MODELO DELTA DE HAX E WILDE II: CONTRIBUIÇÕES AO PENSAMENTO ESTRATÉGICO ARTIGO Moacir de Miranda Oliveira Júnior Recebido em: 15/09/2003 Professor do Programa de Estudos Pós-Graduados em Administração da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Doutor e Mestre em Administração pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo – FEA/USP. E-mail: [email protected] Aprovado em: 23/05/2004 Marcos Roberto Píscopo Professor do Departamento de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina. Mestrando do Programa de Estudos Pós-Graduados em Administração da PUC-SP. MBA em Marketing e Administração de Projetos pela FIA/FEA/USP e Bacharel em Administração pela FAAP. E-mail: [email protected] Gentil Choji Nishioka Mestrando do Programa de Estudos Pós-Graduados em Administração da PUC-SP. E-mail: [email protected] José Hamilton Maturano Cipolla Mestrando do Programa de Estudos Pós-Graduados em Administração da PUC-SP. E-mail: [email protected] RESUMO O presente trabalho visa discutir o Modelo Delta, uma nova abordagem das estratégias em unidades de negócios, complementar às estratégias genéricas de PORTER (1989), num contexto de mudanças rápidas, onde o avanço da globalização e o acirramento da competição estão desafiando os modelos teóricos consolidados. O Modelo Delta introduz o conceito de amarração contínua entre negócios, compradores e complementadores, gerando estratégias de lock-in de compradores e lock-out de concorrentes. Os complementadores, que não eram considerados nas estratégias de competição de PORTER (1989), dominantes durante mais de duas décadas, assumem nesta abordagem um papel relevante, no lock-in de sistemas, estratégia em que o grau de lealdade do comprador à empresa é o mais elevado. Uma importante contribuição do Modelo Delta é a expansão da formulação de estratégias, afastando-se da tradicional abordagem de economia do produto e abrindo para as dimensões das economias do comprador e de sistemas. Palavras-chave: estratégia, competição, amarração. ABSTRACT This work discusses the Delta Model, a new approach for strategy at the level of business units which complements the generic strategies of PORTER (1989) for using in the context of fast changes, where the advance of globalization and intensified competition are challenging long standing theoretical models. The Delta Model introduces the concept of continued bonding among businesses and buyers as well as those with complementary activities. It generates buyer lock-in and competitor lock-out strategies and the respective degrees of loyalty to the company. Those with a complementary function were not considered in Porter’s strategies of competition (1989), dominant for over two decades. They play a relevant role in the lock-in system which is a strategy that has the highest degree of buyer loyalty to the company. An important contribution of the Delta Model is the extension of the formulation of strategies from the traditional product economy to the framework of the economies of the buyer and of systems. Key words: strategy, competition, bonding. Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 11, nº 3, p. 75-88, julho/setembro 2004 Moacir de Miranda Oliveira Junior, Marcos Roberto Píscopo, Gentil Choji Nishioka e José Hamilton Maturano Cipolla 1. INTRODUÇÃO A liderança mundial da Microsoft em sistemas operacionais de computadores é um dos fatos inquestionáveis dos últimos anos. Entretanto, os especialistas em informática afirmam que é a Apple que detém o melhor conjunto de benefícios diferenciais. A estratégia da Microsoft não pode ser caracterizada como de baixo custo, nem de diferenciação. Esse é um exemplo demonstrativo de que nem sempre o melhor produto (bem ou serviço) vence, e aponta para uma limitação das estratégias genéricas de competição de PORTER (1989). Algumas das novas variáveis das estratégias são a concorrência dos importados e o contato multimercados. A globalização mudou o cenário da oferta e do consumo internacionais, impactando as estratégias dos países, dos mercados, das tecnologias e das corporações, e afetando os indivíduos no mundo todo. O fato mais importante da globalização parece ser a democratização de informações, que tem efeitos na distribuição do poder, nas finanças, na tecnologia e no processo decisório. Todos os países estão cada vez mais sujeitos à cultura da globalização: Mcdonalds, Sheraton, Sony, Coca-Cola e Windows. O comprador se torna mais exigente, não mais sujeito aos padrões locais ou regionais de ofertas de produtos, pois, em tese, ele pode pesquisar, comparar e comprar de qualquer fornecedor do planeta. A inovação passa a ser efêmera, com a rápida oferta de produtos similares e piratas, conduzindo a uma situação em que os produtos se tornam padronizados (commodities). Os preços caem com a contínua entrada dos novos concorrentes e as margens tendem a zero (paper thin). Corporações internacionais procuram locais de menores custos, contornam barreiras alfandegárias por meio da aquisição de empresas em outros países, centralizam ou descentralizam atividades de pesquisa e desenvolvimento, concentram ou diluem riscos. Pensar globalmente e agir localmente deixou de ser uma frase de efeito e tornou-se realidade. As estratégias conhecidas, com foco em produtos, que explicavam o sucesso das empresas, passam a ter exceções instigantes. A Apple Computers, fabricante de produtos inovadores, com desempenhos indiscutíveis, perde rapidamente a pequena participação que detinha no mercado para a 76 Microsoft. O sucesso da WorldCom, com baixíssima participação de mercado em diversos setores de commodities, não poderia ser explicado pelo baixo custo e muito menos pela diferenciação de seus serviços. As estratégias competitivas precisavam de novos conceitos e instrumentos, que substituíssem ou complementassem o modelo de PORTER (1989). O sucesso depende de novas regras de competição (TREACY e WIESERMA, 1995; HAMEL e PRAHALAD, 1997). Torna-se imprescindível, portanto, que as estratégias agreguem valor para os consumidores; caso contrário, elas serão caminhos curtos e diretos que levarão as empresas ao fracasso. As tipologias que orientam o estabelecimento de estratégias mostramse limitadas, demandando novas abordagens. Novas ferramentas estratégicas precisariam fornecer soluções para questões corriqueiras de negócios como: "Por que é possível pedir uma pizza por telefone, e recebê-la em vinte minutos, mas um grande plano de saúde chega a demorar dois dias para autorizar a realização de um exame ou agendar um consulta médica?" "Por que a loja virtual Submarino lembra-se das últimas compras realizadas pelo cliente, mas a Telefônica liga para o seu próprio cliente, após três anos de utilização do speedy, oferecendo o mesmo serviço como novo?". Apesar do velho discurso sobre o foco no comprador, as estratégias existentes concentram-se no produto e na empresa, evidenciando uma abordagem unilateral, de dentro para fora. O objetivo deste trabalho é discutir o Modelo Delta (HAX e WILDE II, 2001), uma nova abordagem das estratégias em unidades de negócios, complementar às estratégias genéricas de PORTER (1989), num contexto de mudanças rápidas, onde o avanço da globalização e o acirramento da competição estão desafiando os modelos teóricos consolidados. O presente trabalho está estruturado em cinco partes. Na introdução, apresenta-se o assunto e a necessidade de formulação de estratégias considerando-se novas variáveis e fatores além daqueles que têm sido adotados por autores e executivos. Na segunda parte são apresentadas a evolução do pensamento estratégico, as idéias defendidas por pesquisadores respeitados no campo da estratégia e os principais conceitos e características. A terceira parte foi elaborada para apresentar o Modelo Delta desenvolvido por HAX e Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 11, nº 3, p. 75-88, julho/setembro 2004 Modelo Delta de Hax e Wilde II: contribuições ao pensamento estratégico WILDE II (2001), e detalhar alguns de seus aspectos mais importantes. Uma discussão crítica é desenvolvida, na quarta parte, para analisar as abordagens do Modelo Delta em comparação com aquelas apresentadas por outros autores conceituados. Posteriormente, são apresentadas as considerações finais e as possibilidades de novas pesquisas no campo do desenvolvimento de estratégias empresarias. 2. EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO ESTRATÉGICO O pensamento estratégico busca meios para desenvolver estratégias para as atividades e movimentos de competição e expansão da empresa, num horizonte de planejamento definido. Inicialmente foram abordados os aspectos descritivos, que podem explicar como a empresa consegue obter desempenho financeiro superior. Depois foram abordados os aspectos normativos, que abrangem as diretrizes e ferramentas para criar estratégias e apoiar sua implementação. Alguns autores, como PORTER (1985; 1989; 1993; 1999) e OHMAE (1998), trataram dos aspectos normativos com uma visão de fora para dentro, isto é, voltados para os aspectos do ambiente externo à empresa que influem nas estratégias. A visão alternativa de dentro para fora, baseada em recursos e capacidades da empresa para definir estratégias, foi desenvolvida por autores como PRAHALAD e HAMEL (1990). correspondente a setor, foi traduzida como indústria e acabou sendo geralmente adotada). O modelo de PORTER (1989) analisa 5 agentes – compradores, concorrentes, fornecedores, novos entrantes e produtos substitutos – e 5 forças – poder de barganha do comprador, poder de barganha do fornecedor, rivalidade entre concorrentes, ameaça dos novos entrantes e ameaça dos produtos substitutos. PORTER (1989) propõe então as estratégias genéricas de competição no nível de negócios: liderança nos custos totais, diferenciação e foco. Ele destaca a importância do trade-off, isto é, a exclusividade da opção estratégica e o risco do meio termo. A visão predominante de PORTER (1989) é a de economia do produto, isto é, o foco é o produto e o ator central é o concorrente, que precisa ser dominado. Mais tarde, PORTER (1985) introduziu o conceito de vantagem competitiva, uma abordagem de dentro para fora da empresa, necessária para a implementação das estratégias genéricas de competição. Como principal ferramenta, PORTER (1985) propõe a cadeia de valores, analisando as atividades principais e as de apoio da empresa. A somatória dos custos das atividades pode deixar a margem maior quanto mais econômicas forem as atividades, e menor se elas consumirem muitos recursos. Cronologicamente, ANSOFF (1965) desempenha papel pioneiro no planejamento estratégico das corporações envolvendo diversos negócios. Sua contribuição, ainda hoje utilizada, é a matriz de crescimento, com quatro quadrantes. Inicia no quadrante de crescimento intenso, no mercado atual com produtos atuais, passa pelos quadrantes de desenvolvimento de novos mercados, ou de desenvolvimento de novos produtos, e chega no quadrante da diversificação, com produtos novos e novos mercados. Segundo PORTER (1985), eficácia operacional significa fazer as mesmas atividades melhor que os concorrentes. Quando as empresas executam as mesmas atividades, possuem estruturas organizacionais similares. Portanto, podem eliminar eventuais desvantagens adotando os mesmos procedimentos. A eficácia operacional não garante vantagem competitiva duradoura porque pode ser copiada pelos concorrentes. Estratégia é fazer atividades diferentes dos concorrentes ou as mesmas atividades de modo diferente. Executar atividades diferentes dos concorrentes pressupõe estrutura organizacional diferente, o que diminui o risco de cópia de procedimentos operacionais (PORTER, 1985). A etapa seguinte foi o tratamento das estratégias de negócio da empresa. PORTER (1989) apresentou, em 1980, o seu Modelo de Análise Estrutural das 5 forças da Indústria, uma abordagem de fora para dentro da empresa, que se tornou a principal ferramenta disponível durante mais de 20 anos (cabe esclarecer que a palavra inglesa industry, MINTZBERG (1994, 2000, 2001) é reconhecido como crítico de PORTER (1989). Ele critica sobretudo o determinismo do seu modelo de análise da indústria e propõe a estratégia emergente, que surge como resposta às mudanças não previstas no ambiente externo e que portanto não se enquadram na abordagem de PORTER (1989). PRAHALAD e Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 11, nº 3, p. 75-88, julho/setembro 2004 77 Moacir de Miranda Oliveira Junior, Marcos Roberto Píscopo, Gentil Choji Nishioka e José Hamilton Maturano Cipolla HAMEL (1990) introduziram, conforme a perspectiva da visão de dentro para fora, os conceitos de negócio essencial (core business) e capacidade essencial (core competence) da empresa, utilizados na estruturação e capacitação da empresa para a competição. GHEMAWAT (2000:43) argumenta que novos agentes surgiram com a competição globalizada. Ele amplia o modelo de PORTER (1989) com o complementador, cuja força viria a ser adotada como a 6a. O complementador não pertence ao setor, mas tem o poder de contribuir para o seu sucesso ou fracasso. Um exemplo clássico proposto por GHEMAWAT (2000) é o da interação da Intel com a Microsoft e com o setor de computadores pessoais. A Intel é fornecedora de processadores para computadores. A Microsoft é a empresa dominante no setor de software, com o sistema operacional Windows. Os computadores equipados com processadores Intel de última geração garantem um desempenho melhor do Windows, o que estimula a venda do software. Portanto, a Intel é complementadora do setor de software. Isso estimula a produção, por terceiros, de aplicativos compatíveis com o Windows. Esses produtores são complementadores: não são nem concorrentes da Microsoft, nem seus fornecedores. A padronização de produtos joga muitas empresas na vala comum da competição, onde a estratégia é de liderança em custos, com a opção única de prestação de serviços, para agregar valor aos produtos. Ora, agregar valor consome recursos e aumenta custos, portanto a estratégia não pode permanecer sendo a de baixo custo. TREACY e WIESERMA (1995) desenvolveram as disciplinas de valor, abordagens alternativas àquelas elaboradas por PORTER (1989). As três disciplinas de valor são: excelência operacional, que busca o melhor custo total; liderança em produtos, que procura o melhor produto; e intimidade com o cliente, que desenvolve a melhor solução total. Para esses autores, o sucesso depende de novas regras de competição, como: prover o mercado com a melhor oferta, de acordo com a dimensão de valor em que a empresa tem expertise, sustentar padrões mínimos de desempenho nas dimensões de valor que o público-alvo da empresa considera importantes, dominar o mercado através da melhoria contínua e desenvolver um modelo operacional que permita entregar aos clientes mais valor do que os concorrentes. Clientes diferentes desejam valores diferentes, e suas expectativas elevam-se à medida 78 que as empresas entregam mais valor, o que exige delas práticas operacionais superiores àquelas dos concorrentes. Um exemplo de disciplina de excelência operacional é o da Dell Computer, que vende computadores de forma que os compradores não precisem sacrificar qualidade ou tecnologia de ponta para efetuar uma compra de maneira fácil e barata. Exemplo de disciplina de liderança em produtos é o da 3M, que investe pesadamente em pesquisa e desenvolvimento, sempre buscando trazer para o mercado produtos nunca antes vistos ou experimentados. Um exemplo de intimidade com o cliente é o da IBM, que procura oferecer uma solução completa em e-business, incluindo hardware, software, aplicativos, sistemas operacionais, entre outros. 3. MODELO DELTA DE HAX E WILDE II O Modelo Delta (HAX e WILDE II, 2001) é uma nova abordagem para o desenvolvimento de estratégias de negócios. Introduz os conceitos de amarração, de continuidade da amarração, de lockin de comprador, lock-out de concorrentes e lock-in de sistemas. Dá um grande reforço ao papel do complementador e propõe três grupos básicos de estratégias. As três opções estratégicas básicas, que definem como a empresa vai competir e servir aos seus compradores no mercado, são representadas nos vértices de um triângulo, daí o nome Delta. Ele inicia no foco tradicional dos melhores produtos, área de atuação de PORTER (1989), e amplia as estratégias para mais dois focos principais, perfazendo três, que são representados na figura 1. No primeiro vértice, no lado direito da base, está a estratégia dos melhores produtos, no lado esquerdo, a das soluções totais para o comprador e, no topo, o lock-in dos sistemas. Essas estratégias são respectivamente baseadas na economia dos produtos, na economia dos compradores e na economia dos sistemas. 3.1. Vértice 1 – Melhores produtos A estratégia dos melhores produtos procura ultrapassar os concorrentes por meio dos produtos. Ela oferece duas formas tradicionais de competição: baixo custo e diferenciação. Essas estratégias, exaustivamente tratadas por PORTER (1989), Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 11, nº 3, p. 75-88, julho/setembro 2004 Modelo Delta de Hax e Wilde II: contribuições ao pensamento estratégico permanecem como as primeiras opções do Modelo Delta (HAX e WILDE II, 2001). Na estratégia de baixo custo, a empresa procura oferecer o produto a um custo menor do que o de seus concorrentes, para os clientes que são sensíveis ao preço. Na estratégia de diferenciação, a empresa precisa oferecer benefícios que adicionem valor à sua oferta e assim atendam às necessidades dos clientes. Figura 1: Modelo de Negócios – três opções de estratégicas distintas Competição baseada na economia do sistema: Lock-in do complementador, Lock-out do concorrente e Padrão proprietário Lock-in do Sistema Soluções Totais para o cliente Competição baseada na economia do cliente: Reduzir os custos do cliente ou elevar seus lucros Melhor Produto Competição baseada na economia do produto: Baixo Custo ou Diferenciação Fonte: HAX e WILDE II, 2001: 10. Podem ser citados, como exemplos de estratégias de melhores produtos, os seguintes casos: a empresa Gol tem um modelo de negócios voltado ao baixo custo, o que lhe permite oferecer passagens com preços inferiores aos seus concorrentes, em virtude de uma maior taxa de ocupação de assentos, menores despesas com serviços de bordo limitados, menores despesas com atividades em terra e venda direta de passagens. Alternativamente, a empresa TAM oferece um serviço totalmente personalizado, que tem preço mais elevado, e procura proporcionar o benefício da diferenciação oferecendo salas de embarque vip, serviço de bordo superior, venda através de agentes de viagens, entre outros. 3.2. Vértice 2 – Soluções totais para o comprador A estratégia das soluções totais para o comprador busca um relacionamento que melhore o desempenho do comprador, especialmente mediante a redução dos custos e aumento de sua lucratividade. Ela se baseia numa oferta de mais produtos que satisfaça a maioria das necessidades dos clientes. A idéia é criar fortes laços de relacionamento com o cliente, através dos quais seja possível oferecer-lhe soluções personalizadas (HAX e WILDE II, 2001). O foco é o comprador e o objetivo é a redução de seus custos e dos custos de sua cadeia produtiva. Dessa forma, a empresa pode atuar juntamente com o comprador, que passa a participar do desenvolvimento de produtos da empresa. Por meio dessa estratégia, a empresa, os compradores e seus fornecedores aprendem mutuamente e crescem juntos, o que gera lealdade e custos de mudança para o comprador, que se tornam barreiras de entrada aos concorrentes. Contudo, deve-se ressaltar que existe a necessidade de segmentação da base de Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 11, nº 3, p. 75-88, julho/setembro 2004 79 Moacir de Miranda Oliveira Junior, Marcos Roberto Píscopo, Gentil Choji Nishioka e José Hamilton Maturano Cipolla clientes, pois não seria viável e nem possível utilizar uma base muito ampla ou total de clientes, uma vez que o que interessa é uma maior participação dos gastos do cliente (pocket share) e não somente a participação no mercado (market share). Para o alcance da estratégia de soluções totais para o comprador existem três opções: redefinição da experiência do comprador, alimentação horizontal e integração do comprador. A estratégia de redefinição da experiência do comprador (HAX e WILDE II, 2001) visa alterar o relacionamento com o cliente, antes focado apenas no momento da aquisição, para o tempo total de uso do produto. Para isso, é fundamental entender perfeitamente como o comprador interage com o produto da empresa. A experiência do comprador com o produto pode passar por várias etapas diferentes, relativas a: quando o produto é financiado, usado, consertado, vendido ou reposto. É absolutamente necessário usar a criatividade para redefinir a experiência de forma que o comprador se sinta beneficiado. O estabelecimento de um relacionamento com o comprador é fundamental, visto que a criação desses laços dificulta a imitação por parte dos competidores e cria um grande custo de mudança. Um exemplo desse tipo de estratégia é o Saturn, automóvel da GM que reinventou totalmente o negócio da empresa, orientando-o para o comprador. A GM foi muito audaciosa e lançou um grande desafio intitulado “satisfação garantida ou seu dinheiro de volta, sem perguntas”. A estratégia de alimentação horizontal (HAX e WILDE II, 2001) amplia o escopo das relações comerciais com os compradores, por meio da integração e "customização" de um amplo portfólio de produtos relacionados. Ressalta-se que não é necessário possuir o design ou o processo de manufatura de cada produto que vai compor a solução "customizada". Na realidade, o que importa é que informações sobre uso ou preferências dos compradores podem ser compartilhadas pelos produtos que irão compor a solução total. Portanto, a alimentação horizontal vai além do fornecimento de um conjunto de produtos, procurando fazer integração e "customização" destes para oferecer um benefício ao comprador. Como exemplo de alimentação horizontal cita-se a Amazon.com, que utiliza os dados fornecidos pelos próprios compradores para elaborar uma lista de recomendações a ser encaminhada para eles 80 mesmos. Isso é possível pois todo o processo de compra é monitorado por avançados sistemas de informação. A estratégia de integração do comprador consiste em a empresa assumir algumas atividades anteriormente realizadas pelo próprio cliente (HAX e WILDE II, 2001). Com isso, a empresa espera realizar tais atividades de forma mais eficiente e eficaz do que o comprador, e assim oferecer a ele mais valor agregado ou vantagens de custo. Esta estratégia de integração do comprador representa uma poderosa vantagem competitiva, uma vez que eleva os custos de mudança, originados dos investimentos feitos em tempo e também em recursos. Esclarece-se ainda que a integração do comprador difere da terceirização, uma vez que esta última não conquista vantagens competitivas através de laços de relacionamento com o comprador e também não cria custos de mudança. A Dell Computers é um exemplo de integração do comprador, pois além de vender o computador pela Internet presta outros serviços ao cliente, como instalação de softwares e assistência técnica. As siderúrgicas brasileiras que se dedicam ao mercado de barras de aço para a construção civil passaram a fornecer, na luta pela diferenciação de produtos, o que chamaram de “ferro pronto”, isto é, aço cortado e dobrado conforme a necessidade da obra. A construção civil no Brasil passou a terceirizar a atividade intra-obra de cortar e dobrar barras de aço para as siderúrgicas. Os ganhos se refletiram em menos custos, por diversas razões: economia de escala e maior especialização por parte das siderúrgicas, que adquiriram equipamentos muito mais modernos, principalmente se comparados com os encontrados em uma obra, além da economia propiciada por custos menores de frete, uma vez que as sobras e perdas geradas nas obras deixaram de ser transportadas. 3.3. Vértice 3 – Lock-in do sistema Na estratégia de lock-in do sistema a empresa não foca somente o produto ou o comprador, mas também os outros agentes do setor que contribuem para a criação de valor econômico. A estratégia de lock-in dos sistemas busca atrair complementadores oferecendo oportunidades de benefícios mútuos que melhoram o desempenho do sistema, o que atrai mais compradores e repele concorrentes (HAX e WILDE II, 2001). Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 11, nº 3, p. 75-88, julho/setembro 2004 Modelo Delta de Hax e Wilde II: contribuições ao pensamento estratégico Para atrair, satisfazer e reter os compradores, a empresa necessita também atrair, satisfazer e reter os complementadores, o que eleva o valor do sistema, em virtude de uma maior participação dos agentes do setor, e torna possível a todos ingressarem em uma zona econômica de retornos e expansão crescentes. O complementador não é necessariamente um competidor ou um fornecedor. Na realidade, um complementador pode ser entendido como um provedor de produtos que realça direta ou indiretamente a oferta da empresa e assim interfere na demanda de seus produtos (HAX e WILDE II, 2001). A estratégia de lock-in do sistema requer que algumas condições essenciais sejam atendidas: existência de retornos marginais crescentes e efeitos das redes externas. Uma vez conseguidas essas condições essenciais, deve-se tratar das formas possíveis de se atingir a estratégia de lock-in do sistema: padrão proprietário, troca dominante, e acesso restrito (HAX e WILDE II, 2001). Uma empresa devidamente estabelecida, com padrão proprietário, atrai os compradores por causa da extensa rede de complementadores que trabalha com seu produto. Para usar o produto do complementador é preciso usar o padrão proprietário. O exemplo mais notável de padrão proprietário é o das empresas Microsoft e Intel, que juntas formam a Wintel, visto que possuem padrões proprietários muito poderosos (HAX e WILDE II, 2001). Ressalte-se ainda que podem existir padrões que não sejam proprietários, como é o caso do videocassete VHS, que inicialmente foi desenvolvido pela empresa JVC, mas teve sua tecnologia licenciada e adotada por outras empresas, e atualmente é um padrão mundial, mesmo não sendo proprietário. A empresa que adota a estratégia de troca dominante provê uma interface entre compradores e vendedores, ou entre as partes que desejam trocar informações ou mercadorias. O valor dessa associação cresce de acordo com o número de pessoas que recorre a ela para procurar, comprar ou trocar itens. Isso gera um círculo virtuoso, onde a principal empresa tende a dominar o mercado (HAX e WILDE II, 2001). A Internet é um instrumento que possibilitou a criação de negócios para monopolizar a posição de troca dominante. Um exemplo desse lock-in do sistema é a empresa Páginas Amarelas, pois a maioria das empresas anunciantes procura anunciar no guia mais utilizado pelos consumidores, que por sua vez preferem procurar as empresas no guia onde a maioria delas faz seus anúncios. Na estratégia de acesso restrito, os competidores são privados do acesso ao comprador porque os canais de distribuição têm capacidade limitada de lidar com múltiplos vendedores. Tendo-se em vista que padrões proprietários e trocas dominantes fazem a amarração através do lock-in dos compradores, a situação de lock-out dos concorrentes é uma conseqüência das limitações de distribuição e da cadeia de suprimentos (HAX e WILDE II, 2001). A empresa Coca-Cola é um exemplo típico dessa situação. Nesse caso, os complementadores da Coca-Cola são seus fornecedores, produtores de concentrados, engarrafadores, distribuidores e consumidores. Assim, é a Coca-Cola que realiza as negociações e as compras, e não os engarrafadores, pois dessa forma ela usufrui de grande economia de escala. Assim, a estratégia desejada é atingida em virtude das limitações de espaço nas gôndolas, das fontes de fornecimento, da força da marca e do alto giro do produto. 3.4. A Amarração O Modelo Delta criou o conceito da amarração, que pode ser obtida entre o negócio, seus compradores e os complementadores. Com a amarração, o relacionamento com compradores e complementadores passa a ser incluído na estratégia. O papel do complementador torna-se mais claro e decisivo para o sucesso ou fracasso de um negócio (HAX e WILDE II, 2001). A amarração é contínua e pode gerar lealdade do comprador ao produto ou à empresa. Essa amarração, portanto a lealdade, é mais fraca no vértice dos melhores produtos e mais forte no vértice do lock-in de sistemas. A amarração é uma poderosa fonte de lucros em razão de suas próprias características e pela capacidade de gerar lealdade. O primeiro grau de amarração, com o mais fraco grau de lealdade, é o Design Dominante, que está no vértice dos melhores produtos (HAX e WILDE II, 2001). A atração inicial se dá pelo produto, nas suas dimensões de baixo custo e de diferenciação. A Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 11, nº 3, p. 75-88, julho/setembro 2004 81 Moacir de Miranda Oliveira Junior, Marcos Roberto Píscopo, Gentil Choji Nishioka e José Hamilton Maturano Cipolla experiência do cliente com produtos concorrentes e o seu conseqüente aprendizado acabam elegendo o design genérico dominante, oposto ao personalizado de uma empresa. Exemplos: a configuração do computador pessoal da IBM, com monitor, teclado e CPU, com arquitetura aberta e sistema operacional DOS; a configuração-padrão do teclado, herdada das máquinas de escrever. Avançando no sentido horário, em direção ao vértice das soluções totais para o comprador, identificamos o segundo grau de amarração e o primeiro grau de lock-in do comprador, que ocorre por meio da atração exercida pelos atributos do produto. Várias externalidades, criadas conforme o uso do produto, geram uma personalização do produto pelo próprio comprador (self-service) e um aprendizado, que criam um custo de mudança. Exemplos: página personalizada feita pelo próprio usuário na Yahoo!; aprendizado e familiaridade no uso de uma planilha eletrônica como a Excel. O relacionamento com os compradores e a construção de marca e de rede de assistência técnica reconhecidas podem tornar-se ativos de valor, mesmo que intangíveis. Exemplo: A Motorola saiu do ramo de aparelhos de TV e retornou ao mercado de pagers e celulares, apoiada em sua forte marca e em sua ampla rede de assistência técnica. Figura 2: Continuidade da amarração Crescimento do Valor Design Dominante Lock-in do Comprador Lock-out do Concorrente Padrão Proprietário Complementadores Distribuidores Fornecedores Lock-in Produtos Produto Produto Produtos Clientes Clientes Clientes • Vantagem dos pioneiros: - Características - Serviço - Preço • Aprendizado do cliente • Produto customizado • Ativos colaterais • Marcas • Estrutura de preço Feedback Positivo Clientes • Distribuição do espaço na • Desenvolver rede de fornecedores prateleira • Marcas • Inovações implacáveis • Patentes terceirizados para aumentar o apelo do produto Alavancar posição como líder em atrair complementadores • Clientes procuram produto com muitos complementadores • Às vezes, clientes podem ser complementadores, como permuta Fonte: HAX e WILDE II , 2001: 33. A estratégia de lock-out do concorrente é conseguida cativando-se o comprador, seja pela atratividade do produto, seja pelo custo de mudança que o comprador precisa absorver caso queira mudar para o concorrente. A empresa pode, ainda, criar fortes barreiras de entrada no negócio para o concorrente. Outra forma de lock-out dos concorrentes são as restrições impostas aos canais de distribuição, que limitam o manuseio de linhas de produtos. Exemplo: restaurantes que oferecem apenas Coca-Cola ou Pepsi-Cola. Marcas fortes também podem repelir concorrentes. Inovações 82 freqüentes inibem a entrada de concorrentes. No setor farmacêutico, o lock-out dos concorrentes é baseado em patentes. O mais forte grau de amarração é conseguido nos padrões proprietários. Entretanto, nem sempre é possível desenvolver um padrão proprietário para cada segmento de mercado. Mesmo que um padrão proprietário seja desenvolvido, pode não ser possível uma única empresa apropriar-se dele. Finalmente, nem toda empresa tem capacidade de obter um padrão proprietário. Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 11, nº 3, p. 75-88, julho/setembro 2004 Modelo Delta de Hax e Wilde II: contribuições ao pensamento estratégico Figura 3: Amarração e o Triângulo Complementadores Produtos Clientes Competição baseada na economia do sistema: Lock-in do complementador, Lock-out do concorrente e Padrão proprietário Lock-in do Sistema Troca Dominante o o Padrão Proprietário Acesso Restrito o Integração do Cliente o Alimentação Horizontal Soluções Totais para o cliente Produto o Baixo Custo o Competição baseada na economia do cliente: Reduzir os custos do cliente ou elevar seus lucros o Redefinindo a Experiência do Cliente Clientes o Diferenciação Melhor Produto Competição baseada na economia do produto: Baixo Custo ou Diferenciação Produto Clientes Fonte: HAX e WILDE II , 2001: 33. 4. 4.1. DISCUSSÃO CRÍTICA: CONTRIBUIÇÕES E LIMITAÇÕES Amarração, lock-in e lock-out A grande contribuição do Modelo Delta é o conceito de amarração (bonding), um adesivo que une o negócio e seus produtos com compradores e complementadores. A amarração pode gerar lealdade do comprador e do complementador à empresa e seus produtos. Essa amarração é contínua e incorpora à estratégia o relacionamento da empresa e de seus produtos com os compradores e complementadores. O grau de amarração do produto com o comprador e com o sistema define também a intensidade da lealdade do comprador ao produto e à empresa. A amarração, portanto a lealdade do comprador, é mais fraca no vértice dos melhores produtos e mais forte no de lock-in de sistemas. O grau intermediário de lealdade dos compradores aos produtos está no vértice das soluções totais para o comprador. Quando o "foco no comprador" deixa de ser um slogan e passa a ocorrer efetivamente, deslocando-se do produto ou da empresa, então esta pode conseguir maior grau de lealdade. O exemplo da WorldCom, como grau intermediário de lock-in do comprador, dado no Modelo Delta, deve ser observado de forma analítica, em virtude da posterior revelação de operações ilegais, na esteira da Enron e outras. Contudo, até o ano 2000 a empresa foi referência na aquisição de vários negócios e ofereceu serviços padronizados de telefonia local e de longa distância, de comunicação de dados, além de ser um provedor Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 11, nº 3, p. 75-88, julho/setembro 2004 83 Moacir de Miranda Oliveira Junior, Marcos Roberto Píscopo, Gentil Choji Nishioka e José Hamilton Maturano Cipolla de acesso à Internet. Percebe-se a diversificação em um leque de serviços, cada um deles com uma pequena participação de mercado. A estratégia genérica de competição em cada um dos serviços não pode ser caracterizada como diferenciação nem como liderança em custos totais. Um outro exemplo é a Siemens Brasil. Essa tradicional empresa de origem alemã adquiriu uma empresa líder de serviços de segurança patrimonial, a Graber. Ao instalar o sistema de segurança, composto de sensores e monitores de circuito fechado de TV, ela necessita de um sistema de telecomunicações e de comunicação de dados para poder prestar um melhor serviço de segurança remota ao cliente, o que requer uma central telefônica mais atualizada. Esse conjunto de sistemas geralmente está instalado num edifício com um sistema central de ar condicionado e um sistema de acesso controlado de pessoas, integrado ao sistema de segurança. Tudo isso necessita de manutenção e também de limpeza. Paga-se uma única fatura de serviços à fornecedora de solução total, incluindo segurança, manutenção e limpeza. O esforço é concentrado, no sentido de intensificar o relacionamento com o comprador oferecendo cada vez mais serviços que possam atendê-lo, aumentar as vendas e diminuir a quantidade de fornecedores. O objetivo principal não é aumentar a participação do mercado (market share), mas aumentar a participação da empresa nos gastos do comprador (wallet share) com os serviços prestados. Um sistema integrado único pode fazer a gestão de todos os serviços envolvidos, reduzindo os custos do comprador. A redução da complexidade da gestão dos fornecedores e o pagamento de uma conta única para vários serviços podem intensificar o relacionamento entre o fornecedor e o comprador, criar dependência entre as partes, custo de mudança, além de uma forte barreira de entrada aos concorrentes. As estratégias genéricas de PORTER (1989) estão distantes dessa abordagem. TREACY e WIESERMA (1995) denominam esse relacionamento com o cliente de intimidade com o cliente. Não tratam expressamente da economia do comprador, nem propõem um conceito que relacione essa estratégia à de lock-in do comprador. Por outro lado, as estratégias propostas no vértice das soluções totais para o comprador podem ser vistas como agregadoras de valor por meio de 84 serviços. Na década de 90, outros esforços no sentido de reduzir a quantidade de fornecedores já eram feitos e algumas corporações tenderam ao fornecedor único (single sourcing), até mesmo em termos globais. Exemplos: agências de propaganda, fornecedores de peças e serviços da indústria automobilística. Anteriormente ao Modelo Delta, essas estratégias que agregam valor por meio de serviços não dispunham do conceito de amarração e portanto não recebiam um tratamento com a mesma consistência. O mais intenso grau de lealdade dos compradores está no vértice do lock-in de sistemas, onde o papel dos complementadores é muito importante. 4.2. O papel dos complementadores Enquanto muitos usuários afirmam que toleram os produtos Microsoft e só os utilizam por absoluta falta de opção, mais consumidores adotam cada vez mais produtos Microsoft e computadores com processadores Intel. Mais complementadores são incentivados a produzir produtos compatíveis com o Windows, pois os compradores compram cada vez mais. É um círculo virtuoso: mais compradores respondendo às ofertas dos complementadores; mais complementadores produzindo em virtude da reação dos compradores. A Microsoft domina o mercado e ocupa o espaço da Apple. Os conceitos de lock-in de compradores e lock-out de concorrentes, com a forte participação de complementadores, explicam definitivamente o sucesso da Microsoft e a perda de participação de mercado da Apple. Portanto, outra contribuição do Modelo Delta é essa abordagem não explorada por outros autores: a estratégia denominada lock-in de sistema, baseada na amarração do sistema, que abrange os graus de lealdade e amarração de lock-in do complementador, lock-out do concorrente e padrão proprietário. Como alternativa para fugir da exclusividade quase monopolística da Microsoft, a própria IBM inicia a adoção de uma estratégia de redefinição da experiência do comprador, com vistas em um lock-in de sistemas, incentivando e patrocinando o Linux, um dos poucos sistemas concorrentes do Windows, produzido por um de seus complementadores. Assim como GHEMAWAT (2000), HAX e WILDE II (2001) entendem, os complementadores não são necessariamente competidores ou Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 11, nº 3, p. 75-88, julho/setembro 2004 Modelo Delta de Hax e Wilde II: contribuições ao pensamento estratégico fornecedores. Eles são parceiros, provedores de produtos que têm a finalidade de realçar ou reforçar, direta ou indiretamente, a oferta da empresa. Isso multiplica o leque de estratégias do Modelo Delta, tornando-o muito mais poderoso que o modelo de PORTER (1989), que não considerou, em sua análise setorial, a força dos complementadores. Ao apresentar os mesmos exemplos – Windows e Intel – de GHEMAWAT (2000), os criadores do Modelo Delta (HAX e WILDE II, 2001) podem ter perdido a originalidade no tratamento do assunto. 4.3. As forças de PORTER segundo o Modelo Delta Os complementadores alteram o equilíbrio das cinco forças do modelo de PORTER (1989) de forma relevante. Um grupo antes sujeito à interação baseada em condições polarizadas entre dominante e dominado pode começar a atuar em parceria. Os compradores, concorrentes e fornecedores podem compor um único grupo aliado dos complementadores, gerando barreiras de entrada aos novos entrantes e aos produtos substitutos. Segundo o Modelo Delta (HAX e WILDE II, 2001), a intensidade das forças do modelo de PORTER (1989) precisa ser dez vezes maior no novo ambiente empresarial, para criar fortes barreiras de todo o setor em torno de seus compradores. Todos os agentes do setor precisam se unir para melhor atender os seus compradores, evitando os novos entrantes e produtos substitutos. As forças dos concorrentes são geralmente conhecidas e não são benchmarks relevantes. É necessário desenvolver e integrar a cadeia de valor, sempre com foco no comprador, no seu desempenho, baixando seus custos e aumentando seus lucros. Para isso, um novo agente precisa ser acrescentado ao setor: o complementador. A conclusão de HAX e WILDE II (2001) é que essa nova visão das forças abre oportunidades de negócios em setores antes evitados em conseqüência da simples aplicação do modelo de análise de PORTER (1989), como os setores fragmentados, que passam de azarões para grandes oportunidades, caso se considere o agrupamento de produtos em soluções totais para o comprador. 4.4. Os melhores produtos O vértice do triângulo do Modelo Delta dedicado aos melhores produtos é objeto das estratégias de PORTER (1989). A análise porteriana inicial considerava excludentes as estratégias competitivas de menor preço e diferenciação. Ao fazer a opção estratégica, a empresa precisava necessariamente escolher uma entre elas, abrindo mão da outra (trade off). Isso decorre do fato de PORTER (1999: 63) entender que “estratégia é criar uma posição exclusiva e valiosa, envolvendo um diferente conjunto de atividades”. A sustentação de uma estratégia exige que a empresa priorize determinadas atividades e deixe em segundo plano atividades alternativas. Assim, se a empresa opta por uma estratégia de liderança no custo total, as estratégias de diferenciação e enfoque precisam ser desprezadas. Isso ocorre porque, para atingir a estratégia de baixo custo, a empresa como um todo necessitará executar suas atividades de forma que o custo total da confecção do produto ou da prestação do serviço seja menor do que o dos concorrentes. Portanto, é importante ressaltar que, ao definir o que fazer, a empresa também faz opções acerca do que não fazer. Isso faz com que as estratégias genéricas competitivas possíveis apresentem incompatibilidades e forcem a empresa a fazer uma única opção. HAX e WILDE II (2001) e HITT et al. (2001) acreditam que essas duas condições não são antagônicas, podendo conviver em uma mesma empresa, que passa a oferecer um melhor produto em termos de preço e diferenciação. A empresa aérea Gol conseguiu menores custos graças a uma política de muita tecnologia e logística. Percebeu que um dos maiores custos da passagem aérea está no preço do leasing da aeronave, e que a melhor maneira de reduzir esse impacto é permanecer mais tempo no ar e menos em terra. Com uma equipe de terra inspirada nas das equipes de Fórmula Indy, reduziu significativamente o tempo em solo. As refeições tradicionalmente servidas pelas companhias aéreas exigiam maior tempo da aeronave em solo, além de significativo custo operacional. Para uma parcela considerável do mercado de vôos domésticos no Brasil de duração média de 2 a 3 horas, a redução do custo revelou-se mais significativa que a refeição aquecida. Com isso, a empresa conquistou uma imagem de regularidade, preços baixos, sem serviços adicionais além dos essenciais. Sem abandonar a estratégia de baixos preços, conseguiu também diferenciar sua prestação de serviços, seguindo o modelo criado pela Southwest. Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 11, nº 3, p. 75-88, julho/setembro 2004 85 Moacir de Miranda Oliveira Junior, Marcos Roberto Píscopo, Gentil Choji Nishioka e José Hamilton Maturano Cipolla O estudo das disciplinas de valor considera a importância de a empresa escolher os clientes que pretende servir e, através da segmentação adequada, atingir o objetivo principal que é dominar o mercado em que atua. O estudo dos componentes de valor – preço, tempo, atendimento diferenciado e qualidade – leva a empresa à compreensão das necessidades reais dos clientes e possibilita um posicionamento competitivo mais eficaz do que aquele atingido por meio das estratégias competitivas genéricas. As disciplinas de valor identificadas por TREACY e WIESERMA (1995) – excelência operacional, liderança em produtos e intimidade com o cliente – mostram que as empresas precisam desenvolver competências essenciais específicas para atingir cada opção de posicionamento desejável. Entretanto, assim como as estratégias competitivas genéricas, as disciplinas de valor também exigem que a empresa faça uma opção única, o que resulta em maior concentração dos esforços em uma disciplina do que em outra. Ressalta-se também a necessidade de se fazer uma escolha, pois o posicionamento indefinido e confuso não traz bons resultados nem para a empresa nem para os clientes. Portanto, percebe-se que as disciplinas de valor diferem das estratégias competitivas genéricas em sua abordagem específica, mas ambas obrigam a empresa a realizar trade-offs. 4.5. Novas dimensões: economia do comprador e do sistema O Modelo Delta (HAX e WILDE II, 2001) amplia a abordagem focada na economia do produto, que é tratada num único vértice do seu triângulo das opções estratégicas. Ele extrapola as tradicionais dimensões de baixo custo e diferenciação e propõe outras dimensões ainda não exploradas, tornando-se mais abrangente e flexível do que o enfoque centrado em estratégias competitivas genéricas e nas disciplinas de valor. Duas outras novas dimensões são acrescentadas, ao mesmo tempo que o modelo reclassifica e expande as estratégias de competição. Além da conhecida competição baseada na economia do produto, o Modelo Delta apresenta a proposta de estratégias baseadas na economia do consumidor e na economia do sistema. Enquanto PORTER (1989) 86 trata especificamente de estratégias genéricas de competição, deixando a expansão implícita, o Modelo Delta (HAX e WILDE II, 2001) trata explicitamente da expansão das vendas e do crescimento da empresa, integrando complementadores e compradores. O segundo e terceiro vértices do triângulo tratam expressamente do crescimento da empresa e da integração, estratégias de expansão corporativas tratadas por ANSOFF (1965). Recorde-se que PORTER (1989) trata das estratégias genéricas de competição. Assim, são estabelecidas novas opções estratégicas, desconhecidas anteriormente, que explicam o sucesso ou o fracasso de empresas e permitem a condução da empresa de modo mais firme e claro no atual mundo dos negócios. Comparado ao modelo das disciplinas de valor, o Modelo Delta mostra-se também mais completo, pois as três disciplinas de valor podem ser classificadas nas opções de melhor produto e soluções totais para o consumidor. Nenhuma disciplina atinge o vértice de lock-in de sistemas. 4.6. Capacitações e recursos requeridos pelo Modelo Delta O principal foco das novas estratégias é o comprador. A principal capacitação requerida pelas estratégias é, portanto, conhecer profundamente o comprador. Quanto mais intenso o relacionamento com o comprador, mais oportunidades de conhecêlo melhor. Se o papel do complementador é relevante para o sucesso da empresa, é essencial que se conheça profundamente o complementador. Ora, o fornecedor também não precisa mais ser dominado, mas muito bem conhecido, pois ele pode ser o mais importante parceiro da empresa. Novos modelos de negócios, como o e-business, o e-commerce e o e-systems, tornam-se em geral viáveis se forem considerados dentro de um novo contexto de lock-in de compradores e lock-in de sistemas. Antes, uma aplicação superficial do modelo de análise setorial de PORTER (1989) contra-indicava qualquer aprofundamento nesses negócios, assim como nos setores fragmentados. O novo ambiente empresarial buscado é aberto, dinâmico e empreendedor, assumindo riscos e recompensas. Nem todos os agentes do setor são inimigos. O resultado final proposto no Modelo Delta é o desenvolvimento e implementação de uma proposta de valor única e estimulante para todos os Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 11, nº 3, p. 75-88, julho/setembro 2004 Modelo Delta de Hax e Wilde II: contribuições ao pensamento estratégico agentes: compradores, complementadores. 4.7. fornecedores e Estratégias de amor versus estratégias de guerra! Qualquer que seja a estratégia adotada, a análise setorial de PORTER (1989) pode induzir ao tratamento, não só dos concorrentes, mas de todos os participantes da indústria, como inimigos a serem dominados. Basta examinar as formas propostas para reduzir essas forças, particularmente aquelas dirigidas ao comprador, para deduzir que mesmo este é tratado como um adversário e não como um aliado. O objetivo estratégico da empresa era dominar as cinco forças, visando à hegemonia sobre compradores, concorrentes, fornecedores, novos entrantes e produtos substitutos. Assim, ela poderia tender a um oligopólio e, no limite, ao monopólio. Em contraposição a PORTER (1989), o Modelo Delta (HAX e WILDE II, 2001) prega ampla parceria com compradores, fornecedores e principalmente com complementadores. Todos podem tornar-se complementadores, alavancando as operações da empresa e atendendo melhor os compradores. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O conceito de amarração, que cria um vínculo entre os três vértices das opções estratégicas, é, sem dúvida, uma contribuição significativa. Os elementos das estratégias aí estavam, tendo sido anteriormente abordados de diversas formas, por muitos autores. Cada um dos vértices pode até ter sido tratado individualmente por outros autores, porém sem a amarração. A perspectiva voltada para o comprador, expressa dessa forma, torna-se óbvia. Muitas empresas, voltadas exclusivamente para seus próprios interesses, podem começar a ver os seus compradores, antes invisíveis. Entretanto, orientar a empresa para uma melhora do desempenho, diminuição dos custos e aumento dos lucros do comprador pode ser visto como ingênuo em muitos ambientes empresariais de competição predatória, onde a sobrevivência é a regra. A perspectiva da economia de sistemas é inovadora se for considerada em conjunto com a amarração e com os novos papéis dos complementadores. O complementador é uma nova força que pode influenciar o ambiente competitivo da empresa e representar tanto oportunidade como ameaça ao seu negócio. A literatura mostra poucas opções de estratégias, as quais, sejam elas estratégias competitivas genéricas ou disciplinas de valor, consideram a competição como premissa básica. O Modelo Delta abre novas opções estratégicas e possibilita um novo papel aos concorrentes, antes vistos como grandes inimigos. Os concorrentes, assim como os fornecedores, podem ser complementadores. Ambos podem ser parceiros da empresa, cercando o comprador para evitar a chegada de novos entrantes e produtos substitutos. O Modelo Delta aborda, além da questão da competição, a expansão e crescimento da empresa e a sustentabilidade do sistema, incluindo outros agentes além dos compradores e dos vendedores. HAX e WILDE II (2001) apresentam as empresas americanas analisadas sob a perspectiva da amarração. Certamente a realidade da economia e das empresas americanas é diferente da encontrada no Brasil. Assim, existe uma oportunidade desafiadora para o desenvolvimento de uma pesquisa no Brasil que vise identificar quais as estrátégias genéricas de competição das empresas brasileiras. É possível estudar as histórias de sucesso e de fracasso procurando explicar a situação atual por meio das estratégias propostas pelo Modelo Delta. Além disso, há necessidade de disseminar o Modelo Delta, de forma que as empresas brasileiras possam usufruir desse novo instrumento de formulação de estratégias. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANSOFF, I. Estratégia Empresarial. São Paulo: Atlas, 1965. GHEMAWAT, P. A estratégia e o cenário dos negócios: texto e casos. Porto Alegre: Bookman, 2000. HAMEL, G.; PRAHALAD, C. K. Competindo pelo futuro: estratégias inovadoras para obter o controle Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 11, nº 3, p. 75-88, julho/setembro 2004 87 Moacir de Miranda Oliveira Junior, Marcos Roberto Píscopo, Gentil Choji Nishioka e José Hamilton Maturano Cipolla do seu setor e criar os mercados de amanhã. Rio de Janeiro: Campus, 1997. HAX, A. C.; WILDE II, D. L. The delta project: discovering new sources of profitability in a networked economy. New York: Palgrave, 2001. HITT, M. A.; IRELAND, R. D.; HOSKISSON, R. E. Strategic management: competitiveness and globalization. 4th. ed. Cincinnati, Ohio: SouthWestern College, 2001. MINTZBERG, H. The Rise and Fall of Strategic Planning. New York: Prentice Hall, 1994. MINTZBERG, H.; AHLSTRAND, B.; LAMPEL, J. Safari de estratégia: um roteiro pela selva do planejamento estratégico. Porto Alegre: Bookman, 2000. MINTZBERG, H.; QUINN, J. B. O Processo da Estratégia. Porto Alegre: Bookman, 2001. OHMAE, K. Voltando a estratégia. In: MONTGOMERY, C. A.; PORTER, M. E. (Orgs.). Estratégia: a busca da vantagem competitiva. Rio de Janeiro: Campus, 1998. PORTER, M. E. Competição = on competition: estratégias competitivas essenciais. Rio de Janeiro: Campus, 1999. _____. A vantagem competitiva das nações. Rio de Janeiro: Campus, 1993. _____. Estratégia competitiva: técnicas para análise de indústrias e da concorrência. 2 ed. Rio de Janeiro: Campus, 1989. _____. The competitive advantage: creating and sustaining superior performance. New York: The Free Press, 1985. PRAHALAD, C. K.; HAMEL, G. The Core Competence of the Corporation. 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