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Os Ventos Cruzam as Mãos Rumo ao Norte
Ahora quiero hablar de poetas muertos y poetas vivos
de tantos muchachos hijos de esta fiesta
y de las torturas de ser ellos mismos
porque hay que decir
que hay quien muere sobre su papel
pues vivirle a la vida su talla tiene que doler
nuestra vida es tan alta, tan alta
que para tocarla casi hay que morir
para luego vivir, para luego vivir
Silvio Rodríguez
Em uma assembléia, toda vez que as mãozinhas começam a girar no ar, apoiando a
fala de alguém, minha memória dispara no meu corpo uma sensação quase
anestésica.
E, confesso, uma saudade da gente naquele inverno em Buenos Aires: as festas do
cinema, as peñas, dos fernets, dos cafés com leite de manhã... e essa saudade vai
entrando no corpo, e eu vou relembrando os enquadramentos das nossas
fotografias, viajando mentalmente entre o preto e branco, o inverno cinza e as cores
do norte da Argentina.
De repente aquela água fria dos rios gela meu peito e me tira o ar, paro de respirar
por um instante. Tudo fica aberto e frio – é como se estivessemos nós, Laura e o
Camilo. Era uma memória de noite na traseira daquela caminhonete aberta, com
aquele vento atacando a nossa cara e a gente tentando se esconder do frio debaixo
do cheiro de nylon do saco de dormir ao vento. Na falta de um colchão, qualquer um
arriscava qualquer canção que significasse calor e cansaço.
Tudo se acalma um pouco, sobe aquele cheiro de fumaça, fogo e terra de alguma
fogueira que dividimos todos juntos. É aquela presença e aquela falta sempre, mas
ALEGRAR nº12 - dez/2013 - ISSN 18085148
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agora ela habita o contraste das temperaturas, o calor do fogo no centro de tudo, o
frio do deserto norteño abraça a gente:
Você coqueteia com algum novo amigo, eu seduzo a mulher de alguém
descuidado.... a gente come improvisado entre amigos e bebe vinho. Os
malabares em volta giram tentando encontrar seu lugar no ar. O mundo em
volta vai se cansando aos poucos. A gente vai sobrando pra gente.... nos
sorrimos pouco, nos olhamos fugindo, quase não nos encaramos. A noite
acaba, acampados a noite não é longa.
A minha embriaguez ainda não me trouxe o sono, e não levou o que tinha que levar.
Você entra e se deita sem me desejar “boa noite”, como se soubesse que eu –
calado – iria entrar depois, me deitar atras de você, com a barba por fazer e hálito
bêbado de vinho. Sem pedir licença, deslizar a mão pela sua cintura, passar por
dentro da sua calça justa e estampada, caminhar pela sua virilha e te tocar em
silêncio, ouvindo a respiração pesada das pessoas que, em volta, dormem.
A. B. M - realizador e cronópio
Belo Horizonte, 21 de junho de 2013 em carta pessoal a suas memórias do 15MDemocracia Real Ya, tempos vividos nas gramas da embaixada espanhola na
Argentina.
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Os Ventos Cruzam as Mãos Rumo ao Norte Em uma assembléia