MODELO DELTA DE HAX E WILDE II: CONTRIBUIÇÕES AO PENSAMENTO
ESTRATÉGICO
ARTIGO
Moacir de Miranda Oliveira Júnior
Recebido em: 15/09/2003
Professor do Programa de Estudos Pós-Graduados em Administração
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP.
Doutor e Mestre em Administração pela Faculdade de Economia, Administração e
Contabilidade da Universidade de São Paulo – FEA/USP.
E-mail: [email protected]
Aprovado em: 23/05/2004
Marcos Roberto Píscopo
Professor do Departamento de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina.
Mestrando do Programa de Estudos Pós-Graduados em Administração da PUC-SP.
MBA em Marketing e Administração de Projetos pela FIA/FEA/USP e Bacharel em
Administração pela FAAP.
E-mail: [email protected]
Gentil Choji Nishioka
Mestrando do Programa de Estudos Pós-Graduados em Administração da PUC-SP.
E-mail: [email protected]
José Hamilton Maturano Cipolla
Mestrando do Programa de Estudos Pós-Graduados em Administração da PUC-SP.
E-mail: [email protected]
RESUMO
O presente trabalho visa discutir o Modelo Delta, uma nova abordagem das estratégias em unidades de
negócios, complementar às estratégias genéricas de PORTER (1989), num contexto de mudanças rápidas,
onde o avanço da globalização e o acirramento da competição estão desafiando os modelos teóricos
consolidados. O Modelo Delta introduz o conceito de amarração contínua entre negócios, compradores e
complementadores, gerando estratégias de lock-in de compradores e lock-out de concorrentes. Os
complementadores, que não eram considerados nas estratégias de competição de PORTER (1989),
dominantes durante mais de duas décadas, assumem nesta abordagem um papel relevante, no lock-in de
sistemas, estratégia em que o grau de lealdade do comprador à empresa é o mais elevado. Uma importante
contribuição do Modelo Delta é a expansão da formulação de estratégias, afastando-se da tradicional
abordagem de economia do produto e abrindo para as dimensões das economias do comprador e de sistemas.
Palavras-chave: estratégia, competição, amarração.
ABSTRACT
This work discusses the Delta Model, a new approach for strategy at the level of business units which
complements the generic strategies of PORTER (1989) for using in the context of fast changes, where the
advance of globalization and intensified competition are challenging long standing theoretical models. The
Delta Model introduces the concept of continued bonding among businesses and buyers as well as those with
complementary activities. It generates buyer lock-in and competitor lock-out strategies and the respective
degrees of loyalty to the company. Those with a complementary function were not considered in Porter’s
strategies of competition (1989), dominant for over two decades. They play a relevant role in the lock-in
system which is a strategy that has the highest degree of buyer loyalty to the company. An important
contribution of the Delta Model is the extension of the formulation of strategies from the traditional product
economy to the framework of the economies of the buyer and of systems.
Key words: strategy, competition, bonding.
Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 11, nº 3, p. 75-88, julho/setembro 2004
Moacir de Miranda Oliveira Junior, Marcos Roberto Píscopo, Gentil Choji Nishioka e
José Hamilton Maturano Cipolla
1. INTRODUÇÃO
A liderança mundial da Microsoft em sistemas
operacionais de computadores é um dos fatos
inquestionáveis dos últimos anos. Entretanto, os
especialistas em informática afirmam que é a Apple
que detém o melhor conjunto de benefícios
diferenciais. A estratégia da Microsoft não pode ser
caracterizada como de baixo custo, nem de
diferenciação. Esse é um exemplo demonstrativo de
que nem sempre o melhor produto (bem ou serviço)
vence, e aponta para uma limitação das estratégias
genéricas de competição de PORTER (1989).
Algumas das novas variáveis das estratégias são a
concorrência dos importados e o contato
multimercados. A globalização mudou o cenário da
oferta e do consumo internacionais, impactando as
estratégias dos países, dos mercados, das
tecnologias e das corporações, e afetando os
indivíduos no mundo todo. O fato mais importante
da globalização parece ser a democratização de
informações, que tem efeitos na distribuição do
poder, nas finanças, na tecnologia e no processo
decisório. Todos os países estão cada vez mais
sujeitos à cultura da globalização: Mcdonalds,
Sheraton, Sony, Coca-Cola e Windows. O
comprador se torna mais exigente, não mais sujeito
aos padrões locais ou regionais de ofertas de
produtos, pois, em tese, ele pode pesquisar,
comparar e comprar de qualquer fornecedor do
planeta.
A inovação passa a ser efêmera, com a rápida
oferta de produtos similares e piratas, conduzindo a
uma situação em que os produtos se tornam
padronizados (commodities). Os preços caem com a
contínua entrada dos novos concorrentes e as
margens tendem a zero (paper thin). Corporações
internacionais procuram locais de menores custos,
contornam barreiras alfandegárias por meio da
aquisição de empresas em outros países,
centralizam ou descentralizam atividades de
pesquisa e desenvolvimento, concentram ou diluem
riscos. Pensar globalmente e agir localmente deixou
de ser uma frase de efeito e tornou-se realidade.
As estratégias conhecidas, com foco em
produtos, que explicavam o sucesso das empresas,
passam a ter exceções instigantes. A Apple
Computers, fabricante de produtos inovadores, com
desempenhos indiscutíveis, perde rapidamente a
pequena participação que detinha no mercado para a
76
Microsoft. O sucesso da WorldCom, com
baixíssima participação de mercado em diversos
setores de commodities, não poderia ser explicado
pelo baixo custo e muito menos pela diferenciação
de seus serviços. As estratégias competitivas
precisavam de novos conceitos e instrumentos, que
substituíssem ou complementassem o modelo de
PORTER (1989).
O sucesso depende de novas regras de
competição (TREACY e WIESERMA, 1995;
HAMEL e PRAHALAD, 1997). Torna-se
imprescindível, portanto, que as estratégias
agreguem valor para os consumidores; caso
contrário, elas serão caminhos curtos e diretos que
levarão as empresas ao fracasso. As tipologias que
orientam o estabelecimento de estratégias mostramse limitadas, demandando novas abordagens.
Novas ferramentas estratégicas precisariam
fornecer soluções para questões corriqueiras de
negócios como: "Por que é possível pedir uma pizza
por telefone, e recebê-la em vinte minutos, mas um
grande plano de saúde chega a demorar dois dias
para autorizar a realização de um exame ou agendar
um consulta médica?" "Por que a loja virtual
Submarino lembra-se das últimas compras
realizadas pelo cliente, mas a Telefônica liga para o
seu próprio cliente, após três anos de utilização do
speedy, oferecendo o mesmo serviço como novo?".
Apesar do velho discurso sobre o foco no
comprador, as estratégias existentes concentram-se
no produto e na empresa, evidenciando uma
abordagem unilateral, de dentro para fora. O
objetivo deste trabalho é discutir o Modelo Delta
(HAX e WILDE II, 2001), uma nova abordagem
das estratégias em unidades de negócios,
complementar às estratégias genéricas de PORTER
(1989), num contexto de mudanças rápidas, onde o
avanço da globalização e o acirramento da
competição estão desafiando os modelos teóricos
consolidados. O presente trabalho está estruturado
em cinco partes. Na introdução, apresenta-se o
assunto e a necessidade de formulação de
estratégias considerando-se novas variáveis e
fatores além daqueles que têm sido adotados por
autores e executivos. Na segunda parte são
apresentadas a evolução do pensamento estratégico,
as idéias defendidas por pesquisadores respeitados
no campo da estratégia e os principais conceitos e
características. A terceira parte foi elaborada para
apresentar o Modelo Delta desenvolvido por HAX e
Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 11, nº 3, p. 75-88, julho/setembro 2004
Modelo Delta de Hax e Wilde II: contribuições ao pensamento estratégico
WILDE II (2001), e detalhar alguns de seus
aspectos mais importantes. Uma discussão crítica é
desenvolvida, na quarta parte, para analisar as
abordagens do Modelo Delta em comparação com
aquelas
apresentadas
por
outros
autores
conceituados. Posteriormente, são apresentadas as
considerações finais e as possibilidades de novas
pesquisas no campo do desenvolvimento de
estratégias empresarias.
2.
EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO
ESTRATÉGICO
O pensamento estratégico busca meios para
desenvolver estratégias para as atividades e
movimentos de competição e expansão da empresa,
num horizonte de planejamento definido.
Inicialmente foram abordados os aspectos
descritivos, que podem explicar como a empresa
consegue obter desempenho financeiro superior.
Depois foram abordados os aspectos normativos,
que abrangem as diretrizes e ferramentas para criar
estratégias e apoiar sua implementação. Alguns
autores, como PORTER (1985; 1989; 1993; 1999) e
OHMAE (1998), trataram dos aspectos normativos
com uma visão de fora para dentro, isto é, voltados
para os aspectos do ambiente externo à empresa que
influem nas estratégias. A visão alternativa de
dentro para fora, baseada em recursos e capacidades
da empresa para definir estratégias, foi
desenvolvida por autores como PRAHALAD e
HAMEL (1990).
correspondente a setor, foi traduzida como indústria
e acabou sendo geralmente adotada). O modelo de
PORTER (1989) analisa 5 agentes – compradores,
concorrentes, fornecedores, novos entrantes e
produtos substitutos – e 5 forças – poder de
barganha do comprador, poder de barganha do
fornecedor, rivalidade entre concorrentes, ameaça
dos novos entrantes e ameaça dos produtos
substitutos. PORTER (1989) propõe então as
estratégias genéricas de competição no nível de
negócios: liderança nos custos totais, diferenciação
e foco. Ele destaca a importância do trade-off, isto
é, a exclusividade da opção estratégica e o risco do
meio termo. A visão predominante de PORTER
(1989) é a de economia do produto, isto é, o foco é
o produto e o ator central é o concorrente, que
precisa ser dominado.
Mais tarde, PORTER (1985) introduziu o
conceito de vantagem competitiva, uma abordagem
de dentro para fora da empresa, necessária para a
implementação das estratégias genéricas de
competição. Como principal ferramenta, PORTER
(1985) propõe a cadeia de valores, analisando as
atividades principais e as de apoio da empresa. A
somatória dos custos das atividades pode deixar a
margem maior quanto mais econômicas forem as
atividades, e menor se elas consumirem muitos
recursos.
Cronologicamente, ANSOFF (1965) desempenha
papel pioneiro no planejamento estratégico das
corporações envolvendo diversos negócios. Sua
contribuição, ainda hoje utilizada, é a matriz de
crescimento, com quatro quadrantes. Inicia no
quadrante de crescimento intenso, no mercado atual
com produtos atuais, passa pelos quadrantes de
desenvolvimento de novos mercados, ou de
desenvolvimento de novos produtos, e chega no
quadrante da diversificação, com produtos novos e
novos mercados.
Segundo PORTER (1985), eficácia operacional
significa fazer as mesmas atividades melhor que os
concorrentes. Quando as empresas executam as
mesmas
atividades,
possuem
estruturas
organizacionais similares. Portanto, podem eliminar
eventuais desvantagens adotando os mesmos
procedimentos. A eficácia operacional não garante
vantagem competitiva duradoura porque pode ser
copiada pelos concorrentes. Estratégia é fazer
atividades diferentes dos concorrentes ou as
mesmas atividades de modo diferente. Executar
atividades diferentes dos concorrentes pressupõe
estrutura organizacional diferente, o que diminui o
risco de cópia de procedimentos operacionais
(PORTER, 1985).
A etapa seguinte foi o tratamento das estratégias
de negócio da empresa. PORTER (1989)
apresentou, em 1980, o seu Modelo de Análise
Estrutural das 5 forças da Indústria, uma abordagem
de fora para dentro da empresa, que se tornou a
principal ferramenta disponível durante mais de 20
anos (cabe esclarecer que a palavra inglesa industry,
MINTZBERG (1994, 2000, 2001) é reconhecido
como crítico de PORTER (1989). Ele critica
sobretudo o determinismo do seu modelo de análise
da indústria e propõe a estratégia emergente, que
surge como resposta às mudanças não previstas no
ambiente externo e que portanto não se enquadram
na abordagem de PORTER (1989). PRAHALAD e
Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 11, nº 3, p. 75-88, julho/setembro 2004
77
Moacir de Miranda Oliveira Junior, Marcos Roberto Píscopo, Gentil Choji Nishioka e
José Hamilton Maturano Cipolla
HAMEL (1990) introduziram, conforme a
perspectiva da visão de dentro para fora, os
conceitos de negócio essencial (core business) e
capacidade essencial (core competence) da empresa,
utilizados na estruturação e capacitação da empresa
para a competição. GHEMAWAT (2000:43)
argumenta que novos agentes surgiram com a
competição globalizada. Ele amplia o modelo de
PORTER (1989) com o complementador, cuja força
viria a ser adotada como a 6a. O complementador
não pertence ao setor, mas tem o poder de contribuir
para o seu sucesso ou fracasso. Um exemplo
clássico proposto por GHEMAWAT (2000) é o da
interação da Intel com a Microsoft e com o setor de
computadores pessoais. A Intel é fornecedora de
processadores para computadores. A Microsoft é a
empresa dominante no setor de software, com o
sistema operacional Windows. Os computadores
equipados com processadores Intel de última
geração garantem um desempenho melhor do
Windows, o que estimula a venda do software.
Portanto, a Intel é complementadora do setor de
software. Isso estimula a produção, por terceiros, de
aplicativos compatíveis com o Windows. Esses
produtores são complementadores: não são nem
concorrentes da Microsoft, nem seus fornecedores.
A padronização de produtos joga muitas empresas
na vala comum da competição, onde a estratégia é
de liderança em custos, com a opção única de
prestação de serviços, para agregar valor aos
produtos. Ora, agregar valor consome recursos e
aumenta custos, portanto a estratégia não pode
permanecer sendo a de baixo custo.
TREACY e WIESERMA (1995) desenvolveram
as disciplinas de valor, abordagens alternativas
àquelas elaboradas por PORTER (1989). As três
disciplinas de valor são: excelência operacional, que
busca o melhor custo total; liderança em produtos,
que procura o melhor produto; e intimidade com o
cliente, que desenvolve a melhor solução total. Para
esses autores, o sucesso depende de novas regras de
competição, como: prover o mercado com a melhor
oferta, de acordo com a dimensão de valor em que a
empresa tem expertise, sustentar padrões mínimos
de desempenho nas dimensões de valor que o
público-alvo da empresa considera importantes,
dominar o mercado através da melhoria contínua e
desenvolver um modelo operacional que permita
entregar aos clientes mais valor do que os
concorrentes. Clientes diferentes desejam valores
diferentes, e suas expectativas elevam-se à medida
78
que as empresas entregam mais valor, o que exige
delas práticas operacionais superiores àquelas dos
concorrentes.
Um exemplo de disciplina de excelência
operacional é o da Dell Computer, que vende
computadores de forma que os compradores não
precisem sacrificar qualidade ou tecnologia de
ponta para efetuar uma compra de maneira fácil e
barata. Exemplo de disciplina de liderança em
produtos é o da 3M, que investe pesadamente em
pesquisa e desenvolvimento, sempre buscando
trazer para o mercado produtos nunca antes vistos
ou experimentados. Um exemplo de intimidade com
o cliente é o da IBM, que procura oferecer uma
solução completa em e-business, incluindo
hardware,
software,
aplicativos,
sistemas
operacionais, entre outros.
3.
MODELO DELTA DE HAX E WILDE II
O Modelo Delta (HAX e WILDE II, 2001) é uma
nova abordagem para o desenvolvimento de
estratégias de negócios. Introduz os conceitos de
amarração, de continuidade da amarração, de lockin de comprador, lock-out de concorrentes e lock-in
de sistemas. Dá um grande reforço ao papel do
complementador e propõe três grupos básicos de
estratégias.
As três opções estratégicas básicas, que definem
como a empresa vai competir e servir aos seus
compradores no mercado, são representadas nos
vértices de um triângulo, daí o nome Delta. Ele
inicia no foco tradicional dos melhores produtos,
área de atuação de PORTER (1989), e amplia as
estratégias para mais dois focos principais,
perfazendo três, que são representados na figura 1.
No primeiro vértice, no lado direito da base, está a
estratégia dos melhores produtos, no lado esquerdo,
a das soluções totais para o comprador e, no topo, o
lock-in dos sistemas. Essas estratégias são
respectivamente baseadas na economia dos
produtos, na economia dos compradores e na
economia dos sistemas.
3.1.
Vértice 1 – Melhores produtos
A estratégia dos melhores produtos procura
ultrapassar os concorrentes por meio dos produtos.
Ela oferece duas formas tradicionais de competição:
baixo custo e diferenciação. Essas estratégias,
exaustivamente tratadas por PORTER (1989),
Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 11, nº 3, p. 75-88, julho/setembro 2004
Modelo Delta de Hax e Wilde II: contribuições ao pensamento estratégico
permanecem como as primeiras opções do Modelo
Delta (HAX e WILDE II, 2001). Na estratégia de
baixo custo, a empresa procura oferecer o produto a
um custo menor do que o de seus concorrentes, para
os clientes que são sensíveis ao preço. Na estratégia
de diferenciação, a empresa precisa oferecer
benefícios que adicionem valor à sua oferta e assim
atendam às necessidades dos clientes.
Figura 1: Modelo de Negócios – três opções de estratégicas distintas
Competição baseada
na economia do sistema:
Lock-in do complementador,
Lock-out do concorrente e
Padrão proprietário
Lock-in do Sistema
Soluções Totais para o cliente
Competição baseada na
economia do cliente:
Reduzir os custos do cliente
ou elevar seus lucros
Melhor Produto
Competição baseada na
economia do produto:
Baixo Custo ou Diferenciação
Fonte: HAX e WILDE II, 2001: 10.
Podem ser citados, como exemplos de estratégias
de melhores produtos, os seguintes casos: a empresa
Gol tem um modelo de negócios voltado ao baixo
custo, o que lhe permite oferecer passagens com
preços inferiores aos seus concorrentes, em virtude
de uma maior taxa de ocupação de assentos,
menores despesas com serviços de bordo limitados,
menores despesas com atividades em terra e venda
direta de passagens. Alternativamente, a empresa
TAM oferece um serviço totalmente personalizado,
que tem preço mais elevado, e procura proporcionar
o benefício da diferenciação oferecendo salas de
embarque vip, serviço de bordo superior, venda
através de agentes de viagens, entre outros.
3.2.
Vértice 2 – Soluções totais para o
comprador
A estratégia das soluções totais para o comprador
busca um relacionamento que melhore o
desempenho do comprador, especialmente mediante
a redução dos custos e aumento de sua
lucratividade. Ela se baseia numa oferta de mais
produtos que satisfaça a maioria das necessidades
dos clientes. A idéia é criar fortes laços de
relacionamento com o cliente, através dos quais seja
possível oferecer-lhe soluções personalizadas (HAX
e WILDE II, 2001).
O foco é o comprador e o objetivo é a redução de
seus custos e dos custos de sua cadeia produtiva.
Dessa forma, a empresa pode atuar juntamente com
o comprador, que passa a participar do
desenvolvimento de produtos da empresa. Por meio
dessa estratégia, a empresa, os compradores e seus
fornecedores aprendem mutuamente e crescem
juntos, o que gera lealdade e custos de mudança
para o comprador, que se tornam barreiras de
entrada aos concorrentes. Contudo, deve-se ressaltar
que existe a necessidade de segmentação da base de
Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 11, nº 3, p. 75-88, julho/setembro 2004
79
Moacir de Miranda Oliveira Junior, Marcos Roberto Píscopo, Gentil Choji Nishioka e
José Hamilton Maturano Cipolla
clientes, pois não seria viável e nem possível
utilizar uma base muito ampla ou total de clientes,
uma vez que o que interessa é uma maior
participação dos gastos do cliente (pocket share) e
não somente a participação no mercado (market
share).
Para o alcance da estratégia de soluções totais
para o comprador existem três opções: redefinição
da experiência do comprador, alimentação
horizontal e integração do comprador. A estratégia
de redefinição da experiência do comprador (HAX
e WILDE II, 2001) visa alterar o relacionamento
com o cliente, antes focado apenas no momento da
aquisição, para o tempo total de uso do produto.
Para isso, é fundamental entender perfeitamente
como o comprador interage com o produto da
empresa. A experiência do comprador com o
produto pode passar por várias etapas diferentes,
relativas a: quando o produto é financiado, usado,
consertado, vendido ou reposto. É absolutamente
necessário usar a criatividade para redefinir a
experiência de forma que o comprador se sinta
beneficiado.
O
estabelecimento
de
um
relacionamento com o comprador é fundamental,
visto que a criação desses laços dificulta a imitação
por parte dos competidores e cria um grande custo
de mudança. Um exemplo desse tipo de estratégia é
o Saturn, automóvel da GM que reinventou
totalmente o negócio da empresa, orientando-o para
o comprador. A GM foi muito audaciosa e lançou
um grande desafio intitulado “satisfação garantida
ou seu dinheiro de volta, sem perguntas”.
A estratégia de alimentação horizontal (HAX e
WILDE II, 2001) amplia o escopo das relações
comerciais com os compradores, por meio da
integração e "customização" de um amplo portfólio
de produtos relacionados. Ressalta-se que não é
necessário possuir o design ou o processo de
manufatura de cada produto que vai compor a
solução "customizada". Na realidade, o que importa
é que informações sobre uso ou preferências dos
compradores podem ser compartilhadas pelos
produtos que irão compor a solução total. Portanto,
a alimentação horizontal vai além do fornecimento
de um conjunto de produtos, procurando fazer
integração e "customização" destes para oferecer
um benefício ao comprador. Como exemplo de
alimentação horizontal cita-se a Amazon.com, que
utiliza os dados fornecidos pelos próprios
compradores para elaborar uma lista de
recomendações a ser encaminhada para eles
80
mesmos. Isso é possível pois todo o processo de
compra é monitorado por avançados sistemas de
informação.
A estratégia de integração do comprador consiste
em a empresa assumir algumas atividades
anteriormente realizadas pelo próprio cliente (HAX
e WILDE II, 2001). Com isso, a empresa espera
realizar tais atividades de forma mais eficiente e
eficaz do que o comprador, e assim oferecer a ele
mais valor agregado ou vantagens de custo. Esta
estratégia de integração do comprador representa
uma poderosa vantagem competitiva, uma vez que
eleva os custos de mudança, originados dos
investimentos feitos em tempo e também em
recursos. Esclarece-se ainda que a integração do
comprador difere da terceirização, uma vez que esta
última não conquista vantagens competitivas
através de laços de relacionamento com o
comprador e também não cria custos de mudança. A
Dell Computers é um exemplo de integração do
comprador, pois além de vender o computador pela
Internet presta outros serviços ao cliente, como
instalação de softwares e assistência técnica.
As siderúrgicas brasileiras que se dedicam ao
mercado de barras de aço para a construção civil
passaram a fornecer, na luta pela diferenciação de
produtos, o que chamaram de “ferro pronto”, isto é,
aço cortado e dobrado conforme a necessidade da
obra. A construção civil no Brasil passou a
terceirizar a atividade intra-obra de cortar e dobrar
barras de aço para as siderúrgicas. Os ganhos se
refletiram em menos custos, por diversas razões:
economia de escala e maior especialização por parte
das siderúrgicas, que adquiriram equipamentos
muito mais modernos, principalmente se
comparados com os encontrados em uma obra, além
da economia propiciada por custos menores de
frete, uma vez que as sobras e perdas geradas nas
obras deixaram de ser transportadas.
3.3.
Vértice 3 – Lock-in do sistema
Na estratégia de lock-in do sistema a empresa não
foca somente o produto ou o comprador, mas
também os outros agentes do setor que contribuem
para a criação de valor econômico. A estratégia de
lock-in dos sistemas busca atrair complementadores
oferecendo oportunidades de benefícios mútuos que
melhoram o desempenho do sistema, o que atrai
mais compradores e repele concorrentes (HAX e
WILDE II, 2001).
Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 11, nº 3, p. 75-88, julho/setembro 2004
Modelo Delta de Hax e Wilde II: contribuições ao pensamento estratégico
Para atrair, satisfazer e reter os compradores, a
empresa necessita também atrair, satisfazer e reter
os complementadores, o que eleva o valor do
sistema, em virtude de uma maior participação dos
agentes do setor, e torna possível a todos
ingressarem em uma zona econômica de retornos e
expansão crescentes. O complementador não é
necessariamente um competidor ou um fornecedor.
Na realidade, um complementador pode ser
entendido como um provedor de produtos que
realça direta ou indiretamente a oferta da empresa e
assim interfere na demanda de seus produtos (HAX
e WILDE II, 2001).
A estratégia de lock-in do sistema requer que
algumas condições essenciais sejam atendidas:
existência de retornos marginais crescentes e efeitos
das redes externas. Uma vez conseguidas essas
condições essenciais, deve-se tratar das formas
possíveis de se atingir a estratégia de lock-in do
sistema: padrão proprietário, troca dominante, e
acesso restrito (HAX e WILDE II, 2001).
Uma empresa devidamente estabelecida, com
padrão proprietário, atrai os compradores por causa
da extensa rede de complementadores que trabalha
com seu produto. Para usar o produto do
complementador é preciso usar o padrão
proprietário. O exemplo mais notável de padrão
proprietário é o das empresas Microsoft e Intel, que
juntas formam a Wintel, visto que possuem padrões
proprietários muito poderosos (HAX e WILDE II,
2001).
Ressalte-se ainda que podem existir padrões que
não sejam proprietários, como é o caso do
videocassete
VHS,
que
inicialmente
foi
desenvolvido pela empresa JVC, mas teve sua
tecnologia licenciada e adotada por outras
empresas, e atualmente é um padrão mundial,
mesmo não sendo proprietário.
A empresa que adota a estratégia de troca
dominante provê uma interface entre compradores e
vendedores, ou entre as partes que desejam trocar
informações ou mercadorias. O valor dessa
associação cresce de acordo com o número de
pessoas que recorre a ela para procurar, comprar ou
trocar itens. Isso gera um círculo virtuoso, onde a
principal empresa tende a dominar o mercado
(HAX e WILDE II, 2001).
A Internet é um instrumento que possibilitou a
criação de negócios para monopolizar a posição de
troca dominante. Um exemplo desse lock-in do
sistema é a empresa Páginas Amarelas, pois a
maioria das empresas anunciantes procura anunciar
no guia mais utilizado pelos consumidores, que por
sua vez preferem procurar as empresas no guia onde
a maioria delas faz seus anúncios.
Na estratégia de acesso restrito, os competidores
são privados do acesso ao comprador porque os
canais de distribuição têm capacidade limitada de
lidar com múltiplos vendedores.
Tendo-se em vista que padrões proprietários e
trocas dominantes fazem a amarração através do
lock-in dos compradores, a situação de lock-out dos
concorrentes é uma conseqüência das limitações de
distribuição e da cadeia de suprimentos (HAX e
WILDE II, 2001).
A empresa Coca-Cola é um exemplo típico dessa
situação. Nesse caso, os complementadores da
Coca-Cola são seus fornecedores, produtores de
concentrados, engarrafadores, distribuidores e
consumidores. Assim, é a Coca-Cola que realiza as
negociações e as compras, e não os engarrafadores,
pois dessa forma ela usufrui de grande economia de
escala. Assim, a estratégia desejada é atingida em
virtude das limitações de espaço nas gôndolas, das
fontes de fornecimento, da força da marca e do alto
giro do produto.
3.4.
A Amarração
O Modelo Delta criou o conceito da amarração,
que pode ser obtida entre o negócio, seus
compradores e os complementadores. Com a
amarração, o relacionamento com compradores e
complementadores passa a ser incluído na
estratégia. O papel do complementador torna-se
mais claro e decisivo para o sucesso ou fracasso de
um negócio (HAX e WILDE II, 2001).
A amarração é contínua e pode gerar lealdade do
comprador ao produto ou à empresa. Essa
amarração, portanto a lealdade, é mais fraca no
vértice dos melhores produtos e mais forte no
vértice do lock-in de sistemas. A amarração é uma
poderosa fonte de lucros em razão de suas próprias
características e pela capacidade de gerar lealdade.
O primeiro grau de amarração, com o mais fraco
grau de lealdade, é o Design Dominante, que está
no vértice dos melhores produtos (HAX e WILDE
II, 2001). A atração inicial se dá pelo produto, nas
suas dimensões de baixo custo e de diferenciação. A
Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 11, nº 3, p. 75-88, julho/setembro 2004
81
Moacir de Miranda Oliveira Junior, Marcos Roberto Píscopo, Gentil Choji Nishioka e
José Hamilton Maturano Cipolla
experiência do cliente com produtos concorrentes e
o seu conseqüente aprendizado acabam elegendo o
design genérico dominante, oposto ao personalizado
de uma empresa. Exemplos: a configuração do
computador pessoal da IBM, com monitor, teclado
e CPU, com arquitetura aberta e sistema operacional
DOS; a configuração-padrão do teclado, herdada
das máquinas de escrever.
Avançando no sentido horário, em direção ao
vértice das soluções totais para o comprador,
identificamos o segundo grau de amarração e o
primeiro grau de lock-in do comprador, que ocorre
por meio da atração exercida pelos atributos do
produto. Várias externalidades, criadas conforme o
uso do produto, geram uma personalização do
produto pelo próprio comprador (self-service) e um
aprendizado, que criam um custo de mudança.
Exemplos: página personalizada feita pelo próprio
usuário na Yahoo!; aprendizado e familiaridade no
uso de uma planilha eletrônica como a Excel.
O relacionamento com os compradores e a
construção de marca e de rede de assistência técnica
reconhecidas podem tornar-se ativos de valor,
mesmo que intangíveis. Exemplo: A Motorola saiu
do ramo de aparelhos de TV e retornou ao mercado
de pagers e celulares, apoiada em sua forte marca e
em sua ampla rede de assistência técnica.
Figura 2: Continuidade da amarração
Crescimento do Valor
Design
Dominante
Lock-in do
Comprador
Lock-out do
Concorrente
Padrão
Proprietário
Complementadores
Distribuidores
Fornecedores
Lock-in
Produtos
Produto
Produto
Produtos
Clientes
Clientes
Clientes
• Vantagem dos pioneiros:
- Características
- Serviço
- Preço
• Aprendizado do cliente
• Produto customizado
• Ativos colaterais
• Marcas
• Estrutura de preço
Feedback
Positivo
Clientes
• Distribuição do espaço na
• Desenvolver rede de fornecedores
prateleira
• Marcas
• Inovações implacáveis
• Patentes
terceirizados para aumentar o apelo
do produto
Alavancar posição como líder em atrair
complementadores
• Clientes procuram produto com
muitos complementadores
• Às vezes, clientes podem ser
complementadores, como permuta
Fonte: HAX e WILDE II , 2001: 33.
A estratégia de lock-out do concorrente é
conseguida cativando-se o comprador, seja pela
atratividade do produto, seja pelo custo de mudança
que o comprador precisa absorver caso queira
mudar para o concorrente. A empresa pode, ainda,
criar fortes barreiras de entrada no negócio para o
concorrente. Outra forma de lock-out dos
concorrentes são as restrições impostas aos canais
de distribuição, que limitam o manuseio de linhas
de produtos. Exemplo: restaurantes que oferecem
apenas Coca-Cola ou Pepsi-Cola. Marcas fortes
também podem repelir concorrentes. Inovações
82
freqüentes inibem a entrada de concorrentes. No
setor farmacêutico, o lock-out dos concorrentes é
baseado em patentes.
O mais forte grau de amarração é conseguido nos
padrões proprietários. Entretanto, nem sempre é
possível desenvolver um padrão proprietário para
cada segmento de mercado. Mesmo que um padrão
proprietário seja desenvolvido, pode não ser
possível uma única empresa apropriar-se dele.
Finalmente, nem toda empresa tem capacidade de
obter um padrão proprietário.
Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 11, nº 3, p. 75-88, julho/setembro 2004
Modelo Delta de Hax e Wilde II: contribuições ao pensamento estratégico
Figura 3: Amarração e o Triângulo
Complementadores
Produtos
Clientes
Competição baseada
na economia do sistema:
Lock-in do complementador,
Lock-out do concorrente e
Padrão proprietário
Lock-in do Sistema
Troca Dominante o
o Padrão Proprietário
Acesso Restrito o
Integração do Cliente o
Alimentação Horizontal
Soluções Totais para o cliente
Produto
o Baixo Custo
o
Competição baseada na
economia do cliente:
Reduzir os custos do cliente
ou elevar seus lucros
o
Redefinindo a
Experiência do
Cliente
Clientes
o
Diferenciação
Melhor Produto
Competição baseada na
economia do produto:
Baixo Custo ou Diferenciação
Produto
Clientes
Fonte: HAX e WILDE II , 2001: 33.
4.
4.1.
DISCUSSÃO CRÍTICA:
CONTRIBUIÇÕES E LIMITAÇÕES
Amarração, lock-in e lock-out
A grande contribuição do Modelo Delta é o
conceito de amarração (bonding), um adesivo que
une o negócio e seus produtos com compradores e
complementadores. A amarração pode gerar
lealdade do comprador e do complementador à
empresa e seus produtos. Essa amarração é contínua
e incorpora à estratégia o relacionamento da
empresa e de seus produtos com os compradores e
complementadores. O grau de amarração do
produto com o comprador e com o sistema define
também a intensidade da lealdade do comprador ao
produto e à empresa.
A amarração, portanto a lealdade do comprador,
é mais fraca no vértice dos melhores produtos e
mais forte no de lock-in de sistemas. O grau
intermediário de lealdade dos compradores aos
produtos está no vértice das soluções totais para o
comprador. Quando o "foco no comprador" deixa
de ser um slogan e passa a ocorrer efetivamente,
deslocando-se do produto ou da empresa, então esta
pode conseguir maior grau de lealdade.
O exemplo da WorldCom, como grau
intermediário de lock-in do comprador, dado no
Modelo Delta, deve ser observado de forma
analítica, em virtude da posterior revelação de
operações ilegais, na esteira da Enron e outras.
Contudo, até o ano 2000 a empresa foi referência na
aquisição de vários negócios e ofereceu serviços
padronizados de telefonia local e de longa distância,
de comunicação de dados, além de ser um provedor
Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 11, nº 3, p. 75-88, julho/setembro 2004
83
Moacir de Miranda Oliveira Junior, Marcos Roberto Píscopo, Gentil Choji Nishioka e
José Hamilton Maturano Cipolla
de acesso à Internet. Percebe-se a diversificação em
um leque de serviços, cada um deles com uma
pequena participação de mercado. A estratégia
genérica de competição em cada um dos serviços
não pode ser caracterizada como diferenciação nem
como liderança em custos totais.
Um outro exemplo é a Siemens Brasil. Essa
tradicional empresa de origem alemã adquiriu uma
empresa líder de serviços de segurança patrimonial,
a Graber. Ao instalar o sistema de segurança,
composto de sensores e monitores de circuito
fechado de TV, ela necessita de um sistema de
telecomunicações e de comunicação de dados para
poder prestar um melhor serviço de segurança
remota ao cliente, o que requer uma central
telefônica mais atualizada. Esse conjunto de
sistemas geralmente está instalado num edifício
com um sistema central de ar condicionado e um
sistema de acesso controlado de pessoas, integrado
ao sistema de segurança. Tudo isso necessita de
manutenção e também de limpeza. Paga-se uma
única fatura de serviços à fornecedora de solução
total, incluindo segurança, manutenção e limpeza.
O esforço é concentrado, no sentido de
intensificar o relacionamento com o comprador
oferecendo cada vez mais serviços que possam
atendê-lo, aumentar as vendas e diminuir a
quantidade de fornecedores. O objetivo principal
não é aumentar a participação do mercado (market
share), mas aumentar a participação da empresa nos
gastos do comprador (wallet share) com os serviços
prestados. Um sistema integrado único pode fazer a
gestão de todos os serviços envolvidos, reduzindo
os custos do comprador. A redução da
complexidade da gestão dos fornecedores e o
pagamento de uma conta única para vários serviços
podem intensificar o relacionamento entre o
fornecedor e o comprador, criar dependência entre
as partes, custo de mudança, além de uma forte
barreira de entrada aos concorrentes.
As estratégias genéricas de PORTER (1989)
estão distantes dessa abordagem. TREACY e
WIESERMA
(1995)
denominam
esse
relacionamento com o cliente de intimidade com o
cliente. Não tratam expressamente da economia do
comprador, nem propõem um conceito que
relacione essa estratégia à de lock-in do comprador.
Por outro lado, as estratégias propostas no vértice
das soluções totais para o comprador podem ser
vistas como agregadoras de valor por meio de
84
serviços. Na década de 90, outros esforços no
sentido de reduzir a quantidade de fornecedores já
eram feitos e algumas corporações tenderam ao
fornecedor único (single sourcing), até mesmo em
termos globais. Exemplos: agências de propaganda,
fornecedores de peças e serviços da indústria
automobilística. Anteriormente ao Modelo Delta,
essas estratégias que agregam valor por meio de
serviços não dispunham do conceito de amarração e
portanto não recebiam um tratamento com a mesma
consistência. O mais intenso grau de lealdade dos
compradores está no vértice do lock-in de sistemas,
onde o papel dos complementadores é muito
importante.
4.2.
O papel dos complementadores
Enquanto muitos usuários afirmam que toleram
os produtos Microsoft e só os utilizam por absoluta
falta de opção, mais consumidores adotam cada vez
mais produtos Microsoft e computadores com
processadores Intel. Mais complementadores são
incentivados a produzir produtos compatíveis com o
Windows, pois os compradores compram cada vez
mais. É um círculo virtuoso: mais compradores
respondendo às ofertas dos complementadores;
mais complementadores produzindo em virtude da
reação dos compradores. A Microsoft domina o
mercado e ocupa o espaço da Apple. Os conceitos
de lock-in de compradores e lock-out de
concorrentes, com a forte participação de
complementadores, explicam definitivamente o
sucesso da Microsoft e a perda de participação de
mercado da Apple.
Portanto, outra contribuição do Modelo Delta é
essa abordagem não explorada por outros autores: a
estratégia denominada lock-in de sistema, baseada
na amarração do sistema, que abrange os graus de
lealdade
e
amarração
de
lock-in
do
complementador, lock-out do concorrente e padrão
proprietário. Como alternativa para fugir da
exclusividade quase monopolística da Microsoft, a
própria IBM inicia a adoção de uma estratégia de
redefinição da experiência do comprador, com
vistas em um lock-in de sistemas, incentivando e
patrocinando o Linux, um dos poucos sistemas
concorrentes do Windows, produzido por um de
seus complementadores.
Assim como GHEMAWAT (2000), HAX e
WILDE II (2001) entendem, os complementadores
não são necessariamente competidores ou
Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 11, nº 3, p. 75-88, julho/setembro 2004
Modelo Delta de Hax e Wilde II: contribuições ao pensamento estratégico
fornecedores. Eles são parceiros, provedores de
produtos que têm a finalidade de realçar ou reforçar,
direta ou indiretamente, a oferta da empresa. Isso
multiplica o leque de estratégias do Modelo Delta,
tornando-o muito mais poderoso que o modelo de
PORTER (1989), que não considerou, em sua
análise setorial, a força dos complementadores. Ao
apresentar os mesmos exemplos – Windows e Intel
– de GHEMAWAT (2000), os criadores do Modelo
Delta (HAX e WILDE II, 2001) podem ter perdido
a originalidade no tratamento do assunto.
4.3.
As forças de PORTER segundo o Modelo
Delta
Os complementadores alteram o equilíbrio das
cinco forças do modelo de PORTER (1989) de
forma relevante. Um grupo antes sujeito à interação
baseada em condições polarizadas entre dominante
e dominado pode começar a atuar em parceria. Os
compradores, concorrentes e fornecedores podem
compor
um
único
grupo
aliado
dos
complementadores, gerando barreiras de entrada aos
novos entrantes e aos produtos substitutos.
Segundo o Modelo Delta (HAX e WILDE II,
2001), a intensidade das forças do modelo de
PORTER (1989) precisa ser dez vezes maior no
novo ambiente empresarial, para criar fortes
barreiras de todo o setor em torno de seus
compradores. Todos os agentes do setor precisam se
unir para melhor atender os seus compradores,
evitando os novos entrantes e produtos substitutos.
As forças dos concorrentes são geralmente
conhecidas e não são benchmarks relevantes.
É necessário desenvolver e integrar a cadeia de
valor, sempre com foco no comprador, no seu
desempenho, baixando seus custos e aumentando
seus lucros. Para isso, um novo agente precisa ser
acrescentado ao setor: o complementador. A
conclusão de HAX e WILDE II (2001) é que essa
nova visão das forças abre oportunidades de
negócios em setores antes evitados em
conseqüência da simples aplicação do modelo de
análise de PORTER (1989), como os setores
fragmentados, que passam de azarões para grandes
oportunidades, caso se considere o agrupamento de
produtos em soluções totais para o comprador.
4.4.
Os melhores produtos
O vértice do triângulo do Modelo Delta dedicado
aos melhores produtos é objeto das estratégias de
PORTER (1989). A análise porteriana inicial
considerava excludentes as estratégias competitivas
de menor preço e diferenciação. Ao fazer a opção
estratégica, a empresa precisava necessariamente
escolher uma entre elas, abrindo mão da outra
(trade off). Isso decorre do fato de PORTER (1999:
63) entender que “estratégia é criar uma posição
exclusiva e valiosa, envolvendo um diferente
conjunto de atividades”.
A sustentação de uma estratégia exige que a
empresa priorize determinadas atividades e deixe
em segundo plano atividades alternativas. Assim, se
a empresa opta por uma estratégia de liderança no
custo total, as estratégias de diferenciação e enfoque
precisam ser desprezadas. Isso ocorre porque, para
atingir a estratégia de baixo custo, a empresa como
um todo necessitará executar suas atividades de
forma que o custo total da confecção do produto ou
da prestação do serviço seja menor do que o dos
concorrentes. Portanto, é importante ressaltar que,
ao definir o que fazer, a empresa também faz
opções acerca do que não fazer. Isso faz com que as
estratégias genéricas competitivas possíveis
apresentem incompatibilidades e forcem a empresa
a fazer uma única opção.
HAX e WILDE II (2001) e HITT et al. (2001)
acreditam que essas duas condições não são
antagônicas, podendo conviver em uma mesma
empresa, que passa a oferecer um melhor produto
em termos de preço e diferenciação. A empresa
aérea Gol conseguiu menores custos graças a uma
política de muita tecnologia e logística. Percebeu
que um dos maiores custos da passagem aérea está
no preço do leasing da aeronave, e que a melhor
maneira de reduzir esse impacto é permanecer mais
tempo no ar e menos em terra. Com uma equipe de
terra inspirada nas das equipes de Fórmula Indy,
reduziu significativamente o tempo em solo. As
refeições
tradicionalmente
servidas
pelas
companhias aéreas exigiam maior tempo da
aeronave em solo, além de significativo custo
operacional. Para uma parcela considerável do
mercado de vôos domésticos no Brasil de duração
média de 2 a 3 horas, a redução do custo revelou-se
mais significativa que a refeição aquecida. Com
isso, a empresa conquistou uma imagem de
regularidade, preços baixos, sem serviços adicionais
além dos essenciais. Sem abandonar a estratégia de
baixos preços, conseguiu também diferenciar sua
prestação de serviços, seguindo o modelo criado
pela Southwest.
Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 11, nº 3, p. 75-88, julho/setembro 2004
85
Moacir de Miranda Oliveira Junior, Marcos Roberto Píscopo, Gentil Choji Nishioka e
José Hamilton Maturano Cipolla
O estudo das disciplinas de valor considera a
importância de a empresa escolher os clientes que
pretende servir e, através da segmentação adequada,
atingir o objetivo principal que é dominar o
mercado em que atua. O estudo dos componentes de
valor – preço, tempo, atendimento diferenciado e
qualidade – leva a empresa à compreensão das
necessidades reais dos clientes e possibilita um
posicionamento competitivo mais eficaz do que
aquele atingido por meio das estratégias
competitivas genéricas.
As disciplinas de valor identificadas por
TREACY e WIESERMA (1995) – excelência
operacional, liderança em produtos e intimidade
com o cliente – mostram que as empresas precisam
desenvolver competências essenciais específicas
para atingir cada opção de posicionamento
desejável.
Entretanto, assim como as
estratégias
competitivas genéricas, as disciplinas de valor
também exigem que a empresa faça uma opção
única, o que resulta em maior concentração dos
esforços em uma disciplina do que em outra.
Ressalta-se também a necessidade de se fazer uma
escolha, pois o posicionamento indefinido e confuso
não traz bons resultados nem para a empresa nem
para os clientes. Portanto, percebe-se que as
disciplinas de valor diferem das estratégias
competitivas genéricas em sua abordagem
específica, mas ambas obrigam a empresa a realizar
trade-offs.
4.5.
Novas dimensões: economia do comprador
e do sistema
O Modelo Delta (HAX e WILDE II, 2001)
amplia a abordagem focada na economia do
produto, que é tratada num único vértice do seu
triângulo das opções estratégicas. Ele extrapola as
tradicionais dimensões de baixo custo e
diferenciação e propõe outras dimensões ainda não
exploradas, tornando-se mais abrangente e flexível
do que o enfoque centrado em estratégias
competitivas genéricas e nas disciplinas de valor.
Duas outras novas dimensões são acrescentadas,
ao mesmo tempo que o modelo reclassifica e
expande as estratégias de competição. Além da
conhecida competição baseada na economia do
produto, o Modelo Delta apresenta a proposta de
estratégias baseadas na economia do consumidor e
na economia do sistema. Enquanto PORTER (1989)
86
trata especificamente de estratégias genéricas de
competição, deixando a expansão implícita, o
Modelo Delta (HAX e WILDE II, 2001) trata
explicitamente da expansão das vendas e do
crescimento
da
empresa,
integrando
complementadores e compradores.
O segundo e terceiro vértices do triângulo tratam
expressamente do crescimento da empresa e da
integração, estratégias de expansão corporativas
tratadas por ANSOFF (1965). Recorde-se que
PORTER (1989) trata das estratégias genéricas de
competição. Assim, são estabelecidas novas opções
estratégicas, desconhecidas anteriormente, que
explicam o sucesso ou o fracasso de empresas e
permitem a condução da empresa de modo mais
firme e claro no atual mundo dos negócios.
Comparado ao modelo das disciplinas de valor, o
Modelo Delta mostra-se também mais completo,
pois as três disciplinas de valor podem ser
classificadas nas opções de melhor produto e
soluções totais para o consumidor. Nenhuma
disciplina atinge o vértice de lock-in de sistemas.
4.6.
Capacitações e recursos requeridos pelo
Modelo Delta
O principal foco das novas estratégias é o
comprador. A principal capacitação requerida pelas
estratégias é, portanto, conhecer profundamente o
comprador. Quanto mais intenso o relacionamento
com o comprador, mais oportunidades de conhecêlo melhor. Se o papel do complementador é
relevante para o sucesso da empresa, é essencial que
se conheça profundamente o complementador. Ora,
o fornecedor também não precisa mais ser
dominado, mas muito bem conhecido, pois ele pode
ser o mais importante parceiro da empresa.
Novos modelos de negócios, como o e-business,
o e-commerce e o e-systems, tornam-se em geral
viáveis se forem considerados dentro de um novo
contexto de lock-in de compradores e lock-in de
sistemas. Antes, uma aplicação superficial do
modelo de análise setorial de PORTER (1989)
contra-indicava qualquer aprofundamento nesses
negócios, assim como nos setores fragmentados. O
novo ambiente empresarial buscado é aberto,
dinâmico e empreendedor, assumindo riscos e
recompensas. Nem todos os agentes do setor são
inimigos. O resultado final proposto no Modelo
Delta é o desenvolvimento e implementação de uma
proposta de valor única e estimulante para todos os
Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 11, nº 3, p. 75-88, julho/setembro 2004
Modelo Delta de Hax e Wilde II: contribuições ao pensamento estratégico
agentes:
compradores,
complementadores.
4.7.
fornecedores
e
Estratégias de amor versus estratégias de
guerra!
Qualquer que seja a estratégia adotada, a análise
setorial de PORTER (1989) pode induzir ao
tratamento, não só dos concorrentes, mas de todos
os participantes da indústria, como inimigos a serem
dominados. Basta examinar as formas propostas
para reduzir essas forças, particularmente aquelas
dirigidas ao comprador, para deduzir que mesmo
este é tratado como um adversário e não como um
aliado.
O objetivo estratégico da empresa era dominar as
cinco forças, visando à hegemonia sobre
compradores, concorrentes, fornecedores, novos
entrantes e produtos substitutos. Assim, ela poderia
tender a um oligopólio e, no limite, ao monopólio.
Em contraposição a PORTER (1989), o Modelo
Delta (HAX e WILDE II, 2001) prega ampla
parceria com compradores, fornecedores e
principalmente com complementadores. Todos
podem tornar-se complementadores, alavancando as
operações da empresa e atendendo melhor os
compradores.
5.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O conceito de amarração, que cria um vínculo
entre os três vértices das opções estratégicas, é, sem
dúvida, uma contribuição significativa. Os
elementos das estratégias aí estavam, tendo sido
anteriormente abordados de diversas formas, por
muitos autores. Cada um dos vértices pode até ter
sido tratado individualmente por outros autores,
porém sem a amarração.
A perspectiva voltada para o comprador, expressa
dessa forma, torna-se óbvia. Muitas empresas,
voltadas exclusivamente para seus próprios
interesses, podem começar a ver os seus
compradores, antes invisíveis. Entretanto, orientar a
empresa para uma melhora do desempenho,
diminuição dos custos e aumento dos lucros do
comprador pode ser visto como ingênuo em muitos
ambientes empresariais de competição predatória,
onde a sobrevivência é a regra.
A perspectiva da economia de sistemas é
inovadora se for considerada em conjunto com a
amarração e com os novos papéis dos
complementadores. O complementador é uma nova
força que pode influenciar o ambiente competitivo
da empresa e representar tanto oportunidade como
ameaça ao seu negócio.
A literatura mostra poucas opções de estratégias,
as quais, sejam elas estratégias competitivas
genéricas ou disciplinas de valor, consideram a
competição como premissa básica. O Modelo Delta
abre novas opções estratégicas e possibilita um
novo papel aos concorrentes, antes vistos como
grandes inimigos. Os concorrentes, assim como os
fornecedores, podem ser complementadores. Ambos
podem ser parceiros da empresa, cercando o
comprador para evitar a chegada de novos entrantes
e produtos substitutos.
O Modelo Delta aborda, além da questão da
competição, a expansão e crescimento da empresa e
a sustentabilidade do sistema, incluindo outros
agentes além dos compradores e dos vendedores.
HAX e WILDE II (2001) apresentam as empresas
americanas analisadas sob a perspectiva da
amarração. Certamente a realidade da economia e
das empresas americanas é diferente da encontrada
no Brasil.
Assim, existe uma oportunidade desafiadora para
o desenvolvimento de uma pesquisa no Brasil que
vise identificar quais as estrátégias genéricas de
competição das empresas brasileiras. É possível
estudar as histórias de sucesso e de fracasso
procurando explicar a situação atual por meio das
estratégias propostas pelo Modelo Delta.
Além disso, há necessidade de disseminar o
Modelo Delta, de forma que as empresas brasileiras
possam usufruir desse novo instrumento de
formulação de estratégias.
6.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANSOFF, I. Estratégia Empresarial. São Paulo:
Atlas, 1965.
GHEMAWAT, P. A estratégia e o cenário dos
negócios: texto e casos. Porto Alegre: Bookman,
2000.
HAMEL, G.; PRAHALAD, C. K. Competindo pelo
futuro: estratégias inovadoras para obter o controle
Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 11, nº 3, p. 75-88, julho/setembro 2004
87
Moacir de Miranda Oliveira Junior, Marcos Roberto Píscopo, Gentil Choji Nishioka e
José Hamilton Maturano Cipolla
do seu setor e criar os mercados de amanhã. Rio de
Janeiro: Campus, 1997.
HAX, A. C.; WILDE II, D. L. The delta project:
discovering new sources of profitability in a
networked economy. New York: Palgrave, 2001.
HITT, M. A.; IRELAND, R. D.; HOSKISSON, R.
E. Strategic management: competitiveness and
globalization. 4th. ed. Cincinnati, Ohio: SouthWestern College, 2001.
MINTZBERG, H. The Rise and Fall of Strategic
Planning. New York: Prentice Hall, 1994.
MINTZBERG, H.; AHLSTRAND, B.; LAMPEL, J.
Safari de estratégia: um roteiro pela selva do
planejamento estratégico. Porto Alegre: Bookman,
2000.
MINTZBERG, H.; QUINN, J. B. O Processo da
Estratégia. Porto Alegre: Bookman, 2001.
OHMAE, K. Voltando a estratégia. In:
MONTGOMERY, C. A.; PORTER, M. E. (Orgs.).
Estratégia: a busca da vantagem competitiva. Rio
de Janeiro: Campus, 1998.
PORTER, M. E. Competição = on competition:
estratégias competitivas essenciais. Rio de Janeiro:
Campus, 1999.
_____. A vantagem competitiva das nações. Rio de
Janeiro: Campus, 1993.
_____. Estratégia competitiva: técnicas para análise
de indústrias e da concorrência. 2 ed. Rio de
Janeiro: Campus, 1989.
_____. The competitive advantage: creating and
sustaining superior performance. New York: The
Free Press, 1985.
PRAHALAD, C. K.; HAMEL, G. The Core
Competence of the Corporation. Harvard Business
Review, New York, v. 68, n. 3, p. 79-91, May-June
1990.
TREACY, M.; WIESERMA, F. A disciplina dos
líderes de mercado: escolha seus clientes, direcione
seu foco, domine seu mercado. 3. ed. Rio de
Janeiro: Rocco, 1995.
88
Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 11, nº 3, p. 75-88, julho/setembro 2004
Download

modelo delta de hax e wilde ii: contribuições ao