1 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: E a Aplicação e Execução da Medida de Internação Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí ACADÊMICA: KELLY CRISTINA SCHEFFER São José (SC), novembro de 2004. UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: E a Aplicação e Execução da Medida de Internação Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito da Universidade do Vale do Itajaí, sob orientação do Prof. Esp. Juliano Keller do Valle. ACADÊMICA: KELLY CRISTINA SCHEFFER São José (SC), novembro de 2004. UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: E a Aplicação e Execução da Medida de Internação KELLY CRISTINA SCHEFFER A presente monografia foi aprovada como requisito para a obtenção do grau de bacharel em Direito no curso de Direito na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. São José, 08 de novembro de 2004. Banca Examinadora: _______________________________________________________ Prof. Esp. Juliano Keller do Valle - Orientador _______________________________________________________ Prof. Rosane Patussi Braga - Membro _______________________________________________________ Prof. Andreas Eisele - Membro Dedico este texto... Aos meus PAIS, por quem tudo vale a pena, na tentativa modesta de externar o meu verdadeiro afeto, em retribuição pelo irresgatável carinho com que sempre me cercaram... Aos meus AVÓS, que me transmitiram o senso de amor à justiça e me ensinaram a lutar por meus ideais, meus grandes mestres e incentivadores... A BEBEL e ao CRIS, companheiros de todas as horas, estímulo e carinho incondicional, dos quais roubei preciosos momentos para permitir a realização do meu mundo de sonhos... E a todos os meus AMIGOS, que juntos enfrentando obstáculos, conhecemos a embriagues da vitória e a agonia da derrota... Amigos que me ensinaram que a vida não tem limites, que é pura magia, alegria e assombro... Amigos de cara lavada e alma exposta, metade bobeira, metade serenidade, fizeram da realidade a fonte de toda a minha aprendizagem... A todos meu muito obrigada... AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, grande autor da vida, que me ajudou a escolher este caminho e superar todos os desafios que surgiram, que me possibilitou conhecer pessoas que foram verdadeiros anjos a me apoiar em todas as etapas desta jornada; À Universidade do Vale do Itajaí por ter me fornecido as ferramentas e oportunidades para realização dos meus ideais profissionais e humanos; Aos meus Professores, renomados profissionais, que me dedicaram seu tempo e suas experiências, que souberam ser mestres e, acima de tudo, grandes amigos, que tornaram minha formação num aprendizado de vida; Em especial, ao Professor Juliano Keller do Vale, que me ajudou a mostrar que escrever não é tão difícil, que me apoiou a enfrentar o desafio da vida acadêmica, me levando a crer cada vez mais em minha própria capacidade; À Turma de formandos do Curso de Direito - 2004, pois, foi convivendo lado a lado que aprendemos humildemente a ouvir, entender, confrontar e ajudar uns aos outros; Aos meus queridos colegas, Solange, Carla, Silvany, Jucir, Sandro, Pantaleão, Eliane, Luciana e todos que juntos nestes cinco anos, não fizeram a menor questão de entender, nem tão pouco ser intelectuais, apenas aprenderam a viver, com esperança, dignidade e um pouco de loucura; A todos, que participaram ativa ou anonimamente das idéias e ideais que concretizaram este sonho, pessoas, que às vezes sorrindo para mim, me fizeram seguir em frente, dando-me coragem e sabedoria para superar todos os problemas; E por fim, a cada um dos adolescentes infratores que nestes últimos tempos passaram pelo CER São Lucas e CIP, situados em Barreiros, São José, pois, enquanto internos, ensinaram-me várias e grandes lições de vida, mostraram-me uma realidade que a maioria tenta esquecer, fizeram-me questionar o mundo, entrar em conflito com meus ultrapassados preconceitos, e compartilharam comigo momentos preciosos de sua juventude. “Não existe união de palavras mais dolorosa do que infância e crime”. Dr. Sérgio Muniz de Souza SUMÁRIO RESUMO .....................................................................................................................................8 LISTA DE ABREVIATURAS ...................................................................................................9 INTRODUÇÃO.........................................................................................................................10 1 ESCORÇO HISTÓRICO......................................................................................................12 1.1 RETROSPECTO MUNDIAL .............................................................................................12 1.2 O CÓDIGO DO IMPÉRIO .................................................................................................14 1.3 O CÓDIGO REPUBLICANO DE 1890 .............................................................................15 1.4 DECRETO N. º 16.272 .......................................................................................................16 1.5 O CÓDIGO DE MENORES ...............................................................................................16 1.6 POLÍTICA NACIONAL DE BEM-ESTAR DO MENOR E O CÓDIGO DE 1979 .........20 2 A LEI 8.069/90 E AS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS...............................................24 2.1 A DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL ..................................................................24 2.2 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (8.069/90) .................................27 2.3 DO ADOLESCENTE INFRATOR ....................................................................................31 2.3.1 Ato Infracional..................................................................................................................31 2.3.2 Perfil .................................................................................................................................32 2.4 AS MEDIDAS APLICÁVEIS AO ADOLESCENTE INFRATOR...................................35 2.4.1 Advertência.......................................................................................................................36 2.4.2 Obrigação de Reparar o Dano ..........................................................................................37 2.4.3 Prestação de Serviço à Comunidade.................................................................................38 2.4.4 Liberdade Assistida ..........................................................................................................38 2.4.5 Semiliberdade ...................................................................................................................40 2.4.6 Internação .........................................................................................................................41 3 DA MEDIDA SOCIO-EDUCATIVA DE INTERNAÇÃO ..............................................42 3.1 PRÍNCIPIOS QUE REGEM A MEDIDA DE INTERNAÇÃO.........................................42 3.1.1 Da Brevidade ....................................................................................................................42 3.1.2 Da Excepcionalidade ........................................................................................................43 3.1.3 Do Respeito à Condição Peculiar de Pessoa em Desenvolvimento .................................44 3.2 DAS HIPÓTESES DE APLICAÇÃO.................................................................................45 3.2.1 Tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa .....46 3.2.2 Por reiteração no cometimento de outras infrações graves ..............................................47 3.2.3 Por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta...........47 3.2.4 Da Internação Provisória ..................................................................................................49 3.3 DA EXECUÇÃO ................................................................................................................52 3.3.1 Dos Direitos Reservados ao Adolescente Internado ........................................................58 3.3.2 Caráter Pedagógico...........................................................................................................59 3.4 FINALIDADE DA MEDIDA .............................................................................................61 3.4.1 Do Egresso........................................................................................................................65 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................67 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................................70 RESUMO A monografia teve por fim verificar se a medida de internação aplicada ao adolescente autor de ato infracional tem caráter educativo ou não passa de uma ação meramente punitiva. Segundo estabelece as diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente, as medidas sócioeducativas são sanções de caráter pedagógico, sem caráter de pena, ou seja, não se busca a punição ao adolescente pelo ato infracional praticado, tem-se como objetivo específico a reeducação e o retorno à família e a sociedade. Pois, ao contrário do Código de Menores de 1927, de inspiração eminentemente autoritária e punitiva, que contrariava preceitos basilares de proteção dos direitos humanos, impingindo aos menores infratores a condição de cidadão de segunda categoria, o Estatuto da Criança e do Adolescente vem inspirado na Doutrina da Proteção Integral estabelecendo que as medidas sócio-educativas, como o próprio nome já diz, são sanções de caráter pedagógico. Concluí-se, portanto que ao aplicar a medida de internação juízes e promotores e até mesmo a equipe técnica, não podem fugir dos objetivos do Estatuto da Criança e do Adolescente e do artigo 228 da Constituição Federal, pois, estes em consonância consagram-na como sanção sócio-educativa, que visa resgatar os adolescentes das malhas da delinqüência. PALAVRAS –CHAVES: ADOLESCENTE, ATO INFRACIONAL, INTERNAÇÃO. LISTA DE ABREVIATURAS AI: Ap.: Art.: CF: CONANDA: CP: CPP: CSDC: Dec.: Dec.-lei: Dr.: ECA: EUA: FEBEM: FONACRIAD: FUNABEM: GT: HC: ILANUD: Min.: MSE: OEA: ONU: p.: PNBEM: RE: Rel.: Resp: RT: SAM: STF: STJ: T.: TJ: UNICEF: Agravo de Instrumento Apelação Artigo Constituição Federal Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente Código Penal (Dec.-lei 2.848/40) Código de Processo Penal (Dec.-lei3.689/41) Convenção das Nações Unidas Sobre os Direitos da Criança Decreto Decreto-lei Doutor Estatuto da Criança e do Adolescente (8.069/90) Estados Unidos da América Fundação Estadual de Bem-estar do Menor Fórum Nacional de Dirigentes de Políticas Estaduais para Criança e o Adolescente Fundação Nacional do Bem-estar do Menor Grupo de Trabalho Habeas Corpus Instituto Latino-Americano das Nações unidas para a prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente Ministro Medida Sócio-educativa Organização dos Estados Americanos Organização das Nações Unidas página Política Nacional de Bem-estar do menor Recurso Extraordinário Relator Recurso Especial Revista dos Tribunais Serviço de Assistência ao Menor Supremo Tribunal Federal Superior Tribunal de Justiça Turma Tribunal de Justiça Fundação das Nações Unidas para Criança INTRODUÇÃO O presente estudo consiste na pesquisa individual orientada sob a forma de uma monografia jurídica, exigida como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito no Curso de Graduação na Universidade do Vale do Itajaí. O trabalho objetiva compreender a responsabilização penal do adolescente infrator, que ocorre através das medidas sócio-educativas, especificamente nos casos de aplicação de medida sócio-educativa de internação, prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente. Pois, muito se falou, fala-se, e se falará sobre o problema do adolescente infrator, tema que além de atual e complexo é em toda sua extensão fascinante. O principal objetivo é entender que, embora a sociedade de um modo geral tenha a falsa impressão de que o adolescente infrator não sofre responsabilização por seus atos, na realidade existe um amplo sistema de garantias e medidas previstas, estando de acordo inclusive com as normativas internacionais. Assim, este trabalho é fundamentado no estudo da medida sócio-educativa de internação, como vem sendo utilizada e de que forma deveria ser aplicada, para que alcance os objetivos propostos no Estatuto, que tem como base o caráter pedagógico e não punitivo. Para isso, serão utilizadas pesquisas doutrinárias, observando de que forma os juristas visualizam a situação do adolescente infrator, frente às medidas de internação, quais suas críticas e sugestões. O método indutivo foi aplicado na presente investigação, abordando, portanto, premissas tidas como verdadeiras, que envolvem a questão pedagógica como caráter ressocializador do autor de ato infracional. Este estudo tratará da medida sócio-educativa de internação e procurará conhecer os principais fatores que contribuem no processo de reeducação e reinserção social do adolescente. Para tanto a pesquisa será desenvolvida em três capítulos. Sendo que o primeiro capítulo faz uma breve abordagem sobre todas as legislações brasileiras voltadas à criança e ao adolescente que antecederam o atual Estatuto, e consiste em considerações sobre a evolução das normas e das instituições voltadas para a proteção e responsabilização penal da criança e do adolescente, está subdividido em Historiocidade do Direito Juvenil, o Código do Império, o Código Republicano de 1890, o Decreto n. º 11 16.272/23, o Código de Menores de 1927, a Política Nacional de Bem-estar do Menor e por fim o Código de 1979. O segundo capítulo traz a baila o Estatuto da Criança e do Adolescente, dispondo acerca da Doutrina da Proteção Integral, e abordando o perfil do adolescente em conflito com a lei e as medidas sócio-educativas, quais sejam, advertência, reparação do dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação, que são analisadas individualmente. Por fim, o terceiro capítulo trata especificamente da medida sócio-educativa de internação, elenca os princípios norteadores da medida, que são o da brevidade, excepcionalidade e respeito a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, trata das hipóteses de aplicação da medida e também da internação provisória. Posteriormente, aborda a execução, e os direitos reservados aos adolescentes internos, o caráter pedagógico, bem como a finalidade da medida e o tratamento reservado aos egressos. Ao final deste estudo, com base nos capítulos apontados, serão tecidas considerações referentes ao tema abordado. 12 1 ESCORÇO HISTÓRICO A história da legislação brasileira relativa à infância e juventude será apresentada em fases, de acordo com os momentos significativos da história política do país. Pois, a problemática do menor sofreu inúmeras influências até a implantação da Lei n. º 8.069 de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente. 1.1 RETROSPECTO MUNDIAL Os interesses da criança e do adolescente sempre existiram, mas nem sempre tiveram dimensão suficiente para fomentar o reconhecimento de que suas relações pudessem interessar ao Direito, como explica PAULO AFONSO GARRIDO DE PAULA: Seus interesses confundiam-se com os interesses dos adultos, como se fossem elementos de uma simbiose onde os benefícios da união estariam contemplados pela proteção jurídica destinada aos últimos. Figuravam, em regra, como meros objetos da intervenção do mundo adulto, sendo exemplificativa a utilização da velha expressão pátrio poder, indicativa de uma gênese onde o Direito tinha como preocupação disciplinar exclusivamente as prerrogativas dos pais em relação aos filhos, suas crias. (2002, p. 11). No Direito Romano, os juristas distinguiam os menores púberes dos impúberes, e era feita uma avaliação física para saber se o jovem era púbere. Por outro lado, o povo judeu amenizava a severidade das penas quando os autores eram menores impúberes ou órfãos. Pode-se constatar tal afirmação, através de JORGE MUCCILO, quando este, citando alguns doutrinadores, afirma que: O Direito Romano das doze Tábuas, diferenciava os púberes dos impúberes, aplicando a estes últimos certas medidas policiais com propósito correcional, como a “castigatio” o “verbaratio”. Logo os jurisconsultos republicanos começaram a discutir o assunto. LABEON admitia o mesmo critério a respeito de certos delitos, enquanto SILVIO JULIANO excluía dele todos os mesmos que não sabiam falar corretamente. No Direito Justiniano se estabelece a idade de 7 anos como limite da incapacidade penal para delitos privados, mas as leis não tinham em conta a idade como causa atenuante, com exceção da “extraordinária cognitio”, quando determinava que até 14 anos completos nos rapazes, não se podia aplicar a pena de morte. (1961, p. 30). 13 Assim, se pode notar que só com o desenrolar da história, a evolução da cidadania e o aperfeiçoamento das legislações, foram sendo criadas regras específicas para a proteção da infância e da adolescência. No Direito Medieval, de acordo com JOSÉ DE FARIAS TAVARES: [...] atenuou a severidade de tratamento das pessoas de idade mais tenra, em razão da influência do estoicismo e posteriormente do cristianismo. Já o Direito canônico manteve o princípio reverencial, que tinha profunda repercussão na educação doméstica cristã. (2001, p. 48). O Direito Penal reconhecia que certos menores eram incapazes de distinguir o dolo ou a malícia de seus atos. A partir daí deu-se início a discussão de como e quando deveriam ser penalizados. MARIA AUXILIADORA MINAHIM, ainda, dispondo a respeito do Período Feudal, relata, que: [...] em países como a Itália e a Inglaterra, era utilizado o método da ‘prova da maçã de Lubecca’, que consistia em oferecer uma maçã e uma moeda à criança, sendo que se escolhida a moeda, considerava-se comprovada a malícia, sendo inclusive aplicada pena de morte a crianças de 10 e 11 anos. (apud SARAIVA. 2003, p. 14). As legislações que se seguiram, inspiradas na Escola Clássica, aprofundaram o problema do discernimento na intenção de fundamentar a irresponsabilidade dos menores, estabelecendo que quando faltava inteligência ou liberdade de escolha, não se podia exigir responsabilidade penal. FRANCISCO CARRARA expõe que: Para que exista um delito na plenitude de sua força moral, é necessário que o agente esteja iluminado pela inteligência e em pleno gozo de sua liberdade. Atenuado ou ausente o concurso da primeira, se atenua ou cessa a imputação, como se atenua ou cessa, se tiver sido diminuído ou abolido o exercício da segunda. (apud MUCCILLO, 1961. p. 31). Quanto à progressão da legislação em esfera mundial, JOÃO BATISTA COSTA SARAIVA, em um breve resumo aduz: O primeiro Tribunal de Menores foi criado em Ilinois, EUA, em 1899, sendo que a partir da experiência americana, outros países aderiram à criação de Tribunais de Menores, instituindo seus próprios juízos especiais: Inglaterra em 1905, Alemanha em 1908, Argentina em 1921, Japão em 1922, Brasil em 1923, Espanha em 1924, México em 1927 e o Chile em 1928. (2003, p. 31). De acordo com MUNIR CURY, a constatação internacional de que as crianças e adolescentes necessitavam de uma legislação especial foi prevista inicialmente em 1924, 14 através da Declaração de Genebra, que determinava a necessidade de proporcionar à criança uma proteção especial. (2002, p. 12). Inúmeros autores complementam que em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas estabeleceu o direito a cuidados e assistência especiais. Seguindo a mesma orientação, a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), em 1960, declarou em seu art. 19: “Toda criança tem direito às medidas de proteção que na sua condição de menor requer, por parte da família, da sociedade e do Estado”. Neste sentido, vários grupos se formaram, influenciando diversamente várias legislações, quanto ao Direito Penal Brasileiro, este aboliu o Sistema da Irresponsabilidade do Menor de 18 anos. 1.2 O CÓDIGO DO IMPÉRIO O Código de 1830 foi o primeiro Código Criminal Brasileiro, prescrevia a responsabilidade penal do menor aos 14 anos, no entanto tal responsabilidade poderia se estender aos menores de 14 anos contanto que o agente agisse com discernimento, não reconhecendo o aspecto social da questão. Segundo NUNO DE CAMPOS: A lei de 1830 estabelecia para os infratores menores de idade as seguintes condições: 1)presunção de irresponsabilidade para menores de quatorze anos, com exceção dos que comprovadamente tivessem agido com discernimento; 2) os que tivessem comprovadamente agido com discernimento seriam recolhidos em casas de correção por tempo a ser determinado pelo juiz, não podendo exceder a dezessete anos; 3) sujeição à pena de cumplicidade para maiores de quatorze anos e menores de dezessete anos; 4) jovens entre dezessete e vinte um anos teriam penas atenuadas pela menoridade. (1979, p. 92). Segundo JORGE MUCCILO, os princípios Iluministas que originaram a Escola Clássica, entendiam o ser humano como um ser dotado de livre arbítrio, devendo ser punido em razão dos atos que escolheu praticar, sempre na proporção do mal que causara à sociedade. O Código do Império era influenciado pela Escola Clássica, portanto estudava a questão do menor de uma forma meramente jurídica. (1961, p. 37). Toda a legislação dispensada à infância tinha como referência a Doutrina Cristã, Católica, ou seja, nos idéias de caridade e amparo aos órfãos e abandonados: “A legislação 15 referente a nítida associação existente entre as ações do governo e da Igreja, na esfera política e mesmo no âmbito mais estritamente jurídico” (RIZZINI. 1 995, p. 105). Podemos comprovar o rigorismo do Código, citando o artigo 13 da legislação: “Se se provar que os menores de 14 anos, que tiverem cometidos crimes, obrarem com discernimento, deverão ser recolhidos à Casas de Correção, pelo tempo que ao juiz parecer, contanto que o recolhimento não exceda a idade de 17 anos.” (MUCCILLO. 1961, p. 37). Isto significava que a Teoria do Discernimento continuava dominando, sendo usada pelo juiz, para apenar ou não menores de 14 anos. Não havia, portanto, uma presunção “juris et de jure” de irresponsabilidade do menor, muito menos medidas de proteção e assistência. 1.3 O CÓDIGO REPUBLICANO DE 1890 O Código de 1890 foi o segundo Código Criminal do Brasil e o primeiro da República, pouco inovou em relação à legislação anterior, os únicos marcos, foram as fixações da responsabilidade plena para 09 anos e a melhoria no tratamento dos menores em regime penitenciário, ou seja, os privados de liberdade. Como destaca neste sentido, MUCCILO: Os menores de 9 a 14 anos, julgados capazes de discernimento, eram recolhidos a estabelecimentos disciplinares industriais, e não à Casas de Correção como prescrevia o Código do Império. O fator idade era, para os menores de 21 anos, circunstancia atenuante. A pena de prisão disciplinar deveria ser cumprida em estabelecimento Industrial Especial, com relação aos menores de 21 anos. (1961. p. 38). Nesta época já havia uma crescente preocupação entre juristas, que deveria se afastar da área penal, ações relacionadas a “criminalidade infantil”, são desta época, as primeiras manifestações de que a legislação teria que mudar contemplando o espírito tutelar, protetor, que propiciasse um “recuperação” do menor. (RIZZINI. 1995, p. 120). Com o passar dos anos o Código da República sofreu inúmeras modificações. E foi em 4 de dezembro de 1932, que foi promulgado o Decreto n.º 22.213, que recebeu o nome de Consolidação das Leis Penais, onde o Desembargador Vicente Piragibe reuniu todas as leis que tratavam da problemática do menor. A Consolidação de 1932 tinha os menores de 18 anos sob tutela especial do Estado e preceituava em seu artigo 3º que: “Os menores de 18 anos, abandonados e delinqüentes, ficam 16 submetidos ao regime estabelecido pelo Decreto n. º 17.943-A, de 12 de outubro de 1927, Código de Menores”. Portanto, a Consolidação preconizava que os menores de 18 anos estavam subtraídos das penas criminais. 1.4 DECRETO N. º 16.272 Promulgado em 20 de dezembro de 1923, foi a primeira manifestação legislativa relativa a proteção e assistência ao menor no Direito Brasileiro. O Decreto estatuía em seu artigo 1º que “o menor de qualquer sexo, abandonado ou delinqüente, será submetido pela autoridade competente, às medidas de assistência e proteção instituídas neste regulamento”. Portanto, todos os menores que se enquadrassem nas circunstâncias previstas na norma seriam postos sob proteção do Estado, o qual exerceria a sua função preventiva ou corretiva. Ou seja, a matéria de proteção ao menor ganhou importância, institucionalizando o dever do Estado em assisti-los, bem como, o poder de remoção da tutela, nos casos em que a lei julgava conveniente. 1.5 O CÓDIGO DE MENORES Influenciado por mudanças nas legislações de vários países e pelo debate internacional sobre o tema o Decreto 17.943-A de 12 de outubro de 1927, foi o primeiro Código de Menores do país e consolidava as leis de assistência e proteção aos menores abandonados ou delinqüentes com idade inferior a 18 anos. Sobre o assunto, muito bem leciona o ilustre Pedagogo, Doutor em Educação ROBERTO DA SILVA: O Código de Menores de 1927, que consolidou toda a legislação sobre crianças até então emanada por Portugal, pelo Império e pela República, consagrou um sistema dual no atendimento à criança, atuando especificamente sobre os chamados efeitos da ausência, que atribui ao Estado a tutela sobre o órfão, o abandonado e os pais presumidos como ausentes, tornando disponível os seus direitos de pátrio poder. Os chamados direitos civis, entendidos como os direitos pertinentes à criança inserida em uma família padrão, em moldes socialmente aceitáveis, continuou merecendo a proteção do Código Civil Brasileiro, sem alterações substanciais. (grifo nosso). (A construção do Estatuto da Criança e do Adolescente. In: Âmbito Jurídico. 2001, Acesso em janeiro/2004). 17 Rezava o artigo 1º que: “O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinqüente, que tiver menos de 18 anos de idade, será submetido pela autoridade competente às medidas de assistência e proteção contidas neste Código”. E, quanto à inimputabilidade, o Código de 1927, no seu artigo 68, resguardou menores de 14 anos de processos penais: Art. 68. O menor de 14 anos, indigitado ator ou cúmplice de fato qualificado crime ou contravenção, não será submetido ao processo penal de espécie alguma; a autoridade competente tomará somente as informações precisas, registrando-as sob o fato punível e seus agentes, o estado físico, mental e moral do menor e a situação social, moral e econômica dos pais ou tutor ou pessoas em cuja guarda viva. O também chamado Código Mello Matos1 trouxe uma inovação em relação às legislações anteriores. Pelo Código, estabeleceu-se que todos os menores que se enquadrassem nas categorias de abandonados, vadios, mendigos ou libertinos, ficariam sob proteção estatal, ou seja, houve uma modificação no que tange ao pátrio poder. Para melhor elucidar, ROBERTO DA SILVA, apresenta de forma resumida qual a classificação dada aos menores de 18 anos, baseando-se em suas condutas: O Código denominou estas crianças de “expostos” (as menores de 7 anos), “abandonados” (as menores de 18 anos), “vadios” (os atuais meninos de rua), “mendigos” (os que pedem esmolas ou vendem coisas nas ruas) e “libertinos” (que freqüentam prostíbulos). (Op. cit. 2001, Acesso em 2004). Noutro passo, JORGE MUCCILO assevera sobre o tema: São menores que, por não terem pais ou responsáveis em condições de cumprir com suas obrigações precípuas para com os filhos ou pessoas sob sua guarda, são submetidos ao controle do Estado que os põem em Regime Especial. É a função supletiva do Estado que os substitui e completa a obrigação natural dos pais.(1961. p. 50). Ainda a respeito do Código de Menores vale enfatizar as palavras de LEMOS BRITO citando outros doutrinadores, onde expõem a problemática que leva os menores a delinqüir: O Prof. Mesquita Raul, numa interessante monografia que publicou em Porto, em 1923, já apontava o abandono e a orfandade como uma das causas primordiais da Delinqüência dos Menores. Sobre as causas do abandono diz: Umas vezes são os pais desavergonhados e criminosos, que lançam às pedras da calçada ou a lama dos caminhos, a criança que os incomoda ou lhes serve de estorvo aos seus atos menos corretos, e por isso, para se libertarem do tropeço, abandonam-no, sem sequer pensar que mais tarde podem ser origem de um monstro; outras vezes é o trabalho dos pais que origina o abandono, visto que aqueles, para poder angariar o necessário à vida, deixam os filhos horas seguidas, quando não são dias inteiros dentro de casa ou em 1 Em homenagem ao Primeiro Juiz de Menores – Dr. José Candido Albuquerque Mello Matos. 18 plena rua entregues aos vizinhos que os não vigiam, que deles não cuidam; ficando os menores assim em contato com outros viciados que os industriam e encaminham para o mal, ou ficando à mercê do primeiro celerado que deles abusará, incutindolhes os mais vergonhosos vícios e arrastando-os para o lodaçal mais hediondo. (apud MUCCILLO. 1961, p. 51). O Código de Menores elencava em seus capítulos as medidas aplicáveis aos menores abandonados e aos menores delinqüentes. Quanto a estes últimos o Código em seu capítulo VII conceituava-os como sendo aqueles que tendo menos de 18 anos praticassem atos definidos como infrações penais. Para PILOTTI, o Código, incorpora duas visões predominantes na época: a “higienista” – o Estado deve proteger as crianças que são a raiz da sociedade, o futuro, deve crescer com saúde e educação – e a visão “j urídica repressiva e moralista”. (1995, p. 63). Na Era Vargas, em 1942, foi criado o SAM – Serviço de Assistência ao Menor. Este serviço era vinculado ao Ministério da Justiça e aos Juizados de Menores. COSTA assim o define: Órgão do Ministério da Justiça e que funcionava como um equivalente do sistema penitenciário para população do menor de idade. A orientação do SAM é, antes de tudo, correcional – repressiva. Seu atendimento baseava-se em internatos (reformatórios e casas de correção) para adolescentes autores de infração penal e de patronatos agrícolas e escolas de aprendizagem de ofícios urbanos para os menores carentes e abandonados. (1994, p. 124). Percebe-se a sistemática decadência do SAM, pelas palavras de COSTA: “Seu caráter repressivo, embrutecedor e desumanizante é desvelado à opinião pública, que passa a conhecê-lo como universidade do crime e sucursal do inferno”. (1994, p. 126). O SAM tinha objetivos de natureza assistencial, enfatizando a importância de estudos e pesquisas, bem como o atendimento psicopedagógico, no entanto, não conseguiu contribuir suas finalidades, como explica JOSIANE ROSE PETRY VERONESE: “No entanto, o SAM não conseguiu cumprir suas finalidades, sobretudo devido à sua estrutura emperrada, sem autonomia e sem flexibilidade e a métodos inadequados de atendimento, que geraram revoltas naqueles que deveriam ser amparados e orientados”.(1999, p. 32). O Código de 1927 teve vários de seus artigos alterados por normas esparsas. Como por exemplo o Decreto-lei 6.026/43 que aqui é exposto pelas palavras do ilustre doutrinador JORGE MUCCILO: O Decreto-lei n.º 6.026 que atualmente rege a matéria diz que “os menores de 18 anos ficarão sujeitos, pela prática de fatos considerados infrações penais, às normas estabelecidas neste decreto-lei” (artigo 1) No artigo seguinte especifica essas normas, que são as seguintes: 19 a) se os motivos e as circunstâncias do fato e as condições do menor não evidenciam periculosidade, o juiz poderá deixa-lo com o pai ou responsável, confia-lo a tutor ou a quem assuma a sua guarda, ou mandar interna-lo em estabelecimento de reeducação ou profissional e, a qualquer tempo revogar ou modificar a decisão, b) se os elementos referidos na alínea anterior evidenciam periculosidade o menor será internado em estabelecimento adequado, até que, mediante parecer do respectivo diretor ou do órgão administrativo competente e do Ministério Público, o juiz declare a cessação da periculosidade; em casos excepcionais o juiz poderá mandar internar o menor perigoso em seção especial de estabelecimento destinado a adultos, até que seja declarada a cessação da periculosidade, na forma da alínea b. Completada a maioridade sem que haja sido declarada a cessação da periculosidade, o menor será transferido para Colônia Agrícola ou para instituto de trabalho, reeducação ou de ensino profissional, ou seção especial de outro estabelecimento a disposição do juiz criminal. (1961, p. 63 –64). Tratava-se de uma legislação muito rígida, porém, quanto aos menores de 14 anos a lei só estabelecia que não poderiam ser submetidos a processo penal de espécie alguma, deveriam sim, ser postos sob assistência e proteção do Estado. Conforme ROBERTO DA SILVA: Apenas no Artigo 68 o Código ocupou-se do já então denominado “menor delinqüente”, já fazendo a diferen ciação entre os menores de 14 anos e os de 14 completos a 18 anos incompletos, sempre deixando clara a competência do Juiz para determinar todos os procedimentos em relação a eles e aos seus pais. Estabeleceu-se também a obrigatoriedade da separação dos “m enores delinqüentes” dos condenados adultos, mas em 1940 foi promulgado o Código Penal Brasileiro (Decreto-lei n° 2.848/40), consagrando a inimputabilidade criminal do menor de 18 anos de idade, depois regulamentada pelo Decreto-lei n°3.914/41 e até hoje em vigor. (Op. cit. 2001, Acesso 2004). Também é de suma importância mencionar que o Código trazia em seu Capítulo V os casos de Inibição ou Remoção de Pátrio Poder, pois, caso fossem descumpridas quaisquer das obrigações estipuladas aos pais pelo Código Civil, bem como uma conduta anti-social por parte da criança passava-se então a se justificar com base jurídica a transferência da tutela dos pais para o Juiz, e conseqüentemente, do Código Civil para o Código de Menores. O mesmo Código estabeleceu que os processos de internação destas crianças e o processo de destituição do pátrio poder seriam gratuitos e deveriam correr em segredo de justiça, sem possibilidade de veiculação pública de seus dados, de suas fotos ou de acesso aos seus processos por parte de terceiros. 20 1.6 POLÍTICA NACIONAL DE BEM-ESTAR DO MENOR E O CÓDIGO DE 1979 A Política Nacional de Bem-estar do Menor – PNBEM, foi implantada no Brasil pelo então Juiz de Menores Alyrio Cavallieri, o qual propôs e fez aprovar o Código de Menores de 1979. A transição entre os Códigos de 1927 e de 1979 ocorreu efetivamente com a criação da Fundação Nacional do Bem-estar do Menor - FUNABEM, em dezembro de 1964, que deu origem à criação das Fundações Estaduais do Bem-Estar do Menor. A partir daí, a questão do menor tomou âmbito nacional, como podemos constatar: Esboçada dentro do espírito da Doutrina da Segurança Nacional, a formulação teórica da Escola Superior de Guerra, que constituiu-se no norteador das ações dos governos militares, a Funabem propunha-se a resolver um problema nacional, pois nas palavras de seu primeiro presidente, o médico Mário Altefender, “ cada vez mais se acentuava a necessidade da elaboração de uma nova política, cuja execução fosse entregue a um órgão federal, fazendo desaparecer a idéia de que cada um pode resolver seus problemas locais, estanques, quase pessoais, sem pensar na Nação, como que ignorando a existência de 22 Estados e territórios e que tudo se chama Brasil”. ( Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 1971, p. 476). E ainda, a Política Nacional preceituava que deveriam ser feitos estudos dos problemas com os menores e o planejamento das soluções possíveis. As Fundações Estaduais foram criadas e formadas por equipes de técnicos de diversas áreas, os quais eram responsáveis pela reformulação dos valores éticos e sociais dos menores. Os princípios da Fundação Nacional do Bem-estar do Menor eram similares aos da Declaração da ONU de 19592: I - assegurar a prioridade aos programas que visem à integração do menor na comunidade, através de assistência na própria família e da colocação familiar em lares substitutos; II – incrementar a criação de instituições para menores que possuam características aproximadas das que informam a vida familiar, e , bem assim a adaptação, a esse objetivo, das entidades existentes de modo que somente se venha a admitir internamento de menor à falta de instituições desse tipo ou por determinação judicial. Nenhum internamento se fará sem observância rigorosa da escala de prioridade fixada em preceito regimental do conselho Nacional; III – respeitar, no atendimento às necessidades de cada região do país, as suas peculiaridades, incentivando as iniciativas locais, públicas ou privadas, e atando como fator positivo na dinamização e autopromoção dessas comunidades. 2 Declaração dos Direitos da Criança, adotada pela Assembléia das Nações Unidas de 20 de novembro de 1959 e ratificada pelo Brasil. 21 Pode-se dizer que o Novo Código de Menores era mais severo que seu antecessor, pois, nele foram aumentados os poderes dos juizes de menores, como postulava o artigo 8º quando dizia que a autoridade judiciária, além das medidas especiais previstas na lei, poderia, através de portaria ou provimento, determinar outras medidas de ordem geral, que ao seu arbítrio, se demonstrassem necessárias à assistência, proteção e vigilância ao menor. Valendo lembrar que, o magistrado responderia por qualquer ato de abuso ou desvio de poder. Sobre a matéria, ROBERTO DA SILVA expõe: Orientado por esse pensamento, instituiu-se o sistema de internação de carentes e abandonados até os 18 anos e no tratamento dos infratores substituiu-se a “política dos portões abertos” pela “pol ítica dos muros retentores”, sob a justificativa, apresentada pelo Grupo de Trabalho do Tribunal de Justiça de São Paulo, que propôs a criação das unidades de infratores, de que era necessário tranqüilidade para o trabalho dos técnicos e dos especialistas das várias modalidades profissionais. Para possibilitar isso, o mesmo GT recomendou que para essas unidades fossem contratados inspetores de alunos, monitores ou atendentes jovens e vigorosos (com um mínimo de escolaridade), a presença de guarda permanente (reedição do sistema penitenciário), correlacionamento policial perfeito (o mesmo tratamento para menores e adultos), que houvesse compreensão política (para justificar a necessidade de isolamento das instituições totais) e, sobretudo, confiança social (para que não houvesse ingerência no que acontecia dentro dos muros das instituições).(Op. cit. 2001, Acesso 2004). Nessa época, como lembra JOSIANE ROSE PETRY VERONESE, o Estado brasileiro não permitia a participação popular e armava-se de mecanismos que lhe garantiam reprimir as formas de resistência popular, como por exemplo, a centralização do poder. A própria Fundação Nacional do Bem Estar do Menor é um exemplo dessa centralização, pois a instituição foi delegada para ser administrada pela Política Nacional do Bem-Estar do Menor. A autora complementa ainda da seguinte maneira: A PNBEM, como as outras políticas sociais definidas neste período do regime militar, revestiu-se com um manto extremamente reformista e modernizador, passando a colocar em relevo uma perfeição técnico-burocrática e metodológica. Dava-se ao problema do então "menor" soluções pragmáticas e imediatistas, que se propunham escamotear sua verdadeira natureza. (1998, p. 153-154). O menor, era visto como dissemos uma ameaça. O enfoque é correcional repressivo, para COSTA, um modelo assistencialista: [...] o assistencialismo dirige-se à criança e ao jovem perguntando pelo que ele não é, pelo que ele não sabe, pelo que ele não tem, pelo que ele não é capaz. Daí que, comparado ao menino de classe média, tomando como padrão de normalidade, o menor marginalizado passa a ser visto como carente bio-psico-sócio-cultural, ou seja, um feixe de carência. Erigido sobre essa visão, o atendimento pautou-se pela tentativa de restituir à criança e ao jovem tudo o que lhe havia sido sonegado no âmbito das relações sociais. Isso levou a adoção dos centros de triagem, nas capitais, e das redes oficiais de 22 internatos, no interior, como modelo básico de atendimento público ao menor em todo o país. (1994, p. 135). O Código de Menores não se preocupava com toda a menoridade, mas com aqueles que se encontravam em situação irregular. As situações irregulares eram assim previstas: Art. 2º Para efeitos deste Código considera-se em situação irregular o menor: I – privado de condições essenciais a sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de: a) falta, ação ou omissão dos pais responsável; b) manifesta impossibilidade dos pais o responsáveis para provê-las; II – vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável; III – em perigo moral, devido a: a) encontra-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes; b) exploração em atividade contrária aos bons costumes; IV – de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais o responsável; V – desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária; VI – autor de infração penal. De fato, justamente por basear-se na doutrina da situação irregular, o Código de Menores, e seu “direito do menor” dispensava na verdade um tratamento simplista e autoritário ao menor dito com desvio de conduta, fugindo dos alicerces básicos do direito. Em comentários sobre o polêmico Código de Menores, MARQUES assevera: Trata-se de grave retrocesso de mais de 50 anos, pois coloca o menor numa situação pior que o criminoso adulto que não pode ser preso, a não ser em flagrante delito ou com prisão preventiva. Institui o Código a prisão provisória para o menor, prisão essa que será decretada, sem a audiência do Curador de Menores, o que é mais grave. (in SENADO FEDRAL. 1982, p. 391). AMARAL E SILVA em sua obra A Criança e o Adolescente em Conflito com a Lei, discorre: [...] as Delegacias de Menores estavam “cheias” de meninos com pequenos furtos d e sobrevivência, outros sem qualquer comportamento desviante, estes injustamente acusados de “vadiagem” ou “atitudes suspeitas” [...] ai permaneciam aguardando outro “encaminhamento”, tudo em nome do “superior interesse do menor”. (1995, p. 15). Ainda sobre a Fundação Nacional de Bem Estar do Menor, JOSIANE ROSE PETRY VERONESE relata que serviu como instrumento de controle da sociedade civil, mas demonstrou que não estava sendo eficiente, ante o crescimento do número de crianças marginalizadas, além da incapacidade de proporcionar a reeducação: No entanto, e infelizmente, apesar dos princípios ditos tuteladores que fundamentavam a doutrina da "situação irregular", as instituições que deveriam acolher e educar esta criança ou adolescente, no mais das vezes não cumpriam este 23 papel. Isso porque a metodologia aplicada, ao invés de socializá-lo, o massificava, o despersonalizava, e deste modo, ao contrário de criar estruturas sólidas, nos planos psicológico, biológico e social, afastava este chamado menor em situação irregular, definitivamente, da vida comunitária. (1997, p. 96). Com base em todo o exposto, pode-se dizer que a lei era muito autoritária e centralizadora, e que o tratamento dispensado por esse diploma legal aos menores infratores pouco divergia da legislação anterior, mesmo tendo garantido a inimputabilidade penal aos 18 anos, autorizava ao juiz o confinamento desses em centros de reeducação, se assim julgasse necessário. 24 2 A LEI 8.069/90 E AS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS Pelo esforço da sociedade brasileira no final dos anos 80, foi restaurado o Estado Democrático de Direito que vinha sendo violado pela Ditadura Militar. Com a apresentação de emendas populares, foi garantida a inclusão na Constituição Federal de 1988 de artigos que estabeleceram direitos a criança e ao adolescente, destacando-se o artigo 227, que os inscreveu no novo ordenamento jurídico, como prioridade absoluta. Com isso, houve a constatação da falência da gestão centralizadora da Fundação Nacional de Bem-estar do Menor do obsoleto Código de Menores de 1979. 2.1 A DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL A Doutrina das Nações Unidas de Proteção Integral da Infância, que influenciou nossa legislação incorpora todos os princípios fundamentais inerentes à legislação ligada a infância e juventude. Compõe-se pela Convenção das Nações Unidas dos Direitos da Criança, Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de Menores, Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade e por fim pelas Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinqüência Juvenil. Nesse passo, JOÃO GILBERTO LUCAS COELHO explica como se constitui a Doutrina da Proteção Integral: O dispositivo ora em exame é a síntese do pensamento do legislador constituinte, expresso na consagração do preceito de que “os direitos de todas as crianças e adolescentes devem ser universalmente reconhecidos. São direitos especiais e específicos, pela condição de pessoas em desenvolvimento. Assim, as leis internas e o direito de cada sistema nacional devem garantir a satisfação de todas as necessidades das pessoas de até 18 anos, não incluindo apenas o aspecto penal do ato praticado pela ou contra a criança, mas o seu direito à vida, saúde, educação, convivência, lazer, profissionalização. Liberdade e outros”. (Comentando o ECA – Artigo 1º. Acesso 2004). Sobre essa transição na legislação brasileira ROBERTO DA SILVA aduz: O reordenamento jurídico do país deu-se pelo Movimento Nacional Constituinte e pela promulgação de uma Constituição Federal em 1988. A marca do reordenamento jurídico foi a “remoção do entulho autoritário” e a preocupação que norteou os constituintes e as pressões dos movimentos populares e da sociedade organizada foi no sentido de assegurar a inclusão, aprovação e manutenção de diversos dispositivos que colocassem o cidadão a salvo das arbitrariedades do Estado e dos Governos. 25 O Artigo 226 incorporou todos os preceitos das Cartas Internacionais de 45, 48, 51, 59, 66, 68, 69 e 79, no que se refere à proteção à mulher e à família, mas foi no Artigo 227, ao exigir uma lei específica que o regulamentasse, que possibilitou, através do Estatuto da Criança e do Adolescente, finalmente aprovado em 13 de julho de 1990, que o constituinte incorporou como obrigação da família, da sociedade e do Estado, assegurar, com absoluta prioridade, os direitos da criança e do adolescente. (Op. cit. 2001, Acesso: julho 2004). No mesmo sentido ainda, ANTÔNIO CARLOS GOMES DA COSTA e ISABEL MARIA SAMPAIO OLIVEIRA LIMA, colacionam que essa Doutrina “constitui um conjunto de princípios de direitos para garantir à criança e ao adolescente um novo status, diferenciado daquele que, até o final dos anos oitenta lhe era conferido internacional e nacionalmente”. (Breves Anotações sobre direito à educação, medidas de proteção e medidas sócio-educativas. 2001, Acesso 2004). No Brasil, foi através do Estatuto da Criança e do Adolescente que a Doutrina da Proteção Integral assumiu corpo jurídico, ou seja, consagrou as crianças e os adolescentes como sujeitos de direitos. Portanto, deixam de ser tratados como objeto passivo, passando a ser partícipe de sua própria história, agora em condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. EMÍLIO GARCIA MENDES parafraseando NORBERTO BOBBIO, assevera que: Em primeiro lugar, não creio que haja dúvidas em relação à ruptura radical que a Convenção representa em termos de enfoque jurídico da infância. Trata-se de um instrumento decisivo e fundamental que torna ociosa qualquer discussão que ponha em dúvida a compreensão da categoria infanto-adolescência como dotadas de sujeitos plenos de direito. (1998. p. 16). Portanto, concebe a criança e adolescente como prioridade absoluta, apontando que a proteção não é mais obrigação exclusiva da família e do Estado, é um dever social. Cujo processo admite diferentes ações educativas, mediante as distintas fases do desenvolvimento humano responsabilizando a família, a sociedade e o Estado pela efetivação de direitos inerentes ao pleno desenvolvimento humano. Em comentário ao Estatuto da Criança e do Adolescente o Instituto LatinoAmericano das Nações unidas para a prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente ILANUD estabelece que: O sistema de garantias da doutrina da proteção integral ampara os direitos fundamentais da criança e do adolescente – direito à vida, à saúde, à educação, ao lazer, à convivência familiar, comunitária e social, à integridade física e psíquica, dentre outros – contra aqueles que porventura possam viola-los de alguma forma: a Família, a Sociedade e o Estado. (Comentando o ECA – Artigo 1º. Acesso 2004). 26 Desta forma, a proteção integral surge como um sistema de normas jurídicas no qual crianças e adolescentes “figuram como titulares de interesses subordinantes frente à família, à Sociedade e o Estado”. (PAULA. 2002, p. 23). Aponta a efetivação dos direitos da criança e do adolescente, através de ações articuladas entre Estado e sociedade na operacionalização da política para a infância e a adolescência. Nas palavras de EMÍLIO GARCIA MENDEZ, “esta nova doutrina deslegitima política e, sobretudo juridicamente o velho direito de “menores” colocando -o paradoxalmente em situação totalmente irregular”. (1998, p. 17). Em sua tese de mestrado KARYNA BATISTA SPOSATO, anuncia que “O Estatuto da Criança e do Adolescente por meio da doutrina da proteção integral, introduz no ordenamento jurídico nacional todo um sistema de garantias e direitos para as crianças e adolescentes consubstanciado em um conjunto de novos referenciais teóricos.” (2003, p. 34). Segundo JOSÉ DE FARIAS TAVARES, destaca desta forma: [...] enquanto o Código de Menores preocupava-se tão somente com os menores em situação irregular, o ECA inovou ao abranger toda criança e adolescente em qualquer situação jurídica, rompendo definitivamente com a doutrina da situação irregular, assegurando que cada brasileiro que nasce possa ter assegurado seu pleno desenvolvimento, mesmo que cometa um ato considerado ilícito. (2002, p. 07). Com essa nova orientação, aboliu-se o termo estigmatizante “menor”, que passou a ser tratado como “criança” ou “adoles cente infrator”, como sintetiza WILSON DONIZETI LIBERATI. (2002, p. 15). A proteção é considerada integral por alcançar todo o universo de relações interpessoais nas quais a criança e o adolescente façam parte, além de envolver uma proteção a todos os aspectos da condição de ser humano, como físico, moral, ético, religioso, etc., isto é, revela-se um sistema de garantias fundado em políticas públicas preventivas. Existem essencialmente três políticas públicas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, as quais pelas palavras do ILANUD são: Políticas Básicas (prevenção primária), contempladas no artigo 4 do ECA: implicam em políticas de atendimento à criança e ao adolescente para garantia de saúde, alimentação, habitação, educação, esporte, lazer, profissionalização e cultura. Políticas Protetivas (prevenção secundária), contempladas nos artigos 23, parágrafo único, 34, 101 e 129 do ECA: dirigidas à criança e ao adolescente em situação de risco pessoal ou social cujos direitos fundamentais reconhecidos por lei foram ameaçados ou violados. Estas políticas visam promover a orientação, apoio e acompanhamento temporários; o regresso escolar; o apoio sócio-familiar; as necessidades especiais de saúde; o atendimento às vítimas de maus-tratos; tratamento de drogadição, a renda mínima familiar; a guarda subsidiada e o abrigo. 27 As políticas protetivas são de competência do Poder Judiciário e dos Conselhos Tutelares. Políticas Sócio-educativas (prevenção terciária), contempladas dos artigos 112 e 129 do ECA: estas políticas implicam na responsabilização do adolescente em conflito com a lei por meio da aplicação de uma medida sócio-educativa (advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviço à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação). A Competência da aplicação desta sanção é exclusiva do Poder Judiciário. (grifo nosso) (Op. cit. Acesso: julho 2004). ANTÔNIO CARLOS GOMES DA COSTA discorrendo sobre a doutrina da proteção integral, preconiza: [...] afirma o valor intrínseco da criança como ser humano; a necessidade de especial respeito à sua condição de pessoa em desenvolvimento; o valor prospectivo da infância e da juventude, como portadoras da continuidade de seu povo e da espécie; reconhecimento da sua vulnerabilidade o que torna as crianças e adolescentes merecedores de proteção integral por parte da família, da sociedade e do Estado, o qual deverá atuar através de políticas específicas para promoção e defesa de seus direitos. (in De menor a cidadão-criança e cidadão adolescente. 1990, Acesso 2004). Portanto, a dita proteção integral se efetiva com o recebimento de proteção e socorro, sempre, em primeiro lugar, atendimento preferencial na prestação de serviços públicos, formulação e execução de políticas públicas prioritariamente e destinação privilegiada de recursos públicos aos programas e serviços voltados à criança e ao adolescente. 2.2 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (8.069/90) Em 13 de julho de 1990, o Congresso Nacional editou a Lei 8.069, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que regula tanto o artigo 227 quanto o artigo 228 da Constituição Federal. Constatou-se neste passo que, até o surgimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, todas as legislações se assemelhavam, não havendo muitas inovações quanto aos menores como sujeitos de direitos. O Estatuto baseia-se na Doutrina da Proteção Integral, e vem como dito anteriormente regulamentar artigo 227 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que assim dispõe: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 28 Este preceito Constitucional elencou como premissa fundamental à concepção da criança e do adolescente como sujeitos de direitos, bem como sua condição de pessoa em desenvolvimento. E também, trouxe a distinção legal entre criança e adolescente, retirando o termo “menor”, que vinha sendo utilizado nas décadas anteriores, o qual trazia por seu histórico um sentido de exclusão social. AMARAL E SILVA discorre um breve comentário sobre a nova legislação: A lei 8.069 de 13 de outubro de 1990 criou muito mais que uma nova Justiça da Infância e da Juventude. Ela estabelece o Estado democrático de direito em esfera onde esteve ausente desde a formação histórica. Ela aboliu o arbítrio e o subjetivismo, consagrando o Direito e dignificando a Justiça. (1995, p. 53). O Estatuto da Criança e do Adolescente também tratou de conceituar a questão da prática do ato infracional e quais possibilidades poderiam ser usadas para a resolução de tais conflitos. Também, incorporou o uso de medidas sócio-educativas e a garantia do princípio da ampla defesa nos casos da ocorrência de atos infracionais. Onde os acusados de cometerem atos infracionais, têm assegurado tanto seus direitos individuais quanto suas garantias processuais. Além disso, JOÃO BATISTA COSTA SARAIVA considera fundamental explicar que o Estatuto da Criança e do Adolescente, estrutura-se a partir de três sistemas de garantia: o Sistema Primário, o Sistema Secundário e o Sistema Terciário: O Sistema Primário versa sobre as políticas públicas de atendimento a crianças e adolescentes, previstas nos arts. 4º e 87. O Sistema Secundário aborda as medidas de proteção dirigidas a crianças e adolescentes em situação de risco pessoal ou social, previstas nos arts. 98 e 101, e, por fim, o Sistema Terciário trata da responsabilização penal do adolescente infrator, através das medidas sócioeducativas, previstas no art. 112, que são aplicadas aos adolescentes que cometem atos infracionais. (2002 a, p. 16). O autor complementa que: Este tríplice sistema, de prevenção primária (políticas públicas), prevenção secundária (medidas de proteção) e prevenção terciária (medidas sócio-educativas), opera de forma harmônica, com acionamento gradual de cada um deles. Quando a criança ou o adolescente escapar ao sistema primário de prevenção, aciona-se o sistema secundário, cujo grande agente operador deve ser o Conselho Tutelar. Estando o adolescente em conflito com a lei, atribuindo-se a ele a prática de algum ato infracional, o terceiro sistema de prevenção, operador das medidas sócioeducativas, será acionado, intervindo aqui o que pode ser chamado genericamente de sistema de Justiça (Polícia/ Ministério Público/ Defensoria/ Judiciário/ Órgãos Executores das Medidas Sócio-educativas). (2003, p. 24). 29 Apesar da complexibilidade da Doutrina da Situação Irregular, EMILIO GARCIA MENDEZ de forma sucinta, porém com muita probidade expõe: Na realidade, trata-se de uma doutrina jurídica que tem pouco de doutrina e nada de jurídico, se por jurídico entendemos - no sentido iluminista – regras claras e préestabelecidas de cumprimento obrigatório para os destinatários e para aqueles responsáveis por sua aplicação. Esta doutrina constitui, na realidade, uma colcha de retalhos do sentido comum que o destino elevo à categoria jurídica. Sua missão consiste, na realidade, legitimar a disponibilidade estatal absolta de sujeitos vulneráveis que, precisamente pr esta situação, são definidos em situação irregular. Nesse sentido, as hipóteses de entrada no sistema carecem em absoluto de taxatividade. (1998, p. 13). Fica demonstrada assim de forma clara e gigantesca a diferença das legislações anteriores, principalmente a que pregava a Doutrina da Situação Irregular e o atual Estatuto da Criança e do Adolescente, que adota a Doutrina da Proteção Integral. MENDEZ, ainda assevera que: Crianças e adolescentes abandonados, vítimas de abuso ou maus-tratos e supostos infratores da lei penal, quando pertencentes aos setores mais débeis da sociedade, constituem os clientes potenciais desta definição. Mais ainda, como uma espécie de ato-ironia, as leis de menores expandem os limites da disponibilidade estatal ao resto da infância que se encontrar em perigo material ou moral. Neste contexto, a arbitrariedade não pode, jamais, constituir a exceção e sim o comportamento cotidiano daqueles encarregados de sua aplicação. (1998, p. 13). Por derradeiro, pode se dizer com convicção que a lei foi um grande avanço na área da infância e juventude, pois os anteriormente chamados “menores” passaram a ter seus direitos e deveres instituídos. E saíram da chamada situação irregular para uma Doutrina de Proteção Integral da Infância. A Doutrina da Proteção Integral da infância trouxe a proibição taxativa de detenções ilegais ou arbitrárias, reconhecendo o princípio constitucional de que ninguém poderá ser detido a não ser em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade competente. Alterando de forma gigantesca a elaboração das políticas para a infância e juventude concebidas até então, reconhecendo assim, na criança e no adolescente sujeitos de plenos direitos. Especificamente no que se refere ao adolescente que pratica ato que em relação ao adulto considera-se crime. O Estatuto em seu artigo 103 diz que considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal. 30 Nota-se a importância que a norma deu ao adolescente infrator por esta citação: Considerado por muitos um divisor de águas, o Estatuto substituiu o antigo Código de Menores, instituído em 1979. A nova legislação ampliou os poderes dos cidadãos e dos municípios nas questões dos Direitos da Infância, apostando na descentralização e na participação da sociedade civil. Ao entender a criança e o adolescente como sujeito de direitos, o ECA rompeu com a idéia de serem mero objeto de intervenção jurídica e social ou simples portadores de necessidades. Essa revolução conceitual é base que permite todas as outras mudanças práticas. Seu caráter inovador fez com que fosse considerado uma referência internacional, inspirando legislação de mais de quinze paises. (http://andi.org.br/midia_edu/artigos/eca.htm. Acesso de 20 de outubro de 2003) Em suas Reflexões sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, JOSÉ CORDEIRO SANTIAGO: [...] prevê um tratamento diferenciado para os adolescentes infratores, classificandoos como pessoas especiais de direitos, procurando garantir que sua formação seja sólida e harmoniosa perante a sociedade, garantindo assim a retomada de uma vida social plena sem problemas ou incidentes, lastreados em valores éticos, sociais e familiares, afastando-os de uma vida pregressa gregária que não deve prevalecer, em nenhuma hipótese durante o seu desenvolvimento, sob pena de se tornar um ente incurável. (Reflexões sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. 1999, Acesso 2004). Essa modificação trouxe o uso de medidas sócio-educativas com o objetivo do fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. E não menos importante, a certeza que as crianças e adolescentes são tratados como sujeitos de direitos, independente de sua condição social. No entendimento de JOSÉ CORDEIRO SANTIAGO o Estatuto da Criança e do Adolescente preleciona que: [...] a sociedade, ao retirar o delinqüente do convívio social deve tratá-lo de tal modo a readaptá-lo as normas de convivência, não somente através do enclausuramento, mas através de outras penas substitutivas que, com certeza, surtirá melhores resultados, pois se este objetivo não for alcançado durante o período de reabilitação, o delinqüente tornar-se-á um problema social.(Op. cit. 1999, Acesso 2004). Neste passo, JOSÉ FERNANDES DIAS, elucida: “O Estatuto é, acima de tudo, uma fundamental e revolucionária Carta de Direitos, a Constituição da Criança e do Adolescente”, e ainda, “o ECA estimula a voz e a ação das crianças e dos adolescentes em todos os níveis”. (Construtores da Utopia. 2001, Acesso 2004). 31 Em resumo, com o Estatuto ocorreu uma verdadeira mutação jurídica, onde a sociedade como um todo, foi chamada à sua responsabilidade em proteger3, educar4, prover5, assegurar6, tutelar7, garantir8 àqueles que se encontram em peculiar desenvolvimento, isto é as crianças e adolescentes. 2.3 DO ADOLESCENTE INFRATOR O adolescente em conflito com a lei é responsabilizado, de maneira pedagógica, através das medidas sócio-educativas9. 2.3.1 Ato Infracional O ato infracional é uma ação praticada por um adolescente, correspondente às ações definidas como crime ou contravenções cometidas pelos adultos, e está definido no art. 103 do Estatuto da Criança e do Adolescente: “Art. 103. Considera -se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal”. Para HENRIQUETA SCHARF VIEIRA: No direito penal, o delito constitui uma ação típica, antijurídica, culpável e punível. Já o adolescente infrator, embora inegavelmente causador de problemas sociais graves, deve ser considerado como pessoa em desenvolvimento, analisando-se aspectos como sua saúde física e emocional, conflitos inerentes à idade cronológica, aspectos estruturais da personalidade e situação sócio-econômica e familiar. (1999, p. 15). 3 Art. 70. É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violência dos direitos da criança e do adolescente. (ECA. 2001, p. 34). 4 Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de as pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, [...]. (ECA. 2001, p. 31). 5 Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações legais.(ECA. 2001, p. 26). 6 Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (ECA. 2001, p. 23). 7 O art. 36 do ECA, dispõe que: “A tutela ser á definida, nos termos da lei civil, a pessoa de até 21 (vinte e um) anos incompletos.” (2001, p. 28), e o Código Civil trata das situações que trazem a baila a tutela, em seu art. 1728, que diz: “Os filhos menores são postos em tutela: I – com o falecimento dos pais, o sendo estes julgados ausentes; II – em caso de os pais decaírem do poder familiar”.( Novo Código Civil, Lei 10.406, de 10-1-2002. 2003, p. 288). 8 Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório o constrangedor. (ECA. 2001, p. 25). 9 Art. 112 da Lei .8.069, de 13 julho de 1990. (2001, p. 43). 32 Assim, embora o adolescente pratique uma conduta que constitua uma tipificação penal, ele não poderá ser penalizado com base no Direito Material Penal e sim pelos meios aplicáveis com sua condição de pessoa em desenvolvimento, como muito bem explica VÁLTER KENJI ISHIDA: Pela definição finalista, crime é fato típico e antijurídico. A criança e o adolescente podem vir a cometer crime, mas não preenchem o requisito da culpabilidade, pressuposto de aplicação da pena. Isso porque a imputabilidade penal inicia-se somente aos 18 (dezoito) anos, ficando o adolescente que cometa infração penal sujeito à aplicação de medidas sócioeducativas por meio de sindicância. Dessa forma, a conduta delituosa da criança e do adolescente é denominada tecnicamente de ato infracional, abrangendo tanto o crime como a contravenção. (2003, p. 171). Em Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente LIBERATI, cita julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo, confirmando esta tese: “Todos os atos infracionais são considerados pelo sistema estatutário como ação pública, porque este objetiva a prática do ato em si”. (Rel. Cunha Camargo, 2002, p. 89). E ainda, parafraseando NORONHA ensina que “crime é a conduta humana que lesa e expõe a perigo um bem jurídico protegido pela lei penal”. (Noronha apud Liberati. 2002, p. 89 e 90). No entanto, é preciso ter em mente, como lembra JOSÉ JACOB VALENTE, que “a cada crime ou contravenção praticado por adolescente não corresponde uma medida específica, ficando, como vimos, a critério do julgador escolher aquela mais adequada à hipótese em concreto”. (2002, p. 66). Desta forma a criança ou o adolescente jamais cometem crime ou contravenção, incorrem somente em ato infracional, caso pratiquem conduta tipicamente idêntica. 2.3.2 Perfil O Estatuto da Criança e do Adolescente, com fundamento na Doutrina da Proteção Integral, bem como nos critérios médicos e psicológicos, considera o adolescente como pessoa em desenvolvimento, prevendo, que assim deve ser compreendida a pessoa que possui entre 12 e 18 anos de idade. 33 Para diferenciar criança e adolescente WILSON DONIZETI LIBERATI, expõe julgado do Superior Tribunal de Justiça: A segunda parte do art. 104 define que os menores de 18 anos “ficarão sujei tos às medidas previstas nesta Lei”. A criança (que o Estatuto define como a pessoa até 12 anos), se praticar algum ato infracional, será encaminhada ao Conselho Tutelar e estará sujeita às medidas de proteção previstas no art. 101; o adolescente (entre 12 e 18 anos), ao praticar ato infracional, estará sujeito a processo contraditório, com ampla defesa. Após o devido processo legal, receberá ou não uma “sanção”, denominada medida sócio-educativa, prevista no art. 112 (STJ, RHC 3.139-5, Rel. Vicente Cernicchiaro). (2002, p. 91). Como explica MIGUEL MOACIR ALVES LIMA: Além disso, a adolescência é uma fase evolutiva de grandes utopias que, no geral, tendem a tornar mais problemática a relação do adolescente com o ambiente social, porquanto sua pauta de valores e sua visão crítica da realidade, ora intuitiva ou reflexiva, acabam destoando da chamada ordem instituída. (2002, p. 373). O adolescente infrator é inimputável perante as cominações previstas no Código Penal, ou seja, não recebe as mesmas sanções que as pessoas que possuem 18 anos completos de idade, visto que, a inimputabilidade penal10 está prevista, com igualdade de redação tanto no artigo 228 da Constituição Federal, como no artigo 27 do Código Penal: “São penalmente inimputáveis os menores de 18 anos sujeitos as normas de legislação especial”. Apesar de ser inimputável, o adolescente infrator é responsabilizado pelos seus atos, através do Estatuto da Criança e do Adolescente, com a aplicação de medidas sócioeducativas. Para aferir imputabilidade ao adolescente, leva-se em conta a idade deste no dia da ocorrência do fato. Se ele for maior de 12 anos e ainda não tiver completado 18 anos, apenas responderá sindicância por ato infracional. Como é o entendimento de nossa Corte Maior: Na aplicação de medidas sócio-educativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, leva-se em consideração a idade do menor ao tempo da prática do fato, sendo irrelevante, para efeito de cumprimento da sanção, a circunstância de atingir o agente a maioridade”. (STJ, RHC 7.308/98-SP, DJU 27-4-98). A prova da menoridade se fará de acordo com a Súmula 74 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça: “Para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer prova por documento hábil.”, ou seja, a comprovação da ida de é realizada por meio da 10 Segundo DELMANTO, inimputabilidade é uma das causa de exclusão da culpabilidade. O crime persiste, mas não se aplica pena, por ausência de reprovabilidade.(2002, p. 50). Sobre a menoridade EDMUNDO JOSÉ DE BASTOS JUNIOR aduz: “adotou -se, nesse passo o critério biológico como presunção absoluta, de modo que não se indaga da capacidade de entendimento ou autodeterminação do individuo que ainda não atingi aquela idade, [...]. (2002, p. 124). 34 certidão de nascimento, documento de identidade, o até mesmo certidão de batismo. (DELMANTO. 2000, p. 54). Quanto a prática do ato infracional, em pesquisa realizada no Estado de Santa Catarina, HENRIQUETA SCHARF VIEIRA, constatou que entre os adolescentes infratores, o maior índice de atos infracionais é praticado por adolescentes do sexo masculino, com idade entre 16 e 17 anos. (1999, p. 23). A mesma situação foi constatada por MÁRIO VOLPI no resto do país, como demonstra o resultado de sua pesquisa: Quanto ao gênero dos adolescentes privados de liberdade, 3.987 – 94,8% pertencem ao sexo masculino, enquanto 320 – apenas 5,2%, portanto – pertencem ao sexo feminino [...]. A permanência mais prolongada das meninas no lar tem sido apontada como um dos fatores responsáveis pela sua maior frequência à escola, pela menor presença das mesmas nas ruas e pelo seu menor envolvimento em ato infracional. (1999, p. 57-58). Como explica JOACIR DELLA GIUSTINA: Segundo o último Censo, os adolescentes brasileiros são 20 milhões. Deste total, 20 mil estão envolvidos com atos infracionais, isto é, 0,1% daquele total. Destes 20 mil, cerca de 6 mil estão com a medida sócio-educativa da internação, compreendendo-se assim que 14 mil não detêm a denominada "alta periculosidade". (2001, p. 36). JOÃO BATISTA COSTA SARAIVA partilha do mesmo pensamento, alertando ainda que os delitos graves (homicídios, estupros e latrocínios) constituem apenas 19% dos delitos praticados pelos adolescentes infratores, ou seja, menos de 2% dos delitos. (2002 b, p. 35). O ato infracional típico da adolescência em conflito com a lei é o furto11. Homicídios12, latrocínios13, estupros14 ocorrem, mas o percentual destes dados não se fazem impressionantes, tanto que delito com violência praticado por adolescente (felizmente) ainda dá manchete de jornal, ante a banalização da violência. (SARAIVA b, 2002, p. 37). 11 Furto é a subtração de coisa alheia móvel para si ou para outrem (art. 155, caput). É, pois, o assenhoramento da coisa com o fim de apoderar-se dela de modo definitivo. (MIRABETE. 2001, p. 219). 12 Homicídio está disposto no art. 121 do Código Penal e segundo MIRABETE, “[...] poder -se-ia definir o homicídio mais precisamente como a eliminação de vida humana extra-uterina praticada por outrem”. (2001, p.62). 13 Latrocínio é o roubo qualificado pelo resultado morte, e está disposto no art. 157, § 3º do Código Penal, pela redação da Lei 8.072/90 é tipificado como crime hediondo, com pena de 20 (vinte) a 30 (trinte) anos de reclusão. 14 Estupro é definido pelo art. 213 do Código Penal como: “Constranger mlher à conjunção carnal, mediante violência o grave ameaça.”, é considerado crime hediondo pela Lei n. º 8.072/90 e de acordo com o ensinamento de MIRABETE: “A conduta típica no crime de estupro é manter conjnção carna l por meio de violência ou grave ameaça. Conjunção carnal, no sentido da lei, é a cópula vagínica, completa ou incompleta (RT 590/333) entre homem e mulher”. (2001, p. 413). 35 Sobre os motivos que levam o adolescente a cometer atos infracionais em Santa Catarina, ainda, com embasamento nos dados fornecidos por HENRIQUETA SCHARF VIEIRA, vão, desde a influência dos amigos, o uso de drogas, a evasão escolar, até a pobreza. (1999, p. 48). De acordo com MÁRIO VOLPI, verifica-se que: [...] As respostas demonstram a fragilidade do adolescente à influência de terceiros e a íntima relação do ato infracional com o uso de drogas. No Brasil, além das causas mencionadas, outra grande causa da delinqüência juvenil é a falta de instrução e a evasão escolar, uma vez que sem estar estudando, o adolescente acaba ocioso e mais propenso a praticar atos infracionais. (1999, p. 56-57). Assim, constata-se que o adolescente comete atos infracionais, na maioria das vezes, por influência de amigos, uso de drogas, pobreza, evasão escolar entre outros problemas sociais derivados da falta de políticas públicas na área da infância e juventude. 2.4 AS MEDIDAS APLICÁVEIS AO ADOLESCENTE INFRATOR As medidas sócio-educativas, cujas disposições gerais encontram-se previstas nos artigos 112 a 125 do Estatuto da Criança e do Adolescente são aplicáveis aos adolescentes que incidirem na prática de atos infracionais. Dispõe o art. 112 da mencionada Lei, que: Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I – advertência; II – obrigação de reparar o dano; III – prestação de serviços à comunidade; IV – liberdade assistida; V – inserção em regime de semiliberdade; VI – internação em estabelecimento educacional; VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. [...] De acordo com OLYMPIO SOTTO MAIOR, trata-se de um rol taxativo, sendo portanto, vedada a imposição de medidas diversas das enunciadas. (2002, p. 362). Então, para o adolescente autor de ato infracional a proposta é de que, no contexto da proteção integral, receba ele medidas sócio-educativas (portanto, não punitivas), tendentes a interferir no seu processo de desenvolvimento objetivando melhor compreensão da realidade e efetiva integração social. (CURY. 2002, p. 364). 36 Conforme muito bem adverte MÁRIO VOLPI: As medidas sócio-educativas devem ser aplicadas de acordo com as características da infração, circunstâncias familiares e a disponibilidade de programas específicos para o atendimento do adolescente infrator, garantindo-se a reeducação e a ressocialização, bem como, tendo-se por base o Princípio da Imediatidade, ou seja, logo após a prática do ato infracional. (1999, p. 42). Entende-se então que as Medidas Sócio-Educativas buscam principalmente a ressocialização dos adolescentes, proporcionando-lhes educação, segurança e dignidade. 2.4.1 Advertência A advertência está elencada no artigo 115 do Estatuto da Criança e do Adolescente e consiste em repreensão verbal dada ao adolescente pelo Juiz Vara da Infância e Juventude, na presença dos pais, do defensor e do Promotor de Justiça, é reduzida a termo, no qual estarão contidos os deveres do menor e as obrigações do pai ou responsável, o qual é assinado por todos os presentes. LIMA ensina: A advertência, na modalidade de medida sócio-educativa, deve ser destinada, via de regra, a adolescentes que não registrarem antecedentes infracionais e para os casos de infrações leves, seja quanto à sua natureza, seja quanto às suas conseqüências. Poderá ser aplicada, pelo órgão do Ministério Público, antes de instaurado o procedimento apuratório, juntamente com o benefício da remissão e, pela autoridade judiciária, no curso da instrução do procedimento apuratório de ato infracional ou sentença final. (1992, p. 352). De acordo com MÁRIO VOLPI, a advertência constitui uma medida admoestatória, informativa, formativa e imediata, devendo ser observado o princípio do contraditório na sua aplicação. (1999, p. 23). Como explica PAULO LÚCIO NOGUEIRA: A advertência poderia dispensar perfeitamente o procedimento contraditório, pois trata-se de admoestação verbal, que deveria ser imposta de plano em face do boletim de ocorrência ou relatório policial. E sua imposição estender-se-ia aos pais ou responsáveis, o que tornaria a medida mais abrangente e eficaz, sendo apenas reduzida a termo. No entanto, dado o formalismo do processo legal, que pressupõe contraditório e amplitude de defesa, assim como apego às formalidades, também a advertência como medida sócio-educativa não pode prescindir do processo legal, como, aliás, têm reconhecido os tribunais. (1996, p. 170). É a primeira medida judicial aplicada ao menor que delinqüe, tendo sentido essencialmente educativo, explicando a ilegalidade da conduta praticada, bem como as conseqüências da reiteração da prática de infrações, com vista à recuperação. Por isso é 37 permitido ao adolescente permanecer em seu meio familiar, aplica-se às infrações de somenos importância com o intuito de alertar os pais para as atitudes do adolescente. 2.4.2 Obrigação de Reparar o Dano O artigo 116 do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a obrigação de reparar o dano, quando se tratar de ato infracional com reflexos patrimoniais, causados pelo adolescente à sua vítima. A medida tem como finalidade despertar e desenvolver o senso de responsabilidade do adolescente em face do que não lhe pertence, caracteriza-se por ser coercitiva e educativa, levando o adolescente a reconhecer o erro e repará-lo. Cabe à vítima entrar com o pedido de reparação, ou executar a sentença penal condenatória, para obter o ressarcimento do dano sofrido. No entanto, PAULO LÚCIO NOGUEIRA questiona a constitucionalidade da obrigação de reparar o dano, nos seguintes termos: A medida de obrigação de reparar o dano, salvo melhor juízo, parece-nos de duvidosa constitucionalidade, pois não pode o Juiz de Menores impô-la como medida obrigatória, mas apenas tentar a composição do dano como previa o Código de Menores revogado (art. 103), já que nem mesmo ao adulto condenado criminalmente pode ser imposta pelo juiz a obrigação de reparar o dano causado, nem mesmo como condição do sursis, embora a não-reparação do dano causado pelo condenado constitua causa obrigatória de revogação desse benefício. (1996, p. 180). Há três formas de reparação do dano, o adolescente pode restituir a coisa, ressarcir o valor do dano causado ou por fim, compensar de qualquer forma o prejuízo da vítima. Trata de uma medida com grande caráter pedagógico, pois ensina ao adolescente o respeito por tudo que pertence às outras pessoas, proporcionando o desenvolvimento, como explica WILSON DONIZETI LIBERATI, "do senso por responsabilidade daquilo que não é seu". (2002, p. 90). Assim, através desta imposição, o adolescente reconhece a ilicitude dos seus atos, bem como garante à vítima a reparação do dano sofrido. Contudo, a efetividade da reparação do dano, através do ressarcimento do prejuízo, muitas vezes, esbarra na impossibilidade do cumprimento, ante as condições financeiras do adolescente infrator e da sua família. Em decorrência disto, o parágrafo único do citado artigo prevê a substituição dessa medida por outra adequada, quando da impossibilidade do cumprimento da obrigação, ficando ao arbítrio do Juiz a fixação de outra medida. 38 2.4.3 Prestação de Serviço à Comunidade Como o próprio nome diz, a medida consiste em uma forma de punição útil à sociedade, onde o infrator não é subtraído do convívio social, porém, desenvolve tarefas proveitosas a seu aprendizado e a necessidade social. Está prevista no artigo 117 do Estatuto da Criança e do Adolescente, e consiste na realização de trabalhos gratuitos, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas, etc., por um período não superior a seis meses, onde a jornada de trabalho máxima é de oito horas semanais, de modo que não prejudique a freqüência à escola ou trabalho. O serviço prestado deve ser acompanhado por um educador ou responsável. Para NOGUEIRA: O ideal seria que o serviço fosse prestado de acordo com o ato infracional praticado. Assim, o pichador de paredes ficaria obrigado a limpá-las; o causador de algum dano a repará-lo [...] Mas, para que esse tipo de punição surtisse efeito, seria indispensável a colaboração da comunidade na sua aplicação, pois a simples imposição, sem a correspondente fiscalização do seu cumprimento, torna-se uma medida inócua sem qualquer resultado. (1996, p. 182-183). LIBERATI aduz que, para a efetiva execução desta medida é necessária a participação da comunidade, expondo que: “deverá ser fiscalizada pela comunidade, que, em conjunto com os educadores sociais, proporcionará ao adolescente infrator uma modalidade nova de tratamento tutelar em regime aberto”. (1993, p. 86). Ou seja, esta medida propõe a ressocialização do adolescente infrator através de um conjunto de ações, não remuneradas, como alternativa à internação. Sendo assim, muito eficaz, pois, através da prestação do serviço, o adolescente reflete sobre sua vida e conduta no convívio social e passa a ressocializar-se no próprio ambiente em que vive e certamente passa a sentir-se útil, impedindo desta maneira, que se corrompa. 2.4.4 Liberdade Assistida A liberdade assistida está prevista nos artigos 118 e 119 do Estatuto da Criança e do Adolescente e será adotada sempre que se configurar na medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente, tendo em vista a reeducação e a sua não reincidência. 39 Como ensina VOLPI: Constitui-se numa medida coercitiva quando se verifica a necessidade de acompanhamento da vida social do adolescente (escola, trabalho e família). Sua intervenção educativa manifesta-se no acompanhamento personalizado, garantindose os aspectos de: proteção, inserção comunitária, cotidiano, manutenção de vínculos familiares, freqüência à escola, e inserção no mercado de trabalho e/ou cursos profissionalizantes e formativos. (2002, p. 24). Por tratar-se de uma medida que restringe a liberdade, deve ser resultado de um Processo Legal, a liberdade assistida deve ser aplicada aos adolescentes reincidentes ou habituais na prática de infrações, já que os primários devem ser apenas advertidos, e entregues aos pais ou responsável. Para OLYMPIO SOTTO MAYOR, a liberdade assistida é a medida que se mostra com as melhores condições de êxito, nos seguintes termos: Nesta ótica, não temos dúvida em afirmar que, do elenco das medidas sócioeducativas, que se mostra com as melhores condições de êxito é a da liberdadeassistida, porquanto se desenvolve direcionada a interferir na realidade familiar e social do adolescente, tencionando resgatar, mediante apoio técnico, as suas potencialidades. O acompanhamento, como a inserção no sistema educacional e do mercado de trabalho, certamente importarão o estabelecimento de projeto de vida capaz de produzir ruptura com a prática de delitos, reforçados que restarão os vínculos entre o adolescente, seu grupo de convivência e a comunidade. (2002. apud, Carla Fornari. Colpani, A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade. Acesso: setembro de 2004). Quanto ao prazo para sua aplicação o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece em seu artigo 118, parágrafo 2º, que: “A liberdade assistida será fixada pelo prazo mínimo de seis meses, podendo a qualquer momento prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o orientador, o Ministério Público, e o defensor”. Em suma, a liberdade assistida é utilizada quando se entende a desnecessidade da internação de um lado e uma maior necessidade de fiscalização e acompanhamento de outro, caso em que o adolescente não é privado do convívio familiar e sofre paralelamente algumas restrições quanto a sua liberdade e direitos. 40 2.4.5 Semiliberdade O regime de semiliberdade encontra-se no artigo 120 e parágrafos do Estatuto da Criança e do Adolescente, e tem o fito de preservar os vínculos familiares e sociais. Pode ser determinado desde o início ou consistir em transição para o semi-aberto. De acordo com WILSON DONIZETI LIBERATI: Existem duas formas de semiliberdade, sendo a primeira a determinada pela autoridade judiciária desde o início, após a prática do ato infracional, através do devido processo legal, e a segunda, ocorre quando o adolescente internado é beneficiado com a mudança de regime, de internamento para a semiliberdade. (2002, p. 95). Por se tratar de medida que restringe a liberdade do adolescente, está é precedida do devido processo legal, e em qualquer das duas hipóteses, deverá ser obrigatoriamente acompanhada de escolarização e profissionalização, não comporta prazo determinado, e aplica-se, no que couber, as disposições relativas à internação. No primeiro tipo de semi-liberdade, ou seja, a propriamente dita, o adolescente passará da instituição para a liberdade. No segundo tipo, que é o semi-internato, o adolescente passa da liberdade para a instituição, onde passa o dia trabalhando externamente e só se recolher, à noite ao estabelecimento de internação. Como bem aponta CONCEIÇÃO MOUSNIER, “cas os existem que o tratamento a ser dispensado não encontra lastro na sede familiar, impondo-se a aplicação da medida, como forma de tratamento em meio aberto, com o fito de se evitar a internação”. (1991, apud José Barroso Filho. Do ato infracional. Acesso em: setembro 2004). Apesar da medida de semiliberdade, apresentar um ótimo aspecto da socialização do adolescente infrator, deve-se levar em conta que para tanto é necessária uma boa estrutura física e de pessoal, posto a grande dificuldade de controlar tal medida. No Brasil, a aplicação desse regime esbarra na falta de unidades específicas para abrigar os adolescentes só durante a noite, e aplicar medidas pedagógicas durante o dia, como constatou MÁRIO VOLPI: A falta de unidade nos critérios, por parte do judiciário na aplicação de semiliberdade, bem como a falta de avaliações das atuais propostas, têm impedido a potencialização dessa abordagem. Por isso propõe-se que os programas de semiliberdade sejam divididos em duas abordagens: uma destinada a adolescentes em transição da internação para a liberdade e/ou regressão da medida; e a outra aplicada como primeira medida sócio-educativa. (2002, p. 26). 41 Ou seja, a medida sócio-educativa de semiliberdade, apesar do evidente caráter pedagógico a que se propõe, permitindo que o adolescente trabalhe e estude durante o dia, não vem recebendo aplicabilidade na prática, pela ausência de programas específicos, pois, como dito anteriormente, tal medida pressupõe casas especializadas e preparadas para o recebimento desses jovens. 2.4.6 Internação A medida de internação é a medida sócio-educativa que priva o adolescente de sua liberdade e vem abordada nos art. 121 a 125 do Estatuto da Criança e do Adolescente, porém nesta pesquisa será tratada no próximo capítulo por ser o objeto principal do presente trabalho. 42 3 DA MEDIDA SOCIO-EDUCATIVA DE INTERNAÇÃO É a mais rigorosa de todas as medidas aplicadas ao infrator, objetiva através da privação da liberdade, a ressocialização15 e a reeducação16, demonstrando que a limitação do exercício pleno do direito de ir e vir é a conseqüência da prática de atos delituosos. 3.1 PRÍNCIPIOS QUE REGEM A MEDIDA DE INTERNAÇÃO São três os princípios que norteiam a aplicação e execução da medida sócio- educativa de Internação, a qual é imposta ao adolescente que pratica ato infracional, responsabilizado em sentença definitiva. A Carta Magna contemplou tais preceitos em seu artigo 227, §3º, V: Art. 227. [...] §3º O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: [...] V – obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa de liberdade; [...] (grifo nosso). No mesmo sentido, temos respaldo no Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 121: “A internação constitui medida privativa de liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”. 3.1.1 Da Brevidade Por brevidade, entende-se que a medida sócio-educativa deve perdurar tão somente para a necessidade de readaptação do adolescente. Tal princípio encontra asilo no Estatuto da Criança e do Adolescente no parágrafo 3º, do artigo 121 que dispõe: “§ 3º Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos”. 15 De acordo com a Enciclopédia Britannica do Brasil, socializar significa o “ato o u efeito de socializar. Processo pelo qual o indivíduo é integrado numa sociedade”, portanto, podemos entender que, ressocialização é o ato pelo qual o individuo é novamente inserido na sociedade, através de hábitos e aprendizados adquiridos durante seu período de internação. (1983, p. 1616). 16 Segundo De Plácido e Silva o termo reeducação significa: “De reeducar (educar de novo), entende-se o adestramento o a reabilitação da pessoa, [...].” (2001, p. 687). 43 Este princípio tende a resguardar o adolescente dos efeitos danosos que uma longa prisão pode acarretar, para alguém que está em processo de formação. Para AMARAL E SILVA, a internação é um mal necessário: A internação, embora diversa da pena de prisão, objetivamente, nada difere daquela, é um “mal necessário”. Só deve ser aplicada em último caso e, assim mesmo, por estritamente necessário afastamento do ambiente delinqüencial e criminológeno, com educação, profissionalização, progressiva semiliberdade e liberdade assistida. (1996, p. 44). Contrariando a maioria, LIBERATI assevera que a internação não é o melhor meio para a solução da problemática do menor: Deve-se frisar que há um equívoco muito grande quando se depara com a mentalidade popular de que a solução do problema do adolescente infrator é a internação. Na verdade, por melhor que seja a entidade de atendimento, a internação deve ser aplicada de forma excepcional, porque provoca nos adolescentes os sentimentos de insegurança, agressividade e frustração. (1993, p. 89). Este princípio traz a convicção de que as medidas privativas de liberdade aplicadas aos adolescentes devem ser limitadas, com a maior brevidade possível, sendo permitido um limite máximo de três anos, visto os efeitos danosos que a privação da liberdade prolongada pode causar em um adolescente. 3.1.2 Da Excepcionalidade Pelo princípio da excepcionalidade a medida de internação deve ser aplicada somente quando se fizer realmente necessária, pois como lembra LIBERATI, provoca nos adolescentes insegurança, agressividade e frustração, e além disso, afasta-se dos objetivos pedagógicos das outras medidas. (2002, p. 99). Neste sentido temos o julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que preconiza: “A internação somente deve ser admitida em casos excepcionais, quando baldados todos os esforços à reeducação do adolescente, mediante outras medidas sócio-educativas". (TJSP – C. Esp. – Ap. 22.716-0 - Rel. Yussef Cahali – j. 2.3.95). O princípio da excepcionalidade significa que a medida sócio-educativa de internação deve ser aplicada apenas em casos extremos, quando não couber nenhuma das outras medidas, que não comportem privação de liberdade. Está consagrado no artigo 122, parágrafo 2º do Estatuto, onde dispõem que: “§2º Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada”. 44 A privação de liberdade, neste contexto, surge como última opção, após a aplicação de outras medidas que não lograram êxito, como advertência e prestação de serviço comunitário, ou de conformidade com a gravidade do ato infracional. Trata-se de um meio de proteger e possibilitar ao adolescente atividades educacionais que lhe forneçam novos parâmetros de convívio social, os quais não teve quando livre em sociedade. Quando trata do princípio da excepcionalidade o Tribunal de Justiça de São Paulo é unânime: O princípio da excepcionalidade informa que a medida de internação somente será aplicada se for inviável ou malograr a aplicação das demais. Existindo outras medidas que possam substituir a de internação, o juiz deverá aplicá-las, reservando a de privação de liberdade para os atos infracionais praticados mediante grave ameaça ou violência à pessoa e por reiteração no cometimento de outras infrações graves (art. 122, I e II) (TJSP, AI 13.100-0, Rel. Mario Falcão; TJSP, AI 16.095-0, Rel. Dirceu de Mello). Portanto, havendo possibilidade de ser imposta medida menos onerosa ao direito de liberdade do adolescente, será esta imposta em detrimento da internação. Para tanto, dever-seá levar em consideração as condições particulares do adolescente e a natureza do ato infracional. 3.1.3 Do Respeito à Condição Peculiar de Pessoa em Desenvolvimento Por este princípio o Estatuto reafirma que é dever do Estado zelar pela integridade física e mental dos internos, cabendo para isso a adoção das medidas adequadas de contenção e segurança. Bem como, propostas pedagógicas e de ressocialização, para que a medida cumpra seu efeito. MIRELE ALVES BRAZ, in Os Princípios orientadores da Medida Sócio-Educativa e sua Aplicação na Execução, expõe que este preceito: Ínsita em inúmeros dispositivos legais como, por exemplo, o rol do art.124/ECA, diz este com o respeito aos direitos e garantias fundamentais expressos na Magna Carta e na lei Especial, no sentido de zelar pela integridade física e mental dos internos (art. 125/ECA), reavaliação da medida a cada seis meses, cumprimento em estabelecimento próprio (arts. 121, §2º e 123/ECA), etc. (2001. Acesso: set/2004). 45 Aos olhos de LIBERATI: Pelo princípio do respeito ao adolescente, em condição peculiar de desenvolvimento, o Estatuto reafirma que é dever do Estado zelar pela integridade física e mental dos internos, cabendo-lhe adotar as medidas adequadas de contenção e segurança (art.125). Ao efetuar a contenção e a segurança dos infratores internos, as autoridades encarregadas não poderão, de forma alguma, praticar abusos ou submetê-los a vexame ou a constrangimento não autorizado por lei. Vale dizer que devem observar os direitos do adolescente privado de liberdade, alinhados no art. 124. (2003, p. 114 e 115). FRANCO ainda adverte que, “a otimização do princípio do respeito, bem como todas as ações a ele pertinente possivelmente possam concretizar-se com o reordenamento institucional já diagnosticado pela Área de Proteção Especial”. ( apud Mirele Alves Braz. 2001, Acesso: setembro 2004). Nesse passo, cabe salientar que, as autoridades encarregadas da contenção e segurança dos adolescentes submetidos a medida sócio-educativa de internação, não podem em momento algum submetê-los a constrangimento, violência física ou moral. Devendo sempre zelar pelos direitos reservados aos adolescentes privados de liberdade, consagrados pelo artigo 124 do Estatuto da Criança e do Adolescente. 3.2 DAS HIPÓTESES DE APLICAÇÃO A internação deve ser proposta pelo representante do Ministério Público e aplicada pelo Juiz, somente nos casos mais graves, e quando se fizer realmente necessária, como estabelece o artigo 122, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Este rol é taxativo e exaustivo, não cabendo internação fora das hipóteses expressamente previstas: Art. 122 – A medida de internação só poderá ser aplicada quando: I – tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; II – por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III – por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta. §1º O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser superior a três meses. Quanto a esta matéria, COSTA traz a baila, o artigo 123 que trata dos critérios de internação, que são a idade, compleição física e gravidade da infração, “é pura exterioridade que pode cair em simplificações grosseiras”, o doutrinador trata estes como critérios mínimos para aplicação da medida. (1994, p. 122). 46 Assim, o Estatuto prevê e sanciona medida sócio-educativa de internação, bem como, reconhece a possibilidade de privação provisória de liberdade ao infrator não sentenciado. E ainda, oferece uma série de alternativas para a ressocialização do adolescente. 3.2.1 Tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa A primeira parte do inciso I do artigo supra citado, trata da também conhecida violência moral, que nada mais é, que um ato delituoso pelo qual o adolescente verbalmente ou por escrito, promete fazer injustamente um mal grave a determinada pessoa, promessa esta que aterroriza a vítima. Segundo MIRABETE, o ato infracional cometido mediante grave ameaça é aquele em que o “mal prenunciado deve ser certo (não vago), verossímil (possível de ocorrer), iminente (que está para ocorrer, e não previsto para futuro longínquo) e inevitável (que o ameaçado não possa evitar)”. ( apud LIBERATI. 2003, p. 119). Para ANÍBAL BRUNO, “não importa que o agente tenha ou não a intenção de executar a ameaça, ou seja, de praticar o mal enunciado, o tenha condições de o fazer. Basta que o prenúncio do mal seja hábil a intimidar”. ( apud LIBERATI. 2003, p. 119). Quanto a segunda parte do inciso, esta dispõe acerca da violência física propriamente dita, pois, são empregados meios físicos. FRAGOSO, diz que: “o ato infracional cometido mediante violência a pessoa é determinado pelo desenvolvimento de força física para vencer resistência real ou suposta” ou ainda na lição de MARQUES “o emprego de força material cometida co ntra uma pessoa”.( apud LIBERATI. 2003, p. 119). A ato da violência, para configurar tal conduta delituosa, deve chegar as vias de fato, pois, quando do emprego da força física impingida sobre a pessoa da vítima, estes devem lhe causar lesão corporal ou até mesmo a morte. 47 3.2.2 Por reiteração no cometimento de outras infrações graves O inciso II trata dos casos em que o adolescente é reincidente na prática delituosa. Nos termos de LIBERATI: A medida extrema da internação, nesse caso, é justificada para o adolescente que, tendo já recebido a aplicação de alguma medida, voltou a praticar outros atos infracionais de natureza grave, demonstrando com sua conduta que a medida anteriormente proposta não foi suficiente para recuperá-lo e reintegra-lo na sociedade. Percebe-se, assim, que existe um índice maior de censurabilidade na conduta do infrator que reincide. (2002, p. 120). Ainda sobre o tema, continua o autor, tratando do rigorismo para a comprovação da reincidência, item essencial para aplicação desta modalidade de medida: O reconhecimento da prática reiterada de infrações penais é indispensável nos autos e é comprovado pela certidão cartorária, onde constaram o número do processo e a data do trânsito em julgado da sentença que aplicou a medida sócio-educativa. Não basta, porém, a certidão de antecedentes criminais fornecida pela autoridade policial. (JTACrimSP 17/112, 21/165, 30/55, 35/367, 36/47 e RT 379/217 e 422/109). (apud LIBERATI. 2002, p. 120). Contudo, citando a mesma Corte, VÁLTER KENJI ISHIDA, elucida: O fato de o menor apresentar antecedentes não justifica, só por si, a aplicação da medida sócioeducativa de internação, pois cada ato infracional será resolvido em cada um dos respectivos atos, devendo ter este processo a solução que se adeque à infração praticada, na medida de sua gravidade e do desvio demonstrado. (TJSP- C. Esp.- Ap. 22.923-0- Rel. Yussef Cahali – j. 23-3-95). (2003, p. 204). Com base no exposto, entende-se, que o inciso trata da prática reiterada de atos infracionais pelos dos adolescentes em infrações descritas no tipo penal, por condutas apenadas com pena de reclusão, ou seja, reincidência em infrações graves. 3.2.3 Por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta Por derradeiro, o inciso III prevê a possibilidade da aplicação da internação, em caso do descumprimento reiterado e injustificado da medida anteriormente imposta, ou seja, a chamada internação-sanção. 48 OLYMPIO DE SÁ SOTTO MAIOR NETO, declarou sua indignação quanto ao argumento utilizado por alguns doutrinadores para explicar a necessidade do internamento por até três meses, o qual seria “dar um susto” nos adolescentes infratores: Inconformado com tal naipe de raciocínio, respondi que só defendia esse ponto de vista quem tinha certeza de que os próprios filhos jamais seriam encaminhados para uma unidade de internação, onde o susto pelo qual se quer que os filhos dos outros passem pudesse implicar a prática de violências físicas, psicológicas e sexuais. (2001, p. 185). CURY, GARRIDO e MAÇURA lembram que, “restabelecida a medida anteriormente imposta, novo descumprimento injustificável e reiterado autoriza a renovação da internação”. (2002 , p. 114). E ainda, acrescentam que: “Trata -se de internação instrumental, destinada a coagir o adolescente ao cumprimento da medida originalmente imposta. Não substitui a medida objeto do inadimplemento, razão pela qual não se confunde com a hipótese de regressão tratada nos arts. 99 e 113”. (2002, 113). Evidencia-se ainda, com fulcro no parágrafo 1º do artigo 122 do Estatuto que o prazo de internação na hipótese de descumprimento reiterado de medida, não poderá superar o prazo de três meses. Como podemos constatar, por esta decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo: Incidente em execução de medida sócio-educativa de liberdade assistida – descumprimento injustificado da sanção – Situação que justifica a imposição da chamada “internação -sanção” pelo prazo máximo de 03 (três) meses, ainda que por mais de uma vez – Impossibilidade de substituição por internação sem prazo determinado por absoluta falta de previsão legal – Inteligência do art. 122, III e § 1º, do ECA – Recurso provido (AI 40.544-0/5, Rel. Carlos Ortiz). (apud CURY, GARRIDO & MAÇURA. 2002, p. 113). Tratando da hipótese do inciso III, LIBERATI, assim dispõe: “O adolescente não deixará de cumprir a medida burlada, que será cumulada com a que será imposta, independentemente do ato infracional praticado, após a instauração do devido processo legal, com ampla oportunidade de defesa para o adolescente”. (2003, p. 120) . Em contraponto ao inciso II, que trata da internação por prática reiterada de atos infracionais graves, neste caso, o inciso III, proclama a internação pelo descumprimento reiterado e sem justificativa de determinação judicial que impôs ao adolescente medida sócioeducativa. 49 3.2.4 Da Internação Provisória Em comentários ao Estatuto da Criança e do adolescente LIBERATI, explica que: “São três as possibilidades da internação provisória: a) por decisão fundamentada do juiz; b) por apreensão do adolescente em flagrante de ato infracional; c) por ordem escrita de autoridade judicial”. (2003, p. 121). Dando prosseguimento ao seu pensamento, LIBERATI, ainda expõe as três formas determinantes da internação provisória, quando esta for fundada em ordem escrita de autoridade judicial: a) tratar-se da prática de ato infracional com as características mencionadas nos incs. I, II, III do art. 122; b) não for possível a imediata liberação do adolescente infrator a seus pais ou responsável; e c) em virtude das conseqüências e gravidade do ato praticado, a segurança e proteção do adolescente estiverem ameaçados. (2003, p. 121). Tecnicamente, a internação provisória denomina-se um atendimento cautelatório, para os adolescentes que se encontrem em conflito com a lei. Os quais, nos casos em que venham a preencher os requisitos acima mencionados, serão privados provisoriamente de seu direito de ir e vir, para que se mantenha a ordem pública. Ainda neste passo, ressaltamos o ensinamento de LIBERATI, que aduz: Contemplou o Estatuto a internação “provisória”, apesar de a CF proclamar, no seu art. 5º, LXVI, que “ninguém será levado a prisão o nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança. Entretanto, não se pode equiparar a internação com a prisão. Apesar de as medidas serem idênticas na privação de liberdade, são opostas na oportunidade da aplicação e no conteúdo programático de recuperação. A internação é medida sócio-educativa que deve ser cumprida em estabelecimento especializado, observado o disposto no art. 94. A prisão é pena retributiva, é castigo e pagamento pelo mal praticado (teoria absoluta), embora já se vislumbrem algumas opiniões de que é necessária a humanização do preso através de políticas de educação e de assistência (TJSP, HC 17.910.0/9, Rel. Lair Loreiro). (2003, p. 95). Portanto, como muito bem elucida PÉRICLES PRADE, à internação antes da sentença, está consagrada no artigo 108 do Estatuto, o qual “fixa um lapso temporal – de caráter improrrogável – para a duração da medida [...]”. (1995, p. 37). Art. 108. A internação antes da sentença, pode ser determinada pelo prazo máximo de quarenta e cinco dias. Parágrafo único. A decisão deverá ser fundamentada e basear-se em indícios suficientes de autoria e materialidade, demonstrada a necessidade imperiosa da medida. 50 Dispõe ainda, que: “Sentença que é proferida no procedimento de apuração de ato infracional (ECA, art. 189). Trata-se, portanto, de internação provisória”. (1995, p. 38) VÁLTER KENJI ISHIDA fazendo uma comparação entre o Processo Penal e o procedimento de apuração do ato infracional, dispõe: O ECA, ao estipular o prazo máximo de quarenta e cinco dias para a internação provisória, dimensionou o prazo de finalização do procedimento (sindicância) para aplicação da medida sócio-educativa. Equipara-se ao já consagrado prazo de oitenta e um dias no processo penal. (2003, p. 177). No que tange a contagem do prazo da custódia do adolescente, PERICLES PRADE, assevera que: A relevância proporcionada à matéria é tamanha que, no art. 235, o ECA considera crime descumprir, injustificadamente, o prazo fixado nessa lei em benefício do adolescente privado de liberdade, punindo, portanto, os que permitem a ultrapassagem do período de 45 dias para a internação provisória. (1995, p. 38 - 39). Sobre a matéria temos este julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo: “A delimitação de 45 dias imposta pela lei servirá para determinar a conclusão do procedimento, com o julgamento da representação feita pelo Ministério Público, que poderá requerer a medida sócio-educativa da internação (art. 183)”. (TJSP, AI 12.597 -0, Rel. Odyr Porto; TJSP, HC 17.918-0/9, Rel. Lair Loreiro). VALTER KENJI ISHIDAE, tratando da Resolução Comanda, dispõe: Estipula, ainda o art. 4º da Resolução 45/96 do Comanda que a defesa jurídica deverá manter rigoroso controle dos prazos legais com vista à impetração do hábeas corpus e demais responsabilizações na forma do art. 125. Referida resolução prevê ainda que o adolescente deverá ser recolhido junto ao Centro de Atendimento Integrado (art. 1º) e, na falta deste, “espaços rigorosamente distintos daqueles destinados à execução de medida sócio-educativa de internação”. (2003, 178). Sobre a fundamentação exposta no Parágrafo único do artigo 108, PRADE assevera: [...] deve-se basear-se a decisão, calcando-se a fundamentação: (A) nos indícios suficientes de autoria, indicando o nome do adolescente e arrolando os dados probatórios considerados suficientes para a descrição da conduta tida, em tese, como crime ou contravenção; (B) na materialidade do ato infracional; (C) na demonstração da necessidade da internação provisória, que não pode ser relativa, vaga, duvidosa, questionável, mas imperiosa, vale dizer, inarredável e absolutamente vital para neutralizar a gravidade do fato (v. g. violência ou grave ameaça a pessoa), por tratar-se, afinal, de medida privativa de liberdade submissa aos princípios (art. 121) de brevidade, excepcionalidade, em respeito à condição peculiar do adolescente. (1995, p. 40). 51 Declara, LIBERATI, que por se tratar de medida excepcional, a autoridade judiciária competente deverá decidir sobre aplicação dela com fundamentação em indícios suficientes de autoria17 e materialidade18, devendo ainda, ser aplicada somente em casos de necessidade imperiosa: De qualquer maneira, o juiz, ao receber a representação, onde consta requerimento de medida segregativa, deverá, incontinente, decidir sobre a internação, em decisão fundamentada (art. 184). Se o juiz não apreciar a medida o adolescente estará privado de sua liberdade ilegalmente, sendo lhe facultada a utilização do remédio heróico do habeas corpus, nos termos do inc. LXVIII do art. 5º da CF. (2003, p. 96). Ainda, sobre a matéria da internação provisória achamos interessante citar este item que faz parte das Regras Mínimas das Nações Unidas para Proteção de Jovens Privados de Liberdade: 17. Os adolescentes que estão detidos preventivamente ou que aguardam julgamento (não julgados) presumem-se inocentes e serão tratados como tal. A detenção antes do julgamento deve ser evitada, na medida do possível, e limitada a circunstâncias excepcionais. Devem, por isso, ser feitos todos os esforços para se aplicarem medidas alternativas. No entanto, quando se recorrer à detenção preventiva, os tribunais de adolescentes e os órgãos de investigação tratarão tais casos com a maior urgência, a fim de assegurar a mínima duração possível da detenção. Os detidos sem julgamento devem estar separados dos adolescentes condenados.(Procuradoria Geral da República de Portugal. Compilação das Normas e Princípios das Nações Unidas em Matéria de Prevenção do Crime e de Justiça Penal, Lisboa, 1995). Com fulcro em todo o exposto, diz-se que a internação provisória é possível, porém, apenas em casos excepcionais, dispostos em lei e não podendo exceder o prazo máximo de 45 (quarenta e cinco) dias. 17 Segundo De Plácido e Silva, autoria é: “condiçã o ou qualidade daquele que é autor. E ainda define que autor na terminologia criminal, é o agente do crime ou contravenção. E assim se entende toda pessoa que tenha diretamente planejado o executado o crime [...]”. (2001, p. 103). 18 Como afirma o L. A. Machado, “conceito material busca a essência [...] do delito, a fixação de limites legislativos à incriminação de condutas.” ( apud, ALEXANDRE, in O Conceito de Crime. 2003, Acesso: jun/2004. 52 3.3 DA EXECUÇÃO O adolescente ao qual for imposta medida sócio-educativa, deverá cumpri-la em estabelecimento próprio, sendo certo que o tempo de duração da medida será ditado pelo seu processo de ressocialização, o qual será avaliado por educadores, ou seja, uma equipe técnica especializada. O artigo 123 do Estatuto da Criança e do Adolescente estipula regra geral para cumprimento da medida de internação: Art. 123. A internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração. Parágrafo único. Durante o período de internação, inclusive provisória, serão obrigatórias atividades pedagógicas. Como adverte JOÃO BATISTA COSTA SARAIVA: [...] o ECA não prevê a execução das medidas sócio-educativas, há necessidade de uma regulamentação, ou seja, de uma lei de execução das medidas sócio-educativas, definindo procedimentos e estabelecendo com clareza os limites de responsabilidade, para que as medidas sócio-educativas sejam eficazes. (2003, p. 87). No entanto como dito anteriormente, traz, no artigo 90, que, as entidades de atendimento serão responsáveis pela manutenção de suas próprias unidades, assim como, serão responsáveis pelo planejamento e execução de programas de proteção e sócioeducativos destinados ao adolescente em regime de internação. Também, o Estatuto da Criança e do Adolescente apresenta em seu artigo 94, um rol de obrigações relativas não só ao regime de atendimento como, também, ao próprio tratamento psicossocial e pedagógico, que devem ser seguidas pelas entidades responsáveis pelo cumprimento da medida de internação: Art. 94. As entidades que desenvolvem programas de internação têm as seguintes obrigações, entre outras: I – observar os direitos e garantias de que são titulares os adolescentes; II – não restringir nenhum direito que não tenha sido objeto de restrição na decisão de internação; III – oferecer atendimento personalizado, em pequenas unidades e grupos reduzidos; IV – preservar a identidade e oferecer ambiente de respeito e dignidade ao adolescente; V – diligenciar no sentido do restabelecimento e da preservação dos vínculos familiares; VI – comunicar à autoridade judiciária, periodicamente, os casos em que se mostrem inviável o impossível o reatamento dos vínculos familiares; 53 VII – oferecer instalações físicas em condições adequadas de habitabilidade, higiene, salubridade e segurança e os objetos necessários à higiene pessoal; VIII – oferecer vestuário e alimentação suficientes e adequados à faixa etária dos adolescentes atendidos; IX – oferecer cuidados médicos, psicológicos, odontológicos e farmacêuticos; X – propiciar escolarização e profissionalização; XI – propiciar atividades culturais, esportivas e de lazer ; XII – propiciar assistência religiosa àqueles que desejarem, de acordo com suas crenças; XIII – proceder a estudo social e pessoal de cada caso; XIV – reavaliar periodicamente cada caso, com intervalo máximo de seis meses, dando ciência dos resultados à autoridade competente; XV – informar, periodicamente, o adolescente internado sobre sua situação processual; XVI – comunicar as autoridades competentes todos os casos de adolescentes portadores de moléstia infecto-contagiosas; XVII – fornecer comprovante de depósito dos pertences dos adolescentes; XVIII – manter programas destinados ao apoio e acompanhamento de egressos; XIX – providenciar os documentos necessários ao exercício da cidadania àqueles que não os tiverem; XX – manter arquivo de anotações onde constem data e circunstância do atendimento, nome do adolescente, seus pais ou responsável, parentes, endereços, sexo, idade, acompanhamento da sua formação, relação de seus pertences e demais dados que possibilitem sua identificação e a individualização do atendimento. [...] § 2º - No cumprimento das obrigações a que alude este artigo as entidades utilizaram preferencialmente os recursos da comunidade. LIBERATI, explica que as orientações e obrigações elencadas no artigo 94, são explicativas, sugerem um roteiro que a entidade de atendimento deve seguir para o trato com os adolescentes internos, assim aduzindo: Por certo, as obrigações e orientações contempladas no art. 94, de forma explicativa, sugerem um roteiro que deverá seguir a entidade de atendimento que se propõe a adotar o regime de internação, no trabalho com crianças e adolescentes. Conclui-se, portanto, que as normas gerais para o funcionamento dos regimes de atendimento serão fixadas pelo Conselho de Direitos, através da lei municipal. O cumprimento dessas orientações ficará sob a responsabilidade das entidades governamentais e não-governamentais, que poderão buscar recursos na comunidade para a sua manutenção. (2003, p. 78). Assevera ainda, sobre o artigo 94, discorrendo que: “colocam -se em evidência as diferentes modalidades de assistência inerentes ao processo de acompanhamento e tratamento social: a assistência à saúde, a instrução escolar, o atendimento jurídico, a religião, a profissionalização, o lazer e esporte, a assistência familiar e o respeito com a pessoa em peculiar situação de desenvolvimento físico e mental. (LIBERATI. 2003, p. 78). Noutro ponto, também podemos encontrar a Resolução n. º 46, de 29 de outubro de 1996, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - CONANDA, que regulamenta a medida de privação de liberdade em alguns de seus artigos: 54 Art. 1º Nas unidades de internação será atendido um número de adolescentes não superior a quarenta. Art. 2º Em cada Estado da Federação haverá uma distribuição regionalizada das unidades de internação. [...] Art. 7º O descumprimento desta Resolução implicará o encaminhamento de representação ao Ministério Público para os procedimentos legais, além de outras sanções eventualmente cabíveis.(grifo nosso) Quanto à questão da regionalização dos Juizados da Infância e Juventude com competência de Execução de Medidas Sócio-Educativas privativas de liberdade, temos como exemplo positivo o Rio Grande do Sul, que vive interessante experiência: Visa a iniciativa gaúcha a garantir que as medidas privativas de liberdade sejam cumpridas pelo adolescente o mais próximo possível de sua cidade de origem, evitando a crônica centralização das internações na capital, problema de quase todos os Estados Federados.(João Batista Costa Saraiva. Medidas Sócioeducativas e o Adolescente infrator. Acesso: jullho 2004). Por não existir uma consolidação de normas que trate da execução da medida sócioeducativa de internação, achamos por bem citar algumas das Regras Mínimas da ONU para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade, as quais passaremos a expor em seguida. Comecemos pelo internamento como deve se proceder e como é feito o arquivamento dos dados do adolescente desde sua chegada até sua saída: 21. Em qualquer local em que se encontrem adolescentes detidos, deve ser mantido um registro completo e seguro das seguintes informações relativas a cada adolescente admitido: Informação sobre a identidade do adolescente; Os fatos e os motivos da detenção e a autoridade que a ordenou; O dia e hora da admissão, transferência ou libertação; Por adolescentes dos problemas conhecidos de saúde física ou mental, incluindo o abuso de droga e álcool. 22. As informações relativas à admissão, lugar e detenção, transferência e libertação devem ser fornecidas sem demora aos pais e tutores ou ao parente mais próximo do adolescente. 24. Na admissão, deve ser dada a todos os adolescentes uma cópia das regras que regem o estabelecimento de detenção e uma descrição escrita dos seus direitos e obrigações numa linguagem que ele possam perceber, [...]. 27. Logo que possível, após a sua admissão, casa adolescente deve ser entrevistado e deve ser elaborado um relatório psicológico e social que identifique quaisquer fatores relevantes quanto ao tipo de tratamento e programa de educação e de formação requeridos pelo adolescente. Este relatório, juntamente com o relatório elaborado pelo médico que examinou o jovem depois de sua admissão, deve ser enviado ao diretor, para fins de determinação da colocação mais apropriada do adolescente dentro do estabelecimento e do tipo de tratamento e programa de formação requeridos [...]. (Procuradoria Geral da República de Portugal, 1995). Quanto ao estabelecimento e suas repartições, podemos dizer que em todas as dependências e em todos os momentos e situações, devem ser satisfeitas as necessidades de higiene e segurança de ordem material, bem como relativas ao tratamento digno de pessoa 55 humana, que é o adolescente infrator. Sobre este assunto encontramos respaldo nestes itens do mesmo preceito internacional, que como regra geral, muito se assemelha com as regras seguidas nos estabelecimentos brasileiros: 33. As acomodações para dormir devem ser normalmente constituídos por dormitórios para pequenos grupos ou quartos individuais, tendo em conta os padrões locais [...]. Cada jovem deve receber, de acordo com os padrões locais ou nacionais, roupa de cama suficiente e individual, que deve estar limpa quando é entregue, mantida em boa ordem e mudada com a freqüência para assegurar a sua higiene. 34. As instalações sanitárias devem ser de um nível adequado e estar localizados de forma a permitir que cada adolescente possa satisfazer as suas necessidades físicas com privacidade e de um modo limpo e decente. 36. Na medida do possível, os adolescentes devem ter o direito a usar as suas próprias roupas. Os estabelecimentos devem assegurar que cada adolescente tenha roupa pessoal adequada ao clima e suficiente para manter em bom estado de saúde e que, de modo algum, seja degradante ou humilhante [...]. 37. Cada estabelecimento assegurará que todos os adolescentes recebam alimentação convenientemente preparada e servida às horas normais das refeições e de qualidade e quantidade que satisfaça as normas dietéticas, de higiene e de saúde e, tanto quanto possível, requisitos religiosos e culturais [...]. (Procuradoria Geral da República de Portugal, 1995). As Regras da ONU dispõe ainda, sobre os meios de reeducação, reinserção e garantias asseguradas aos adolescentes internos. Como a escolarização, pois, como sabemos, na maioria das vezes os internos nunca tiveram acesso a escola, ou se tiveram não lograram êxito nesta empreitada, o número da evasão escolar no Brasil é alarmante, por isso, eles devem ser impulsionados a ler, pois com a leitura de livros, revistas e jornais terão novas perspectivas de vida. Também devem ser preparados para o trabalho em sociedade, pois este dignifica o homem, como podemos constatar aqui: 38. Qualquer adolescente em idade de escolaridade obrigatória tem direito à educação adequada às suas necessidades e capacidades, com vista à preparação da sua reinserção na sociedade [...]. 41. Cada estabelecimento de detenção deve proporcionar o acesso a uma biblioteca que deve estar adequadamente equipada com livros, tanto instrutivos como recreativos e com publicações periódicas adequadas aos adolescentes, devendo estes ser encorajados e ter possibilidades de fazerem uso completo dos serviços da biblioteca. 42. Todo o adolescente deve ter direito a receber formação profissional suscetível de o preparar para a vida ativa. 45. Sempre que possível, deve dar-se aos adolescentes a oportunidade de realizarem trabalho remunerado, se possível na comunidade local, como complemento da formação profissional que lhes é ministrada com o fim de lhes proporcionar a possibilidade de encontrarem um trabalho conveniente quando regressam às suas comunidades. O tipo de trabalho deve ser de molde a fornecer formação apropriada que beneficie os adolescentes após a libertação [...]. 46. Todos os adolescentes que trabalham devem ter direito a uma remuneração eqüitativa [...]. (Procuradoria Geral da República de Portugal, 1995). 56 Serão garantidos ainda, aos adolescentes privados todos os meios adequados para que ele se reabilite e mantenha uma saúde estável, proporcionando-lhes meios suficientes para que aprendam a ponderar e distinguir entre seus atos, os que estão certos dos errados e quais as conseqüências que estes acarretam. Tornado-se possível com isso uma maior prevenção e ressocialização: 47. Todos os jovens devem ter direito diariamente a um período de tempo adequado para exercício ao ar livre, quando o tempo o permita durante o qual lhe devem ser normalmente proporcionados atividades físicas e recreativas adequadas [...]. 49. Todos os jovens deverão receber cuidados médicos adequados, tanto preventivos como terapêuticos, [...]. Todos estes cuidados médicos devem, sempre que possível, se proporcionado aos adolescentes detidos por meio das instituições e serviços de saúde apropriados da comunidade na qual o estabelecimento de detenção encontrase situado, de modo a prevenir a estigmatização do adolescente e a promover o respeito próprio e a integração na comunidade. 50. Todos os jovens têm o direito de ser examinados por um médico imediatamente após sua admissão no estabelecimento de detenção, com o fim de se registrar qualquer prova de mais tratos anteriores e identificar qualquer problema físico ou mental que requeira atenção médica. 55. Os medicamentos só devem ser administrados para tratamentos médicos necessários e, quando possível, depois de ser obtido o consentimento esclarecido do adolescente em causa [...].(Procuradoria Geral da República de Portugal, 1995). Também são garantidos aos internos o acesso a família, através de visitas, cartas e telefonemas. Os jovens recebem todos os tipos de informação para que sempre fiquem atualizados com o que ocorre no mundo fora dos portões do estabelecimento de internação, assim disposto: 59. Devem ser fornecidos todos os meios para assegurar a comunicação adequada dos adolescentes com o mundo exterior, o que constitui parte integrante do direito a um tratamento justo e humano e é essencial à preparação destes para a sua reinserção social. Os adolescentes devem ser autorizados a comunicar com as suas famílias, amigos e com membros ou representantes de organizações exteriores de renome, a sair das instalações de detenção para visitarem as suas casas e famílias e receberem autorização especial para sair do estabelecimento de detenção por razões imperiosas de caráter educativo, profissional ou outras. Se o adolescente estiver a cumprir uma pena, o tempo passado fora do estabelecimento deve ser contado como parte do período de pena. 60. Todos os adolescentes devem ter o direito de receber visitas regulares e freqüentes de membros da sua família, em princípio uma vez por semana e não menos do que uma vez por mês, em circunstâncias que respeitem a sua necessidade de privacidade, contato e comunicação sem restrição, com a família e o advogado de defesa. 61. Todos os adolescentes devem ter o direito de comunicar por escrito ou por telefone, pelo menos duas vezes por semana, com a pessoa da sua escolha, a menos que estejam legalmente proibidos de o fazer, e deve, se necessário, ser auxiliados a fim de gozarem efetivamente este direito. Todos os adolescentes devem ter direito a receber correspondência. (Procuradoria Geral da República de Portugal, 1995). 57 Os meios utilizados para contenção dos adolescentes são os mais brandos possíveis, não é permitido o uso de nenhum tipo de arma e muito menos força física contra os adolescente, só no caso de extrema necessidade se faz necessário uso de meios coercitivos para assegurar ao próprio interno sua integridade física, como podemos constatar a base da execução está nas Regras da ONU: 64. Os instrumentos de coação e o uso da força só podem ser usados em casos excepcionais, quando o recurso a outros métodos de controle se tiver revelado inoperante, e só nos termos explicitamente autorizados e especificados na lei e regulamentos. Não devem causar humilhação ou degradação e devem ser usados restritivamente e a penas durante o período estritamente necessário. Por ordem do diretor da administração, estes instrumentos podem ser empregados para impedir o jovem de se ferir a si mesmo, ferir outros ou causar séria destruição de propriedade. em tais circunstâncias, o diretor deve consultar imediatamente o médico e outro pessoal relevante e participar o caso à autoridade administrativa hierarquicamente superior. 65. O porte e uso de armas pelo pessoal deve ser proibido em qualquer estabelecimento onde estejam detidos adolescentes. 67. Serão estritamente proibidas todas as medidas disciplinares que se traduzam num tratamento cruel, desumano ou degradante, tais como castigos corporais, colocação numa cela escura, num calabouço ou em isolamento, ou qualquer outro castigo que possa comprometer a saúde física ou mental do adolescente em causa. A redução de alimentação e a restrição da recusa de contato com os membros da família devem ser proibidas, seja quais forem as razões. O trabalho deve ser sempre visto como um instrumento educativo e um meio de promover o auto-respeito do adolescente preparando-o para o regresso à comunidade e não deve ser imposto como sanção disciplinar. Nenhum adolescente deve ser punido mais do que uma vez pela mesma infração disciplinar. Devem ser proibidas sanções coletivas. Neste sentido, temos que esclarecer que cada estabelecimento deve possuir um Regimento Interno, onde constam suas normas de formação e funcionamento, bem como sua função. Dentro destas normas, encontramos as medidas disciplinares, que nada mais são que regras educativas de cunho ressocializador impostas ao adolescente que pratica alguma indisciplina, como podemos averiguar através dos itens abaixo: 68. A legislação ou regulamentos adotados pela autoridade administrativa competente devem estabelecer normas referentes aos seguintes aspectos, tendo em com as características, necessidades e direitos fundamentais dos adolescentes: a) Conduta que constitui uma infração disciplinar; b) Natureza e duração das sanções disciplinares que podem ser impostas; c) A autoridade competente para impor essas sanções; d) A autoridade competente para apreciar os recursos; 81. O pessoal deve ser qualificado e incluir um número suficiente de especialistas tais como educadores, técnicos de formação profissional, conselheiros, assistentes sociais, psiquiatras e psicólogos. (Procuradoria Geral da República de Portugal, 1995). No que tange, a adequada implantação do sistema de execução das medidas sócio– educativas, pode-se afirmar que ainda é um processo em curso, lento, porém com mudanças positivas no que diz respeito as instituições e programas pedagógicos. 58 Há necessidade de uma regulamentação, em complemento ao Estatuto da Criança e do Adolescente, na qual sejam definidos e estabelecidos os limites e responsabilidade de cada autoridade que participa do trato com o adolescente infrator. Assim, é oportuna a existência de uma lei especifica que regule a execução das medidas. 3.3.1 Dos Direitos Reservados ao Adolescente Internado Em uma breve explanação comparativa, LIBERATI dispõe acerca dos direitos relativos aos adolescentes privados de liberdade: Ao contrário do Código de Menores, que não reconhecia o direito do adolescente de ter direitos, a nova lei coloca-o como sujeito desses direitos e centro das prioridades sociais. Não se esquece, porém, de que, ao interferir no relacionamento social, desestruturando-o, ele é chamado à responsabilidade e recebe a orientação necessária para recompor-se. (2003, p. 121). O adolescente infrator, privado de liberdade possui direitos, estes direitos encontramse em um rol exemplificativo no artigo 124 do Estatuto da Criança e do Adolescente, e assim, estão dispostos: Art. 124 – São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes: I – entrevistar-se pessoalmente com o representante do Ministério Público; II – peticionar diretamente a qualquer autoridade; III – avistar-se reservadamente com seu defensor; IV – ser informado de sua situação processual, sempre que o solicitar; V – ser tratado com respeito e dignidade; VI – permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou responsável; VII – receber visitas, ao menos semanalmente; VIII – corresponder-se com seus familiares e amigos; IX – ter acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal; X – habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubridade; XI – receber escolarização e profissionalização; XII – realizar atividades culturais, esportivas e de lazer; XIII – ter acesso aos meios de comunicação social; XIV – receber assistência religiosa, segundo a sua crença, e desde que assim o deseje; XV – manter a posse de seus objetos pessoais e dispor de local seguro para guardálos, recebendo comprovante daqueles porventura depositados em poder da entidade; XVI – receber, quando de sua desinternação, os documentos pessoais indispensáveis à vida em sociedade. § 1º Em nenhum caso haverá incomunicabilidade. § 2º A autoridade judiciária poderá suspender temporariamente a visita, inclusive de pais ou responsáveis, se existirem motivos sérios e fundados de sua prejudicialidade aos interesses do adolescente. 59 Neste passo, traz-se a baila as Regras das Nações Unidas para Proteção de Jovens Privados de Liberdade que são os alicerces de sustentação dos direitos reservados aos adolescentes que estão privados de sua liberdade: 13. Os adolescentes privados de liberdade não devem, por força do seu estatuto de detidos, ser privados dos direitos civis, econômicos, políticos, sociais ou culturais de que gozem por força da lei nacional ou do direito internacional, e que sejam compatíveis com a privação de liberdade. 12. A privação da liberdade deve ser efetuada em condições e circunstâncias que assegurem o respeito pelos direitos humanos dos adolescentes. Os adolescentes detidos devem poder exercer uma atividade útil e seguir programas que mantenham e reforcem a sua saúde e o respeito por si próprios, favorecendo o seu sentido de responsabilidade e encorajando-os a adotar atitudes e adquirir conhecimentos que os auxiliarão no desenvolvimento do seu potencial como membros da sociedade. 31. Os adolescentes privados de liberdade têm direito a instalações e serviços que preencham todos os requisitos de saúde e dignidade humana. (Procuradoria Geral da República de Portugal, 1995). Segundo MÁRIO VOLPI, a contenção não é em si a medida sócio-educativa, é a condição para que ela seja aplicada. De outro modo, ainda, a restrição da liberdade deve significar apenas limitação do exercício pleno do direito de ir e vir e não a outros direitos constitucionais, condição para sua inclusão na perspectiva cidadã. (1999, p. 28). Temos, portanto, que são vários os direitos e as garantias asseguradas ao adolescente interno, prezando principalmente pela sua condição de pessoa em desenvolvimento, visando, assegurar e restabelecer sua cidadania, através da aplicação de propostas pedagógicas que lhe proporcionaram desenvolvimento físico, mental e social, ensinado-lhe que é sujeito de direitos e tem que ser tratado com dignidade. 3.3.2 Caráter Pedagógico As medidas sócio-educativas são em suma, sanções de caráter pedagógico, sem caráter punitivo. Seu objetivo primordial é a reeducação e posterior reinserção social do adolescente autor de ato infracional, que foi privado por certo tempo de sua liberdade. Neste sentido, VOLPI declara: “as medidas sócio -educativas previstas para o adolescente não possuem caráter punitivo, visando antes, a reinserção social, mediante o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários”. (1999, p. 67). Segundo, MIRELE ALVES BRAZ, as medidas sócio-educativas têm como função base a preparação do adolescente, o que consiste tanto na tentativa de fazê-lo repensar seus atos, como ensinar-lhe seus direitos e valores, na maioria das vezes deturpados: 60 Em face da doutrina da proteção integral, preconizada pelo Estatuto em seu art. 1º, temos que as medidas aplicáveis possuem como desiderato principal demonstrar o desvalor da conduta do adolescente e afasta-lo da sociedade num primeiro momento, como medida profilática e retributiva, possibilitando-lhe reavaliação da conduta e recuperação, preparando-lhe para a vida livre, a fim de que num segundo momento, seja re-inserido na sociedade. Não se trata de pena, embora presente o caráter retributivo, pois o objetivo e natureza da medida sócio–educativa não é punir, mas primordialmente ressocializar. (in Os Princípios orientadores da medida sócio-educativa e sua aplicação na execução. 2001, Acesso 2004). Neste mesmo linear, HENRIQUETA SCHARF VIEIRA, dispõe: Tal fato é extremamente benéfico e demonstra que há uma preocupação crescente da Justiça da Infância e Juventude, sobretudo do Ministério Público, em atender aos objetivos precípuos das medidas sócio-educativas, tirando-lhe qualquer sentido de “pena”, para se buscarem os aspectos pedagógicos. (1999, p. 55). A proposta trazida pelas medidas sócio-educativas é uma só, a pedagógica. Pois, o legislador quando da elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente deixou bem clara sua intenção, a reeducação. Através de propostas pedagógicas impostas aos adolescentes que praticassem atos infracionais, chegar-se-ia ao fim almejado, tanto que incluiu até mesmo os internados provisoriamente na categoria que deveria participar dos programas educacionais, para JOÃO BATISTA COSTA SARAIVA: A propósito dessa medida privativa de liberdade – internação na linguagem da lei -, o que a distingue fundamentalmente da pena imposta ao maior de 18 anos é que, enquanto aquela é cumprida no sistema penitenciário – que todos sabem o que é, nada mais fazendo além de encarcerar – onde se misturam criminosos de todas as espécies e graus de comprometimento – aquela há que ser cumprida em um estabelecimento próprio para adolescentes infratores, que se propõe a oferecer educação escolar, profissionalização, dentro de uma proposta de atendimento pedagógico e psicoterápico, adequados a sua condição de pessoa em desenvolvimento. Daí não se cogitar de pena, mas sim, medida sócio-educativa, que não se constitui em um simples recurso eufêmico da legislação.(in A idade e as razões: não ao rebaixamento da imputabilidade penal. Acesso: junho 2004). Aos olhos do respeitável Promotor de Justiça do Estado de Santa Catarina, GERCINO GERSON GOMES NETO: Equivocam-se os Promotores e Juizes que pensam que as medidas são punitivas e ao fazerem isto fogem dos objetivos do ECA quando as aplicam desta maneira, ferindo, inclusive, o art. 228 da Constituição da República. A leitura do ECA é sistêmica, sempre e no caso especifico dos atos infracionais também, o que leva a compreensão de que não é pena. Os defensores desta forma equivocada de aplicar o ECA e os defensores da implantação do direito penal juvenil no Brasil partem de uma premissa errada, ou seja, de que a sanção sócio-educativa é pena, quando é gênero da espécie sanção. (2001, p. 18). 61 Nesse aspecto, ANTÔNIO LUIZ RIBEIRO MACHADO, que já presidiu a FEBEM/SP, alerta que há uma grande diferença entre a ultrapassada metodologia da força, utilizada nos centros de internamento e a atual, que preconiza o caráter pedagógico: A moderna pedagogia que orienta o tratamento do menor autor de infração penal, a tradicional disciplina imposta pela força e pela coação, deve ser substituída por um amplo processo que leve o menor a descobrir o se próprio valor e, conscientemente, passe a orientar as conduta segundo as normas de autodisciplina e de autocontrole, tendentes à ressocialização. Em suma, a verdadeira terapia deve visar: a) à formação de uma personalidade sadia, despertando no menor a autoconfiança e auto-estima; b) ao domínio da agressividade; C) à sua readaptação social. (apud LIBERATI. 2003, p. 115). Neste passo, cabe mencionar NÉLSON HUNGRIA quando tece alguns Comentários de ao Código Penal de 1940, expondo uma realidade: “Não dev emos crer no fatalismo da delinqüência. O próprio adulto inveterado na trilha do crime é corrigível, pois, como diz Saldaña, não é ele uma pedra; [...] é preferível sem dúvida, tentar corrigi-lo por meios pedagógicos”. (apud VOLPI. 1997, p. 135). Frisa-se, então, que a medida sócio-educativa de internação, impõe uma responsabilidade estatutária juvenil ao infrator, de cunho eminentemente pedagógico, ou seja, o objetivo primordial da medida é educar e ressocializar, prevenindo a prática de condutas anti-sociais, e principalmente afastando o problema da reincidência. Por fim, questão de suma importância, é em relação aos profissionais que trabalham nas entidades de internação, é preciso que sejam treinados para dar apoio aos adolescentes, pois, o ideal é que a entidade seja dotada de profissionais especializados, com propostas pedagógicas, pautadas em critérios de criminologia e psicologia, para permitir a reeducação do adolescente infrator. 3.4 FINALIDADE DA MEDIDA Antes de falar da reeducação do adolescente infrator, que é o objetivo principal das medidas sócio-educativas, é de suma importância falar de educação, pois, afinal, é quase que impossível reeducar adolescentes que nunca receberam nenhum tipo de educação. Contudo, não é novidade para todos, que as crianças e adolescentes brasileiros precisam de educação. A proposta do ECA só vem complementar, posto que, para efetivação de um sistema educativo capaz de instruir e prevenir a delinqüência juvenil, e ainda no caso da prática do 62 crime, garantir que o adolescente não volte a delinqüir, é a melhor proposta para amenizar o problema criminal juvenil do país. Dentre os direitos fundamentais consagrados à infância e juventude, como lembra OLYMPIO DE SÁ SOTTO MAIOR NETO, “avulta em significado a educação, considerando-se que o sistema educacional, ao lado da família, constitui-se em importante meio de socialização do ser humano”. (2001, p. 58). Assim, se as medidas sócio-educativas, forem adequadamente colocadas em funcionamento, podem ser eficazes diante dos atos infracionais. Porém, para a implementação efetiva da proposta, é preciso uma operacionalização dos órgãos relacionados à Infância e Juventude. Como alerta JOSIANE ROSE PETRY VERONESE, para uma efetiva ressocialização do interno é a necessário que: Todas as figuras que atuam no processo de apuração de ato infracional praticado por adolescente, seja o juiz, o advogado, o promotor de justiça (este último é o responsável pela representação), todos convergem ou devem convergir em favor deste adolescente infrator, na busca da melhor medida a ser aplicada, levando em consideração as circunstâncias em que ocorreu o ato delituoso e as condições do agente (biológicas, psíquicas e sociais). (1997, p. 101). Ou seja, é preciso que todos as autoridades, desde o policial que surpreende o adolescente cometendo o crime, até o monitor da entidade de internação, comprometam-se com a Doutrina da Proteção Integral e com as normas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, procurando sempre zelar pelo respeito à condição de pessoa em desenvolvimento, ajudando no processo de reeducação. Como alertou CLÁUDIO AUGUSTO VIEIRA DA COSTA, “isso envolve todo o sistema previsto no Estatuto, desde aquele que em primeiro lugar entra em contado com o adolescente, passando pelo Sistema Judiciário, pelo Ministério Público, pelas Unidades Executoras, assim como todos os profissionais envolvidos”. (ABONG. 2001, p. 20). Sobre o assunto, adverte MÁRIO VOLPI: [...] é necessária a integração operacional dos órgãos do Judiciário, Ministério Público, Segurança Pública e Assistência social, preferencialmente no mesmo local, para efeito de agilização do atendimento e garantia dos direitos processuais ao adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional. (1999, p. 18). Ainda, neste ponto, HENRIQUETA SCHARF VIEIRA, expõe que o problema da delinqüência juvenil talvez possa ser enfrentado com poucos recursos materiais, caso haja um conhecimento adequado, reflexão e vontade política. A autora conclui que: “De uma tomada 63 plena de consciência sobre a importância deste tema depende, em parte, o futuro de nossa democracia”. (1999, p. 17). Lembra ainda, que vigora na sociedade a idéia de que as entidades de internação seriam “pré -escolas” para o crime, e que a passagem pela Justiça da Infância e da Juventude antecede a prisão quando o adolescente torna-se imputável penalmente. Contudo, expõe que essa idéia é falsa, como comprovou em sua pesquisa, constatando que o índice de reincidência, após alcançar a maioridade penal, é de 8,86%: Verifica-se [...] que apenas 8,86% dos cidadãos recolhidos nas penitenciárias e presídios catarinenses que prestaram as informações solicitadas, tiveram passagem pela Justiça da Infância e Juventude, quando adolescentes [...] Na verdade, o número de presos que tiveram passagem pela Justiça da Infância e Juventude, enquanto adolescentes, é relativamente baixo, contrariando o pensamento generalizado de que a delinqüência juvenil leva obrigatoriamente ao crime (VIEIRA, 1999, p.21). O resultado da pesquisa demonstra que as medidas sócio-educativas de internação possuem eficácia, pois estando apoiadas em caráter pedagógico, afastam o adolescente infrator da prática de novos crimes. Na realidade, o Estatuto da Criança e do Adolescente disponibiliza um leque opções de caráter retributivo e pedagógico, para o enfrentamento da delinqüência juvenil, apto a, como explica JOÃO BATISTA COSTA SARAIVA, “trazer a resposta que a sociedade almeja enquanto instrumento de segurança pública, bem como propondo paralelamente, a construção de políticas básicas fundamentais de caráter preventivo”. (2002 b, p. 50). Sobre a opinião de que a prevenção é a melhor solução para o problema da delinqüência, temos as palavras de MARIO VOLPI: Estabelecer em lei apenas punição aos crimes e esquecer as medidas de ressocialização não vai diminuir a violência. O controle do delito se faz através de um conjunto de atividades de caráter pedagógico, impostas coercitivamente pelo ECA, que reorganizem a vida do jovem infrator de maneira que ele possa perceber a importância do respeito ao bem comum.(apud MÔNICA RODRIGUES CUNEO. Ininputabilidade não é impunidade derrube este mito diga não à redução da idade penal. Acesso: julho 2004). Para PAULO AFONSO GARRIDO DE PAULA a internação tem finalidade educativa, como assevera a seguir: “ A internação tem finalidade educativa e curativa, É educativa quando o estabelecimento escolhido reúne condições de conferir ao infrator escolaridade, profissionalização e cultura, visando a dotá-lo de instrumentos adequados para enfrentar os desafios do convívio social”. ( apud LIBERETI. 2003, p. 115). 64 FLÁVIO AMÉRICO FRASSETO in Punição: Paradoxo de Uma Sociedade Democrática declara que: À pena agrega-se, além da finalidade de intimidação geral, expiação da culpa e do restabelecimento da ordem, o escopo de defesa social através sobretudo na ação direta sobre infrator dotado de periculosidade, buscando educar os imaturos, corrigir os desviados, neutralizar os incorrigíveis, tratar os doentes. (Acesso 2004). Psicólogo e membro da CODEPSI – Cooperativa de Psicólogos, MARCO ANTÔNIO LOBATO tece algumas considerações sobre o atendimento psicossocial e a medida sócio-educativa de internação, relatando que: No CAI-Belfort Roxo – DEGASE – RJ, unidade que inicialmente prestava atendimento a oitenta internos, vislumbrou-se nos seus melhores momentos a mudança de paradigma no atendimento ao adolescente interno. Mesmo que estivéssemos longe de atingir a excelência o atendimento técnico semanal ao interno e sua família, a distenção da relação agente/interno, a escolarização e a inserção do adolescente em atividades culturais, trouxe poucos, mas bons resultados. Neste sentido a humanização do atendimento ao adolescente interno, visando a relação do sujeito de direitos e deveres, mesmo a nível de internação, poderia ser considerada preventiva já que se trata de adolescentes que, em sua grande maioria, são principiantes em suas relações com o crime organizado. (O atendimento psicossocial e a medida sócio-educativa de internação. Acesso 2004). Os adolescentes privados de liberdade com medida sócio-educativa de internação freqüentam a escola que funciona dentro do Centro de Internação, onde também, são oferecidas algumas atividades lúdicas, como música, artes, culinária, artesanato, marcenaria, fitoterapia entre outras, uma vez que o objetivo da medida é promover o desenvolvimento do adolescente, também são disponibilizados cursos de formação profissional aos internos, cursos que são convênios firmados com instituições públicas e privadas. Este trabalho faz valer o Estatuto em sua essência, promovendo o desenvolvimento do adolescente, pela oportunidade de proporcionar-lhes saúde, educação, bem-estar, segurança e dignidade. Pontos estes, primordiais para a ressocialização do interno, visando sempre a volta ao convívio familiar. No ponto de vista de MÔNICA RODRIGUES CUNEO: Enquanto pessoa ainda em desenvolvimento e amadurecimento físico, psicológico e emocional, merece, além de uma simples censura e afastamento do convívio social, por meio da aplicação de penas essencialmente retributivas, a oportunidade de, através de medidas profiláticas, mudar seu comportamento, buscando o Estatuto a recuperação e (re)inserção do adolescente à sociedade, com o resgate de sua cidadania e fortalecimento de seus vínculos familiares e comunitários. (Op. cit., Acesso: julho 2004). 65 Neste ponto, penso que demonstrado ficou, que o ECA traz solucões para os problemas sociais juvenis do país, é suficientemente severo no que tange às conseqüências jurídicas que decorrem da prática de atos infracionais. O que está faltando é uma política pública que disponibilize a implantação de todos os projetos existentes na área da Infância e Juventude. Assim, nem de longe se deve cogitar as hipóteses de mudança da lei, pois isso em nada ajudaria. Não precisamos alterar a normas já existente, precisamos sim, de uma lei que venha complementar a execução das medidas, bem como recursos, pessoas e vontade de ajudar ao próximo. 3.4.1 Do Egresso Urge mencionar aqui, como um sub-título da finalidade da medida, o caso dos egressos. Pois, em suma, são eles que farão ser alcançado o fim almejado pela mesma. O art. 94, do Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu inciso XVIII,expõe que as entidades de internação devem manter o apoio aos adolescentes desligados da medida, assim dispondo: Art. 94. As entidades que desenvolvem programas de internação têm as seguintes obrigações, entre outras: [...]; XVIII – manter programas destinados ao apoio e acompanhamento de egressos; [...]. Significa, que após cumprir o prazo de internação e ser colocado em liberdade, o adolescente deve continuar a receber um acompanhamento pela entidade na qual se encontrava, a fim de que se assegure sua ressocialização, com vistas a reduzir a reincidência no cometimento de atos infracionais, que conseqüentemente farão seu reingresso no programa de internação. Alguns itens específicos sobre a matéria dos egressos, estão disciplinados nas Regras das Nações Unidas para Proteção de Jovens Privados de Liberdade, objetivam fortalecer o caráter e a personalidade dos adolescentes, fazendo-os aprender algo para que se mostrem útil perante a si e seus colegas, como os que citamos a seguir: 79. Todos os jovens devem beneficiar de medidas destinadas a auxiliá-los no seu regresso à sociedade, à vida familiar, à educação ou emprego, depois da libertação. Com este fim devem ser concebidos procedimentos, que incluem a libertação antecipada e a realização de estágios. 66 80. As autoridades competentes devem criar ou recorrer a serviços para auxiliar os adolescentes a reintegrarem-se na sociedade e para diminuir os preconceitos contra eles. Estes serviços devem assegurar, até ao limite possível, que os adolescentes disponham de alojamento, emprego e vestuário adequado e de meios suficientes para se manterem depois da libertação, a fim de facilitar uma reintegração bem sucedida. Os representantes de organismos que fornecem tais serviços devem ser consultados e ter acesso aos adolescentes. (Procuradoria Geral da República de Portugal, 1995). Assim, constatamos que para uma efetiva reeducação e reinserção social, é necessário que se dê aos jovens liberados meios de se auto-sustentar e viver dignamente, meios estes de garantir que siga uma vida voltada ao convívio social. SÔNIA ALTOÉ adverte que a maneira como se procede o desligamento do jovem é fundamental para que ele possa dar encaminhamento a sua vida: Se isto não ocorrer, será fácil ver toda a tentativa de trabalho de atendimento no internato ser pouco útil, e a chance de que este indivíduo repita atos infracionais será enorme. Este serviço deve também levar em conta a possibilidade de egressos voltarem e requisitarem algum tipo de apoio. Sempre que possível, deve ser encorajada ao egresso a possibilidade de apoio e acompanhamento que o programa puder oferecer para auxiliá-lo a enfrentar as dificuldades com que provavelmente se defrontará ao sair do internato. (2002, p. 296). Talvez, seja utopia, mas o único meio de reintegrar e reeducar a nossa juventude delinqüente é propondo tratamento pedagógico e psicológico, pois, se não for assim, não será de outra forma. Demonstrado está que violência gera violência. Portanto, não será com penas de caráter punitivo ou redução da idade penal, que vamos mudar a mentalidade destes jovens, a prevenção é a solução, se não for acontecerá um retrocesso desmedido e o país perderá sua fonte, ou seja, o que será de um país que tem seus jovens perdidos, sem rumo ou trancafiados em calabouços penitenciários. 67 CONSIDERAÇÕES FINAIS Através desta monografia, foi realizado um estudo sobre a responsabilização penal do adolescente infrator, analisando cronologicamente as disposições legais e institutos criados na área da criança e do adolescente, bem como as medidas sócio-educativas, e a falsa ilusão de impunidade do adolescente infrator. Com o desenrolar da História e o aperfeiçoamento das legislações, foram sendo elaboradas regras específicas para a proteção da infância e da adolescência, sendo que desde as primeiras civilizações o homem demonstrou sua preocupação em tratar de forma diferenciada a proteção e a responsabilização das crianças e dos adolescentes. Evidenciou-se que a política de atendimento aos direitos da criança e adolescente, no que tange ao adolescente autor de ato infracional, deve acatar os princípios da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Infância e da Juventude e para a Proteção de Jovens Privados de Liberdade. E de acordo com a Doutrina da Proteção Integral, prevista inicialmente no art. 227, da Constituição Federal e servindo como fundamento para o ECA, todos os direitos da criança e do adolescente devem ser reconhecidos, sendo que estes direitos são especiais, principalmente pela condição que os adolescentes infratores ostentam de pessoas em desenvolvimento. Com base nas pesquisas e estatísticas estudadas sobre o assunto e por vários dos autores consultados, concluiu-se que os motivos que levam o adolescente a cometer atos infracionais resultam dos problemas econômicos, sociais e culturais, bem como pela influência de amigos, a evasão escolar, o uso de drogas e a pobreza, indicando assim as áreas que as políticas públicas devem atuar com maior urgência. O ECA, além de prever a proteção integral, elevou o adolescente a categoria de responsável pelos atos considerados infracionais que cometer, através da aplicação das medidas sócio-educativas. As medidas sócio-educativas comportam aspectos de natureza educativos, no sentido da proteção integral, com oportunidade de acesso à formação educacional e à informação social. 68 A internação, para que obtenha a efetividade que o ECA determina, depende de projetos pedagógicos e de instituições adequadamente preparadas para receber o adolescente infrator. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada 06 (seis) meses. Em nenhuma hipótese o período máximo de internação pode exceder a 03 (três) anos. Atingido o limite estabelecido no parágrafo anterior, o adolescente deve ser liberado, colocado em regime de semiliberdade ou de liberdade assistida. Em qualquer hipótese a desinternação é precedida de autorização judicial, ouvido o Ministério Público. A medida de internação só pode ser aplicada quando: tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; por reiteração no cometimento de outras infrações graves; por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta. O prazo de internação na hipótese do descumprimento de medida não pode ser superior a 03 (três) meses. Em nenhuma hipótese pode ser aplicada a internação, havendo outra medida adequada. A internação deve ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração. Durante o período de internação, inclusive provisória, são obrigatórias atividades pedagógicas. Com relação à educação, sugere-se que o ensino seja capaz de ir além dos seus principais objetivos, através de uma estrutura que garanta que a delinqüência não seja a única chance de mudar de vida para todos os adolescentes infratores. Para tanto, é preciso a valorização do profissional da educação, por meio da capacitação e da justa remuneração, a integração escola, família e comunidade, o estímulo da implantação da escola de tempo integral, e assegurar um aumento progressivo dos investimentos nesse setor. Outro grande desafio é a universalização dos programas e ações de cultura, esporte e lazer na integração com as demais políticas, como direito que deve ser assegurado no processo de desenvolvimento de todas as crianças e adolescentes. 69 O mais importante é o desenvolvimento de projetos, com modelos alternativos, primando pelo atendimento individualizado, através da interdisciplinaridade, aproximando-se mais da estrutura da família. É necessária ainda a integração operacional dos órgãos do Judiciário, Ministério Público, Segurança Pública e Assistência social, bem como o aperfeiçoamento de todos os integrantes, desde o policial que surpreende o adolescente praticando o ato infracional, até o monitor da entidade de internação. Ademais, com base no art. 94, inciso XVIII, do ECA, as entidades que desenvolvem programas de internação devem manter programas destinados ao apoio e acompanhamento de egressos, o que significa que após cumprir o prazo de internação o adolescente deve receber um acompanhamento pela entidade, a fim de assegurar a ressocialização. Através do acompanhamento dos adolescentes que cumpriram a medida sócioeducativa de internação, será promovido o processo do retorno à sociedade, com vistas a reduzir a reincidência no cometimento do ato infracional. Por fim, espera-se que esta monografia possa servir para alertar sobre a necessidade urgente da desmistificação da falsa ilusão de impunidade e o reconhecimento de que o adolescente infrator é uma pessoa em desenvolvimento, capaz de ser reconduzido ao convívio social e de se tornar útil à sociedade. 70 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALEXANDRE, Alessandro Rafael Bertollo de. O Conceito de Crime. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, m 62, fev. 2003. Disponível em: http: //1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3705. Acesso em jun. 2004. BARROSO FILHO, José. Ato infracional; Sentenças e normas pertinentes. Estatuto da Criança e do Adolescente. Declaração Universal dos Direitos da Criança. Regras Mínimas da ONU para Administração da Justiça e da Juventude e para Proteção dos Jovens Privados de Liberdade. Belo Horizonte: Nova Alvorada, 1997. BARROSO FILHO, José. Do ato infracional . Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 52, nov. 2001. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2470>. Acesso em: 03 set. 2004. BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. 15 ed. Emenda Constitucional n. 30/2000. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2000. _______. Lei n.º 8.069 de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Florianópolis: Secretária de Estado da Justiça e Cidadania – Diretoria de Proteção à Criança e ao Adolescente, 2001. _______. Novo Código Civil – Lei n. º 10.406, de 10-1-2002. 2 ed. São Paulo: Editora Atlas S. A, 2003. COSTA, Antônio Carlos Gomes da. De menor a cidadão-criança e cidadão-adolescente. Bahia, 1990. COSTA, Antônio Carlos da. in CURY, Munir. AMARAL E SILVA, Antônio Fernando do. MENDEZ, Emílio Garcia. (Coordenadores). Estatuto da Criança e do adolescente Comentado – Comentários Jurídicos e Sociais. São Paulo: Malheiros, 1992. 71 CURY, Munir; et al. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: comentários jurídicos e sociais. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2002. COLPANI, Carla Fornari. A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 162, 15 dez. 2003. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4600>. Acesso em: 02 set. 2004. DELMANTO, Celso. Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Junior, Fábio Machado de Almeida Delmanto. Código Penal Comentado. 5 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. FONACRIAD, João Batista Saraiva, Rolf Koerner Junior, Mário Volpi (org.). Adolescentes Privados de Liberdade. A Normativa Nacional e Internacional & Reflexos acerca da Responsabilidade Penal. São Paulo: Cortez, 1997. LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. LIMA, Miguel Moacyr Alves de. In CUURY, Munir. AMARAL E SILVA, Antônio Fernando. MENDEZ, Emílio Garcia. (Coordenadores). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado – comentários jurídicos e sociais. São Paulo: Malheiros, 1992. MENDEZ Emilio Garcia.Cadernos de Direito da Criança e do Adolescente. 2 ed.. São José-SC: ABPM, 1998. Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Procuradoria Geral de Justiça. Centro das Promotorias da Infância. Organizado por Henriqueta Scharf Vieira. Perfil do adolescente infrator no estado de Santa Catarina. n. 3. Florianópolis: Cadernos do Ministério Público, 1999. MUCCILO, Jorge. O Menor e o Direito. Doutrina, legislação e jurisprudência. Porto Alegre: Agir, 1961. NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 4. ed. rev. aum. e atual. São Paulo: Saraiva, 1996. 72 PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica. Florianópolis: OAB/SC Editora, 1998. PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Menores, direito e justiça: apontamentos para um novo direito das crianças e adolescentes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Direito da Criança e do Adolescente e Tutela Jurisdicional Diferenciada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. PRADE, Péricles. Direitos e Garantias Individuais da Criança e do Adolescente. Florianópolis: Obra Jurídica, 1995. Regras das Nações Unidas para Proteção de Jovens Privados de Liberdade Procuradoria Geral da República de Portugal. Compilação das Normas e Princípios das Nações Unidas em Matéria de Prevenção do Crime e de Justiça Penal, Lisboa, 1995. SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente em Conflito com a Lei – Da indiferença à proteção integral: Uma abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente e Ato Infracional: Garantias Processuais e Medidas Sócio-educativas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002 a. ______. Desconstruindo o Mito da Impunidade: Um Ensaio de Direito (Penal) Juvenil. Brasília: CEDEDICA, 2002 b. ______. Adolescente em Conflito com a Lei – da indiferença à proteção integral: Uma abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 18 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001. SILVA, Roberto da. A construção do Estatuto da Criança e do Adolescente. In: Âmbito Jurídico, agosto/2001 [Internet] http://www.ambitojurídico.com.br/aj/eca0008.htm. Acesso em janeiro/2004. 73 SMANIO, Gianpaolo Poggio. Interesses Difusos e Coletivos. 3ed. São Paulo: Atlas, 1999. SOUZA, Sérgio Muniz de. A lei tutelar do menor. Coletânea atualizada de leis, decretosleis, decretos, portarias e outros atos administrativos referentes a menores. Rio de Janeiro: Agir Editora, 1958. TAVARES, José de Farias. Direito da Infância e da Juventude. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. TAVARES, José de Farias. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. ______. Direito da Infância e da Juventude. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. In: Anais da X Semana de Estudos do Problema do Menor, São Paulo, 1971. VERONESE, Josiane Rose Petry. Os Direitos da Criança e do Adolescente. São Paulo: LTr, 1999. ______. Temas de Direito da Criança e do Adolescente. São Paulo: LTr, 1997. VIEIRA, Henriqueta Scharf. Perfil do adolescente infrator no Estado de Santa Catarina. Cadernos do Ministério Público. Florianópolis: nº 03, Assessoria de Imprensa da Procuradoria Geral de Justiça, 1999. VOLPI, Mario (Org.). O Adolescente e o Ato Infracional. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1999. MELO, Sírley Fabiann Cordeiro de Lima. Breve análise sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 45, set. 2000. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=1645>. Acesso em: 18 ago. 2004.