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Isso Não É Um Artigo
O autor é poeta e filósofo
Era sábado, como de costume, caminhava, afinal apenas os pensamentos que
temos caminhando valem de alguma coisa, lendo Nietzsche na Beira Rio. De
repente, o susto: ao erguer os olhos da página encontro estendida, na Ponte de
Ferro, uma faixa, que apontando para o Rio Itajaí-Açu, dizia: ISSO NÃO É UM
COCÔ.
Fiquei estarrecido. Imóvel. Assombrado. Entre os urros fetichizados e pueris
das bandas locais; entre as pinceladas codificadas e normativas das associações
de artistas plásticos alguém teve a coragem de produzir arte contemporânea
em Blumenau.
Em 1926 o artista Belga René Magritte presenteou a humanidade com o seu:
Ceci n'est pas une pipe: Isso Não É Um Cachimbo. Intervenção analisada por Michel
Foucault em livro com o mesmo título. Na obra, o artista faz falar o
desconforto da inexatidão, desconforto próximo àquele das inclusões sociais,
das proteções ecológicas que estão para além de estética da beleza.
Na intervenção da ponte, além de acolher a feiúra dos erros, dos limites e das
ausências – valores éticos frente ao mundo e aos seus desafios subjacentes que
clamam teimosamente para serem lembrados – o que achei mais interessante
foi a sutil ironia com relação as necessidades privadas de todos nós.
Cada vez mais a Vida Privada nega espaço à Vida Coletiva. Mais que isso as
necessidades privadas estão – literalmente – cagando no Coletivo.
Se o Rio ainda é de todos, o Homem Privada entende que ele não é de
ninguém. Alias, o Homem privada só consegue conjugar dois verbos para o
território coletivo: privatizar e destruir.
E atenção, pois o melhor vem agora. Deste lugar público, onde a faixa pairava,
um grupo – aproximadamente 13 jovens – talvez inspirados por Lygia Clark e
Hélio Oiticica lançaram esculturas flutuantes no rio. Ao todo foram sete
objetos, os quais em conjunto, lembravam fezes humanas, antes da descarga,
na privada doméstica.
O Grupo foi extremamente cuidadoso ao recolher cada um dos objetos
utilizados na intervenção Artístico-Ecológica. Um desses objetos ficou preso
numa espinheira onde o barco a remo não conseguia chegar devido a forte
correnteza das águas. Do ponto de ônibus onde acompanhei o desenlace da
ALEGRAR nº04 - 2007 - ISSN 18085148
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intervenção vi dois rapazes entrarem a nado nas águas do Itajaí Açu, e depois
de muita luta recolher o objeto.
Não fizeram nenhuma poluição. Não destruíram nada. Apenas chamaram a
atenção para um ponto importante em termos de arte ecologia.
Um bonito e profundo trabalho que infelizmente não foi compreendido pelo
Jornalista Evandro de Assis. O qual em sua página Informe no dia 05 de março
defende que somente a obra privada é legítima.
Como todo o esforço do grupo, ao que me parece, residiu justamente em
criticar o mundo privado a obra não poderia, de forma alguma, ser assinada.
Mas, Evandro diz que sem assinatura privada a obra perde sua legitimidade,
que ele só consegue enxergar, nessa intervenção, “falta de educação.” A
Pergunta que me levou a escrever esse artigo é: de quem, exatamente, é a
“falta” de educação?
Ernesto Silva
ALEGRAR nº04 - 2007 - ISSN 18085148
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