de encargos: «A escola está esmagada, sufocada, por um excesso de missões»7. Não compete aos avaliadores definir a missão da escola, compete-lhes interpelar cada escola em função das missões definidas para as escolas, em geral, e concretizadas para e em cada escola, em particular. Nesse sentido, a figura de contrato de autonomia e desenvolvimento, ao definir o serviço público esperado, pode ser um instrumento muito útil. A avaliação, como a própria origem da palavra revela, tem tudo a ver com valor e valorização: a que se atribui valor? O que caracteriza uma escola excelente ou uma escola muito boa? Que critérios de classificação se elege? Que campos de observação são centrais? Assim, a avaliação acaba também por sofrer com a dificuldade de definir referentes justos e ajustados. Não podemos correr o risco de penalizar as escolas por não cumprirem todas as missões, nem o risco de as desresponsabilizar em nome da impossibilidade de cumprir todas as missões. Esta é uma área onde temos muito trabalho pela frente. Esta Conferência deu um contributo que o tempo nos ajudará a avaliar. 7 Sessão inaugural do Debate Nacional da Educação. 6