PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA:
ESTUDOS AVALIATIVOS NA RMBH
Edital MCTI/CNPq/MCidades n.11/2012
Coordenação:
Profa. Denise Morado Nascimento
PRAXIS EA/UFMG
Dezembro 2014
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PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA:
ESTUDOS AVALIATIVOS NA RMBH
Edital MCTI/CNPq/MCidades n.11/2012
Objetivo principal
A pesquisa apresenta a caracterização e análise do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), modalidade
Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), com foco na
inserção urbana dos empreendimentos, seus impactos urbano-ambientais e socioespaciais, avaliando os
pressupostos de projeto e os resultados da organização dos espaços das habitações, bem como dos espaços
externos.
O PMCMV na RMBH
A Região Metropolitana de Belo Horizonte possui uma população total de quase cinco milhões de habitantes
segundo o Censo Demográfico de 2010. Como a maioria das regiões metropolitanas brasileiras, tem
apresentado queda nas taxas de crescimento demográfico desde a década de 1970, com a inversão no
crescimento da capital em relação aos municípios periféricos – nestes as taxas se mantém altas, enquanto
naquela vem sendo cada vez menor. Entre os municípios que mais crescem estão aqueles na vizinhança
imediata de Belo Horizonte, embora nas últimas décadas municípios mais distantes tenham apresentado
taxas também altas. A estrutura socioespacial apresenta-se ainda formatada no padrão centro-periférico,
ainda que venha se tornando mais fragmentada na última década. Alguns aspectos caracterizam essa
estrutura nas últimas décadas: a) a permanente concentração das elites na chamada zona sul da capital e em
sua expansão na direção sul; b) contínuo espraiamento dos grupos médios pelos espaços pericentrais de
Belo Horizonte; c) consolidação da mescla de grupos médios com operários nos espaços do chamado eixo
industrial da RMBH; d) consolidação dos espaços populares na periferia imediatamente a norte de Belo
Horizonte.1
A dinâmica imobiliária está diretamente associada à estrutura acima descrita e apresenta-se, a partir dos
anos 2000, no contexto de dois processos principais. Em primeiro lugar, um conjunto de importantes
investimentos públicos na região norte resultou na atração de novos empreendimentos imobiliários privados e
gerou grande valorização especulativa no preço da terra. Destacam-se: a via expressa que liga Belo
MENDONÇA. Jupira Gomes de. Estrutura socioespacial da RMBH nos anos 2000: há algo de novo? In: ANDRADE, Luciana
Teixeira de; MENDONÇA, Jupira Gomes de; FARIA, Carlos Aurélio Pimenta de (Org.). Metrópole: território, sociedade e política – o
caso da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Editora Pucminas, 2008.
1
Horizonte ao Aeroporto Internacional Tancredo Neves, em Confins, conhecida como Linha Verde; a
implantação do Aeroporto Industrial de Confins; a nova sede administrativa do Governo do Estado (Cidade
Administrativa – CAMG), na divisa entre Belo Horizonte, Vespasiano e Santa Luzia; o Parque Tecnológico
situado no Campus da UFMG, na Pampulha e o projeto do Pólo de Microeletrônica no Município de
Vespasiano. Em segundo lugar, a conjuntura favorável à intensificação de empreendimentos imobiliários
(destacando-se o aumento significativo do crédito imobiliário, em especial com a implantação do PMCMV),
produziu um boom, que se caracterizou pela expansão territorial, incorporação de novos segmentos de
mercado e disseminação da tipologia apartamento em municípios antes caracterizados pela moradia do tipo
casa, além de empreendimentos habitacionais fechados com tipologias de casa geminadas e individuais
prontas.
Notas metodológicas
Para o desenvolvimento da análise, adotou-se como recorte geográfico cinco municípios da RMBH, além da
capital: Betim, Caeté, Contagem, Ribeirão das Neves e Vespasiano. Além de apresentarem, juntamente com
Belo Horizonte, os números mais expressivos em relação à produção habitacional do PMCMV/FAR, são
também representativos da dinâmica metropolitana: Betim apresenta forte dinâmica industrial, com altas taxas
de crescimento populacional até o ano de 2000; Contagem representa o município com os primeiros
processos de conurbação, a oeste de Belo Horizonte, a partir da instalação da Cidade Industrial; Ribeirão das
Neves representa o processo de expansão periférica, precária e de grande dinamismo demográfico;
Vespasiano, no vetor norte da RMBH, juntamente com Ribeirão das Neves, constitui a tradicional periferia,
caracterizada pela concentração de assentamentos precários. A seleção de Caeté trará uma espécie de
contraponto, tanto devido às dimensões do município em termos populacionais, bastante reduzidas em
comparação aos demais selecionados, quanto ao seu baixo grau de integração com a dinâmica metropolitana
(ver INFG_2.04 Contratados e entregues FAR eFGTS RMBH e INFG_2.05 Contratados e entregues FAR e
FGTS Municípios selecionados).
Os dados coletados advém de:
(1) “Base de Dados” Ministério das Cidades, 2012 e 2013;
(2) visitas de campo, observação direta e levantamento fotográfico nos empreendimentos dos seis
municípios selecionados – Belo Horizonte, Betim, Caeté, Contagem, Ribeirão das Neves e
Vespasiano;
(3) levantamento fotográfico de 200 unidades de dois empreendimentos: Palmeiras II (Betim) e
Alterosas (Ribeirão das Neves);
(4) reuniões em secretarias de habitação ou órgão equivalente nos seis municípios;
(5) pesquisa documental referentes aos projetos arquitetônicos, Ficha de Informações do Terreno
(FIT), Ficha Resumo do Empreendimento (FRE), Laudo de Análise (LA), dos empreendimentos
dos seis municípios selecionados, fornecidos pela CAIXA;
(6) legislações municipais, manuais, cartilhas e demais normativas, fornecidas pela CAIXA,
Ministério das Cidades e prefeituras;
Foram realizadas entrevistas abertas e semiestruturadas com:
(7) construtoras Habit Construtora, Direcional Engenharia e Emccamp;
(8) URBEL (Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte);
(9) empresas responsáveis pelo Programa Pós Morar – Assessoria Social e Pesquisa (ASP) e
Ampliar Consultoria e Planejamento LTDA;
(10) CAIXA;
(11) síndicos dos empreendimentos Baviera e Palmeiras II (Betim), Hibisco (Belo Horizonte), Hibisco
(Caeté), São Luiz e Vista Alegre (Contagem) e Alterosas (Ribeirão das Neves);
(12) duzentos moradores de unidades de dois empreendimentos: Palmeiras II (Betim) e Alterosas
(Ribeirão das Neves).
Eixos de análise
A pesquisa realizou-se de forma compartilhada com o conjunto de instituições da Rede Cidade e Moradia, a
partir de eixos de análise que permitiram a comparação e a complementação temática e territorial, ampliandose nacionalmente o debate sobre o PMCMV. Os eixos abordam questões interrelacionadas mas também
permitem a leitura de maneira interdependente.
No primeiro eixo - Agentes e operações do Programa Minha Casa Minha Vida - procurou-se analisar os
papéis dos diferentes agentes envolvidos na produção dos empreendimentos do Minha Casa Minha Vida e as
articulações entre os mesmos: CAIXA, Prefeituras, Construtoras, entre outros agentes, procurando avançar
na compreensão do desenho do programa e possíveis implicações em termos de seus resultados. No
segundo eixo - Demanda habitacional e a oferta do Programa - procurou-se enfatizar a discussão da
articulação da demanda habitacional existente com a oferta produzida pelo Programa, buscando
compreender também o perfil dos novos moradores e suas origens, o processo de cadastramento, as
características do trabalho social realizado, e os conflitos já identificados nos empreendimentos analisados.
No eixo 3, questões relacionadas ao Desenho, Projeto e Produção do Programa Minha Casa Minha Vida
são apresentadas, abordando-se as características dos espaços internos dos edifícios e das áreas externas
dos empreendimentos, discutindo tipologias, escala, implantação, estratégias de padronização e adequação
das propostas em face das demandas e perfis das famílias beneficiadas pelo programa. O Eixo 4, Inserção
Urbana e Segregação Socioespacial, analisa as condições de acesso à cidade aos novos moradores, em
termos de infraestrutura, serviços, equipamentos, e discute processos enunciados pelas pesquisas empíricas,
tais como a periferização, a guetificação, a monofuncionalidade e a privatização da urbanização.
Eixo 1
Agentes e Operações do Programa Minha Casa Minha Vida
O objetivo deste eixo de análise é compreender o funcionamento do Programa Minha Casa Minha Vida
(PMCMV) através da atuação de seus agentes. De maneira sintética, a operação do PMCMV pode ser
descrita através da interação entre cinco grandes agentes: (1) Ministério das Cidades, representante do poder
público na escala federal; (2) governos estaduais e/ou municipais bem como outros órgãos representantes do
poder público na escala local; (3) Caixa Econômica Federal (CAIXA), instituição financeira que funciona como
companhia pública do Governo Federal, mas que possui autonomia administrativa, assim como as demais
instituições financeiras introduzidas no programa a partir de 2011; (4) construtoras e incorporadoras,
representantes do setor privado; e (5) beneficiários.
Por meio de determinações legais, o governo federal definiu as atribuições dos demais agentes, os
procedimentos e as regras de funcionamento do programa. A operacionalização do PMCMV, no entanto, é
realizada pela CAIXA e demais instituições financeiras, que se envolvem tanto nos processos de aprovação
de projetos quanto na aprovação cadastral de beneficiários e, principalmente, no repasse dos recursos
financeiros para as entidades privadas. As construtoras e incorporadoras são as executoras e principais
propositoras do programa, responsáveis pela produção das unidades habitacionais. Os governos estaduais
e/ou municipais atuam como parceiros de todo o processo, aderindo ao programa, sendo também
responsáveis pela aprovação dos projetos e cadastro/seleção de beneficiários (ver INFG_1.01 Panorama
PMCMV).
No entanto, a real dinâmica entre os agentes que compõe o programa não acontece de forma coesa e linear,
como institucionalmente desenhado; ao contrário, os procedimentos não são hierarquizados e sequenciais.
Nas diferentes etapas que compõem as operações do PMCMV, agentes aparecem e se omitem como
efetivos participantes em distintas etapas (ver INFG_1.15 Etapas e agentes do PMCMV). À parte, diversas
atribuições e regras foram alteradas desde o lançamento do programa (ver INFG_1.02 Cronologia legislação
FAR), dificultando uma compreensão totalizante de seu funcionamento, assim como da matriz de
responsabilidades de seus agentes, aspectos que este eixo de análise desvela.
Para compreender a atuação dos agentes envolvidos, iniciaremos pela seção 1 Quadro histórico da habitação
social, incluindo os antecedentes que construíram o PMCMV. Depois, analisaremos a evolução e as
implicações das legislações que regulamentam o PMCMV na seção 2 Evolução do PMCMV/FAR, e sua
relação com os planos de ação prévios e legislações locais na seção 3 Legislações Municipais. Cabe
destacar que a CAIXA não se mostrou amplamente acessível na realização das entrevistas e, portanto, seu
papel na operacionalização do PMCMV será tratado de forma difusa ao longo das demais seções e eixos de
análise.
Introdução
1. Quadro histórico da habitação social
1.1. Antecedentes
1.2. O mercado da habitação
1.3. O PMCMV
2. Evolução do PMCMV/FAR
2.1. Modalidade FAR
2.2. Agentes e atribuições
2.3. Aprovação de projetos
2.4. Seleção de beneficiários: critérios federais
3. Legislações municipais
3.1. Plano Local de Habitação de Interesse Social
3.2. Zoneamentos municipais
3.3. Seleção de beneficiários: critérios municipais
Referências
Eixo 2
Demanda habitacional e a oferta do Programa
O presente eixo visa apresentar questões que ilustram o forte contraponto entre a relação da rígida lógica
produtiva/racional determinada pelo programa e os aspectos da apropriação social na realidade dos
empreendimentos do universo FAR.
A primeira seção – Contradições na relação deficit-meta na RMBH –, inicia-se com a desconstrução dos
aspectos quantitativos do programa, demonstrando incoerências percebidas entre os atuais índices de
produção do PMCMV em relação a sua premissa quantitativa alimentada pelo DH. Utilizando-se dados
provindos desde escala nacional até a regional, apontam-se incongruências internas do indicador, reforçadas
pelas alterações de sua metodologia, e que auxiliam na desconstrução da atual postura mercantil e
desenvolvimentista de produção de moradias.
A segunda seção – A produção do PMCMV/FAR e o Deficit Habitacional na RMBH –, demonstra o paralelo
entre a realidade encontrada em campo e as premissas padronizadas presentes no PMCMV. Vale ressaltar
que tais premissas se dividem em dois elementos. O primeiro, provindo da visão quantitativa, determina a
padronização da unidade e do sistemas construtivos como generalização da estrutura familiar da população
carente. O segundo elucida como as exigências nacionais e municipais que regem o cadastramento e o
processo de seleção de beneficiários tem impactos negativos nas dinâmicas sociais e demográficas da
população contemplada.
Nessa discussão, elucida-se o forte impacto socioeconômico que determina o confinamento e estagnação
das estruturas sociais inseridas atualmente nos conjuntos produzidos via PMCMV/FAR na RMBH, presente
nas seções – A apropriação social na escala do empreendimento FAR e A vulnerabilidade socioeconômica do
PMCMV. Além disso, a partir dos dados levantados pelas diversas entrevistas realizadas, aponta-se como a
diversidade da apropriação social dos conjuntos vai desde o aceitamento desse confinamento à quebra das
limitações e regras do programa, que tem em seu maior exemplo os “usos indevidos” das unidades (venda,
aluguel e abandono).
Introdução
1. Contradições na relação deficit-meta na RMBH
2. A produção do PMCMV/FAR e o Deficit Habitacional na RMBH
3. A apropriação social na escala do empreendimento FAR
3.1. Parque das Palmeiras II (Betim) e Jardim Alterosas (Ribeirão das Neves)
3.2. A relação das famílias com as moradias
3.3. A satisfação dos moradores
4. A vulnerabilidade socioeconômica do PMCMV
4.1. Os reassentados
4.2. Padrões de endividamento
Referências
Eixo 3
Desenho, Projeto e Produção do Programa Minha Casa
Minha Vida
A construção da narrativa dentro desse eixo buscou reposicionar a tríade desenho, projeto e produção a partir
de dois pontos de vista, caracterizados temporalmente. O primeiro ponto de vista consiste na ação do
PMCMV que carrega, a priori, instrumentos (leis, cartilhas, manuais e modelos-padrão de projetos) e
mecanismos próprios, inseridos no modo de produção capitalista. Nesse sentido, a produção habitacional
envolve instituições e agentes que reproduzem e disseminam o programa, com acentuado grau de
autonomia. O programa foi elaborado pelo Governo Federal, via Ministério das Cidades, é executado pela
iniciativa privada, via Construtoras, com a parceria de governos estaduais, municipais e/ou entidades, e
operado por um banco, a Caixa Econômica Federal (CAIXA), ou o Banco do Brasil – instituições financeiras
na forma de empresas públicas do governo federal, com patrimônio próprio e autonomia administrativa,
conforme explicitado também pelo eixo 1. A partir dessa ótica, os empreendimentos são vistos como o
espaço projetado, precisamente desenhado para o atendimento às normativas e a uma composição familiar
média e padrão (pai, mãe e dois filhos), como visto no eixo 2 (ver INFG_3.35 Composições familiares). Aqui,
o desenho e a execução das unidades estruturam-se por etapas sequenciais distintas, encerrando-se com a
entrega das chaves e o início da apropriação dos espaços pelos moradores.
O segundo ponto de vista, a posteriori, estende a tríade desenho, projeto, construção ao uso, considerando a
produção do espaço como uma somatória dessas quatro etapas na medida em que inclui a ação dos
moradores via apropriação dos espaços – seja pela adesão ou pela subversão. Descreveremos inicialmente a
metodologia de análise dos espaços proposta; na sequencia, a leitura realizada, aprofundando na descrição e
análise conjunta e paralela dos dois momentos colocados acima para, ao fim, apresentar algumas
proposições.
Introdução
1. Coleta de dados e instrumentos metodológicos
2. Espaço projetado e espaço apropriado
2.1. Variedade Empreendimento (VA.E)
2.2. Variedade Unidade (VA.U)
2.3. Densidade Empreendimento (DE.E)
2.4. Densidade Unidade (DE.U)
2.5. Múltiplos Moradores Empreendimento (MM.E)
2.6. Diversidade dos Moradores Unidade (DM.U)
2.7. Adaptabilidade Unidade (AD.U)
2.8. Compacidade Empreendimento (CO.E)
2.9. Espaço Comum Empreendimento (EC.E)
2.10.
Limites Empreendimento (LI.E)
2.11.
Fronteiras Empreendimento (FR.E)
2.12.
Individualização Empreendimento (IN.E)
2.13.
Individualização Unidade (IN.U)
2.14.
Uso Misto Empreendimento (UM.E)
2.15.
Uso Misto Unidade (UM.U)
2.16.
Economia de Recursos Empreendimento (ER.E)
2.17.
Economia de Recursos Unidade (ER.U)
3. Avaliação do PMCMV pelos agentes
4. Proposições
Referências
Eixo 4
Inserção Urbana e Segregação Socioespacial
O objetivo deste eixo é analisar as áreas nas quais foram implantados os empreendimentos do Programa
Minha Casa Minha Vida (PMCMV) selecionados para estudo na Região Metropolitana de Belo Horizonte
(RMBH), bem como apontar os possíveis impactos decorrentes da implantação desses empreendimentos.
Esta análise abrange a inserção, nos municípios e no contexto metropolitano, dos locais selecionados para
implantação dos empreendimentos nos municípios e no contexto metropolitano, avaliando sua integração e
consequente acesso de seus beneficiários à cidade em suas funções públicas e coletivas.
A estrutura do Eixo 4 foi organizada em quatro seções: inicialmente, na seção 1 Inserção metropolitana dos
municípios selecionados, é apresentado um quadro geral da dinâmica metropolitana, com ênfase nos seis
municípios selecionados (ver MAPA_4.B.22 até MAPA_4.B.27 Imagem satélite). Em seguida, na seção 2
Espaço urbano de inserção dos empreendimentos, é apresentada uma análise do entorno próximo dos
empreendimentos nestes seis municípios, a partir de indicadores de inserção urbana. Na seção 3 Impactos
da configuração em condomínio são discutidas algumas questões relativas aos aspectos urbanísticos e
sociais da configuração em condomínio dos empreendimentos produzidos pelo PMCMV. Finalmente, na
seção 4 Expansão e adensamento de periferias, são identificados possíveis processos de expansão de
fronteiras urbanas e apresentada uma breve análise sobre o papel dos empreendimentos em relação a esses
processos.
Introdução
1. Inserção metropolitana dos municípios selecionados
1.1. A produção de moradias na formação da RMBH
1.2. A produção habitacional pelo PMCMV e os eixos de expansão metropolitana
2. Espaço urbano de inserção dos empreendimentos
2.1. Universo de análise e objetivos
2.2. Mobilidade urbana
2.3. Condições ambientais urbanas
2.4. Atendimento de serviços coletivos urbanos
2.5. Condições habitacionais urbanas
2.6. Renda
2.7. Acesso à bens duráveis
2.8. Atendimento de equipamentos públicos urbanos
2.9. Acesso ao comércio e aos serviços
2.10.
Infraestrutura urbana
3. Impactos da configuração em condomínio
4. Expansão e adensamento de periferias
Referências
ANEXO I: FORMULÁRIOS
Guia Entrevista CADASTROS-PREFEITURAS
Guia Entrevista Caixa
Guia Entrevista Cohab
Guia Entrevista Urbel
Guia Entrevistas Construtoras
Guia Entrevistas Pós-Morar
PRAXIS_AUTORIZAÇÃO_R02
ENT_01_SINDICO_MODELO_R01
FICHA_EMPREENDIMENTO_R00
QUE_01_MODELO_QUESTIONARIO
ANEXO II: ENTREVISTAS
ENT_CAIXA
ENT_CONSTRUTORA_DIRECIONAL
ENT_CONSTRUTORA_EMCCAMP
ENT_CONSTRUTORA_HABIT
ENT_PÓS-MORAR_AMPLIAR
ENT_PÓS-MORAR_ASP
ENT_SINDICO_BETIM_BAVIERA
ENT_SINDICO_BETIM_PALMEIRAS II
ENT_SINDICO_BH_HIBISCO
ENT_SINDICO_CAETÉ_HIBISCO
ENT_SINDICO_CONTAGEM_SAO LUIZ
ENT_SINDICO_CONTAGEM_VISTA ALEGRE
ENT_SINDICO_NEVES_ALTEROSAS
ENT_URBEL_PARTE_1
ENT_URBEL
ANEXO III: FICHAS
FICHA_01_PALMEIRAS 2_R00
FICHA_02_BAVIERA
FICHA_03_SAOLUIZ
FICHA_04_VISTA ALEGRE
FICHA_07_ALTEROSA
FICHA_08_HIBISCO-CAETE_R01
FICHA_12_HIBISCO-BH
ANEXO IV: EIXO 1
INFG_1.01 Panorama PMCMV
INFG_1.02 Cronologia legislação FAR
INFG_1.03 Critérios de seleção de beneficiários
INFG_1.04 Panorama legislações municipais
INFG_1.05 PLHIS
INFG_1.06 Zoneamentos municipais 1
INFG_1.07 Zoneamentos municipais 2
INFG_1.08 Aproveitamento dos terrenos
INFG_1.09 Panorama construtoras RMBH
INFG_1.10 Ranking construtoras RMBH
INFG_1.11 Construtoras com capital aberto variação do valor das ações
INFG_1.12 Fatia de mercado construtora FAR - RMBH
INFG_1.13 Fatia de mercado construtora FGTS - RMBH
INFG_1.14 Fatia de mercado construtora FAR - municípios selecionados
INFG_1.15 Etapas e agentes do PMCMV
MAPA_1.B.01 Construtoras
MAPA_1.B.02 Custo da edificação por metro quadrado
MAPA_1.B.03 Custo do terreno por metro quadrado
MAPA_1.B.04 Valor proposto da unidade
MAPA_1.B.05 Zoneamento municipal Belo Horizonte
MAPA_1.B.06 Zoneamento municipal Betim
MAPA_1.B.07 Zoneamento municipal Caeté
MAPA_1.B.08 Zoneamento municipal Contagem
MAPA_1.B.09 Zoneamento municipal Ribeirão das Neves
MAPA_1.B.10 Zoneamento municipal Vespasiano
ANEXO V: EIXO 2
INFG_2.01 Contratados por fase FAR e FGTS - RMBH
INFG_2.02 Contratados FAR e FGTS
INFG_2.03 Contratados por fase FAR e FGTS - municípios selecionados
INFG_2.04 Contratados e entregues FAR e FGTS - RMBH
INFG_2.05 Contratados e entregues FAR e FGTS - municípios selecionados
INFG_2.06 Unidades, domicílios e déficit habitacional - RMBH
INFG_2.07 Unidades, domicílios e déficit habitacional - municípios selecionados
INFG_2.08 Processo de seleção dos beneficiários
INFG_2.09 Estado civil dos chefes de família
INFG_2.10 Renda familiar mensal
INFG_2.11 Aprovação tamanho/distribuição da unidade por tamanho da família
INFG_2.12 Satisfação por tamanho da família
INFG_2.13 Local de moradia anterior
INFG_2.14 Origem dos beneficiários Palmeiras II
INFG_2.15 Origem dos beneficiários Alterosas
INFG_2.16 Processo de remoção
INFG_2.17 Identificação de pobreza
INFG_2.18 Situação das redes sociais 1
INFG_2.19 Situação das redes sociais 2
INFG_2.20 Ocupação dos Moradores Reassentados
INFG_2.21 Variação de gastos com transporte reassentados/sorteados
INFG_2.22 Variação de gastos com moradia reassentados/sorteados
INFG_2.23 Variação de gastos com serviços reassentados/sorteados
INFG_2.24 Gasto com moradia maior que 30% da renda
MAPA_2.A.01 Déficit habitacional
ANEXO VI: EIXO 3
INFG_3.01 Metodologia
INFG_3.02 Variedade empreendimento
INFG_3.03 Variedade unidade
INFG_3.04 Densidade empreendimento
INFG_3.05 Densidade unidade
INFG_3.06 Múltiplos moradores empreendimento
INFG_3.07 Diversidade moradores unidade
INFG_3.08 Adaptabilidade unidade
INFG_3.09 Compacidade empreendimento
INFG_3.10 Espaço comum empreendimento
INFG_3.11 Limites empreendimento
INFG_3.12 Fronteiras empreendimento
INFG_3.13 Individualidade empreendimento
INFG_3.14 Individualidade unidade
INFG_3.15 Uso misto empreendimento
INFG_3.16 Uso misto unidade
INFG_3.17 Economia de recursos empreendimento
INFG_3.18 Economia de recursos unidade
INFG_3.19 Apartamentos entrevistados Alterosas
INFG_3.20 Apartamentos entrevistados Palmeiras II
INFG_3.21 Porte dos empreendimentos por fase FAR e FGTS
INFG_3.22 Porte dos empreendimentos PRAXIS x REDE
INFG_3.23 Porte empreendimentos contíguos e aglomerados
INFG_3.24 Porte empreendimentos RMBH / municípios selecionados
INFG_3.25 Distribuição da planta
INFG_3.26 Tamanho do apartamento
INFG_3.27 Co modo que sente falta
INFG_3.28 Problemas no apartamento
INFG_3.29 Principais problemas de segurança
INFG_3.30 Possibilidade de abandono do condomínio
INFG_3.31 Prefere ncia moradia atual
INFG_3.32 Prefere ncia moradia anterior
INFG_3.33 O que menos gostam
INFG_3.34 O que mais gostam
INFG_3.35 Composições familiares
INFG_3.36 Motivos da mudança da moradia anterior para atual
INFG_3.37 Reclamações problemas construtivos
INFG_3.38 Documentação recebida
INFG_3.39 Regras de convivência
INFG_3.40 Contato com equipe social
INFG_3.41 Correspondência entre os conceitos
INFG_3.42 Relação entre categorias
ANEXO VII: EIXO 4
INFG_4.01 Universo FAR
INFG_4.02 IBEU empreendimentos FAR
INFG_4.03 Inserção urbana empreendimentos FAR
INFG_4.04 Saneamento empreendimentos FAR
INFG_4.05 Avaliação ambiental dos empreendimentos
INFG_4.06 Acessibilidade a equipamentos empreendimentos FAR
INFG_4.07 Análise multicritérios empreendimentos FAR
INFG_4.08 Renda média empreendimentos FAR / entornos / municípios
INFG_4.09 Mapa indicadores multicritérios
INFG_4.10 Histórico entorno Jardim Vitória
INFG_4.11 Histórico entorno Palmeiras e Baviera
INFG_4.12 Histórico entorno Vila Verde
INFG_4.13 Histórico entorno Hibisco e Ipê
INFG_4.14 Histórico entorno São Luiz
INFG_4.15 Histórico entorno Vista Alegre
INFG_4.16 Histórico entorno Alterosas
INFG_4.17 Histórico entorno Laranjeiras
INFG_4.18 Acesso a transporte público
INFG_4.19 Acesso a escola
INFG_4.20 Acesso a trabalho 1
INFG_4.21 Acesso a trabalho 2
INFG_4.22 Acesso a comércio
INFG_4.23 Acesso a serviços públicos
INFG_4.24 Acesso a bens duráveis
INFG_4.25 O que falta no conjunto habitacional
MAPA_4.A.01 Municípios com empreendimentos FAR
MAPA_4.A.02 Municípios com empreendimentos FGTS
MAPA_4.A.03 Dinâmica imobiliária e expansão metropolitana
MAPA_4.A.04 Evolução IDH
MAPA_4.A.05 Renda municipal
MAPA_4.A.06 Empreendimentos FAR por tipologia
MAPA_4.A.07 Empreendimentos FAR por fase
MAPA_4.B.01 Rede de centralidades
MAPA_4.B.02 Empreendimentos FAR e FGTS por fase
MAPA_4.B.03 Empreendimentos FAR contratados e entregues
MAPA_4.B.04 Áreas de Proteção Permanente
MAPA_4.B.05 Unidades de conservação
MAPA_4.B.06 Acesso a equipamentos de educação
MAPA_4.B.07 Acesso a equipamentos de saúde
MAPA_4.B.08 Acesso a equipamentos de cultura
MAPA_4.B.09 Acesso a equipamentos de lazer
MAPA_4.B.10 Proximidade a aglomerados subnormais
MAPA_4.B.11 Renda média domicílios particulares permanentes
MAPA_4.B.12 IBEU condições habitacionais
MAPA_4.B.13 IBEU atendimento serviços coletivos
MAPA_4.B.14 IBEU infraestrutura urbana
MAPA_4.B.15 IBEU condições ambientais
MAPA_4.B.16 IBEU mobilidade urbana
MAPA_4.B.17 Acessibilidade e capilaridade
MAPA_4.B.18 Condições de saneamento geral
MAPA_4.B.19 Condições de saneamento abastecimento de água
MAPA_4.B.20 Condições de saneamento esgotamento sanitário
MAPA_4.B.21 Condições de saneamento coleta de lixo
MAPA_4.B.22 Imagem de satélite Belo Horizonte
MAPA_4.B.23 Imagem de satélite Betim
MAPA_4.B.24 Imagem de satélite Caeté
MAPA_4.B.25 Imagem de satélite Contagem
MAPA_4.B.26 Imagem de satélite Ribeirão das Neves
MAPA_4.B.27 Imagem de satélite Vespasiano
MAPA_4.B.28 Bens duráveis automóvel
MAPA_4.B.29 Bens duráveis motocicleta
MAPA_4.B.30 Bens duráveis microcomputador
MAPA_4.B.31 Bens duráveis microcomputador e internet
MAPA_4.B.32 Bens duráveis telefone fixo
MAPA_4.B.33 Bens duráveis telefone celular
MAPA_4.B.34 Bens duráveis máquina de lavar roupa
MAPA_4.B.35 Bens duráveis geladeira
MAPA_4.B.36 Bens duráveis televisão
MAPA_4.B.37 Bens duráveis rádio
MAPA_4.C.01 Uso e ocupação do solo Amazonas
MAPA_4.C.02 Uso e ocupação do solo Coqueiros I
MAPA_4.C.03 Uso e ocupação do solo Diamantes
MAPA_4.C.04 Uso e ocupação do solo Jaqueline
MAPA_4.C.05 Uso e ocupação do solo Paulo VI e Jardim Vitória
MAPA_4.C.06 Uso e ocupação do solo Palmeiras e Baviera
MAPA_4.C.07 Uso e ocupação do solo São Marcos
MAPA_4.C.08 Uso e ocupação do solo Vila Verde
MAPA_4.C.09 Uso e ocupação do solo Waldir Franco
MAPA_4.C.10 Uso e ocupação do solo Hibisco e Ipê
MAPA_4.C.11 Uso e ocupação do solo São Luiz
MAPA_4.C.12 Uso e ocupação do solo Vista Alegre
MAPA_4.C.13 Uso e ocupação do solo Alterosas
MAPA_4.C.14 Uso e ocupação do solo Laranjeiras
MAPA_4.C.15 Inserção urbana Amazonas
MAPA_4.C.16 Inserção urbana Coqueiros
MAPA_4.C.17 Inserção urbana Diamantes
MAPA_4.C.18 Inserção urbana Jaqueline
MAPA_4.C.19 Inserção urbana Paulo VI e Jardim Vitória
MAPA_4.C.20 Inserção urbana Palmeiras e Baviera
MAPA_4.C.21 Inserção urbana São Marcos
MAPA_4.C.22 Inserção urbana Vila Verde
MAPA_4.C.23 Inserção urbana Waldir Franco
MAPA_4.C.24 Inserção urbana Hibisco e Ipê
MAPA_4.C.25 Inserção urbana São Luiz
MAPA_4.C.26 Inserção urbana Vista Alegre
MAPA_4.C.27 Inserção urbana Alterosas
MAPA_4.C.28 Inserção urbana Laranjeiras
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CNPq/
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dadesno.11/
2012
PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA:
ESTUDOS AVALIATIVOS NA RMBH
Edital MCTI/CNPq/MCidades n.11/2012
Eixo 1
Agentes e Operações do Programa Minha
Casa Minha Vida
ANEXOS: http://issuu.com/praxisufmg/docs/anexo_iv_-_eixo_1
ATUALIZAÇÃO: 18/12/2014
Introdução
O objetivo deste eixo de análise é compreender o funcionamento do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV)
através da atuação de seus agentes. De maneira sintética, a operação do PMCMV pode ser descrita através da
interação entre cinco grandes agentes: (1) Ministério das Cidades, representante do poder público na escala
federal; (2) governos estaduais e/ou municipais bem como outros órgãos representantes do poder público na
escala local; (3) Caixa Econômica Federal (CAIXA), instituição financeira que funciona como companhia pública
do Governo Federal, mas que possui autonomia administrativa, assim como as demais instituições financeiras
introduzidas no programa a partir de 2011; (4) construtoras e incorporadoras, representantes do setor privado; e
(5) beneficiários.
1
FIGURA 01: Agentes e operação do PMCMV
Fonte: PRAXIS
Por meio de determinações legais, o governo federal definiu as atribuições dos demais agentes, os
procedimentos e as regras de funcionamento do programa. A operacionalização do PMCMV, no entanto, é
realizada pela CAIXA e demais instituições financeiras, que se envolvem tanto nos processos de aprovação de
projetos quanto na aprovação cadastral de beneficiários e, principalmente, no repasse dos recursos financeiros
para as entidades privadas. As construtoras e incorporadoras são as executoras e principais propositoras do
programa, responsáveis pela produção das unidades habitacionais. Os governos estaduais e/ou municipais
atuam como parceiros de todo o processo, aderindo ao programa, sendo também responsáveis pela aprovação
dos projetos e cadastro/seleção de beneficiários (ver INFG_1.01 Panorama PMCMV).
No entanto, a real dinâmica entre os agentes que compõe o programa não acontece de forma coesa e linear,
como institucionalmente desenhado; ao contrário, os procedimentos não são hierarquizados e sequenciais. Nas
diferentes etapas que compõem as operações do PMCMV, agentes aparecem e se omitem como efetivos
participantes em distintas etapas (ver INFG_1.15 Etapas e agentes do PMCMV). À parte, diversas atribuições e
regras foram alteradas desde o lançamento do programa (ver INFG_1.02 Cronologia legislação FAR), dificultando
uma compreensão totalizante de seu funcionamento, assim como da matriz de responsabilidades de seus
agentes, aspectos que este eixo de análise desvela.
Para compreender a atuação dos agentes envolvidos, iniciaremos pela seção 1 Quadro histórico da habitação
social, incluindo os antecedentes que construíram o PMCMV. Depois, analisaremos a evolução e as implicações
das legislações que regulamentam o PMCMV na seção 2 Evolução do PMCMV/FAR, e sua relação com os
2
planos de ação prévios e legislações locais na seção 3 Legislações Municipais. Cabe destacar que a CAIXA não
se mostrou amplamente acessível na realização das entrevistas e, portanto, seu papel na operacionalização do
PMCMV será tratado de forma difusa ao longo das demais seções e eixos de análise.
1. Quadro histórico da habitação social
1.1
Antecedentes
1
A partir do ano de 2003, com o Governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), alterações na política habitacional
foram incorporadas no sentido de se privilegiar o atendimento à população de baixa renda, diante do quadro que
se apresentava. Contudo, observa-se que o governo petista garantiu a continuidade de vários programas2 e,
nesse sentido, a atuação do governo Lula, sobretudo nos primeiros anos de mandato, foi muito mais marcada
pela continuidade e ajustes do que propriamente pela ruptura com a Política Nacional de Habitação
implementada no âmbito do governo anterior. Além disso, diretrizes descentralizadoras e propostas de
instrumentos visando o incremento de parcerias entre a União, os estados e os municípios, assim como também
com a esfera privada, foram fortalecidas, além da busca de novas fontes de financiamentos para manter o
equilíbrio e a consolidação de uma estrutura de intervenção na questão habitacional (CARMO, 2006).
Observa-se, no entanto, que novos programas, destinados à população de renda familiar mensal de até três
salários mínimos, foram incorporados à política pública no período entre os anos de 2004 e 2008: Programa de
Crédito Solidário, Programa da Ação Provisão Habitacional de Interesse Social; Programa Urbanização,
Regularização e Integração de Assentamentos Precários; e Apoio à Produção Social da Moradia.
Um fato relevante e inovador na política urbana nacional do Governo Lula foi a criação do Ministério das Cidades
(MCidades), no início do ano de 2003, que propôs uma ampla reorganização institucional, visando mudanças
profundas na estrutura urbana e na gestão das cidades no Brasil. A partir de suas quatro secretarias (Habitação,
Saneamento, Mobilidade e Programas Urbanos), o MCidades objetivava articular e direcionar as políticas
setoriais para a formulação da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU), no sentido de um
enfrentamento conjunto dos problemas urbanos brasileiros. A PNDU dependia, assim, da construção cooperativa
Argumentos presentes na tese de Paola Rogedo Campos, Produção privada e provisão da habitação para os pobres: estrutura,
mudança e impacto na Região Metropolitana de Belo Horizonte, defendida em 29/04/2014, NPGAU/UFMG, sob orientação da Profa.
Dra. Jupira Gomes de Mendonça
2 Os programas existentes elaborados nos governos Fernando Henrique Cardoso e mantidos no primeiro mandato do governo Luiz
Inácio Lula da Silva foram: Carta de Crédito e Carta de Crédito Associativo, o PAR, o Habitar Brasil/BID, o Pró-Moradia, o PSH e o
Apoio à Produção.
1
3
entre governos e sociedade, buscando-se, de um lado, “[...] o pacto federativo, ou pacto entre os diversos níveis
de governo e de outro a participação da sociedade. Toma-se a formulação da PNDU como uma tarefa nacional e
não federal” (MARICATO, 2005, p.8).
Em escala macroeconômica, a combinação de uma série de condicionantes, de ações e de políticas públicas
elevou os recursos direcionados à produção habitacional a patamares muito altos, viabilizando o acesso de
consumidores em potencial ao crédito, estimulando sobremaneira o mercado imobiliário e favorecendo um ciclo
de dinamismo da produção privada habitacional, o que culminou no boom imobiliário na segunda metade da
década de 2000.
As intervenções do governo petista podem ser divididas em dois âmbitos, sendo que o primeiro se referiu à
melhoria do ambiente regulatório e o segundo relacionou-se à melhoria do crédito para pessoa física a partir da
redução das taxas de juros, do aumento dos prazos de pagamento dos financiamentos e da diminuição nos
valores a serem pagos como entrada (ROYER, 2009).
Assim, entre os vários fatores que influenciaram o crescimento do mercado imobiliário, insere-se a promulgação
da Lei n° 10.931 de 02 de agosto de 2004, que dispôs sobre o Patrimônio de Afetação de incorporações
imobiliárias. O novo instrumento criou um ambiente de maior segurança jurídica às famílias adquirentes, pois, sob
o regime da afetação, não há vinculação entre o patrimônio próprio que compõe o empreendimento (terreno,
edificação e aportes financeiros) e as demais operações da incorporadora ou construtora. Ou seja, todas as
dívidas, de natureza tributária, trabalhista e junto a instituições financeiras, ficam restritas ao empreendimento em
construção, não tendo qualquer relação com outros compromissos e dívidas assumidos pela empresa. Da mesma
forma, todos os recursos financeiros aplicados pelos adquirentes em determinada construção ficam a ela
atrelados e o incorporador não pode utilizá-los em outra obra ou empreendimento. Assim, uma eventual
dificuldade financeira ou falência da empresa responsável pela construção não afeta diretamente o negócio
imobiliário e os adquirentes são resguardados de possíveis prejuízos, tendo em vista que o Patrimônio de
Afetação objetiva assegurar a conclusão das obras.3
Com mais segurança em relação ao mercado imobiliário, os agentes financeiros passaram a oferecer vantagens,
tais como prazos melhores, com menores taxas de juros e maior percentual financiado por imóvel. Estas
vantagens viabilizaram o crédito para um número maior de usuários, ampliando o acesso das classes de menor
renda ao mercado imobiliário formal.
A falência da Construtora ENCOL na década de 1990, que deixou centenas de empreendimentos inacabados e prejudicou cerca de 40
mil clientes, é um caso emblemático, que refletiu o que mercado apelidou de “efeito bicicleta” ou “pedalada”: situação das empresas em
dificuldade econômica que desviam recursos de um novo empreendimento para um anterior e assim sucessivamente.
3
4
Além da melhoria no ambiente regulatório, com a maior aplicabilidade da alienação fiduciária e com a instituição
do Patrimônio de Afetação, houve alterações no quadro normativo do Sistema Brasileiro de Poupança e
Empréstimo (SBPE), regulado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) 4 , que levaram a um aumento
significativo de unidades financiadas, tanto de imóveis novos quanto de imóveis usados.
Além do redirecionamento da aplicação dos depósitos em contas de poupança para o financiamento habitacional,
mudanças importantes na condução da política pública feita com os recursos do FGTS também começaram a
ocorrer, sobretudo a partir do ano de 2003, quando o Ministério das Cidades passou a ser o responsável pela
gestão da aplicação desses recursos, estabelecendo metas a serem alcançadas nos programas de habitação
popular, saneamento básico e infraestrutura urbana.
A CAIXA permaneceu como o agente operador do fundo e, em conjunto com o Conselho Curador
“implementaram uma série de medidas visando a resolução de aspectos legais, institucionais e técnicooperacionais, que dificultavam o processo de execução do orçamento operacional do FGTS. Assim, desde 2003,
programas, processos e procedimentos foram aprimorados, incluindo melhorias na sempre temida avaliação de
risco de crédito para pessoas físicas e jurídicas” (ROYER, 2009, p.87).
Mas o grande salto ocorreu com a aprovação da Resolução CCFGTS n° 460, de 14 de dezembro de 2004, que
estabeleceu diretrizes para a aplicação dos recursos do FGTS, no período entre os anos de 2005 e 2008, que
visavam direcionar os recursos do fundo em favor das famílias com renda mensal nas faixas de até 5 salários
mínimos e em detrimento do atendimento das famílias em faixas de renda mensal acima deste limite.
Nesse sentido, a referida Resolução, cuja vigência teve início em maio do ano de 2005, tornou possível a
aplicação de recursos do FGTS em subsídios ao financiamento habitacional, permitindo que os recursos do
Fundo alcançassem efetivamente a população de mais baixa renda, até um salário mínimo, ampliando as
aplicações globais dos recursos (CAIXA, 2006).
Os descontos a que se referiu a CAIXA, em Relatório Anual de Gestão do FGTS, eram, de fato, subsídios
destinados às pessoas físicas cuja renda familiar mensal bruta não ultrapassasse o valor de R$1.500,00 (valor
referente ao ano de 2004), ampliando o atendimento à demanda por moradia da população de mais baixa renda.
Estes subsídios tinham sua origem em recursos oriundos de 50% do rendimento auferido em aplicações
financeiras e, desde que não impactassem o equilíbrio financeiro do FGTS, não tinham obrigatoriedade de
retorno. Dessa maneira, ampliou-se notavelmente a capacidade de atendimento do FGTS às famílias de renda
mensal de até 3 salários mínimos. No ano de 2005, o governo Lula dispôs do maior orçamento para
Nas resoluções normativas do Conselho Monetário Nacional há um direcionamento ao financiamento imobiliário, de percentual dos
recursos captados em depósitos de poupança pelas entidades integrantes ao SBPE.
4
5
financiamento habitacional desde o início da década de 1980, por meio de diversas fontes e em especial do
FGTS (ROYER, 2009). No ano de 2006, a aprovação da Resolução CCFGTS n°518 consolidou a Resolução n°
460 e, ao mesmo tempo, estabeleceu algumas alterações no sentido de incentivar a produção ou aquisição de
imóveis novos e priorizar os municípios integrantes das regiões metropolitanas.
Ressalta-se que, com a aprovação da Lei nº 11.124, em 16 de junho de 20055, que dispôs sobre o Sistema
Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS)
e o seu Conselho Gestor (CGFNHIS), criou-se um novo arcabouço institucional garantindo a centralização dos
programas e projetos destinados à urbanização de assentamentos subnormais e de habitação de interesse
social. Este novo sistema seria movimentado por recursos advindos do FGTS e do FNHIS. A regulamentação
resultou de ampla mobilização de movimentos populares urbanos que lutavam por uma resposta ao problema
habitacional e defendiam a ampliação dos recursos federais, estaduais e municipais, a fim de que o Estado
garantisse a provisão da moradia à população de mais baixa renda. Observa-se ainda que Estados e Municípios
que aderissem ao SNHIS, deveriam cumprir os requisitos definidos na Lei, criando uma estrutura institucional
própria, com a constituição de um fundo financeiro e seu conselho gestor e a elaboração do Plano Local de
Habitação de Interesse Social (PLHIS).
Nesse sistema, o MCidades passou a gerir uma série de programas habitacionais e a CAIXA continuou a
desempenhar o papel de principal operador do sistema. Os recursos do FGTS eram destinados tanto para
financiamentos onerosos, como para financiamentos subsidiados (com recursos combinados com outros fundos).
Os outros fundos, como o Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), Fundo de Desenvolvimento Social (FDS),
Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), eram destinados à cobertura de programas já existentes, como o
Programa de Arrendamento Residencial (PAR), ou de novos programas, como o Programa Crédito Solidário e o
Programa Urbanização, Regularização e Integração de Assentamentos Precários.
Shimbo (2010) atentou para a permeabilidade do SFHIS para a entrada de agentes privados nas linhas de
financiamento dotadas de recursos onerosos do FGTS, contrariando a prerrogativa do sistema de que, para a
O Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social resultou de um Projeto de Lei de iniciativa popular, apresentado ao poder
legislativo em 1992, mostrando que era necessário que o Estado garantisse, com seus próprios recursos, a produção de moradia
popular. Assim, o FNHIS foi constituído com fontes de recursos diferenciados e não apenas do FGTS, que são:
I – recursos do Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social – FAS;
II – outros fundos ou programas que vierem a ser incorporados ao FNHIS;
III – dotações do Orçamento Geral da União, classificadas na função de habitação;
IV – recursos provenientes de empréstimos externos e internos para programas de habitação;
V – contribuições e doações de pessoas físicas ou jurídicas, entidades e organismos de cooperação nacionais ou internacionais;
VI – receitas operacionais e patrimoniais de operações realizadas com recursos do FNHIS; e
VII - receitas decorrentes da alienação dos imóveis da União que lhe vierem a ser destinadas; e
VIII - outros recursos que lhe vierem a ser destinados.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11124.htm>. Acesso em: set. 2013
5
6
faixa de renda mensal de até 3 salários mínimos, os proponentes deveriam ser, exclusivamente, agentes públicos
ou entidades sem fins lucrativos.
Finalmente, é necessário citar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado em 2007, que, como
um grande programa de desenvolvimento no nível nacional contemplou grandes obras de infraestrutura em
diferentes áreas (energia, rodovias, portos, saneamento e habitação). Diante do início da alocação de recursos ao
Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) e com a criação do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC), os recursos não onerosos direcionados para a provisão habitacional e para a urbanização de
assentamentos precários continuaram a ser sensivelmente ampliados.6
1.2
O mercado da habitação
Diante das alterações no cenário imobiliário, que ocorreu a partir do somatório dos diversos fatores políticos,
econômicos, regulatórios e financeiros acima descritos, houve a entrada de uma grande demanda reprimida por
habitação no mercado. Diante desta euforia e novas possibilidades de negócios, diversas empresas do setor
redefiniram os modelos de organização e as estratégias na produção habitacional para atuarem no segmento
popular e viabilizarem a produção em massa da moradia. Algumas das grandes empresas criaram subsidiárias
(ou “braços populares”), como a Primóvel, Grupo Líder, criada no ano de 2008 e a Construtora Horizontes, do
Grupo PHV, criada no ano de 2009.
Outras adquiriram totalmente ou associaram-se, através do controle acionário, às empresas menores ou às suas
subempreiteiras; outras constituíram consórcios ou joint ventures7; outras foram criadas a partir de bancos de
investimentos, ou mesmo agentes autônomos de investimentos, muitas vezes associados a outras empresas
construtoras.
A criação de novas incorporadoras e construtoras, a partir da associação de profissionais que haviam trabalhado
em outras empresas e adquirido certo know how no mercado da habitação popular, também foi um fato
recorrente. São exemplos a Ancona Engenharia, a Construtora QBHZ, a Pro Domo Construtora, com sede em
Belo Horizonte e fundadas em 2004, em 2007 e em 2008, respectivamente. Observa-se ainda que subsidiárias
Ao apresentar a evolução dos recursos não-onerosos aplicados na produção habitacional e urbanização de assentamos precários,
Bonduki (2009) demonstrou que os investimentos multiplicaram-se por 20, no período entre os anos de 2002 e 2008.
7 Os consórcios são estabelecidos entre empresas de porte considerável, por tempo determinado, com a finalidade de somar esforços
para a realização de grandes empreendimentos. A joint venture constitui-se em uma associação de empresas, por tempo indeterminado,
para atuar em um ou mais negócios, sem que nenhuma das firmas envolvidas perca a sua personalidade jurídica. Ou seja, as
organizações empresariais se unem para atuar em determinada atividade econômica sujeita a controle conjunto, com liberdade de
desfazer a associação quando melhor lhes convier.
6
7
com foco no segmento popular, que já haviam sido criadas em período anterior, passaram por um processo de
expansão, ampliando, muitas vezes, a participação dentro do próprio grupo:
A expansão dos negócios no mercado imobiliário brasileiro, estimulado pela maior
disponibilidade de crédito e ascensão das classes C e D, está diversificando a área de atuação
da construtora belo-horizontina Canopus, tradicionalmente voltada para o alto luxo. Em
decorrência do novo contexto da economia nacional, inclusive com a redução nas taxas de
juros, a construtora Emcasa - braço da Canopus para o segmento popular - está ampliando
significativamente as margens de participação na receita do grupo. (CRECI-MG, 2011)8.
A criação de novos padrões também foi utilizada como estratégia das empresas para captar o público de média e
média-baixa renda e uma nova tipologia de empreendimentos populares começou a ser implementada,
buscando-se romper com os antigos padrões de conjuntos habitacionais à época do BNH. Assim, abriu-se
espaço para pequenos apartamentos com áreas internas, em geral, de até 60m², em empreendimentos com
diferenciais até então exclusivos do mercado de luxo e alto luxo, inclusive visando compensar as diferenças
locacionais, tais como: espaço gourmet, fitness, portarias, fachadas neoclássicas ou modernas, áreas de lazer,
etc.
Ao mesmo tempo, as áreas internas dos apartamentos direcionados às classes de renda média e média-alta
tornaram-se menores, sendo comum novos empreendimentos com unidades habitacionais de três quartos com
até 85 m². Esta tendência de readequação das áreas internas foi consequência da valorização fundiária, que
levou as empresas a aumentarem o adensamento objetivando elevar o Valor Geral de Vendas (VGV) e garantir a
realização do empreendimento. Segundo o diretor da construtora Patrimar, Alexandre Veiga:
Trata-se de um novo estilo de vida. Unidades compactas já representam 30% dos lançamentos
da empresa. Neste ano, a construtora vendeu 350 unidades de um e dois dormitórios, com
áreas entre 56 e 82 metros quadrados, em dois grandes empreendimentos na Vila da Serra.
Com o metro quadrado de um apartamento novo avaliado em 8.500 reais, valor 35% menor que
o de alguns bairros nobres da Região Centro-Sul de BH, o bairro novalimense tornou-se o
principal endereço dos grandes condomínios-clube. (VEJA, 2013, p.34).9
Nota-se que para compensar a redução das áreas privativas, as construtoras investiram nas áreas de uso
comum, pois não interferem no potencial construtivo do empreendimento. Assim, um playground, um salão de
festas e uma piscina não eram mais suficientes e os condomínios-clube10 passaram a ser constituídos por
Disponível em: http://www.crecimg.gov.br/Noticias_OnLine/id-1419/. Acesso em: janeiro. 2012.
Disponível em: http://vejabh.abril.com.br/edicoes/novos-apartamentos-lancados-bh-estao-cada-vez-mais-apertados-758010.shtml.
Acesso em: novembro. 2013.
10 Termo empregado pelo Mercado imobiliário e que pode ser melhor descrito em SAMPAIO, Giuliana Beatriz Dalfovo do Amaral.
Condomínios Verticais Residenciais na cidade de São Paulo. São Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2010.
8
9
8
academia, sauna, espaços gourmet, espaço kids, espaço zen, espaço mulher, e toda sorte de “espaços para
atender ao novo estilo de vida” proposto pelas empresas.
Observa-se ainda que as empresas que mantiveram o foco direcionado ao segmento de alto luxo, também se
reorganizaram para se manterem no mercado direcionado a uma clientela cada vez mais exigente. A empresa
Caparaó lançou o conceito Option Line no ano de 2004, permitindo ao cliente personalizar o imóvel residencial
utilizando a estrutura de projetos da própria empresa. Além disso, o cliente poderia escolher serviços pay-peruse11, entre diversas opções como: lavanderia, arrumação e limpeza, central de manutenção e reparos, personal
trainer e mensageiro. Nota-se que, além de uma clientela diferenciada e restrita, que almeja viver em bairros da
região Centro-Sul de Belo Horizonte, como o Lourdes, Funcionários, Santo Agostinho, Sion, Belvedere, um
grande número de investidores é atraído por essas ilhas de prosperidade, arriscando-se na aquisição de
unidades residenciais e comerciais e visando a obtenção de lucro futuro.
Além da busca por inovações no mercado residencial para as camadas de alta renda, cabe considerar que essas
empresas se voltaram para o mercado de construção e vendas de imóveis comerciais, também direcionados aos
segmentos luxo e alto luxo. Em Belo Horizonte, são vários os exemplos: a PHV Engenharia, lançou o Center Sul,
no Bairro Santa Lúcia, com salas cujas áreas variam de 115m² a 458m². A Carneiro Costa Empreendimentos,
subsidiária da Construtora Líder, lançou o edifício comercial Carneiro Costa Office, no Bairro Santo Agostinho,
com 10 pavimentos de andares corridos. A Construtora Caparaó lançou o ABC Emilio Pampolini, localizado na
Praça ABC, no Bairro Funcionários, com 60 salas comerciais com áreas variando entre 62m² a 215m². Também
em construção, pela Caparaó, o Renaissance Work Center, localizado na Rua Paraíba, com andares corridos de
até 520m² de área e pela Patrimar, o Mayfair Offices, na Rua dos Otoni, no Bairro Funcionários.
Por sua vez, a Direcional Engenharia lançou o Monterey Total Life, ao lado do Shopping Del Rey, na região da
Pampulha. Trata-se de um complexo de uso misto onde estão sendo erguidos: um hotel de negócios, o Go Inn
Del Rey, quatro torres comerciais e duas torres residenciais, com apartamentos de um, dois ou três quartos com
suíte, e área de lazer de uso comum aos moradores.
No final do ano de 2013, a Direcional lançou o Projeto Oásis, no Município de Contagem, próximo ao Itaú Power
Shopping. Trata-se de um grande complexo que será constituído por dois hotéis, um apart-hotel, duas torres
comerciais, além de 1.800 unidades habitacionais. O empreendimento será construído em 4 etapas e localizado
em área de 94 mil metros quadrados, onde funcionou a antiga fábrica de laminados de ferro La Fersa. Além dos
edifícios e a infraestrutura necessária, há propostas de restauração de um dos antigos edifícios e das chaminés
da fábrica para receber o Centro de Memória dos Trabalhadores e da Indústria de Contagem, de implantação de
11
São serviços próprios da hotelaria, inseridos em edifícios residenciais de alto luxo e cobrados à parte na taxa condominial.
9
parque e de obras de canalização de córrego. São obras que apontam para as negociações de contrapartida
acertadas entre a empresa e o poder público na aprovação do empreendimento.
Além dos grandes empreendimentos de uso misto, a Direcional é responsável pela construção de mais dois
hotéis em Belo Horizonte: o Tulip Inn, localizado na Rua Antônio de Albuquerque, no Bairro Savassi, em parceria
com a empresa de hotelaria Brazil Hospitality Group (BHG S.A.), responsável pela marca Golden Tulip na
América do Sul; o One Hotels by Caesar Business, localizado no Bairro Jaraguá, ao lado do Aeroporto da
Pampulha, em parceria com a Sancruza Imóveis12 e o grupo hoteleiro mexicano Posadas.
Em que pesem as críticas em relação à alavancagem do setor hoteleiro na RMBH (e no país), e sua relação
posterior com a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, interessa verificar a articulação de empresas
incorporadoras e construtoras na busca por novos nichos de mercado. 13 Observa-se que construtoras e
incorporadoras mineiras, como a Dharma, a CMR, a Caparaó, a Castelo, a Concreto, a Líder, a Patrimar,
tradicionalmente orientadas para os públicos de rendas média-alta e alta, constituíram parcerias para a realização
dos novos empreendimentos hoteleiros (ver INFG_1.10 Ranking construtoras RMBH). Por outro lado,
construtoras que atuam com direcionamento à demanda por moradia dos segmentos populares não entraram
neste segmento de atuação, à exceção da Direcional Engenharia. Esta empresa tem se destacado pelas
estratégias diversificadas, tanto no que refere ao atendimento dos públicos de baixa e médias rendas (com
atuação nos segmentos econômico, popular e luxo), quanto aos diferentes usos – residencial, comercial e misto,
além da densidade, abrangência e localização de seus empreendimentos.
Independente do segmento de atuação, mas em particular naquelas empresas sediadas nas grandes cidades
brasileiras, ocorreu a fusão do agente incorporador14, do agente construtor, do agente comercializador e até
mesmo do agente financiador, com o objetivo de viabilizar ganhos extraordinários (ver INFG_1.09 Panorama
construtoras RMBH). Grandes empresas construtoras passaram a coordenar e executar a incorporação, através
de uma estrutura operacional capaz de mobilizar todos os fatores necessários à aquisição do terreno, à captação
do suporte financeiro às operações, à produção da habitação até o “lançamento do produto na prateleira”, para
A Sancruza Imóveis é uma empresa mineira incorporadora e corretora de imóveis, com atuação em mais de 100 municípios do
Estado de Minas Gerais e com participação em diversos empreendimentos como shopping centers, hotéis, residenciais, loteamentos,
condomínios de galpões. A empresa não atua como construtora, constituindo parcerias para a realização dos empreendimentos e
incorpora.
13 Ver Lei nº 9952, de 5 de Julho de 2010 qie Institui a Operação Urbana de Estímulo ao Desenvolvimento da Infraestrutura de Saúde,
de Turismo Cultural e de Negócios, visando atender às demandas da Copa do Mundo FIFA Brasil 2014 no Município.
14 Segundo Ribeiro (1997), a produção e a comercialização da habitação realiza-se a partir do processo de incorporação imobiliária, que
articula os demais agentes responsáveis pelo processo, que são o proprietário da terra, o construtor e o financiador. “O incorporador é o
agente que, comprando o terreno e detendo o financiamento para a construção e comercialização, decide o processo de produção, no
que diz respeito às características arquitetônicas, econômico-financeiras e locacionais.” (RIBEIRO, 1997, p.94).
12
10
então ser comercializado. Também passaram a exercer a função de corretoras de imóveis, distribuindo centrais
em diversos pontos da cidade para a venda dos imóveis que produz.
As empresas se reorganizaram em um modelo de negócio mais complexo e deixaram de ser construtoras
contratadas para obras isoladas. Novas empresas também foram criadas a partir da fusão de empresas
existentes. A MASB, por exemplo, é uma incorporadora e construtora de imóveis, fundada no ano de 2007 a partir
de três empresas sócias fundadoras que já atuavam nos mercados imobiliário e da construção civil: Metro
Participações Imobiliárias, Alicerce Empreendimentos e Santa Bárbara Desenvolvimento Imobiliário.
De uma forma geral, as empresas passaram a ser agentes patrocinadores de grandes empreendimentos e muitas
desenvolveram marcas e sistemas próprios de venda ou ainda constituíram subsidiárias para os serviços de
venda. Sua ação passou a abarcar todas as fases da “cadeia produtiva da habitação” e, assim, se apropriar de
todo o lucro gerado neste processo econômico. Assim, uma série de agentes foram mobilizados e passaram a
integrar o processo da incorporação imobiliária: proprietários fundiários; financiadores, arquitetos e urbanistas,
engenheiros projetistas, orçamentistas, construtores, advogados, publicitários, contadores, corretores, etc.
Além da reorganização de procedimentos internos e diversificação, outra estratégia utilizada foi o lançamento de
ações para serem negociadas na Bolsa de Valores do Estado de São Paulo (BOVESPA). Entre os anos de 2006
a 2010, vinte e oito empresas abriram seu capital no segmento Novo Mercado15, visando captar recursos e
financiar seus projetos de crescimento, tornando-se ainda mais competitivas. Através da Oferta Pública de Ações
(OPA) ou, em inglês, Initial Public Offering (IPO)16, essas empresas lastrearam seus papéis em propriedades
fundiárias e lançamentos imobiliários futuros. Diante disso, o bilionário aporte de investimentos ampliou a área de
atuação de várias empresas, que fortaleceram e agilizaram seus processos de expansão geográfica, passando à
condição de empresas nacionais e não mais regionais (ver INFG_1.11 Construtoras com capital aberto variação
do valor das ações).
Ressalta-se que as incorporadoras e construtoras, em processo de abertura de capital na BOVESPA, recorreram
à formação de um estoque de terras (landbank), através de alto investimento na busca e aquisição de terrenos,
de forma a garantir, aos investidores externos, sua reprodução contínua e ampliada e a valorização do capital
15 Há mais de dez anos, a Bovespa criou os segmentos especiais– Bovespa Mais, Novo Mercado, Nivel2 e Nivel 1 -, ao perceber que
era preciso ter segmentos adequados aos diversos perfis de empresas. Lançado no ano 2000, o Novo Mercado constitui-se em um
desses segmentos, com regras diferenciadas de governança corporativa, do qual passaram a fazer parte as 26 empresas do segmento
da Construção Civil, além de 2 empresas do segmento da Intermediação Imobiliária. A listagem nesse segmento especial implica na
adoção de um conjunto de regras societárias que ampliam os direitos dos acionistas, além da adoção de uma política de divulgação de
informações mais transparente e abrangente.
16IPO equivale ao primeiro lançamento de ações de uma empresa no mercado. Por meio do IPO, é oferecida uma “fatia” da empresa a
novos investidores, que passarão a ser sócios. Para a empresa, o objetivo é captar recursos e aumentar o capital; para os investidores é
a expectativa de obter lucro com a valorização de preço da ação da empresa.
11
empregado nas empresas. Na RMBH observam-se grandes empresas da construção que, preparando-se para
abertura de capital em meados de 2006 e 2007, foram protagonistas de uma disputa pela aquisição de terrenos
para a incorporação de empreendimentos habitacionais. Sem o landbank, essas empresas dificilmente
conseguiriam atrair investidores na bolsa de valores, pois não teriam como garantir os lançamentos imobiliários
futuros e, portanto, lucros, ainda mais quando o ciclo de produção da habitação é longo e tem como ponto de
partida a disponibilidade do terreno. Nesse sentido, a necessidade do landbank lançou luz sobre a escassez de
terra urbanizada nas metrópoles e as incorporadoras e construtoras tornaram-se também proprietárias de
terrenos com localizações adequadas, que por sua vez se tornaram uma fonte significativa de ganho para estas
empresas, em particular quando na presença de uma inflação de preços de terrenos.
Diante da elevada concentração de capital, o mercado habitacional foi fortemente potencializado pelas empresas
incorporadoras e construtoras de grande porte que, com forte apoio do Estado e simultâneo aporte de capital
estrangeiro, ampliaram suas atividades de negócios e se expandiram geograficamente pelo país, ampliando a
escala de investimentos e conquistando novos mercados.
A abertura de capital das empresas construtoras e incorporadoras na BOVESPA potencializou o processo de
associação entre o mercado financeiro e o setor imobiliário, que já vinha sendo esboçado desde a criação do SFI,
no ano de 1997. Ressalta-se ainda que a propriedade é o principal lastro de uma política de captação de recursos
e portanto há uma enorme dificuldade de combinar os modelos de mercado com políticas de concessão de uso
para fins de moradia, ou arrendamento, como no PAR. “Enfim, propriedade é garantia e garantia é a base do
sistema de crédito operado pelo mercado” (ROYER, 2009, p.42).
Observa-se que as empresas Direcional Engenharia, MRV Engenharia e Participações e a Construtora Tenda,
todas com sede em Belo Horizonte, trabalhavam, originalmente, com o segmento popular. Outras empresas,
como a Cyrela Brazil Realty, Gafisa, PDG Realty, Rodobens Negócios Imobiliários e Rossi Residencial criaram
estratégias para se inserirem no mercado popular (ver INFG_1.12 Fatia de mercado construtora FAR RMBH e
INFG_1.13 Fatia de mercado construtora FGTS RMBH). Seguem-se alguns fatos referentes às recentes
reconfigurações destas empresas:
•
Com o ingresso no Novo Mercado da Bovespa, em 2005, passou a se chamar Cyrela Brazil Realty S.A;
no ano de 2006 a empresa iniciou a expansão geográfica para 7 estados brasileiros (atualmente está
presente em mais de 30 cidades), incorporou a RJZ Engenharia, com sede no Rio de Janeiro e criou a
Living (empresa com foco na produção de empreendimentos populares); no ano de 2007 criou a Cyrela
Commercial Properties (CCP), a partir da cisão dos imóveis corporativos, centros de logísticas e
shoppings centers; no ano de 2009 incorporou a Goldsztein Participações, com atuação na região sul e
12
constituiu joint ventures com diversas empresas, entre elas a Construtora Concina, com sede em
Campinas (SP), a Cury Empreendimentos Imobiliários, com sede em São Paulo (SP), a Construtora SKR,
com sede em São Paulo (SP), com a IRSA - empresa argentina do setor imobiliário -, com a Líder, com
sede em Belo Horizonte (MG), criando a joint venture Lider Cyrela.
•
No ano de 2006 a Gafisa, empresa de tradição no setor da incorporação e construção imobiliária, que
concentrava as suas atividades no Rio de Janeiro e posteriormente expandiu-se para São Paulo,
comprou a AlphaVille Urbanismo, passando a atuar no segmento de incorporação e venda de
loteamentos de alto padrão; ainda no ano de 2006, foi criada a Gafisa Vendas, com o intuito agilizar as
vendas dos imóveis e de fortalecer o suporte das equipes de vendas terceirizadas; no ano de 2007 criou
a subsidiária Fit Residencial Empreendimentos Imobiliários, braço popular do grupo, direcionada a
incorporação, construção e administração de projetos residenciais para a população de média e médiabaixa renda; no ano de 2008 passou a controlar integralmente a Construtora Tenda e a Fit foi incorporada
pela Tenda. No ano de 2010 as ações da Tenda deixaram de ser negociadas na BOVESPA, passando a
integrar as ações da Gafisa.
•
A PDG teve sua origem em 2003 como uma área focada no ramo imobiliário do Banco Pactual. Com a
abertura de capital no ano de 2007, adquiriu três empresas incorporadoras e construtoras: a Goldfarb, A
CHL e a Agre. No ano de 2009, a PDG anunciou a intenção de atuar no mercado da região nordeste, em
suas três principais capitais - Fortaleza, Recife e Salvador - com a marca Goldfarb, a bandeira escolhida
para atuar no Programa Minha Casa, Minha Vida. No Centro-Oeste, a Goldfarb fez parceria com a
Terrano, loteadora com experiência no parcelamento de grandes áreas rurais. A região Centro-Oeste
representava 9% do seu banco de terrenos em 2008 e passou para 21%, no ano de 2009. No ano de
2010 a empresa adquiriu a totalidade da Incorporadora Asacorp, com sede em Belo Horizonte até então.
•
No ano de 2006, a Rossi Residencial iniciou sua expansão geográfica com a inauguração da regional
Brasília e o estabelecimento de joint ventures com outras incorporadoras e construtoras de atuação
regional. Em Belo Horizonte, a Rossi estabeleceu joint venture com a construtora mineira Alicerce, focada
no segmento luxo. No ano de 2007, inaugurou as regionais Nordeste e Oeste e em 2009 lançou a Rossi
Ideal, voltada ao segmento popular, de acordo com as diretrizes do Programa Minha Casa Minha Vida.
Em 2010 lançou a Rossi Mais, também direcionada ao segmento popular. Em 2011, a Rossi Residencial
constituiu jointventure com a Norcon 17, constituindo a Norcon-Rossi para operar nos mercados dos
Estados de Alagoas, Bahia e Sergipe. No ano de 2012, foi criada a subsidiária Rossi Commercial
Properties, para atuar no segmento de shoppings centers e projetos de uso misto, em cidades de médio
17
A Norcon é uma incorporadora e construtora sergipana com forte atuação no nordeste.
13
porte; e a subsidiária Rossi Urbanizadora, com foco em loteamentos unifamiliares e multifamiliares. Esta
empresa já nasceu com um estoque de terrenos, oriundo do landbank à época do IPO da Rossi
Residencial.
•
Após o ano de 2002, a Rodobens Negócios Imobiliários iniciou sua expansão no segmento popular, com
a criação do produto Terra Nova, direcionado para a população de renda mensal acima de 5 salários
mínimos e, no ano de 2008 lançou o produto Moradas, direcionado para a população de renda mensal
acima de 3 salários mínimos. O desenvolvimento dos empreendimentos da Rodobens é realizado em
parceria, através de sociedades constituídas com propósito específico (SPE), mediante participações
diretas nos empreendimentos ou por meio de consórcios, com o objetivo de maximizar o aproveitamento
das diferentes oportunidades de mercado. Em Minas Gerais, a empresa mantém uma parceria com a
Construtora Lincoln Veloso. No ano de 2012, foram criadas duas subsidiárias buscando diversificação:
por meio da Rodobens Malls, a empresa passou a explorar o desenvolvimento de centros comerciais e,
por meio da Rodobens Urbanismo, grandes áreas do banco de terras da empresa começaram a ser
destinadas a loteamentos.
Entretanto, apesar da expansão de várias empresas, algumas, como por exemplo, a Construtora Tenda,
apresentaram sérios problemas diante das exigências e critérios do mercado aberto de capitais. Várias foram as
razões para os baixos resultados que a Construtora Tenda apresentou, entre elas a compra de terras
inadequadas para edificação, na formação do seu landbank, projetos mal conduzidos, falta de estrutura
organizacional para gerir muitos canteiros, o que provocou atrasos de obras, descontrole de orçamentos e
desvios de custos, e principalmente, os altos níveis de inadimplência verificados. Observa-se ainda que a compra
da Tenda pela Gafisa repercutiu negativamente nos números e na própria credibilidade desta empresa, que
necessitou iniciar um amplo processo de reestruturação após apresentar um alto nível de cancelamentos de
vendas e sucessivas quedas na margem de lucro, que prejudicaram os resultados financeiros do grupo. Na
reportagem intitulada “Gafisa tenta afastar a sombra da Tenda, mas ações despencam”, de 16 de novembro de
2011, a Revista Exame (2011) mostrou que a desvalorização dos papéis da empresa na BOVESPA havia
atingido uma queda superior a 50% no lucro líquido na comparação com o mesmo período do ano de 2010.
No ano de 2011 a Gafisa paralisou os lançamentos da Tenda, cujo público alvo foram sempre as famílias com
renda familiar mensal entre 3 e 6 salários mínimos. “Precisávamos entender como operar neste mercado. Como
produzir no custo, qualidade e tempo corretos” (Calciolari, 2014). A resposta foi a padronização dos produtos em
um só modelo e a adoção de métodos de fabricação que reduziram consideravelmente o tempo de produção. Em
14
relação à estratégia de vendas, a empresa tomou para si a tarefa de orientar o cliente quanto a obter o
financiamento imobiliário no menor tempo possível (Folha de S. Paulo, 2014).18
O anúncio da separação jurídica das empresas, no ano de 2014, indica outra estratégia visando a reestruturação:
“É o primeiro passo para reforçar no mercado de capitais a noção de que são negócios diferentes, com
qualidades específicas. No caso da Gafisa, voltada a imóveis de alto padrão, as margens são maiores. No caso
da Tenda, é o giro mais rápido que traz o retorno ao acionista”. (Calciolari, 2014).
O caso da construtora Kablin Segall, posta à venda no ano de 2009, também ilustrou a dificuldade de honrar
compromissos financeiros frente ao mercado de capitais. Segundo Royer (2009), o caso desta empresa apontou
para dúvidas sobre a captação de recursos via mercado de títulos e mercado de capitais, como sendo realmente
mais adequados em relação à captação de recursos da poupança e do FGTS.
1.3
O PMCMV
Em meio ao período no qual várias empresas incorporadoras e construtoras reagiam positivamente ao novo
quadro conjuntural, a crise econômica eclodiu nos Estados Unidos, no ano de 2008, repercutindo
internacionalmente e gerando incertezas que se estendem até os dias atuais.
A crise no mercado imobiliário transbordou para os mercados financeiros e de capitais. Por fim, afetou empresas
em todos os setores da economia e que pouca ou nenhuma relação tinha com a crise originária no setor
imobiliário, transformando-se rapidamente em uma crise de liquidez internacional (FERRARI, PAULA, 2009).
No Brasil, a deterioração do cenário internacional causou impactos violentos. Em 2007, a o crescimento do PIB
foi de 6,1% a.a e em 2008 a economia cresceu 5,1% a.a.; mas em 2009 a economia registrou uma retração de
0,2% a.a.. Contudo, em 2010 foi registrada expansão de 6,5% a.a.19 e esta recuperação foi resultado da política
econômica anticíclica20 do governo federal, que procurou garantir a menor queda possível do nível de produção e
emprego, através do aumento dos gastos públicos, principalmente com investimentos em infraestrutura urbana.
Ao mesmo tempo, medidas de expansão do crédito pelos bancos públicos foram adotadas, como forma de
compensar a retração de financiamentos pelos bancos privados aos setores produtivos.
18 Disponível em:< http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/03/1428702-ensinar-o-cliente-a-comprar-foi-fundamental-para-sair-dacrise-diz-presidente-da-gafisa.shtml>. Acesso em: mar. 2014
19
Dados do Ministério da Fazenda. Disponível em: http://www.fazenda.gov.br/portugues/docs/perspectiva-economiabrasileira/edicoes/Economia-Brasileira-Em-Perpectiva-Jun-Jul10.pdf
20 Referente a mecanismos governamentais para deter o possível ciclo da contração do crédito, que gera redução do nível de produção
e de emprego, que gera um aumento do risco de inadimplência dos empréstimos bancários, que, por sua vez, dá origem a uma nova
rodada de contração do crédito. Ver BRESSER, 2009; FERRARI E PAULA, 2009; SICSÚ, 2009; OREIRO e BASILIO, 2009.
15
No entanto, o setor da construção civil foi um dos mais ameaçados pelas consequências da crise internacional no
Brasil, sobretudo as grandes empresas da construção e incorporação imobiliária, que, através da abertura de
capital na BOVESPA, passaram a lastrear seus papéis em estoques de terras e lançamentos futuros de
empreendimentos imobiliários. Havia uma atemorização diante da possibilidade de se desfazer o movimento de
captação de investimentos externos, pois “[...] os investidores nacionais e estrangeiros não só compram as ações
dessas empresas, mas, sobretudo, compram a perspectiva de crescimento imobiliário e de valorização das ações
de base imobiliária” (SHIMBO, 2010, p. 104).
Nesse contexto e como parte do esforço de se sustentar o crescimento da economia, o governo Lula reforçou o
aporte de investimentos em infraestruturas urbanas no âmbito do PAC e anunciou o Programa Minha Casa Minha
Vida (PMCMV).
Cumpre frisar, no entanto, que o Governo Lula, desde o ano de 2003, já induzia a alavancagem do setor
imobiliário através de uma série de mecanismos regulatórios e financeiros. Além disso, o ambiente econômico
favorável, com a perspectiva de liberação continuada de crédito para a aquisição das habitações produzidas,
constituía-se em garantia do bom desempenho das empresas do setor da construção e da incorporação na
BOVESPA e, assim, assegurava os investimentos no mercado de capitais.
O PMCMV constituiu-se, assim, em um programa duplamente atraente, pois era parte da política econômica
anticíclica do governo federal, que visava a geração de emprego e renda; e impulsionava o desenvolvimento do
setor imobiliário, através da inserção da população de baixa renda no mercado formal de crédito habitacional.
Em relação às instâncias institucionais e políticas, o PMCMV representou o papel de destaque da Casa Civil na
gestão de políticas prioritárias do governo, e, nesse sentido, significou também uma ruptura com os pressupostos
estabelecidos pela Política Nacional da Habitação (PlanHab), construída no âmbito do MCidades, na medida em
que não integrou o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), diante da previsão de que as
prefeituras municipais não teriam condições administrativas e técnicas para executar o programa. Além disso,
havia a pressão do empresariado frente à crise econômica internacional e às ameaças de retirada de
investimentos no mercado imobiliário, até então em forte expansão (LOUREIRO, MACÁRIO E GUERRA, 2013).
Assim, a concepção do PMCMV margeou, de certa forma, o SNHIS, mas, ao mesmo tempo, estruturou-se a partir
do arcabouço de dois programas, criados no Governo FHC e que tiveram continuidade garantida no Governo
Lula, pelo próprio MCidades: o PAR21 e a Carta de Crédito.
O Programa de Arrendamento Residencial (PAR) é promovido pelo Ministério das Cidades, tendo a CAIXA como agente executor e o
FAR – Fundo de Arrendamento Residencial – como financiador. Foi criado para ajudar municípios e estados a atenderem à necessidade
de moradia da população que recebe até 6 salários mínimos e que vive em centros urbanos. O PAR é desenvolvido em duas fases
21
16
O PMCMV representou uma relevante ação do governo federal no contexto de enfrentamento da crise econômica
mundial – e dos seus efeitos no Brasil –, ao mesmo tempo em que constituiu-se em um movimento de
sustentação, incentivo e impulso ao processo de reestruturação do setor imobiliário iniciado nos anos 2000.
Nesse sentido, o programa assumiu um lugar central no Governo Lula e do que o sucedeu, o Governo Dilma
Rousseff, sendo direcionado um alto aporte de recursos para a produção habitacional, além de subsídios diretos
e explícitos para a ampliação do atendimento às famílias de mais baixa renda (até 3 salários mínimos), pelo
mercado formal.
A despeito de ter, oficialmente, sido incorporado ao PAC somente no ano de 2011, o PMCMV, lançado no ano de
2009, foi formulado no âmbito dos planos da Casa Civil22, com a participação efetiva do Ministério da Fazenda na
definição da sua regulamentação e operacionalização, além de construir a ponte com o empresariado da
incorporação e construção civil. Por sua vez, o MCidades, através da Secretaria Nacional da Habitação (SNH),
coordenada por Inês Magalhães, contribuiu com o desenho técnico e organizacional do programa.
No discurso de lançamento do PMCMV2, a Presidenta Dilma Rousseff mostrou a articulação institucional
necessária para a elaboração do programa:
A política do Minha Casa Minha Vida, ela é uma política parceira de vários programas. É
parceira do PAC, no aspecto de que o governo federal unificou os programas de habitação.
Hoje nós temos e podemos fazer esse tamanho de subsídios e financiamentos porque a nossa
política unificou todos os programas sociais de habitação que existiam na esfera do governo
federal e os ampliou, na certeza de que era obrigação, e é obrigação do governo federal
assegurar, quando ainda há uma grande desigualdade em nosso país, que as camadas da
população com mais baixa renda possam ter acesso à sua moradia. [...] De fato, quando nós
iniciamos o projeto, nós chamamos os empresários da construção civil, os pequenos, os
médios, os grandes, e inicialmente nós fizemos uma avaliação de quantas moradias era
possível serem feitas. (ROUSSEF, 2011)
Uma das críticas ao PMCMV refere-se ao seu distanciamento em relação à política habitacional e urbana que
estava sendo delineada desde a criação do Ministério das Cidades e que foi instituída com a aprovação do
SNHIS – e do FNHIS –, no ano de 2005, sendo posteriormente consubstanciada no Plano Nacional Habitacional
(PlanHab). Este, por sua vez, elaborado a partir de um processo de construção amplamente participativo e
coordenado pela Secretaria Nacional de Habitação (SNH), buscou consolidar um pacto nacional de longo prazo,
distintas. A primeira delas é a de compra de terreno e contratação de uma empresa privada do ramo da construção, responsável por
construir as unidades habitacionais. Depois de prontas, as unidades são arrendadas com opção de compra do imóvel ao final do período
contratado.
22 A então candidata governista à presidência, Dilma Rousseff, Ministra-Chefe da Casa Civil, teve seu nome fortemente associado à
criação do “pacote habitacional”, junto com a criação do PAC.
17
baseado na garantia do direito à moradia digna para toda a população brasileira. (BONDUKI, 2009; KRAUSE;
BALBIM; LIMA NETO, 2013; LOUREIRO; MACÁRIO; GUERRA, 2013).
Contudo, apesar de situar-se à margem do SNHIS, ressalta-se que os planos do governo para a configuração do
PMCMV apoiaram-se na experiência acumulada pela SNH, ligada à construção da política de habitação de
interesse social e aos vários programas que já vinham sendo executados, “[...] E mais, esse órgão foi capaz, no
momento da crise, de oferecer ao governo alternativas (amadurecidas ao longo da elaboração do PlanHab) para
dinamizar a atividade econômica.” (LOUREIRO; MACÁRIO; GUERRA, 2013, p.18).
Enquanto o estopim da crise de 2008, nos EUA, era a retração do mercado imobiliário, a reação do governo
federal brasileiro à mesma crise foi fortemente caracterizada por estímulos ao crescimento e à expansão deste
mesmo segmento da economia. A crise norte-americana foi resultado da falta ou do afrouxamento da
regulamentação sobre as instituições financeiras23, e da ausência de políticas públicas habitacionais para os
cidadãos pobres ou com renda modesta; mas, no Brasil, o Estado planejou, regulou e garantiu o crescimento
continuado dos negócios imobiliários privados e direcionados à população de renda mensal de até 10 salários
mínimos.
Neste sentido, a Medida Provisória n°459 de 25 de março de 2009 delineou as características e a
regulamentação do PMCMV, indicando os principais agentes públicos encarregados da sua implementação,
tendo sido regulamentada pelo Decreto nº 6.819, de 13 de abril de 2009 e transformada na Lei nº 11.977, de 7 de
julho de 2009, com alterações posteriores, conforme veremos a seguir.
2. Evolução do PMCMV/FAR
Informações sobre o PMCMV24
O PMCMV se propõe a subsidiar a aquisição da casa própria para famílias com renda até R$ 1.600,00 e facilitar
as condições de acesso ao imóvel para famílias com renda até R$ 5 mil. As famílias são enquadradas por faixas
de renda, podendo participar do programa desde que não possua casa própria ou financiamento em qualquer
unidade da federação, ou tenha recebido anteriormente benefícios de natureza habitacional do Governo Federal.
Ferrari e Paula (2009) ressaltaram que a crise financeira internacional decorreu, em grande medida, da desregulamentação dos
mercados financeiros e das inovações financeiras, tais como securitizações e derivativos, somado à própria internacionalização do
sistema financeiro, que favoreceu a livre mobilidade de capitais e a flexibilidade e a volatilidade das taxas de câmbio e de juros.
24
Fonte: http://www2.planalto.gov.br/excluir-historico-nao-sera-migrado/saiba-como-funciona-e-como-participar-do-programa-minhacasa-minha-vida
23
18
Faixa 1 - Famílias com renda mensal bruta de até R$ 1.600,00.
Faixa 2 - Famílias com renda mensal bruta de até R$ 3.275,00.
Faixa 3 - Famílias com renda mensal bruta acima de R$ 3.275,00 até R$ 5 mil.
Modalidades
O MCMV possui cinco modalidades para a Faixa 1:
Empresas – atende famílias com renda mensal de até R$ 1.600, por meio da transferência de recursos ao Fundo
de Arrendamento Residencial (FAR). Nessa modalidade, a maior parte do subsídio é da União. A parcela paga
pelo beneficiário é de 5% da renda mensal, com prestação mínima de R$ 25,00.
Entidades – para as famílias com renda mensal de até R$ 1.600,00 organizadas em cooperativas habitacionais
ou mistas, associações e demais entidades privadas sem fins lucrativos. O trabalho é feito por meio da produção,
aquisição ou requalificação de imóveis já existentes. A União concede subsídio para a construção da unidade por
meio de financiamentos a beneficiários organizados de forma associativa por uma entidade. A parcela paga pelo
beneficiário é de 5% da renda mensal, com prestação mínima de R$ 25,00.
Municípios com até 50 mil habitantes – atende às famílias com renda mensal de até R$ 1.600,00 em municípios
com população de até 50 mil habitantes, não integrantes de regiões metropolitanas das capitais estaduais. O
subsídio é da União, sendo que o valor de contrapartida pode ou não ser cobrado do beneficiário.
FGTS – para atender às famílias com renda mensal até R$ 5 mil por meio do financiamento com recursos do
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.
Rural – modalidade destinada aos agricultores familiares e trabalhadores rurais com renda anual bruta de até R$
15 mil, para o Grupo 1, de R$ 15 mil a R$ 30 mil para o Grupo 2 e de R$ 30 mil a R$ 60 mil para o grupo 3.
Recursos
Os recursos do MCMV são do orçamento do Ministério das Cidades repassados para a Caixa Econômica
Federal, que é o agente operacional do programa. Para atender à Faixa 1, nas modalidade Empresas e
Entidades, a Caixa e o Banco do Brasil analisam e aprovam a contratação dos projetos apresentados pelas
construtoras, conforme as diretrizes definidas pelo Ministério das Cidades. A liberação dos recursos ocorre a
cada medição de obra.
Nas outras faixas de renda e modalidades, os recursos são repassados pelo ministério à Caixa para subsidiar os
contratos de financiamento dos interessados na aquisição do imóvel tanto na área urbana como na rural. A
19
contrapartida dos municípios é para a construção da infraestrutura externa, assim como alguns equipamentos
públicos como escolas, postos de saúde e creches.
Fases
A primeira etapa do PMCMV pareceu cumprir a meta de oferecer, entre 2009 e 2011, um milhão de casas à
população com renda de até dez salários mínimos. Desde o lançamento do PMCMV, formalizado pela edição da
Medida Provisória no 459/2009, convertida na Lei no. 11.977, de 07 de março de 2009, um grande número de
outras medidas provisórias, leis, decretos e portarias promoveu constantes alterações em sua configuração
inicial. Entre elas, destaca-se a Medida Provisória no 514/2010, convertida na Lei no. 12.424, de 16 de junho de
2011, que lança a chamada Fase 2 do PMCMV. Marcadamente, o lançamento desta segunda fase traz
alterações relevantes na operação do programa e nas atribuições de seus agentes, que serão evidenciadas ao
longo desta seção, com previsão de financiamento de R$ 125,7 bilhões e promessa de mais 2 milhões de
moradias até 2014.
Em Setembro de 2014, a MP 656, de 07 de outubro de 2014, altera a Lei nº 12.024, de 27 de agosto de 2009 em
seu Art. 2º, estabelecendo que a tributação sobre faturamento total das obras de 4% para 1% será estendido até
2018; por portaria de 10/2014, o governo federal amplia a contratação de 350 mil novas unidades até julho de
2015.
Especialmente aqui, trataremos da legislação que regulamenta a modalidade FAR, uma das quatro estabelecidas
junto ao Programa Nacional de Habitação Urbana (PNHU). Pretende-se realizar uma avaliação crítica desta
legislação e de suas alterações ao longo dos últimos cinco anos de vigência, apresentando as possíveis
motivações que levaram à essas alterações e seus resultados nas seguintes dimensões: os aspectos que
definem a modalidade FAR, as atribuições determinadas aos diferentes agentes na modalidade, as exigências
para aprovação de projetos e os critérios federais de seleção de beneficiários.
2.1.
Modalidade FAR
A modalidade FAR se diferencia legalmente das demais pela aplicação restrita às regiões metropolitanas
determinadas em lei e/ou à municípios com mais de 50 mil habitantes e, especialmente, por se tratar da
modalidade com maior contrapartida pública, direcionada às famílias na chamada ‘faixa 1’, a faixa de renda
familiar mensal inferior atendida pelo Programa.
As alterações propostas com o lançamento da Fase 2 do PMCMV abrangem inclusive a demarcação da faixa de
renda que define a modalidade FAR. Inicialmente, a ‘faixa 1’, era determinada por um limite de renda familiar
20
mensal de 0 (zero) até 3 (três) salários mínimos, equivalente a R$1.395,00 na época do lançamento do
Programa. Com o lançamento da Fase 2, o Programa passa a adotar valores fixos em Reais para a demarcação
das faixas de renda, abandonando a indexação ao salário mínimo. A ‘faixa 1’ passa então a ser definida pelas
famílias que possuíssem renda mensal de 0 (zero) até R$1.600,00 (equivalente à pouco menos de 3 salários
mínimos à época). A decisão pela definição das faixas de renda em valores fixos em Reais pode ter sido
motivada por dificuldades no cadastramento das famílias com um limite de renda cambiante. Apenas no período
entre o lançamento das Fases 1 e 2 do Programa, o salário mínimo fixado pelo Governo Federal havia sofrido
três reajustes, conforme figura 02.
FIGURA 02: Evolução do salario mínimo brasileiro a partir de 1994.
Fonte: ADVFN.com
Cabe ressaltar que uma consequência direta da fixação do corte das faixas de renda tem sido a exclusão, ao
longo do tempo, de uma parcela significativa da população anteriormente comtemplada pela modalidade FAR.
Desde o lançamento da Fase 2 do Programa, em 2011, até o presente momento, os limites determinados para as
faixas de renda permanecem inalterados, enquanto o salario mínimo sofreu três novos reajustes. Atualmente o
valor de R$1.600,00 equivale à 2,2 salários mínimos, privando do acesso à modalidade FAR parcela significativa
da população que inicialmente pretendia-se atender, sem que seu acesso às demais modalidades possa ser
efetivado ou garantido frente às maiores exigências impostas pelas outras faixas do programa.
Por outro lado, um dos aspectos bastante criticados do PMCMV trata da exclusão de uma população no extremo
21
inferior desta faixa de renda. Identifica-se uma falácia na afirmação de que o programa atenderia a famílias com
renda mensal a partir de zero. Ainda que a modalidade FAR seja a mais subsidiada, seu beneficiário, segundo as
regras do programa, deve obrigatoriamente pagar uma mensalidade à CAIXA durante 10 anos, para que então
tenha a posse de sua unidade habitacional garantida. Segundo a Professora Silvia Schor (FEA-USP)25, esta
exigência mantém efetivamente excluídas do programa as famílias com renda abaixo de R$600,00 como, por
exemplo, a população moradora de rua que dificilmente conseguiria manter o pagamento mínimo exigido pelo
programa. A partir das entrevistas com 200 moradores dos dois empreendimentos analisados (Residencial
Alterosas, Ribeirão das Neves, e Parque das Palmeiras II, Betim), a renda familiar média de até 1 SM representa
de 36 a 42% das famílias (ver INFG-2.10 Renda familiar mensal).
Nesse cenário, outra mudança representativa é observada na legislação do PMCMV a partir da Fase 2, no que
concerne o valor da mensalidade a ser paga pelos beneficiários. Inicialmente os beneficiários contribuíam para o
pagamento da unidade habitacional com um máximo de 10% de sua renda mensal ou no mínimo R$50,00 por
parcela durante um período, o restante sendo subsidiado pelo governo. Estes valores foram alterados
respectivamente para 5% e R$25,00 em 2011. Em uma primeira análise, é possível afirmar que o atendimento às
famílias com renda igual ou próxima à 0 (zero), mesmo com o reajuste significativo, segue não contemplado,
ainda que inclua mais famílias com renda mais baixa.
2.2.
Agentes e atribuições
Quando do lançamento do programa, as atribuições legais da CAIXA eram apenas a prestação de contas e
“outras atividades”. A partir de 2010, são atribuídas responsabilidades como: expedir, publicar e firmar atos
normativos e instrumentos, definir especificações técnicas mínimas, analisar viabilidade técnica de projetos,
cadastrar beneficiários, adquirir unidades para alienação, contratar execução de obras e serviços, contratar e
acompanhar o Trabalho Técnico Social (TTS) e a apurar valor de aquisição de equipamentos. Em contraste, as
responsabilidades atribuídas ao MCidades permanecem as mesmas desde o lançamento do Programa:
monitorar, estabelecer diretrizes, fixar regras e condições e determinar critérios nacionais de seleção de
beneficiários. Um indicador relevante é de que a esfera pública nacional mantém para si um papel bastante
distante da prática operacional do programa. Nesse sentido, vale apontar que os moradores entrevistados em
todos os empreendimentos da RMBH visitados vinculam o PMCMV às Prefeituras e à CAIXA, mas jamais ao
Extraído de MARICATO, Ermínia. O “Minha Casa” é um avanço, mas segregação urbana fica intocada. Carta Maior, maio de 2009.
Disponível em http://cartamaior.com.br. Acesso em: nov. 2013.
25
22
MCidades.
Com o lançamento da Fase 2 do programa, tem-se a inclusão de outras instituições financeiras como outros
agentes operacionais do PMCMV, particularmente o Banco do Brasil. As atribuições, até então delegadas à
CAIXA, passam a ser legalmente possíveis a partir de 2012 a quaisquer instituições financeiras que venham a
aderir ao programa, como por exemplo a avaliação financeira de possíveis beneficiários. Entretanto, a definição e
a publicação de atos normativos e instrumentos permanecem como responsabilidade exclusiva da CAIXA.
As entidades públicas municipais e estaduais, sem atribuições quando do lançamento do programa, também
mudam de papéis. A partir de 2010, esse conjunto de agentes passa a assumir responsabilidades como
promover ações facilitadoras, aprovar e viabilizar projetos, aportar recursos financeiros, bens ou serviços,
selecionar beneficiários finais e realizar a guarda dos imóveis até sua entrega aos beneficiários. Em 2011,
surgem novas atribuições ao conjunto desses agentes: a obrigatoriedade de elaboração de um documento
denominado Relatório de Diagnóstico de Demanda por Equipamentos e Serviços Públicos Urbanos, a ser
avaliado como uma das exigências para aprovação de projetos; e a responsabilidade de execução do TTS junto
aos beneficiários, atribuição transferida diretamente da CAIXA, até então responsável pela contratação e
acompanhamento deste serviço.
A fragilidade e a curta duração do TTS, em fases nomeadas Pré-Morar e Pós-Morar, obrigatoriamente executado
na modalidade FAR, são pontos extremamente críticos do PMCMV. Um possível motivador da transferência
desta responsabilidade para as entidades públicas locais pode ser o desenvolvimento de um trabalho mais
próximo aos moradores, consolidado e contínuo por parte das prefeituras. No universo dos empreendimentos
analisados na RMBH, empreendimentos contratados após o lançamento da Fase 2 não foram encontrados,
portanto os possíveis resultados desta alteração não chegaram a ser avaliados aqui.
No entanto, uma séria preocupação pode ser levantada em relação ao preparo das Prefeituras para assumir esta
responsabilidade. As entrevistas com as Prefeituras dos seis municípios selecionados para aprofundamento no
escopo desta pesquisa - Belo Horizonte, Betim, Contagem, Caeté, Ribeirão das Neves e Vespasiano – revelaram
a “compreensível” diversidade de conformações administrativas e capacidade técnica. Ainda que a possibilidade
de continuidade do acompanhamento social pelas instituições públicas locais pareça necessário, dada sua curta
duração junto ao Programa, empreendimentos localizados em municípios menores, com pequeno corpo
administrativo ou menor disponibilidade de recursos – configuração recorrente na RMBH – podem enfrentar
dificuldades para cumprir a expectativa de um TTS sólido.
Em se tratando do TTS cabe pontuar outra alteração, ocorrida também com o lançamento da Fase 2, relacionada
ao recurso disponibilizado para sua execução. A legislação que em 2009 fixava o valor destinado à execução do
23
TTS em 0,5% do valor de aquisição da unidade, em 2011 aumenta para 2%. Em entrevista, as empresas que
realizaram o Pós-Morar de empreendimentos da Fase 1 do Programa (Ampliar e ASP) afirmaram que o problema
não era exatamente o valor destinado, mas o tempo exigido de duração para o trabalho, equivalente a três meses
pré-morar (anterior à conclusão das obras) e seis meses Pós-Morar (após conclusão das obras).26 Destaca-se
que os três meses Pré-Morar não foram cumpridos nos casos entrevistados devido à complicações diversas. Em
entrevista com representante da área de assistência social da Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte
(Urbel)27, obtivemos a informação de que empreendimentos contratados após o lançamento da Fase 2 na capital
estariam recebendo assistência Pós-Morar pelo período de um ano. Segundo a entrevistada, este período ainda é
muito curto e insuficiente para que os condomínios sequer adquiram autonomia administrativa.
De volta às atribuições designadas às Prefeituras, Distrito Federal e Estados, temos, em 2012, o surgimento da
possibilidade de indicação de empreendimentos ou de terrenos necessários à produção de unidades
habitacionais – o “chamamento público” feito pelos governos locais. O poder público tem a possibilidade de se
colocar como proponente do Programa em sua modalidade FAR, até então mantida exclusivamente na mão das
construtoras. Inicialmente, esta possibilidade parece adequada no sentido de, em tese, permitir que as prefeituras
ou demais entes públicos locais decidam sobre a localização das novas unidades habitacionais a partir de sua
demanda, seus planos e legislações vigentes, considerando as premissas para uma boa inserção urbana do
empreendimento antecipadamente. Trata-se, no entanto, de uma possibilidade frágil, dada a “natural” prioridade
econômica por parte das construtoras para sua concretização. Esta nova estratégia parece ser desejada por
parte das grandes construtoras que teriam facilidade de concorrer aos “chamamentos” feitos pelos governos. Em
entrevista, representantes das construtoras afirmaram que este novo processo facilita inclusive a relação com as
prefeituras, uma vez que o interesse na “viabilização” do projeto é mútuo. 28
Evidências de que as atribuições dos agentes responsáveis pela operacionalização do PMCMV se confundem na
prática puderam ser obtidas através de entrevistas com representantes da CAIXA 29 e das Prefeituras,
CASTANHEIRA, Denise A. A. Franco. Sócia da empresa Ampliar Consultoria e Planejamento LTDA, responsável pela
execução de trabalho social no empreendimento Jardim das Palmeiras II. Entrevista concedida à equipe do PRAXIS. Belo
Horizonte, 18/02/2014. SANTOS, Marilda Nunes dos. Sócia da empresa ASP (Assessoria Social e Pesquisa), responsável
pela execução de trabalho social no empreendimento Residencial Alterosas. Entrevista concedida à equipe do PRAXIS.
Belo Horizonte, 10/02/2014.
26
RIBEIRO, Juliana Santos. Assistente social da Urbel - Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte. Entrevista concedida à equipe do
PRAXIS. Belo Horizonte, 07/04/2014.
28 PIETSCH, André. Gerente de projetos da Direcional Engenharia. Entrevista concedida à equipe do PRAXIS. Belo Horizonte,
21/02/2014.
29 BRANGIONI, Ana Lúcia. Gerente da área de habitação da CAIXA. Entrevista concedida à equipe do PRAXIS. Belo Horizonte,
31/03/2014.
27
24
particularmente da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (PMBH)30.
Quando questionada a respeito de unidades habitacionais invadidas ou vazias e o procedimento adotado nesses
casos, a representante da CAIXA afirmou que a tomada das devidas providências é obrigação das Prefeituras.
Enquanto, em face da mesma pergunta, a representante da URBEL justificou que estaria impossibilitada de tomar
qualquer providência por não ter propriedade das unidades, estando incapacitada, portanto, de iniciar processo
de reintegração de posse (diferentemente de programas habitacionais precedentes).
Nas mesmas entrevistas, quando indagados a respeito de denúncias de fraude no processo de comprovação de
renda para o cadastramento de beneficiários – casos identificados em que o beneficiário teria omitido parte de
sua renda para classificar-se como habilitado para a modalidade FAR – ambos os agentes mostraram-se
incapazes de tomar medidas corretivas ou mesmo de reconhecer falhas nos procedimentos utilizados no
cadastramento que estariam levando a este cenário.
Assim, as responsabilidades dos agentes junto ao Programa não se dá de forma linear e clara. Nesse cenário, os
movimentos sociais e a população beneficiária do Programa não comparecem como participantes efetivos ao
longo do processo.
2.3.
Aprovação de projetos
Diversas exigências relacionadas à aprovação dos projetos a serem contratados junto à CAIXA pelo PMCMV
passam a ser instituídas pela legislação federal, também marcadamente a partir do lançamento da Fase 2 do
Programa. Em relação ao porte dos empreendimentos, surge, com a Fase 2 (junho de 2011), a exigência de
homologação de empreendimentos com mais de 1.500 unidades habitacionais junto ao MCidades e
posteriormente, em 2012, aparece a demarcação de um porte máximo por empreendimento, equivalente à 5.000
unidades habitacionais. Estes números, bastante altos, revelam um dos problemas levantados em críticas
relacionadas ao Programa: a criação de grandes manchas monofuncionais no tecido urbano em razão da
limitação do porte dos empreendimentos (ver INFG_3.21 Porte dos empreendimentos por fase FAR e FGTS e
INFG_3.23 Porte dos empreendimentos contíguos e aglomerados).
Outra limitação relacionada ao porte do empreendimento trata do tamanho dos condomínios, restringidos a um
máximo 300 unidades a partir de 2011. A configuração dos empreendimentos em condomínios é um ponto chave
para o entendimento dos mais variados problemas observados no Programa. Segundo as empresas
30 RIBEIRO, Juliana Santos. Assistente social da URBEL - Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte. Entrevista concedida à equipe
do PRAXIS. Belo Horizonte, 07/04/2014.
25
responsáveis pelo TTS entrevistadas31, os problemas de convivência, a dificuldade de administração das áreas
comuns, as taxas de inadimplência e diversos problemas relacionados à violência são potencializados pela
configuração em condomínios e seu grande porte. Ainda que anteriores à Fase 2, os condomínios visitados na
RMBH em geral apresentam um total de unidades próximo à 300. Para as empresas responsáveis pelo TTS, este
número representa um universo muito amplo para a eficiência do trabalho a ser executado. As diversas
consequências da configuração dos empreendimentos em condomínios serão discutidas pelos eixos 2 e 3, mas
cabe aqui ressaltar que sua limitação em 300 unidades não difere muito do que já vinha sendo produzido e,
portanto, não altera a realidade dos problemas identificados, explicitados ao longo das análises de cada eixo. (ver
INFG_3.24 Porte dos empreendimentos RMBH/municípios selecionados).
A partir da Fase 2, passa a ser obrigatória também a apresentação de uma declaração de viabilidade operacional
emitida pelas concessionárias de água, luz, etc. Como verificado em entrevistas com os moradores, problemas
relacionados com as concessionárias são uma frequente reclamação (ver INFG_3.28 Problemas no
apartamento). Em um primeiro momento, reclama-se da inexistência do serviço quando do recebimento das
unidades e, posteriormente, dos valores cobrados pelos serviços (ver INFG_2.23 Variação de gastos com
serviços reassentados/sorteados). A possível melhoria dos serviços após a exigência destes documentos não
pôde ser avaliada na RMBH, devido ao universo de empreendimentos estudados, todos contratados durante a
Fase 1.
Quanto à inserção urbana e configuração dos espaços de convivência dos empreendimentos, a partir da Fase 2,
aparecem exigências e reservas de recurso. Passam ser exigidos equipamentos coletivos em empreendimentos
com mais de 60 unidades habitacionais com a Fase 2 e reservados 1% do valor de aquisição da unidade para
este fim a partir de 2012. Reserva de área para implantação de equipamento público em empreendimentos com
mais de 1.000 unidades também passa a ser exigência, com reserva de 6% do valor de aquisição da unidade
para este fim. Em relação às exigências, o objetivo parece ser impor, nivelando a partir de padrões mínimos
numéricos, alguma qualidade urbanística aos empreendimentos do programa - abordagem não muito distinta
daquela utilizada no estabelecimento de padrões que embasam o projeto arquitetônico na escala da unidade,
abordados no eixo 3. As críticas que teriam motivado a inclusão destas exigências são a baixa qualidade dos
espaços de convivência no entorno das unidades e talvez a mais forte crítica empreendida ao Programa: a
reprodução da segregação espacial através da instalação de empreendimentos em áreas desprovidas de
equipamentos públicos e serviços urbanos adequados (ver INFG_4.23 Acesso a serviços públicos e Eixo 4).
CASTANHEIRA, Denise A. A. Franco. Sócia da empresa Ampliar Consultoria e Planejamento LTDA, responsável pela execução de
trabalho social no empreendimento Jardim das Palmeiras II. Entrevista concedida à equipe do PRAXIS. Belo Horizonte, 18/02/2014.
SANTOS, Marilda Nunes dos. Sócia da empresa ASP (Assessoria Social e Pesquisa), responsável pela execução de trabalho social no
empreendimento Residencial Alterosas. Entrevista concedida à equipe do PRAXIS. Belo Horizonte, 10/02/2014.
31
26
A maneira que a legislação aborda estes tópicos pode ser questionada nos seguintes aspectos: primeiramente, a
inclusão de exigências mínimas deixa implícito que, até então, elas não estariam sendo atendidas, o que parece
bastante problemático em um universo de 1 milhão de unidades habitacionais contratadas em todo o país na
Fase 1 do Programa. Em segundo lugar, os números predeterminados que associam estas exigências ao porte
dos empreendimentos, especialmente o mínimo de 1.000 unidades para necessidade de reserva de área para
implantação de equipamento público, parece extremamente arbitrário, uma vez que apenas uma análise
comprometida do entorno seria capaz de revelar a real necessidade de áreas a serem reservadas para
implantação de equipamentos. Outro ponto crítico pode ser levantado para ambas as exigências: a obrigação
estritamente numérica não garante a qualidade ou inserção dos espaços de lazer ou da área de reserva de
equipamentos, comumente posicionadas em áreas residuais. A mesma ressalva pode ser feita em relação à
reserva de valores, o problema persiste no sentido de não garantir a qualidade destes espaços. Especificamente,
os 6% reservados para a implantação de equipamentos, permitem outra ressalva: a implantação do equipamento
não fica necessariamente sob responsabilidade da construtora, mas sim do Município, Estado ou D.F., o que
acaba por fragilizar sua execução, inclusive temporalmente. Não há prazos predefinidos para a implantação
destes equipamentos o que permite que os beneficiários fiquem em situações precárias de acesso à educação ou
saúde, por exemplo, por tempo indefinido. De maneira geral, ao que parece, ainda que impostas as mencionadas
exigências e reservas de recurso, a configuração do Programa de fato não parece garantir o espaço do lazer
gratuito ou acesso à equipamentos públicos à parcela da população que mais os utiliza e necessita. No Eixo 3,
veremos que os equipamentos comuns projetados em empreendimentos dos municípios selecionados seguem o
mesmo padrão arquitetônico e construtivo, imposto por construtoras distintas, evidenciando a negligência de
aspectos locais de cada município.
Ainda em se tratando da inserção urbana dos empreendimentos, em 2012 tem-se outra nova exigência: a
obrigatoriedade de elaboração, pelas Prefeituras, Estados e D.F., de um documento denominado Relatório de
Diagnóstico de Demanda por Equipamentos e Serviços Públicos Urbanos, para a aprovação de
empreendimentos com mais de 500 unidades habitacionais, como citado anteriormente. Este documento tem
como objetivo subsidiar a análise da inserção urbana dos empreendimentos. Segundo a legislação, este
documento, cuja aprovação estaria submetida à avaliação da CAIXA e do MCidades, deve conter estudo da
capacidade ociosa instalada nos equipamentos e serviços públicos existentes no entorno do empreendimento;
análise da necessidade de implantação de novos equipamentos para suprir a demanda gerada pelo
empreendimento; justificativa da implantação do empreendimento em relação à “demanda habitacional” do
município; descrição das medidas necessárias, dos responsáveis pela implantação e cronograma para o
atendimento das demandas identificadas.
27
A avaliação prática dos possíveis resultados da exigência deste Relatório também não pôde ser analisada entre
os empreendimentos estudados na RMBH, por se tratarem de contratações anteriores à sua exigência. No
entanto, algumas críticas podem ser esboçadas. Primeiramente, cabe destacar que a obrigatoriedade deste
relatório, sendo exclusiva para empreendimentos com mais de 500 unidades habitacionais, não garante os seus
objetivos. Na RMBH, foi observada de maneira recorrente a contratação de dois ou mais empreendimentos
independentes, com aproximadamente 300 unidades habitacionais cada, um imediatamente anexo ao outro, o
que configuraria, na prática, a mesma demanda por serviços e equipamentos de um único empreendimento com
mais de 500 unidades. Segundo a CAIXA32, a demanda destes empreendimentos seria considerada em seu
somatório, no entanto, a legislação não deixa claro como estes casos são tratados, uma vez que os
empreendimentos conjuntos não são necessariamente aprovados simultaneamente. Independentemente, o
número 500 parece carregar certa arbitrariedade, uma vez que o impacto de 300, 100 ou qualquer número de
famílias instaladas de uma só vez em locais raramente providos de infraestrutura de equipamentos e serviços
apropriados, parece igualmente inadequado.
Outro detalhe a ser destacado é que, caso este relatório identifique a necessidade de implantação de novos
equipamentos, admite-se, segundo a CAIXA 33 , o prazo de um ano após a entrega das unidades para a
implantação dos mesmos. A simples existência deste prazo deixa claro que o PMCMV não altera o tradicional
processo de ocupação das periferias pelos pobres na medida em que a alteração de critérios quantitativos não é
estruturalmente suficiente para o enfrentamento da questão habitacional como processo de acessar a cidade.
Isto posto, tivemos acesso a um desses documentos, o Relatório de Diagnóstico de Demanda por Equipamentos
e Serviços Públicos Urbanos, cedido pela Construtora Habit, referente à um empreendimento em processo de
aprovação no município de Caucaia, Ceará. Primeiramente, a elaboração do documento pela própria construtora,
no lugar do agente legalmente responsável – Prefeituras, Distrito Federal e Estados –, que parece ser prática
recorrente segundo informações obtidas em entrevista, é certamente problemática. Parece claro que a
construtora possui interesse parcial na viabilização do empreendimento acima de qualquer condição e,
especialmente, além de não serem responsáveis pela provisão e gestão dos equipamentos e serviços
identificados como necessários.
O documento, em si, mostrou-se confuso e repetitivo, e também incompleto segundo às exigências legais
previamente mencionadas, extremamente focado na justificativa de implantação do empreendimento relacionada
GOUVEIA, Sotter José. Coordenador de Habitação de Interesse Social da CAIXA/RMBH. Declaração conferida durante o debate
“Minha Casa Minha Vida: cartografias de controvérsias”. Belo Horizonte, 18/08/2014.
33 GOUVEIA, Sotter José. Coordenador de Habitação de Interesse Social da Caixa Econômica Federal/RMBH. Declaração conferida
durante o debate “Minha Casa Minha Vida: cartografias de controvérsias”. Belo Horizonte, 18/08/2014.
32
28
à “demanda habitacional” do município, item que parece menos relevante entre os exigidos quando se trata da
garantia de uma inserção urbana adequada. De maneira geral, o documento consiste em um diagnóstico que
verifica, sem explicitar embasamento metodológico, a ausência ou insuficiência de diversos equipamentos e
serviços na região que receberá 4.785 unidades habitacionais. A conclusão do Relatório reforça a “demanda”
pelas unidades, relacionada à instalação de uma fábrica na região e, finalmente, associa a viabilidade do
empreendimento às “promessas de melhoria”, sem descrever as medidas necessárias, definir responsáveis ou
um cronograma para tal. O Relatório de Diagnóstico de Demanda por Equipamentos e Serviços Públicos Urbanos
parece, portanto, mais uma exigência burocrática que não estaria cumprindo seu propósito de garantir ama boa
inserção urbana para os empreendimentos.
As críticas relacionadas à inserção urbana dos empreendimentos e à criação de grandes manchas urbanas
monofuncionais, tem como resposta mais adequada outra alteração efetuada na legislação do Programa, também
a partir da Fase 2, quando o uso não-residencial passa a ser autorizado nos empreendimentos FAR. No entanto,
não existe, na modalidade FAR, a previsão de recurso para a execução de outros usos, que não o residencial.
Segundo representante da CAIXA34, o recurso do FAR é exclusivo para habitação e não poderia ser utilizado para
outros fins como, por exemplo, comercial. A legislação do Programa, baseada em parâmetros mínimos, funciona
como padrão a ser seguido; aquilo que não é exigido ou que foge ao mínimo não é realizado.
Outro exemplo disso é o fato de que, antes que fosse exigido em lei, as unidades habitacionais e áreas comuns
da modalidade FAR eram entregues com revestimentos apenas nos pisos das áreas molhadas e revestimento
cerâmicos em meia parede nos banheiros. Os demais pisos – sala e quartos – eram entregues no contrapiso e a
cozinha e área de serviço sem revestimentos cerâmicos nas paredes. O revestimento de piso em todos os
ambientes passa a ser exigido em 2011 e o revestimento das paredes de áreas molhadas em 2012. Estas novas
exigências permitem análises a partir de dois pontos de vista. De um lado, parece extremamente inapropriado
que as unidades pudessem ser entregues “incompletas”, uma vez que a população atendida pela modalidade
FAR dispõe de poucos recursos para finalizar por conta própria o acabamento da unidade. Como foi observado
em campo, aqueles que não tinham condições de arcar com o custo dos revestimentos permaneciam morando
em apartamentos com piso de cimento sem tratamento – de difícil limpeza e aspecto inacabado –, até um ano e
meio após a entrega, como no caso do empreendimento Parque das Palmeiras II (Betim). Por outro lado, a
imposição de um revestimento prévio, de qualidade questionável, certamente dificulta a personalização da
unidade pelo beneficiário.
BRANGIONI, Ana Lúcia. Gerente da área de habitação da Caixa Econômica Federal/RMBH. Entrevista concedida à equipe do
PRAXIS. Belo Horizonte, 31/03/2014.
34
29
Fato interessante ocorreu a este respeito em 2013: a Presidente Dilma Rousseff, teria se constrangido ao tomar
consciência da ausência dos mencionados revestimentos em visita para a cerimônia de entrega de 1.640
unidades em Ribeirão das Neves, Residencial Alterosas. Em consequência, a Presidente determinou que as
unidades recebessem o acabamento e que os beneficiários que já tivessem instalado revestimentos por conta
própria fossem reembolsados. 35 Aparentemente esta medida retroativa teria se aplicado apenas ao
empreendimento Alterosas e, ainda assim, foram observadas unidades no contrapiso, oito meses após a entrega
do empreendimento.
2.4.
Seleção de beneficiários: critérios federais
Diferente das demais modalidades do PMCMV, as famílias que serão atendidas pela modalidade FAR não tem
acesso ao subsídio federal através da compra da unidade habitacional. Elas são selecionadas pelo poder público,
passando necessariamente por um processo de cadastramento. Para estar habilitado à este cadastro, as famílias
precisam atender à alguns critérios e podem ser priorizados segundo outros. A determinação destes critérios é
realizada em primeira instância pelo Governo Federal, através do Ministérios das Cidades. Em segunda instância,
a legislação federal, através da Portaria Nº 595, de 18 de dezembro de 2013, permite que o poder público local
estabeleça até três critérios adicionais de priorização.
Os critérios determinados pelo MCidades, aplicados à todo o território nacional, tratam essencialmente do limite
de renda familiar mensal, já mencionado. Exige-se também que o beneficiário não seja proprietário ou
proeminente comprador de imóvel residencial ou de financiamento habitacional em qualquer localidade do país e
que não tenha recebido previamente benefícios de natureza habitacional, oriundos de recursos da união (ver
INFG_2.08 Processo de seleção dos beneficiários).
Alguns dos problemas relacionados à seleção de famílias, ancorada essencialmente em um limite de renda
mensal, já foram abordados no tópico ‘Modalidade FAR’. Outra possível distorção pôde ser observada em relação
a composição familiar dos beneficiários FAR, consequência direta dos critérios de seleção adotados pelo
Programa: as uniões conjugais formalizadas – casamentos – passam a ser evitadas pois significam aumento na
renda a ser declarada no momento do cadastro, o que poderia significar a exclusão do beneficiário para
modalidade FAR.
Após denúncia de apartamento "maquiado", Dilma anuncia piso de cerâmica no "Minha Casa, Minha Vida", Jornal Hoje Em Dia,
17/04/2013. Disponível em http://www.hojeemdia.com.br/noticias/politica/apos-denuncia-de-apartamento-maquiado-dilma-anuncia-pisode-ceramica-no-minha-casa-minha-vida-1.113436
35
30
O Ministério das Cidades determina também que sejam priorizadas no processo de seleção, as famílias
residentes em áreas de risco ou insalubres ou que tenham sido desabrigadas, famílias com mulheres
responsáveis pela unidade familiar e famílias de que faça parte pessoa com deficiência. Paralelamente tem-se,
também na legislação federal, uma exigência de 3% das unidades reservadas para idosos e outros 3%
reservadas para deficientes. Cabe destacar que, estas priorizações, ainda que “bem intencionadas” carregam
consigo um forte estigma alicerçado pela visão de que os conjuntos habitacionais do PMCMV são lugares de
“pobres”, “favelados”, “velhos”, “deficientes” e “mulheres solteiras”. A presença destes estigmas foi verificada
externamente (do restante da cidade em relação aos conjuntos) e internamente (entre os próprios moradores) em
todos os empreendimentos visitados na RMBH, assunto que será abordado pelo eixo 2.
Em segunda instância, a legislação federal delega então, a cada município, a liberdade em determinar até três
critérios de priorização próprios a serem acrescidos aos critérios federais para seleção dos beneficiários, o que,
em princípio, permitiria um melhor entendimento do contexto local, mas também abre margens para algumas
proposições dúbias e contradições que serão abordadas na seção seguinte.
Atendendo aos critérios obrigatórios federais e municipais, os beneficiários se registram no Cadastro Único para
Programas Sociais (CadÚnico) – processado pela CAIXA – e lhes cabe então aguardar na “fila” pelo lançamento
dos empreendimentos. Efetivamente, para os procedimentos que se seguem, a denominação “fila” não poderia
ser mais inadequada. Segundo a legislação federal, o processo seletivo deve priorizar o atendimento de
candidatos que se enquadrem no maior número de critérios nacionais e municipais, por meio de sorteios para
definição das famílias. Este processo na prática se mostrou bastante confuso, por vezes envolvendo processos
questionáveis e, especialmente, impróprios para o atendimento de uma população com alta vulnerabilidade
social. Estas questões serão aprofundadas pelo eixo 2.
A partir da Fase 2, o PMCMV altera os critérios de seleção de beneficiários municipais: passa a ser permitido que
sua determinação em regiões metropolitanas seja feita em acordo entre os municípios. No entanto, a efetivação
de um cadastro integrado na RMBH parece remota. Segundo a Secretaria de Governo da PMBH, “a política
habitacional do município ainda não está sendo tratada sob esta ótica de integração”.36
3. Legislações municipais
Por meio das legislações e dos planos de ação municipais, buscaremos estabelecer relações entre a produção do
“Déficit de 115 mil moradias”, Jornal O Tempo, 07/08/2013. Disponível em http://www.otempo.com.br/cidades/d%C3%A9ficit-de-115mil-moradias-1.692716.
36
31
PMCMV e as intenções determinadas pelos instrumentos de planejamento urbano que a antecedem, nos seis
municípios estudados, além de explicitar as possíveis alterações nestas legislações decorrentes da implantação
do próprio Programa (ver INFG_1.04 Panorama legislações municipais).
Especificamente analisaremos os Planos Locais de Habitação de Interesse Social (PLHIS), destacando os
principais problemas e propostas levantados por estes planos e a presença e relevância da produção habitacional
pelo PMCMV para com os mesmos. Em seguida, traremos um levantamento dos parâmetros urbanísticos aos
quais cada empreendimento analisado teria se submetido para aprovação, a partir dos zoneamentos municipais
(ver INFG_1.06 e INFG_1.07 Zoneamentos municipais e MAPA_1.B.05 até 1.B.10 Zoneamento Municipal dos
municípios selecionados). Nesta análise destacaremos as contradições e possíveis flexibilizações da legislação
municipal para que o Programa se viabilizasse. Finalmente, faremos também uma análise mais aprofundada dos
critérios adicionais para seleção de beneficiários, determinados pelos municípios, já mencionados na seção
anterior.
3.1.
Plano Local de Habitação de Interesse Social
Desde a criação do MCidades, em 2003, o Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS), surge não só
como uma exigência do Governo Federal para que os municípios possam se inscrever em programas de
saneamento e moradia, mas, principalmente, como uma ferramenta para direcionamento dos municípios para a
implementação de programas e ações necessários ao melhoramento das condições no setor. Tivemos acesso
aos PLHIS dos seis municípios estudados na RMBH, todos elaborados posteriormente ao lançamento do
PMCMV, aprovados entre dezembro de 2010 e setembro de 2012.
Uma matriz com informações extraídas dos seis PLHIS evidenciam as principais propostas: diretrizes
relacionadas a provisão habitacional, intervenções em assentamentos precários, ações de apoio e estratégias de
planejamento e gestão (ver INFG_1.05 PLHIS). Nessa mesma matriz foram ainda transcritas dos PLHIS as
citações especificamente relacionadas ao PMCMV sempre que presentes. A partir do estudo do
Macrozoneamento RMBH37, dados dos seis PLHIS foram sistematizados, abrangendo os seguintes aspectos: a
demanda habitacional de cada município (estimativa do déficit habitacional); a existência do levantamentos de
áreas de vacância (mapeadas ou não) e de Áreas de Interesse Social 2 (AIS 2)38; a relação entre áreas de
Estudo realizado pela equipe do Plano Metropolitano Macrozoneamento RMBH. Informações http://www.rmbh.org.br/. Documentos
PLHIS disponíveis em http://www.rmbh.org.br/pt-br/repositorio/temas/plhis
38 AIS 2: Regiões destinadas a produção de novas moradias compostas de áreas vazias e edificações existentes subutilizadas ou não
utilizadas.
37
32
demanda e áreas de oferta habitacional; a delimitação de Áreas de Interesse Social 1 (AIS 1)39 e de Zonas de
Interesse Social (ZEIS)40; e as estimativas apresentadas para remoções, para os municípios que possuíam um
Plano de Regularização Fundiária ou propostas relacionadas ao tema. A seguir, faremos uma análise destes
dados, apontando as especificidades de cada PLHIS e buscando relacionar ou contrastar suas metas e propostas
com os processos de operacionalização e resultados do PMCMV.
Entre os problemas recorrentes apontados pelos PLHIS desses municípios encontram-se: irregularidade
fundiária, deficiência de infraestrutura, alta valorização imobiliária, ocupações em áreas consideradas de risco,
conflitos ou pouca expressividade da atuação de movimentos sociais, e deficiências dos sistemas de gestão
habitacional. Em uma primeira análise, evidencia-se fragilidades na implantação do PMCMV como solução única
que desconsidera a diversidade e a complexidade das questões relacionadas à habitação nos municípios em
estudo. A seguir, a análise das principais propostas apontadas pelos PLHIS e a observação da concretização ou
não das mesmas, reforça a questão demonstrando a prevalência do PMCMV sobre as demais estratégias
possíveis no setor.
Em relação à provisão habitacional, propostas diversificadas foram observadas nos PLHIS, por exemplo: a
recuperação de imóveis em áreas deterioradas para fins de interesse social, a demarcação de áreas potenciais
para uso como habitação de interesse social, a aplicação de instrumentos urbanísticos, o crédito para construção
em terreno de propriedade do morador, a formação de banco de terras, intervenções na especulação imobiliária,
entre outras. No entanto, essas propostas não ganharam relevância política e prática frente ao PMCMV. A
aplicação de instrumentos urbanísticos, como o IPTU progressivo ou a edificação compulsória, e a recuperação
de imóveis em áreas deterioradas ou a assistência técnica, com fins de minimizar os problemas de desigualdade
social e territorial, permanecem nas propostas. A demarcação no território de áreas reservadas para habitação de
interesse social (indicadas em quatro dos seis PLHIS, Belo Horizonte, Contagem, Ribeirão das Neves e
Vespasiano) tampouco tem garantido que o PMCMV se efetive. De fato, entre os seis municípios analisados, até
dezembro de 2012, apenas um empreendimento FAR contratado pelo PMCMV, Residencial Amazonas em Belo
Horizonte, com um total de 220 unidades habitacionais (2,4% do total em estudo), estaria localizado em área
39 AIS 1: Regiões destinadas a regularização fundiária e legalização do tecido urbano, composta por loteamentos irregulares ocupados
predominantemente por população de baixa renda.
40 ZEIS: Regiões edificadas, em que o Executivo tenha implantado conjuntos habitacionais de interesse social ou que tenham sido
ocupadas de forma espontânea, nas quais há interesse público em ordenar a ocupação por meio de implantação de programas
habitacionais de urbanização e regularização fundiária, tanto urbanística quanto jurídica. As ZEIS ficam sujeitas a critérios especiais de
parcelamento, ocupação e uso do solo, visando à promoção da melhoria da qualidade de vida de seus habitantes e a sua integração à
malha urbana.
33
apontada como ZEIS 241.
Várias propostas são feitas também pelos PLHIS em relação a intervenções em assentamentos precários, em
geral tratando de redução de riscos, estratégias de urbanização e de regularização fundiária. O PMCMV, aplicado
também em parceria com ações do PAC, tem acolhido população de áreas de risco e de áreas removidas por
demais motivos, principalmente obras viárias. O Programa alimenta e, em certa medida, facilita as ações de
remoção em oposição a ações de urbanização e regularização, uma vez que estas últimas são de execução mais
complexa e não contam com a mesma abundância de recursos federais.
Outras propostas presentes nos PLHIS abordam ações de apoio às políticas de habitação de interesse social.
Entre elas destaca-se a assistência técnica gratuita, proposta em quatro dos seis PLHIS – Belo Horizonte, Betim,
Caeté, Contagem. Apesar de se tratar de um direito assegurado por legislação federal (Lei Nº 11.888/2008), não
há disponibilidade de recursos para que a assistência técnica gratuita se transforme em uma política pública
efetiva. Tampouco as prefeituras tem agido de forma a incentivar esse tipo de ação em parceria com
organizações e entidades que tenham interesse em fornecê-la gratuitamente como, por exemplo, instituições de
ensino de arquitetura, engenharia e direito.
As melhorias habitacionais através de reformas e ampliações, da construção de unidades sanitárias ou do
financiamento de material de construção também aparecem como ações de apoio dos PLHIS em Belo Horizonte,
Caeté e Vespasiano. Cabe destacar que a inadequação de domicílios é mais representativa numericamente do
que o déficit habitacional nos quatro PLHIS que expões estes cálculos – Belo Horizonte, Contagem, Ribeirão das
Neves e Vespasiano. Em Belo Horizonte, por exemplo, a inadequação de domicílios representa quase o dobro do
déficit habitacional42, em Vespasiano esta relação alcança mais de seis vezes43. No entanto, não há evidências
de que as ações de melhoria habitacional propostas nos PLHIS tenham se concretizado.
De fato, o chamado déficit habitacional, através do qual se justifica o próprio PMCMV44, acaba por ser contradito
pelos próprios PHIS através do levantamento das taxas de vacância. O município de Belo Horizonte, por
exemplo, apresenta, segundo seu PLHIS, um total de domicílios vagos e oferta potencial de vacância superior em
três vezes à soma do déficit habitacional com a demanda demográfica e a demanda de remoções.
A bolsa moradia, ou auxílio aluguel, que aparece como proposta de ação no PLHIS do município de Contagem
As ZEIS 2 seriam alteradas para AEIS segundo proposta aprovada na Conferência Municipal de Política Urbana, podendo se tratar
de: AEIS 1 (regiões destinadas a regularização fundiária e legalização do tecido urbano, composta por loteamentos irregulares
ocupados predominantemente por população de baixa renda) ou AEIS 2 (regiões destinadas a produção de novas moradias compostas
de áreas vazias e edificações existentes subutilizadas ou não utilizadas).
42 Estimativas PLHIS Belo Horizonte - déficit habitacional: 62.523 UH; inadequação de domicílios: 110.989 UH. Página 68.
43 Estimativas PLHIS Vespasiano - déficit habitacional: 1.881 UH; inadequação de domicílios: 12.114 UH. Página 205-206.
44 Uma análise mais detalhada a respeito do déficit habitacional e sua relação com o PMCMV será apresentada pelo eixo 2.
41
34
existe em Belo Horizonte, desde 2003, como uma medida temporária que atende a famílias removidas ou
desabrigadas, até que possam receber, atualmente, unidades do PMCMV. Esta proposta é, na verdade, um
paliativo frente ao estoque de imóveis vagos existentes.
Foram citadas também como diretrizes de apoio às políticas habitacionais pelo PLHIS de Vespasiano, a
execução de saneamento básico e a implantação de infraestrutura e equipamentos urbanos complementares aos
programas habitacionais de interesse social. As fragilidades que concernem estes aspectos da política
habitacional nos municípios estudados serão aprofundadas pelo eixo 4, que avalia a inserção urbana dos
empreendimentos PMCMV nestes aspectos.
O fortalecimento da organização de entidades comunitárias e movimentos pela moradia, apontado como diretriz
pelo PLHIS do município de Belo Horizonte, na prática tem se traduzido apenas como critérios de priorização de
beneficiários, detalhados na seção seguinte, uma vez que as relações entre os movimentos sociais e a PMBH
tem sido conflituosa na atual administração (2009-2016).
Em relação às estratégias de planejamento e gestão, também são muitas as ações propostas pelos PLHIS, por
um lado, configurando-se como básicas e necessárias, mas, por outro lado, evidenciando as fragilidades
municipais ainda existentes: criação de órgão gestor da política de habitação; instrumentalização da
administração municipal de pessoal e equipamentos; e criação de sistema informatizado de informações, até
diretrizes legais mais amplas e complexas, como a complementação do marco regulatório.
Cabe destacar ainda que, apenas os municípios de Vespasiano e Belo Horizonte propõem o desenvolvimento de
uma política de cadastramento, necessária à operacionalização do PMCMV, como uma estratégia prioritária de
planejamento e de gestão em seu PLHIS; e que apenas o município de Betim aponta o Trabalho Técnico Social,
exigido pelo PMCMV, como uma ação de apoio prioritária em seu PLHIS.
Por se tratarem de documentos consolidados posteriormente ao lançamento do PMCMV, todos os PLHIS
mencionam o Programa em seu texto, sendo que dois dos municípios – Contagem e Vespasiano – dedicam um
capítulo específico para o tema. O capítulo específico do PLHIS de Vespasiano, no entanto, apresenta como foco
apenas a explicação do funcionamento do Programa e não traz uma postura crítica a respeito do mesmo. Os
PLHIS de Belo Horizonte, Betim e Ribeirão das Neves, mencionam o PMCMV de maneira breve, portanto, de
forma pouco relevante em seu contexto geral. Análises mais completas foram realizadas pelos PLHIS de Caeté e
Contagem. Caeté apresenta avaliação especifica das unidades habitacionais contratadas pelo PMCMV no
município; e Contagem avalia criticamente o Programa, incluindo pesquisa de satisfação com os beneficiários
reassentados em um cenário recente no município.
Belo Horizonte e Betim, especificamente, trazem uma visão positiva em relação ao Programa, com a expectativa
35
de um cenário favorável em termos de disponibilização de recursos. Em contraponto, Ribeirão das Neves
apresenta a “preocupação” manifestada durante os seminários de elaboração do PLHIS em relação ao impacto
do PMCMV no município, já que este acolhe famílias de toda a RMBH. Contudo, não há critérios adicionais de
priorização de beneficiários para o município.
As 400 unidades habitacionais entregues pelo PMCMV em Caeté, em 2012, são avaliadas pelo PLHIS do
município. Como ponto positivo, o PLHIS destaca a tipologia adotada para os blocos de apartamentos, que em
Caeté são de dois andares. Por outro lado, são apontados três aspectos negativos: a insuficiência de alguns
serviços públicos essenciais próximos ao empreendimento, principalmente de saúde e educação; a insatisfação
dos moradores com a tipologia adotada justificada pela falta de área privativa; e a falta de espaço para
desenvolvimento de atividades produtivas, como pequenos serviços e cultivos familiares de subsistência.
O PLHIS de Contagem traz uma pesquisa quantitativa a fim de verificar o perfil e a satisfação dos moradores
reassentados no município, em três conjuntos habitacionais: Residencial Parque Arrudas, Morada Nova e Vista
Alegre, sendo esse último, empreendimento do PMCMV/FAR. Ainda que o formulário aplicado não tenha
problematizado a questão, 76,2% dos moradores se dizem satisfeitos (que gostavam mais das residências atuais
que das anteriores) com o empreendimento Vista Alegre. Este resultado é bastante superior à média de 49,5% de
beneficiários (sorteados e reassentados) satisfeitos, encontrada em nossas entrevistas nos residenciais
Palmeiras II e Alterosas, em relação à satisfação (ver INFG_3.31 Preferência moradia atual, INFG_3.32
Preferência moradia anterior, INFG_3.33 O que menos gostam e INFG_3.34 O que mais gostam).
O PLHIS de Contagem traz ainda diversas críticas ao PMCMV que são, em grande parte, corroboradas por esta
pesquisa, a saber: o atropelo do Plano Nacional de Habitação, caracterizado por estratégias de longo prazo, ao
contrário dos objetivos imediatistas do MCMV; o objetivo do PMCMV em enfrentar os efeitos da grave crise
econômica internacional; o atendimento mais ao setor da construção civil do que propriamente o habitacional; os
efeitos negativos que poderão advir se o PMCMV se limitar à produção de unidades habitacionais sem se
preocupar em articula-las às cidades; a elevação do subsídio como um avanço conquistado com o PMCMV, mas
ainda socialmente injustas se à luz das atuais regras; a necessidade de medidas fiscais, tributárias e urbanísticas
na perspectiva de atrair empreendedores para a produção habitacional faixa 1, mas ainda insuficientes; o entrave
entre a valorização da terra e o valor máximo de financiamento do PMCMV para a RMBH, impondo às prefeituras
a necessidade de doação de terrenos; e, finalmente, a limitação do poder de ação do município quanto a garantia
da qualidade da produção habitacional através do PMCMV.
Finalizando, é preciso destacar que para integrar o PMCMV e receber seus empreendimentos, o município não
precisa possuir PLHIS ou seguir suas diretrizes. Portanto, além da produção de novas unidades habitacionais
através do PMCMV ser, na prática, a única ação governamental que atualmente possui recursos relevantes no
36
setor de habitação de interesse social, o Programa reduz as possibilidades de outras ações associadas à
produção habitacional por parte dos governos municipais. Tem-se, portanto, o completo esvaziamento do PLHIS
como instrumento de gestão dos municípios.
3.2.
Zoneamentos municipais
Os zoneamentos municipais junto às Leis de Uso e Ocupação do Solo (LUOS) são instrumentos de planejamento
que procuram regular o uso e ocupação do solo urbano através de parâmetros urbanísticos. Em conjunto, estas
legislações determinam no território os espaços em que tipos distintos de estrutura podem ser construídas, com
objetivo de, por exemplo: direcionar o adensamento, proteger áreas que apresentam fragilidades ambientais ou
áreas de interesse histórico, distanciar usos incompatíveis, garantir qualidades mínimas de ventilação e
insolação, etc. Esta seção pretende compreender como a produção pelo PMCMV tem se relacionado com estas
legislações nos seis municípios analisados na RMBH.
Para seguirmos para a análise dos parâmetros urbanísticos é preciso fazer uma ressalva em relação ao método
utilizado para identificação do zoneamento em que se encontrava cada empreendimento: para este levantamento
de base geográfica, cada empreendimento foi georreferenciado como um único ponto, em princípio localizado em
qualquer lugar interno ao terreno do empreendimento. Em seguida estes pontos foram sobrepostos aos mapas de
zoneamentos recuperados das legislações municipais (ver MAPA_1.B.05 até MAPA_1.B.10 Zoneamento
municipal dos municípios selecionados). Entende-se que esse procedimento pode apresentar erros:
primeiramente, pelas distorções relativas às coordenadas de cada empreendimento, fornecidas pelo Ministério
das Cidades45, por vezes imprecisos ou mesmo ausentes; em segundo lugar, pela possibilidade de erro devido
aos limites reais dos terrenos estudados, especialmente no caso de empreendimentos de grande porte, em que o
ponto georreferenciado não estará necessariamente posicionado nos locais que receberiam as unidades
habitacionais. Esses foram complicadores especialmente relevantes no caso dos empreendimentos ainda não
construídos, cujos dados não puderam ser refinados através da análise de imagens aéreas. Uma terceira questão
deve-se à imprecisões possíveis nos mapas de zoneamento, por nós elaborados, a partir das descrições das
legislações municipais.
Colocadas essas ressalvas, identificou-se que o universo de 31 empreendimentos analisados, se encontrava
sobre um total de 13 zoneamentos distintos, apresentando exigências diversas. Esta diversidade de zoneamentos
45
SNH/ DHAB/ DUAP/ CAIXA/ IBGE. Dados coletados em dez. 2012.
37
em que foi possível a aprovação de empreendimentos MCMV é o primeiro indício do argumento que será
construído nessa seção: os zoneamentos municipais tem pouca capacidade de direcionamento da produção pelo
Programa, pois não representam nenhum impedimento à sua viabilidade, seja devido ao padrão tipológico
adotado pelas construtoras – que apresenta um baixo aproveitamento do terreno – seja devido às possíveis
flexibilizações das leis oferecidas pelas prefeituras.
Para que fosse possível uma comparação sistemática entre os parâmetros exigidos pelos 13 zoneamentos
identificados, foi construída uma matriz contendo as informações levantadas (ver INFG_1.06 e INFG_1.07
Zoneamentos municipais). Especificamente, foram destacadas as exigências em relação à permissão de uso;
taxas de ocupação (TO) e de permeabilidade; coeficientes de aproveitamento (CA); recuos frontal, lateral e de
fundos; número máximo de pavimentos; altura máxima na divisa; quota; área mínima e máxima da parcela;
exigências em relação à vagas de garagem; e exigências específicas para conjuntos habitacionais. Em seguida,
foram destacados em vermelho na mesma matriz, os parâmetros que poderiam representar impasses para a
aprovação dos empreendimentos, conhecendo suas características padrão de edificação e implantação.
Através da matriz, é possível observar que o principal ponto de conflito entre os zoneamentos municipais e os
empreendimentos contratados pelo PMCMV até dezembro de 2012 nos seis municípios selecionados está
relacionado às questões ambientais. Uma análise mais aprofundada em relação à inserção ambiental dos
empreendimentos, inclusive avaliando a presença de outras áreas de proteção – como a sobreposição à APPs
(Área de Proteção Permanente), unidades de conservação e áreas de inundação – está apresentada no Eixo 4.
O conflito mais relevante entre empreendimento e zoneamento de cunho ambiental é o caso do empreendimento
Beija Flor, parte do conjunto Jardim Vitória na região nordeste do município de Belo Horizonte, que encontra-se,
segundo nosso levantamento, sobre área definida como ZPAM (Zona de Proteção Ambiental). Estando correto
esse levantamento, a implantação do empreendimento no local só pode ser justificada por flexibilização da lei
feita pela PMBH, uma vez que seus parâmetros são absolutamente impeditivos, a saber: taxa de ocupação de
0,02, coeficiente de aproveitamento de 0,5 e taxa permeabilidade de 0,95. Quando confrontados a respeito deste
empreendimento, representantes da URBEL não souberam dar informações.46
Casos menos impeditivos, mas ainda conflitantes, são os empreendimentos Figueiras, Hibisco, Granada e
Hematita – parte dos conjuntos Jardim Vitória e Paulo VI, ambos na região nordeste do município de Belo
Horizonte – que encontram-se sobre Zona de Proteção 1 (ZP-1). Especificamente no caso destes
empreendimentos, as exigências de baixos coeficiente de aproveitamento (0,3) e taxa de ocupação (0,2) e de alta
46 NEVES, Júnia Márcia Bueno, Diretora de Habitação; MAGALHÃES, Maria Cristina, Diretora de Planejamento. Companhia
Urbanizadora de Belo Horizonte - URBEL. Entrevista concedida à equipe do PRAXIS. Belo Horizonte, 12/05/2014.
38
taxa permeabilidade (0,7) da ZP-1 podem ter sido compensados pelas grandes dimensões das glebas em que os
mesmos foram implantados. Como pode ser observado nos MAPA_4.C.05 Uso e ocupação do solo Paulo VI e
Jardim Vitória e MAPA_4.C.19 Inserção urbana Paulo VI e Jardim Vitória, os quatro empreendimentos foram
implantados em grandes áreas previamente vazias e, provavelmente, também devido a características de
declividade do terreno, mantém áreas não ocupadas entre cada condomínio. No entanto, cabe destacar que,
segundo a definição da ZP-1 a “ocupação é permitida mediante condições especiais”, o que pode ter facilitado a
flexibilização de parâmetros com a justificativa de viabilização das habitações de interesse social.
Efetivamente, o padrão tipológico dos empreendimentos PMCMV garante a existência de áreas vazias também
internamente aos condomínios, entre os blocos de apartamento, utilizadas como área de estacionamento, vias de
circulação interna ou áreas residuais, normalmente taludes necessários ao modelo de implantação em platôs
artificiais. Este mesmo padrão tipológico absorve muito bem as exigências de recuos dos zoneamentos
municipais – frontal, normalmente 3m ou 4m e lateral e de fundos, em geral, inferiores a 2 metros. Com efeito, os
afastamentos laterais somados entre os blocos de apartamentos no interior dos condomínios (aproximadamente
3m ou 4m), em muitos casos acabam por ser necessários à adaptação das edificações ao terreno e não chegam
a garantir qualidades de insolação, de ventilação ou de privacidade aos apartamentos.47
Ainda assim, a justificativa correntemente utilizada pelas construtoras para a adoção de uma tipologia única é o
seu “alto aproveitamento do terreno”. A seguir (e também no eixo 3) demonstraremos que esta justificativa não se
concretiza, especialmente no que diz respeito à densidade construtiva. De uma maneira geral, o que se observa é
que o padrão tipológico dos empreendimentos produzidos pelo PMCMV resulta em baixos coeficientes de
aproveitamento (ver INFG_1.08 Aproveitamento dos terrenos). Ou seja, a área construída privativa – referente às
unidades habitacionais – é geralmente extremamente baixa quando comparada à área dos terrenos em que são
implantadas. Como será exposto a seguir, esta constatação implica em uma série de contradições que colocam
em cheque os discursos que justificam a produção do Programa tal como ela acontece.
Para a análise detalhada da relação entre a área construída dos empreendimentos e as áreas de seus terrenos,
foram levantados os coeficientes de aproveitamento efetivamente utilizados em alguns dos projetos contratados
na RMBH. Estes dados foram recuperados a partir das informações existentes nos processos de aprovação dos
empreendimentos, cedidas pela CAIXA. Em seguida, sempre que possível, tais valores foram comparados aos
coeficientes máximos permitidos pelas legislações municipais (ver INFG_1.08 Aproveitamento dos terrenos).
A análise desses dados revelou que – com exceção do já mencionado Residencial Beija Flor, que ultrapassa o
coeficiente máximo permitido na ZPAM – apenas um dos empreendimentos, entre os que possuíam dados
47
Outras análises relacionadas à essas questões serão desenvolvidas pelo eixo 3.
39
disponíveis, chegou a alcançar o limite permitido pelo zoneamento: o Residencial Jardins São Luiz, no município
de Contagem. Esta correspondência ocorre justamente por se tratar de uma “Zona de Ocupação Restrita” que
permite um coeficiente de aproveitamento máximo de 1,0, valor considerado baixo em termos de aproveitamento.
Efetivamente, 78% do total de empreendimentos analisados, possuíam um coeficiente utilizado inferior a 1,0,
como pode ser observado no mesmo infográfico.
Os baixos coeficientes de aproveitamento efetivados pela tipologia do PMCMV trazem três fatos relevantes:
primeiramente, permitem que os empreendimentos se viabilizem em zonas caracteristicamente pouco densas,
como bairros residenciais unifamiliares. Essa característica reduz as possibilidades de controle do zoneamento
sobre sua localização e permite que os empreendimentos representem um grande impacto na paisagem e na
infraestrutura urbana instalada de seus entornos. Em segundo lugar, trata-se de uma tipologia pouco eficiente na
produção numérica de unidades habitacionais que se propõe como objetivo, especialmente, dado que o preço
dos terrenos é colocado pelas construtoras e prefeituras como principal impedimento da efetivação do PMCMV.
Em terceiro lugar, explicita o desinteresse das equipes de projeto, associadas às construtoras, em revelar outras
possibilidades de adensamento que não seja a verticalização de unidades em platôs artificializados, geralmente
em terrenos íngremes (tal análise comparece no eixo 3).
Na RMBH foram contratados empreendimentos do MCMV em áreas em que o zoneamento permite a construção
de 1,2 / 1,5 / 2,0 e até 3,0 vezes a área do terreno.48 Tratam-se de coeficientes que possibilitam adensamento
expressivo e, consequentemente, maior número de unidades. Se a meta numérica em relação ao déficit
habitacional é a justificativa da existência do PMCMV – tal como será colocado pelo eixo 2 – a lógica da
generalização de um padrão tipológico, nacionalmente homogêneo, com densidade baixa passa a ser
questionada.
O eixo 3 demonstrará que trata-se de uma estratégia extremamente bem articulada pelas construtoras
objetivando redução de tempo e de gastos que envolvem desde os procedimentos de aprovação de projetos até
os processos construtivos aplicados no canteiro de obras. Os argumentos de inviabilização dos empreendimentos
e da necessidade de aporte por parte das prefeituras devido ao preço da terra enfraquecem-se frente à outros
projetos arquitetônicos e urbanísticos com maior densidade construtiva. Os pressupostos de projeto que geram
melhor coeficientes são observados em projetos de habitação social contemporâneos em outros países. A
questão em jogo não é a inexistência ou o desconhecimento de alternativas de projeto mas a diretriz do lucro
máximo a ser garantido pela otimização de procedimentos produtivos do PMCMV. Como consequência última, o
argumento numérico de produção de unidades para combate do déficit como objetivo primordial do PMCMV cai
48
Ver INFG_1.06 e INFG_1.07 Zoneamentos municipais.
40
por terra, posto que seus empreendimentos sequer produzem o máximo permitido pelas legislações locais.
Reforça-se, então, o objetivo do PMCMV em fomentar a economia nacional em detrimento da efetivação de uma
política habitacional coerente e eficiente.
Outra contradição é explicitada em relação ao número máximo de pavimentos efetivado pela produção do
PMCMV. Sabendo-se que as construtoras da modalidade FAR recebem um repasse fixo por unidade habitacional
(ver MAPA_1.B.04 Valor proposto da unidade), que deve cobrir todos os custos do terreno e da implantação do
empreendimento (ver MAPA_1.B.02 Custo da edificação por metro quadrado e MAPA_1.B.03 Custo do terreno
por metro quadrado), e que o padrão de implantação em platôs independe do número de pavimentos dos blocos,
tem-se que o número de pavimentos interfere diretamente no número de unidades produzidas e portanto no valor
do repasse final e no lucro realizado pela produção (e não pela venda) das construtoras.49 Imagina-se, portanto,
que a viabilização do maior número possível de pavimentos (e de adensamento verticalizado) seria uma premissa
da tipologia. No entanto, em sua produção na RMBH, a modalidade FAR se viabilizou com uma variação que
pode alternar de 2 à apenas 5 pavimentos, evitando-se o alto custo de elevadores. A saber: os empreendimentos
visitados em Caeté (Hibisco e Ipê) apresentavam 2 pavimentos; em Belo Horizonte (Jardim Vitória) e em Ribeirão
das Neves (Alterosas), 5 pavimentos; em Contagem (São Luiz e Vista Alegre) e em Vespasiano (Laranjeiras I e
II), 4 pavimentos; e em Betim, um empreendimento de 3 pavimentos (Baviera) e dois de 4 pavimentos (Palmeiras
I e II). Especialmente no caso de Betim, os empreendimentos encontram-se sobre o mesmo zoneamento. Temse, ao final, empreendimentos construídos aquém dos limites máximos permitidos pelas legislações locais.
Outro aspecto a ser observado é que não existe uma relação direta entre o número de pavimentos e o coeficiente
de aproveitamento dos empreendimentos. O coeficiente de aproveitamento resultante da implantação de um
empreendimento de 2 pavimentos comparado a um de 5 pavimentos não é necessariamente elevado nas
mesmas proporções. Trata-se, claramente, de um problema de adaptação da tipologia aos terrenos que, por
vezes, mesmo verticalizando, não chega a atingir coeficientes altos.
A Quota Máxima de Terreno por Unidade Habitacional é outro parâmetro relevante em relação ao porte dos
empreendimentos, pois tem como objetivo um controle sobre a densidade populacional de empreendimentos
residenciais multifamiliares. No entanto, trata-se de um parâmetro pouco comum entre os municípios estudados,
aplicado apenas a alguns zoneamentos no município de Belo Horizonte. A aplicação da quota funciona da
seguinte maneira: a área total do terreno deve ser dividida pelo valor da quota e o resultado desta divisão
equivale ao número máximo de unidades habitacionais permitidas no empreendimento. Com exceção dos já
Não obtivemos informações sobre aportes nos empreendimentos analisados nos seis municípios, não sendo possível afirmar se,
nesses casos, existiram ou não.
49
41
mencionados empreendimentos em área de ZP-1, que apresenta uma quota bastante restritiva corroborando a
possibilidade de flexibilizações oferecidas pela Prefeitura, as cotas dos zoneamentos estudados podem ser
consideradas permissivas: 40 na Zona de Adensamento Preferencial (ZAP) – empreendimentos Coqueiros e
Diamantes – e 45 na Zona de Adensamento Restrito 2 (ZAR-2) – empreendimentos Esplêndido, Canários, Água
Marinha e Jaqueline.
No município de Ribeirão das Neves (Residencial Alterosas), o zoneamento determina uma área máxima da
parcela de terreno possível de ser desmembrada de 1.000m². Este empreendimento, com 1.460 unidades
habitacionais, foi aprovado em um processo único sobre um loteamento aparentemente preexistente (ver
INFG_4.16 Histórico entorno Alterosas). Ou seja, ou o que aparenta ser um loteamento, de fato, não o era ou o
processo de aprovação do empreendimento, de alguma maneira, ignorou a preexistência da subdivisão em lotes
com menos de 1.000m².
Finalmente, outro caso claro de flexibilização da legislação municipal pode ser observado em relação aos
empreendimentos contratados no município de Contagem - São Luiz e Vista Alegre. O Plano Diretor de
Contagem determina que, para empreendimentos multifamiliares com mais de 50 unidades habitacionais, o uso
residencial deve estar restrito a ¾ do coeficiente de aproveitamento, o restante devendo ser utilizado para o usos
não-residenciais. Parece que, para viabilizar o formato do PMCMV, o município abriu mão desta exigência, que,
se atendida, poderia evitar a monofuncionalidade da mancha urbana.
3.3.
Seleção de beneficiários: critérios municipais
Como mencionado anteriormente, a legislação federal permite que cada município determine até três critérios
próprios de priorização de beneficiários para a modalidade FAR à serem acrescidos aos critérios federais,
estabelecidos pelo Ministério das Cidades. A Portaria Nº 595, de 18 de dezembro de 2013, que dispõe sobre os
parâmetros de priorização e sobre o processo de seleção de beneficiários do PMCMV, exige que os critérios
adicionais harmonizem-se com os federais e sugere que comtemplem aspectos de territorialidade ou de
vulnerabilidade social, como: beneficiários que “habitam ou trabalham próximos à região do empreendimento, de
forma a evitar deslocamentos intraurbanos extensos”; ou “que se encontrem em situação de rua e recebam
acompanhamento sócio assistencial”. A Portaria exige também que os critérios sejam aprovados por conselhos
de habitação ou assistência social, formalizados e publicados por meio de Decreto.
Entre os seis municípios estudados na RMBH, dois, Vespasiano e Ribeirão das Neves, não determinaram
critérios adicionais ou não tiveram suas decisões publicizadas. Entre os outros quatro, apenas Belo Horizonte
42
determinou o número máximo determinado de três critérios. As demais portarias municipais, determinaram de
quatro a até doze critérios, em geral redundantes em relação aos federais, alguns conflitantes com os federais e
ainda outros considerados problemáticos, com poucos deles relacionados às recomendações do Ministério das
Cidades.
Primeiramente, cabe ressaltar que, apesar da portaria federal especificar que os municípios “poderão estabelecer
até três critérios adicionais de priorização”50, os quatro municípios analisados determinaram critérios obrigatórios
e eliminatórios para a seleção de beneficiários em suas legislações. Não foram encontrados registros de
questionamentos relacionados à legalidade destes critérios obrigatórios, apesar de representarem um dos
principais pontos de conflito em relação ao PMCMV na RMBH.
O único critério – obrigatório e eliminatório – de seleção de beneficiários que se repete nos quatro municípios
analisados é a obrigatoriedade de residência no município por um determinado número de anos, sendo a
quantidade variável: 3 anos em Contagem e em Betim; 2 anos, recentemente ampliados para 5 anos, em Belo
Horizonte; e 5 anos também em Caeté. Este critério tem gerado conflitos pois impede o cadastro do morador
obrigado a abandonar o município, justamente por não ter tido condições financeiras de ali permanecer. Por
exemplo, no caso de Belo Horizonte, “há pessoas que não conseguiam pagar aluguel mesmo dentro de vilas e
favelas (...) e tiveram que se mudar para cidades como Ribeirão das Neves e Ibirité. Nesses casos é um déficit
que tem sua origem na Capital” afirma Maria Henriqueta Arantes, membro do conselho de Habitação de Belo
Horizonte51, assim como “as pessoas que estão em áreas ocupadas em Belo Horizonte, mas que vieram de
cidades da região metropolitana, não podem sequer ser beneficiadas em políticas habitacionais da prefeitura da
Capital, o que dificulta ainda mais uma negociação com o poder público” afirma Joviano Mayer, advogado do
movimento social Brigadas Populares52.
Entre os critérios considerados conflituosos destaca-se também a determinação do município de Contagem que
prioriza “funcionários públicos municipais”53 para o atendimento pelo Programa. O fato deste critério aparecer
apenas na legislação do município de Contagem, não impediu que, por exemplo, no município de Betim, o
Residencial Baviera declaradamente apresentasse funcionários públicos municipais como a maioria de seus
beneficiários. Estas famílias teriam sido não só priorizadas, mas selecionadas em grande número para um único
empreendimento, colocando em cheque também os procedimentos de sorteio de beneficiários no município de
Legislação federal: Portaria Nº 595, de 18 de dezembro de 2013.
Jornal O TEMPO “Déficit de 115 mil moradias” 07/08/2013. Disponível em http://www.otempo.com.br/cidades/d%C3%A9ficit-de-115mil-moradias-1.692716.
52 Jornal O TEMPO “Déficit de 115 mil moradias” 07/08/2013. Disponível em http://www.otempo.com.br/cidades/d%C3%A9ficit-de-115mil-moradias-1.692716.
53 Legislação Município de Contagem: Lei Complementar Nº 065, de 07/07/2009 - CAP. I - Seção II - Art. 9º
50
51
43
Betim.
Os critérios considerados conflitantes com os federais aparecem na Resolução Nº. 01/2010 do município de
Caeté e na Resolução CMH Nº. 001/2010 do município de Betim e tratam do limite de renda familiar mensal do
beneficiário. A legislação de Caeté menciona um valor máximo de R$1.395,00 de renda familiar mensal para
acesso ao PMCMV FAR e a de Betim menciona “0 a 3 salários mínimos”. Ambas as determinações, à época de
sua publicação, seriam consideradas redundantes em relação à legislação federal, no entanto, este limite foi
posteriormente alterado pelas normativas do Ministério das Cidades, fazendo com que as determinações
municipais se tornem problemáticas.
Especificamente, a legislação do município de Caeté, apresenta outros problemas, como a apresentação de um
total de doze critérios de seleção/priorização de beneficiários, grande parte deles redundantes em relação aos
federais. Destaca-se a colocação entre os “obrigatórios e eliminatórios” do critério “estar ocupando/morando em
área de risco/insalubre”54. Essa condição obrigatória, além de também conflitante com a legislação federal, exclui
um grande número de pessoas não necessariamente menos necessitadas de inclusão no PMCMV.
Em contraponto, é também no município de Caeté que aparece o único critério de priorização relacionado a
territorialidade: “estar em área invadida da ferrovia federal”. Este critério acolhe um problema específico do
município e, de fato, segundo relatos coletados em campo, foi cumprido. Um grande número dos moradores dos
residenciais Hibisco e Ipê, entregues no município, seriam originários da mencionada ocupação. No entanto, o
mesmo critério carrega consigo a questão do estigma, observada anteriormente em relação aos critérios federais.
A estigmatização dos moradores dos empreendimentos estudados em Caeté era especialmente forte,
possivelmente também em razão da dimensão populacional reduzida do município e sua baixa integração em
relação à Capital e à RMBH.
Critérios relacionados à recomendação federal de priorização de famílias que “recebam acompanhamento sócio
assistencial” são encontrados nos municípios de Betim: famílias da qual façam parte membros “pacientes do
Sistema Único de Saúde (SUS) ou que tenha dependente direto que apresente doença incapacitante para o
trabalho e/ou para vida independente”55; e Caeté: “famílias beneficiárias de programas sócio assistenciais”56.
Nenhum dos município estudados na RMBH priorizou famílias que “se encontrem em situação de rua”57, como
recomendado pela legislação federal.
O município de Belo Horizonte se destaca por ser o único entre os estudados que estabelece critérios
Legislação Município de Caeté: Resolução Nº. 01/2010.
Legislação Município de Betim: resolução CMH Nº. 002/2010.
56 Legislação Município de Caeté: resolução Nº. 01/2010.
57 Legislação federal: Portaria Nº 595, de 18 de dezembro de 2013.
54
55
44
relacionados aos movimentos sociais, priorizando “famílias participantes das entidades de moradia (Núcleos)
devidamente cadastradas na Urbel”; e “famílias indicadas pelas entidades de moradia (Núcleos) para
atendimento aos benefícios conquistados por meio dos Fóruns do Orçamento Participativo da Habitação
(OPH)” 58 . No entanto, cabe destacar que em Belo Horizonte o enfrentamento dos movimentos sociais em
oposição ao PMCMV e suas regras é importante, desvelado pelas ocupações urbanas e pelos constantes
protestos na tentativa de alcançar um maior diálogo com a PMBH.
Não por acaso, os movimentos sociais e a população beneficiária não comparecem na análise dos agentes e
operacionalização do PMCMV, uma vez que sua participação se resume basicamente aos procedimentos de
cadastro, seguida pela espera pelo “sorteio” e a lida cotidiana com os diversos problemas enfrentados nos
empreendimentos após a entrega das unidades (ver INFG_1.15 Etapas e agentes do PMCMV). Como
demonstrado ao longo desta seção, com o PMCMV desaparecem as esferas do debate historicamente
construídas na área de habitação, tanto no meio acadêmico quanto internamente às instituições públicas,
desveladas em legislações e planos locais.
Desde o lançamento do Programa, a produção de novas unidades habitacionais tem sido a única ação
governamental relevante no setor de habitação na RMBH. Outras ações desenhadas pelos governos municipais
foram eliminada, uma vez que as mesmas padecem da ausência de recursos e de incentivos políticos para que
saiam do papel.
De maneira geral, observa-se que os critérios adicionais de priorização de beneficiários determinados pelos
municípios na RMBH pouco acrescentaram em relação a uma melhor interpretação das realidades locais, em
grande medida complexos para os moradores. Esta característica acrescida às constantes alterações das regras
de operacionalização do Programa determinadas pela legislação federal fazem com que seu funcionamento
prático se torne extremamente confuso e frágil.
A matriz de responsabilidades dividida entre os agentes do PMCMV revela esse cenário. Não está claro a quem
cabe as providências em relação aos distintos problemas verificados nos empreendimentos. Em entrevista,
construtoras, prefeituras e representantes da CAIXA afirmaram, de uma maneira ou de outra, que estariam
fazendo o melhor trabalho possível, aparentemente reféns da realidade imposta pelo Programa.
De maneira geral, observa-se uma grande discrepância entre a estratégia de provisão de moradia do
PMCMV/FAR e o atendimento à essa população com alta vulnerabilidade social. Há um sentimento presente
entre os moradores de abandono: “Eu acho que a policia... Nem sei se é a policia, se é a prefeitura, mas eu acho
58
Legislação do município de Belo Horizonte: resolução nº XXVII do Conselho Municipal de Habitação.
45
que eles estão deixando a gente muito de lado, a gente precisa de apoio, a gente precisa muito, muito"59 afirmou
em entrevista a síndica de um dos empreendimentos na RMBH.
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59
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2012
PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA:
ESTUDOS AVALIATIVOS NA RMBH
Edital MCTI/CNPq/MCidades n.11/2012
Eixo 2
Demanda habitacional e a oferta do
Programa
ANEXOS: http://issuu.com/praxisufmg/docs/anexo_v_-_eixo_2
ATUALIZAÇÃO: 18/12/2014
Introdução
O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) estrutura a produção de moradia de interesse social via
mercado, objetivando sanar o presente Deficit Habitacional (DH) brasileiro. Por outro lado, em seu caráter
econômico, está o grande estímulo repassado ao setor da construção civil durante a crise econômica mundial
de 2008. Políticas públicas de provisão de moradia para a classe trabalhadora têm historicamente caminhado
ao lado da agenda econômica desenvolvimentista, como explicitado em Morado Nascimento e Braga (2009).
Desde o período Vargas (1930-1945), passando pelo período do Pós-Guerra, até a ascensão e queda do
Banco Nacional de Habitação (1975-1988), a moradia popular promovida pela associação Estado-mercado
esteve vinculada às estruturas de crescimento e desenvolvimento econômico bem como ao padrão racionaleconômico de planejamento e produção. Assim, a habitação social brasileira é entendida como um problema
quantitativo a ser resolvido através da produção em larga escala e da padronização de tipologias genéricas e
massificadas.
A história mostra-nos que não é mais possível sustentar o entendimento do deficit
habitacional como resultado estatístico do reduzido ou do precário estoque de moradias
versus o aumento populacional urbano. Informações publicizadas sobre a produção
habitacional no século XX possibilita-nos afirmar que os mecanismos públicos e privados
estabelecidos para o enfrentamento do deficit habitacional vem se ancorando: (1) na prédeterminação do modo de morar dos trabalhadores; (2) na mercantilização da casa própria;
(3) no controle da expansão da cidade; (4) na racionalização do espaço mínimo; (5) na
produtividade lucrativa da indústria da construção civil; e (6) na negação aos trabalhadores
de baixa renda do acesso à terra, aos serviços urbanos e ao crédito. (MORADO
NASCIMENTO; BRAGA. p.17)
O caráter quantitativo do PMCMV atrela-se às metas de produção das construtoras e do governo federal,
desvinculando-se às políticas habitacionais municipais/estaduais, essas, por sua vez, alicerçadas pelos
movimentos de luta por moradia. O dimensionamento das áreas dos ambientes da unidade bem como a
quantidade e a função dos cômodos são exigências determinadas pela CAIXA para todas as regiões do
Brasil. A funcionalidade, baseada na repartição de dois dormitórios, sala, cozinha conjugada com área de
serviço e banheiro, dispostos em prédios condominiais, assemelham-se às soluções dadas para
apartamentos de classe média. As unidades padrões produzidas via PMCMV/FAR são voltadas ao perfil de
família nuclear (pai, mãe e dois filhos), fruto da média de composição familiar encontrada em levantamentos
do Censo/IBGE, adequado aos pressupostos da produção de larga escala de habitação social – repetição e
generalidade. A realidade das famílias encontradas na pesquisa, como se verá mais detalhadamente a
seguir, não condiz com o padrão CAIXA e o perfil da família com renda de até R$1.600,00. É importante
identificar que essa contradição é inerente ao próprio funcionamento do programa, uma vez que a coabitação,
importante componente do DH, aponta para a conformação de famílias muito mais complexas do que a
“forma social” de núcleo familiar definido para a produção em massa.
Com a desconsideração do lugar e com a ausência de procedimentos participativos que abarquem as
necessidades habitacionais dos (futuros) moradores, é condizente afirmar que os mecanismos que permitem
fazer “rodar” o PMCMV/FAR induzem o processo de planejamento e construção voltado única e
exclusivamente para a produção quantitativa habitacional. Uma produção de moradias não para as cidades
ou para as pessoas, mas uma produção que se fecha nela mesma, para cumprir metas nacionais que geram
lucros para os construtores e estatísticas de importante cunho político.
A partir dessas constatações, provindas de diferentes trabalhos críticos acadêmicos, mas evidenciadas por
essa pesquisa, partimos da premissa de que o PMCMV/FAR na RMBH é baseado no melhor funcionamento
de sua lógica produtiva. Assim, o cadastro e o processo de seleção de beneficiários, feito pelas prefeituras
municipais, transformam pessoas em números de forma a condizer com o “deficit” que o programa tenta
reduzir. Nessa dinâmica, não existe a abordagem das reais necessidades habitacionais daqueles que
precisam ser abrigados. Uma vez dada essa “codificação” pessoa-número, o foco tanto do poder público
quanto das construtoras passam a ser (meramente) quantitativo: ter uma produção de unidades que
determina a realização do lucro da iniciativa privada e que cumpre as metas estipuladas pelo campo
sociopolítico.
Nesse último aspecto, a atual postura do governo federal para compreender as diferentes questões
envolvendo os moradores dos empreendimentos tem se reduzido à questão da consulta à satisfação não-
problematizada dos contemplados. De forma a trazer luz ao complexo âmbito social do cotidiano nos
empreendimentos PMCMV/FAR na RMBH e os conflitos encontrados nessa realidade, o presente eixo visa
apresentar questões que ilustram o forte contraponto entre a relação da rígida lógica produtiva/racional
determinada pelo programa e os aspectos da apropriação social na realidade dos empreendimentos do
universo FAR.
A primeira seção – Contradições na relação deficit-meta na RMBH –, inicia-se com a desconstrução dos
aspectos quantitativos do programa, demonstrando incoerências percebidas entre os atuais índices de
produção do PMCMV em relação a sua premissa quantitativa alimentada pelo DH. Utilizando-se dados
provindos desde a escala nacional até a regional, apontam-se incongruências internas do indicador,
reforçadas pelas alterações de sua metodologia, e que auxiliam na desconstrução da atual postura mercantil
e desenvolvimentista de produção de moradias.
A segunda seção – A produção do PMCMV/FAR e o Deficit Habitacional na RMBH –, aponta o paralelo entre
a realidade encontrada em campo e as premissas padronizadas presentes no PMCMV. Vale ressaltar que
tais premissas se dividem em dois elementos. O primeiro, provindo da visão quantitativa, determina a
padronização da unidade como generalização da estrutura familiar da população carente. O segundo elucida
como as exigências nacionais e municipais que regem o cadastramento e o processo de seleção de
beneficiários tem impactos negativos nas dinâmicas sociais e demográficas da população contemplada.
Nessa discussão, elucida-se o forte impacto social que determina o confinamento dos moradores nos
conjuntos produzidos via PMCMV/FAR na RMBH. Além disso, a partir dos dados levantados pelas diversas
entrevistas realizadas, aponta-se como a diversidade da apropriação social dos conjuntos vai desde o
aceitamento desse confinamento à quebra das limitações e regras do programa, que tem em seu maior
exemplo os “usos indevidos” das unidades (venda, aluguel e abandono).
Finaliza-se esse eixo pelo fato da explicitação da padronização e da produção em larga escala ser generalista
frente aos problemas sociais da importante parcela da população que visa atender. A diversidade popular
presente nos conjuntos encontra, ao mesmo tempo, sua válvula de escape e seu aprisionamento na
constante ausência do poder público em buscar entender essa realidade. Assim, a apropriação social é,
portanto, marcada pelo abismo entre confinamento e usos indevidos.
1. Contradições na relação deficit-meta na RMBH
Lançado em 2009 durante período de intensa crise econômica mundial, o PMCMV surge em forma de
mecanismos de incentivos tanto para a construção quanto para a compra de moradia. Tendo como foco o
combate ao DH, a estratégia trazida pelo governo vincula esse indicador às metas produtivas e o respectivo
aporte financeiro para a produção de unidades habitacionais.
De autoria da Fundação João Pinheiro (FJP), as diferentes versões de O Deficit Habitacional no Brasil se
configuram como importantes indicadores para políticas públicas de HIS desde a sua primeira edição, em
1995. Em sua segunda versão, Deficit Habitacional no Brasil 2000 (FJP, 2002), o cálculo do indicador foi
alimentado por dados do CENSO 2000. Considerando sempre a necessidade do aumento do estoque
habitacional, uma característica importante do ponto de vista mercadológico, a metodologia sempre levou em
consideração três elementos:
(1) Coabitação Familiar, domicilio com mais de uma família convivente;
(2) Domicílios Improvisados;
(3) Ônus excessivo de aluguel: residências cujas famílias abrigadas com renda familiar até 3
salários mínimos tem gasto superior a 30% da sua renda com aluguel.
Desde 2002, a FJP vem adequando sua metodologia de cálculo do DH. As versões referentes aos anos de
2007, 2008 e 2009 levam em consideração dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e
representam revisões de dados provindos de FJP, 2002. Alimentado pelo CENSO 2010, a FJP publica o
estudo do Deficit Habitacional no Brasil 2010 (FJP, 2013). No entanto, sua versão mais recente, o Deficit
habitacional no Brasil 2011-2012: resultados preliminares (FJP, 2014), tem como base de dados as PNAD’s
de 2011-12 e o recálculo dos deficits de 2007-09, ambos baseado em novas ponderações a partir do CENSO
2010.
À época em que o PMCMV foi anunciado, em março de 2009, a meta estabelecida para a FASE 1 foi de um
milhão de unidades. Desse total, 40% da produção (400mil unidades) seria voltada para famílias com renda
de até R$1.600,00 (referente a 3 salários mínimos à época), via Fundo de Arrendamento Residencial (FAR).
Já o percentual restante de 60% da produção - 600 mil unidades - se voltava para a faixa da população com
renda familiar de 3 a 10 SMs, sendo o financiamento feito através do Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço (FGTS). Assim, com essas modalidades, estimava-se um impacto positivo do combate em cerca 15%
do Deficit Habitacional Brasileiro (ver INFG_1.01 Panorama PMCMV). Na FASE 2, em 2011, a meta de
unidades foi dobrada, passando para 2 milhões. A produção voltada para a faixa de renda até R$ 1.600,00
sofre um incremento, passando a ser de 1.200.000 unidades (60% da produção), referente a cerca de 30% do
deficit calculado pelos dados do censo de 2010. A relação do DH com o PMCMV se vê explicitada na Tabela
01, que ilustra o percentual deficit x meta das duas FASES do programa.1
É importante alertar que os dados apresentados na Tabela 01 é um cruzamento do valor do DH mais próximo ao lançamento das
metas, ou seja, provindo dos valores presentes em FJP, 2009 e 2012. Já a versão utilizada pelo Governo Federal para o
estabelecimento das metas correspondem a valores da FJP, 2008.
1
DEFICIT HABITACIONAL (DH)
PMCMV
METAS
BRASIL
PERCENTUAL
TOTAL
DEFICIT/META
TOTAL
%
FJP 2009
%
FASE 1 (2009)
1.000.000
100,00
6.272.645
100,00
15,94
0-3 SM
400.000
40,00
5.607.745
89,40
7,13
3-10 SM
600.000
60,00
602.174
9,60
99,64
Acima de 10 SM
-
-
62.726
1,00
-
FASE 2 (2011-2014)
2.000.000
100,00
6.940.691
100,00
28,82
ATÉ R$ 1.600,00
1.200.000
60,00
4.830.721
69,60
24,84
800.000
40,00
1.915.631
27,60
41,76
-
-
402.560
5,80
-
De R$ 1.601,00 até R$
5.400,00
Acima de 10 SM
TABELA 01: Metas nacionais do PMCMV por fase versus deficit habitacional (DH)
Fonte: FJP, 2009 e FJP, 2012 . Dados trabalhados pelo PRAXIS
Essa análise demonstra contradições na estratégia central do programa que privilegia a parcela de maior
renda da população, com renda de 3 a 10 SMs. Na FASE 1, o DH na faixa da população com renda de até 3
SMs teria uma redução em cerca de 7%, enquanto as parcelas de 3-10 SMs teriam seu DH significativamente
reduzido (percentual de 99,64%). Já na FASE 2, apesar do incremento quantitativo e percentual de produção
para a faixa de menor renda, o percentual do DH a ser combatido nessa população (24,84%) é quase a
metade das demais faixas de renda (41,76%).
O outro aspecto expresso na relação DH x meta é a premissa do governo federal em presumir o
“congelamento” do valor do deficit ao longo do tempo. Parte integrante da visão quantitativa e mercadológica,
a premissa deficit-meta é então extrapolada para outros âmbitos do PMCMV. Exemplo mais marcante a ser
abordado mais adiante nesse trabalho é a “fila de cadastrados”, que demarca a relação população-munícipio
em meio ao funcionamento da modalidade FAR. Nesse aspecto, vale reforçar o argumento de que as
dinâmicas de acesso a moradia são diretamente intrínsecas à especulação do mercado imobiliário.
Em 2011, dada a baixa produção de unidades no PMCMV/FAR, o governo federal via Ministério das Cidades
reforçou a necessidade de metas produtivas através da Portaria Interministerial No 317 de 8 de Julho de
2011. Com esse documento é reajustada a previsão da produção nacional para 860 mil unidades para a
população com renda familiar até R$1.600,00 reais até dezembro de 2014. Essa meta nacional de produção é
então decomposta por estados.
Ao impor metas estaduais, e não municipais para a produção de moradias via PMCMV/FAR, define-se um
caráter que contradiz o próprio indicador do DH que desde 2000 sempre indicou o seu crescimento em
centros urbanos e regiões metropolitanas (RM’s). A Tabela 02 ilustra essa colocação.
Nos dois anos em que o DH foi calculado a partir de dados dos censos, os valores presentes em meios
urbanos sempre se mostraram proporcionalmente maiores (70,29% em 2000 e 84,80% em 2010). Já a
participação nas RM’s é também considerável, pois nesses conglomerados o deficit apresenta um
crescimento que ultrapassa a metade do total do DH Urbano (passando de 42,28% em 2000, para 56,06%
em 2010).
Deficit Habitacional
Deficit Habitacional Nacional
Deficit Habitacional Urbano em
Nacional
Urbano
RM's
Ano
% sobre
Relativo2
Absoluto
Absoluto
Relativo
2010
(FJP,2013)
2000
(FJP2002)
%
total
% sobre
Absoluto
Relativo
Nacional
total
Urbano
5.890.139
13,2
4.140.088
11,1
70,29
1.750.340
9,8
42,28
6.940.691
12,1
5.885.528
11,9
84,80
3.299.337
12,2
56,06
TABELA 02: DHs nacionais, urbanos e nas RM’s
Fonte: FJP, 2002 e FJP, 2013. Dados trabalhados pelo PRAXIS.
Nesse contexto, vale ressaltar a existência de uma “confusão federativa” para com as questões habitacionais
que precede o programa, mas é intensificada pelo seu funcionamento (CARDOSO E ARAGÃO, 2013). Os
municípios, seriam aqueles responsáveis por coordenar as questões políticas sobre a moradia, com medidas
trazidas pelo próprio Estatuto da Cidade (Conselhos de Habitação, Planos Locais de Habitação de Interesse
Social). Em meio a essa confusão, está o atropelo das questões políticas locais no âmbito da habitação,
quando a União força o arranjo do PMCMV para agilizar a produção em larga escala de moradias,
fragilizando os canais de diálogo e de participação popular (questões evidenciadas pelo Eixo 1).
As seguidas alterações e ajustes metodológicas no cálculo do deficit, juntamente com as mudanças no
questionário do CENSO 2010, não permitem a construção de uma base comparativa. De acordo com Alves e
2
DH relativo é a proporção do deficit em relação ao total de domicílios existentes.
Cavenaghi (2011), as novas ponderações sobre famílias conviventes incorporadas no PNAD 2007 deram
início à identificação de famílias que dividiam a moradia mas que também tinham o desejo por uma nova
unidade habitacional. Assim, o componente de Coabitação Familiar passou a considerar deficit somente
aquelas famílias que, nessa situação, demonstravam o desejo de adquirir nova unidade. Com essa mudança,
o principal componente do indicador na época, que apontava o maior percentual em 2000 sofre uma redução
drástica de cerca de 40% a partir de 2007.3 Além disso, os autores alertam para as alterações no questionário
do CENSO 2010: como a pergunta sobre o responsável pela família foi retirada do questionário, não é
possível identificar as famílias conviventes dentro do domicílio. Consequentemente, essa mudança na
estrutura de entrevista ocasionou transtornos no cálculo do deficit habitacional municipal e a impossibilidade
de compará-lo com as versões anteriores. As variações obtidas no cálculo do DH não podem ser atribuída à
eventuais resultados de políticas habitacionais devido a alteração de sua metodologia.
Apesar desse panorama de mudança do formato do DH, a questionável tendência de sua redução é vista
pelo setor da construção civil não como fruto de sua constante revisão, mas como uma oportunidade de
reforçar um falso senso de otimismo e a consequentemente continuidade do status quo presente no PMCMV.
[...] a tendência é, mesmo, de queda gradual do deficit de moradias no Brasil. Acho que três
fatores contribuem para esse tipo de evolução: crescimento econômico, queda de juros e
maior disposição de crédito imobiliário - diz o presidente do Sinducscon-SP, Sérgio
Watanabe (GONDIM, 2009).
A Tabela 3 apresenta os valores do Deficit Habitacional de 2007-12 além da sua decomposição a partir dos
componentes Habitação Precária, Coabitação Familiar, Ônus Excessivo com Aluguel e Adensamento
Excessivo. Como pode ser visto, existe uma redução do valor do deficit, de 6.102.414 em 2007 para
5.792.508 em 2012. No entanto, durante o período, a diminuição do valor absoluto e de seus componentes
não foi gradual, e com certa instabilidade. Destaca-se o ano de 2009 cujo deficit atingiu um valor superior a
2007.
Quanto ao valor dos componentes, destaca-se a redução da Coabitação Familiar no percentual total, que
comprova a tendência da alteração metodológica alertada anteriormente. A variação do percentual cai de
40,66% em 2007 para 32,20% em 2012. Enquanto isso, o Ônus Excessivo com Aluguel passou a representar
o componente com maior participação dos valores dos deficits entre 2007 a 2012. A variação percentual vai
de 32,22% do valor do deficit de 2007 para 45,93% do valor do deficit em 2012.
ALVES e CAVENAGHI, 2011 alertam para a redução do componente de coabitação familiar de 2005 (FJP, 2006) para 2007
(FJP,2009), passando de 4.489.139 para 2.463.998 unidades.
3
Deficit Total
Absoluto
Relativo
Total de
Domicílios
Componentes
Habitação
Precária
Coabitação
Familiar
2007
2008
2009
2011
2012
6.102.414
5.686.703
6.143.226
5.889.357
5.792.508
10,8
9,8
10,4
9,5
9,1
56.338.622
58.180.644
59.252.675
62.116.819
63.766.688
Valor
%
Valor
%
Valor
%
Valor
%
Valor
%
1.264.414
20,72
1.158.801
20,38
1.088.634
17,72
1.187.903
20,17
883.777
15,26
2.481.128
40,66
2.211.276
38,89
2.511.541
40,88
1.916.716
32,55
1.865.457
32,20
1.965.981
32,22
1.928.236
33,91
2.143.415
34,89
2.388.316
40,55
2.660.348
45,93
390.891
6,41
388.390
6,83
399.636
6,51
396.422
6,73
382.926
6,61
Ônus
Excessivo
com Aluguel
Adensamento
Excessivo
TABELA 03: Composição do DH Brasileiro 2007-12
Fonte: FJP, 2014. Dados trabalhados pelo PRAXIS
As alterações nos valores do DH, tanto por questões metodológicas quanto pelos resultados das dinâmicas
demográficas nacionais, reforçam novamente a discussão sobre a relação do PMCMV e da políticas públicas
de habitação na questão da moradia dos centros urbanos. No atual momento, sabe-se que o principal
indicador do DH – Ônus com o Aluguel –, é uma característica comumente urbana e bastante presente nos
grandes centros urbanos brasileiros.
Apesar da redução do valor absoluto nacional nas principais metrópoles, o aumento dos valores do DH
caminha ao lado do aumento dos preços dos aluguéis. Essas alterações são consequência do forte boom
imobiliário vivido em todo Brasil que tem, entre outros, o PMCMV como importante fator.
Em relação às regiões metropolitanas, o DH no período 2011-2012 é diferenciado. Das nove regiões
pesquisadas, cinco (Fortaleza, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba) apresentaram aumento
no deficit habitacional tanto em termos absolutos quanto em termos relativos. Essa elevação pode ser
atribuída ao aumento no componente ônus excessivo com aluguel (FJP, 2014).
“Parece ser inegável o reconhecimento de que os erros seculares em relação ao modo de se abordar o deficit
habitacional no país continuam a ser cometidos, desvinculados que são de questões como urbanização,
acesso à terra, gestão urbana e direito à cidade” (MORADO NASCIMENTO, BRAGA, 2009 p. 108). De forma
a reforçar esse ponto, atualiza-se a análise realizada pelas autoras. A relação do número de Domicílios
Vazios (DV) com o DH expressa a má distribuição das oportunidades de acesso à mercadoria-moradia.
A análise atual é similar aquela encontrada em 2009, apontada pela Tabela 04. No âmbito nacional o número
de DV é proporcional a 87,12% do deficit. No meio urbano nacional a situação é similar, com a proporção de
DV urbano de 79,1% do Deficit Urbano. A situação em Minas Gerais merece destaque, uma vez que o
número de imóveis vazios supera tanto o deficit absoluto quanto o urbano. A contradição se repete na RMBH
com 87,8% dos DVs referente ao deficit absoluto e a proporção de 85,3% do domicílios urbanos vagos sobre
o deficit urbano.
Deficit
Habitacional
Absoluto
Domicílios
Vagos
%
Deficit
Domicílios
Habitacional
Urbanos
Urbano
Vazios
%
BRASIL
6.940.691
6.052.161
87,2
5.885.528
4.656.978
79,1
MINAS GERAIS
557.371
690.097
123,8
507.756
509.023
100,2
RMBH
167.124
146.795
87,8
165.090
140.807
85,3
TABELA 04: Deficit Habitacional Absoluto x Domicílios Vagos e Deficit Habitacional Urbano x Domicílios
Vazios Urbanos no Brasil, Minas Gerais e RMBH.
Fonte: FJP, 2010. Dados trabalhados pelo PRAXIS
Identificadas as incoerências na própria premissa quantitativa do PMCMV, se faz necessário reforçar a
corrente proposta encontrada no campo crítico/acadêmico de trazer para as políticas públicas de habitação o
entendimento da “moradia como um produto social e histórico” (MARICATO, 2009). Em uma abordagem mais
ampla, fazem-se necessárias políticas que atendam as necessidades habitacionais da população urbana e a
totalidade do estoque de unidades habitacionais, incorporando-se as favelas, as unidades autoconstruídas, as
ocupações urbanas e os loteamentos periféricos. Ou seja, formas de produção do espaço que imperam
cotidianamente no panorama das nossas cidades.
A diversidade de formas de provisão de moradias induz, portanto, a dinamização da política habitacional, com
maiores possibilidades de atender a realidade urbana nacional. Englobar e auxiliar o desenvolvimento do
aparato já presente na legislação brasileira – regularização fundiária, urbanização de favelas e
assentamentos precários, crédito à autoconstrução, assessoria técnica, melhorias habitacionais, locação
social, ocupação de áreas vazias e subutilizados – são passos necessários para a construção de uma ampla
e democrática política habitacional.
2. A produção do PMCMV/FAR e o Deficit Habitacional na
RMBH
Como evidenciado na Tabela 05, os domicílios vagos correspondem a 87,84% do total do seu deficit
habitacional total. Já no caso específico dos municípios selecionados, os maiores valores percentuais de
correspondência DV/DH são encontrados em Belo Horizonte, Betim e Ribeirão da Neves, respectivamente
83,62%, 83,77% e 94,85%. Novamente, esses apontamentos demonstram que o estoque de moradias já
existente poderia atender a quase todo o deficit calculado. Quanto a situação dos municípios de Contagem,
Vespasiano e Caeté, o valor percentual da correspondência do DV/DH é mais baixo, ficando em nível
intermediário. A variação dos três municípios é de 65,76% (Contagem), passando por 67,23% (Vespasiano)
até 70,55% (Caeté).
% DV/DH
Cidade
DH Total
DV Total
Total
Belo Horizonte
78.340
65.505
83,62
Betim
10.491
8.789
83,77
Contagem
22.350
14.698
65,76
Ribeirão das Neves
7.980
7.569
94,85
Vespasiano
2.984
2.006
67,23
Caeté
1.227
866
70,55
RMBH
167.124
146.795
87,84
TABELA 05: Deficit Habitacional x Domicílios Vazios na RMBH e nos
Municípios Selecionados
Fonte: FJP, 2013. Dados trabalhados pelo PRAXIS
O INFG_2.01 Contratados por fase FAR e FGTS RMBH apresenta os empreendimentos contratados até o
ano de 2012. Como pode ser visto, o total de unidades e empreendimentos produzidos via FGTS é bastante
superior aos produzidos via FAR. Na RMBH, a modalidade de produção para a população com renda superior
a R$1.600,00 teve 167 empreendimentos com 21.332 unidades produzidas. Enquanto isso, a modalidade
voltada para a renda até R$1.600,00 teve 45 empreendimentos produzidos com um total de 11.207 unidades.
Como já alertado, o descompasso entre o FGTS e o FAR vem a reboque da produção via mercado, que
privilegia as moradias para a parcela da população com maior renda. Como pode ser visto na decomposição
da contratação entre as duas fases no âmbito metropolitano, os 97 empreendimentos contratados via FGTS
na FASE 1 possuem 12.843 unidades. Por outro lado, os 33 empreendimentos FAR contam com 7.757
unidades - uma diferença de 5.086 unidades. Já na FASE 2, até dezembro de 2012, a contratação de FGTS
(70 empreendimentos com 7.525 unidades) já se encontrava com 5.039 unidades acima da modalidade FAR
(12 empreendimentos com 3.450 unidades) (ver INFG_2.02 Contratados FAR e FGTS).
Outro impacto trazido pelo caráter mercantil do PMCMV é como os empreendimentos são dispostos no
espaço metropolitano. A distribuição dos empreendimentos é desconexa em relação ao DH dos municípios da
RMBH e mais vinculada às dinâmicas do mercado imobiliário (ver MAPA_2.A.01 Deficit habitacional na
RMBH e empreendimentos MCMV e MAPA_4.A.03 Dinâmica imobiliária).
Existe a prevalência dos empreendimentos FGTS no município sede, correspondente à centralidade de
dinâmica e especulação imobiliária mais intensa. A dispersão desses empreendimentos encontra-se
vinculado aos atuais vetores de expansão da mancha urbana de Belo Horizonte, principalmente naqueles
onde as forças do mercado tem se colocado mais presente no desenvolvimento urbano: os vetores Norte e
Sul. Já no caso dos empreendimentos FAR, define-se a tendência de sua localização mais direcionada à
periferia da mancha urbana metropolitana, locais com maiores dificuldades de acesso a infraestrutura
consolidada. Essa análise está presente no Eixo 4.
Ao se aproximar a escala de análise para os municípios selecionados (ver INFG_2.03 Contratados por fase
FAR e FGTS Municípios selecionados), confirma-se a mesma tendência. A modalidade FGTS apresenta
maior produtividade e, consequentemente, maior impacto no meio urbano da RMBH do que a modalidade
FAR. O aumento da diferença entre a contratação de empreendimentos e as duas formas de financiamento
ocorre principalmente nos municípios onde a dinâmica imobiliária é mais forte.
O município de Belo Horizonte, com maior valorização regional dada pelo mercado de moradias, conta com
76 empreendimentos FGTS contratados até 2013, contabilizando um total de 8.343 unidades a serem
entregues. Por outro lado, os 12 empreendimentos FAR contratados nesse município contam com 3.215
unidades – uma diferença de 5.128 unidades.
Em Contagem, município localizado no vetor Oeste de expansão da RMBH, a contratação da modalidade
FGTS (48 empreendimentos com 6.065 unidades) ultrapassa quase em 10 vezes a contratação do FAR (2
empreendimentos com 568 unidades). O mesmo padrão se repete em Vespasiano (localizado no vetor norte
de expansão imobiliária), com uma diferença de contratação de 1.068 entre FGTS (5 empreendimentos
contratados com 1.384 unidades) e FAR (2 empreendimentos com 316 unidades).
O município de Betim representa a transição nessa análise. Em seu âmbito municipal, a produção FAR, com
12 empreendimentos e 2.844 unidades, e do FGTS, com 20 empreendimentos com 2.680 unidades, é
bastante similar. Já os municípios de Ribeirão das Neves e Caeté apresentam a contratação de
empreendimentos FAR superior à de FGTS. O caso de Ribeirão das Neves é singular pois é onde se localiza
o maior empreendimento FAR da RMBH. Todas as 1.640 unidades desse município estão presentes em um
único conjunto. O Residencial Alterosas, próximo à divisa com o município de Esmeraldas, contou com a
presença da própria Presidente Dilma Rousseff em sua inauguração. A contratação via FGTS nesse
município se reduz a 5 empreendimentos com 568 unidades. Em Caeté, os 2 empreendimentos FAR Ipê e
Hibisco são os únicos exemplares do PMCMV nesse munícipio, contabilizando 400 unidades.
Ao analisarmos a contratação de empreendimentos dos municípios selecionados entre as 2 fases do
programa, encontra-se a tendência de aumento das contratações de FGTS sobre as FAR. De acordo com o
INFG_2.03 Contratados por fase FAR e FGTS municípios selecionados, Contagem, Vespasiano, Ribeirão das
Neves e Caeté não apresentaram nenhuma contratação FAR na fase 2 do Programa.
No caso de Belo Horizonte, ocorre aumento percentual na contratação dos empreendimentos FAR fase 2,
mas não o suficiente para se sobrepor às da outra modalidade. Já em Betim a contratação via FAR, que na
fase 1 contava com 1.297 unidades a mais do que via FGTS, sofre um forte declínio na fase 2, sendo
superada em 1.103 unidades.
Como pode ser visualizado no INFG_2.04 Contratados e entregues FAR e FGTS RMBH, foram entregues,
até dezembro de 2012, o total de 63 empreendimentos FGTS (62 da fase 1 e 1 da fase 2), contabilizando
5.180 unidades dessa modalidade (5.165 unidades da fase 1 e 15 unidades da fase 2). Já o FAR teve
entregue, até dezembro de 2012, 12 empreendimentos com 4.965 unidades. No período de quase um ano,
até novembro de 2013, outros 10 empreendimentos foram entregues na RMBH, contabilizando mais 1.966
unidades para o estoque metropolitano. Toda essa produção é provinda da fase 1, sendo que nenhum
empreendimento contratado durante a fase 2 ainda foi finalizado para essa modalidade.
Como ilustrado no INFG_2.05 Contratado e entregues FAR e FGTS Municípios selecionados, o aumento de
unidades FAR concentra-se principalmente em Belo Horizonte, sendo que o mesmo teve maiores dificuldades
em iniciar a produção dessa modalidade. Do total de 1.966 unidades FAR entregues na RMBH entre
Dez.2012 e Nov.2013, 1.470 unidades encontram-se na capital. De acordo com a Companhia Urbanizadora e
de Habitação de Belo Horizonte (URBEL), os empecilhos para a produção de unidades FAR em Belo
Horizonte estão relacionados com o alto preço da terra urbanizada e o “baixo” subsídio para o valor da
unidade quando comparado com demais capitais, como SP e RJ.4
De forma a compreender o impacto urbano da atual produção (contratados ou entregues) de
empreendimentos PMCMV em relação ao estoque de habitação formal e o deficit habitacional metropolitano,
os INFG_2.06 Unidades, domicílios e deficit habitacional RMBH e INFG_2.07 Unidades, domicílios e deficit
habitacional Municípios selecionados demonstram comparativamente o quantitativo de unidades contratadas
MAGALHÃES, Maria Cristina, Diretora de Planejamento. Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte - URBEL. Entrevista
concedida à equipe do PRAXIS. Belo Horizonte, 12/05/2014.
4
de FAR e FGTS com o (1) Número Totais de Domicílios (NTD) e (2) os valores de DH encontrados
respectivamente na RMBH e nos municípios selecionados.
No âmbito da RMBH, a produção FGTS é a que mais influencia o estoque formal metropolitano. A produção
voltada para as famílias com maior parcela de renda do programa é referente a 1,28% do total de domicílios
com um impacto de 12,76% no DH metropolitano. Já o impacto da modalidade FAR é consideravelmente
menor. A produção de unidades voltadas para a parcela mais pobre inserida no programa é responsável por
0,67% do total de domicílios da RMBH e, somente, 6,71% do DH metropolitano.
Na escala dos municípios selecionados, destaca-se o maior impacto do número de unidades FGTS
contratadas/entregues nos dois municípios com maior quantidade de domicílios. Em Belo Horizonte, as 3.215
unidades FAR contratadas são referentes a 4,10% do DH total municipal, sendo que as suas novas unidades
produzidas representam 0,42% do total de domicílios. Já as 8.343 unidades FGTS produzidas representam
10,65% do DH municipal e 1,09% do NTD. Já em Contagem as 10.491 unidades FAR representam 27,11%
do relativo ao DH e 2,50% do NTC; as 2.680 unidades FGTS tem percentuais de 27,14% e 3,24%. Em
Vespasiano as 316 unidades FAR contratadas são relativas a 10,59% do DH e 1,05% do NTD. Já as 1.384
unidades FGTS refere-se a 46,38%do DH e 4,58% do NTD. No caso de Betim, dada a similaridade de
contratação entre as duas modalidades, têm-se percentuais muito próximos em relação ao DH local,
respectivamente 27,11% e 25,55%, e ao NTD, 2,50% e 2,36%. Em Ribeirão das Neves, as unidades FAR
contratadas representam 20,55% do DH municipal e 1,83% do NTD do seu município. Em Caeté, as 400
unidades presentes nos 2 conjuntos FAR condizem com 32,59% do DH e 3,31% do NTD.
Mesmo sendo a redução do DH o argumento principal do PMCMV, a produção do programa se contradiz com
as questões levantadas pelo indicador DH. Essas contradições são devidas, principalmente, ao
desenvolvimento da dinâmica especulativa presente no mercado imobiliário da RMBH. Isso posto, coloca-se
em cheque as premissas sociais do programa uma vez que sua produção atrela-se mais ao mercado
imobiliário. Repete-se a lógica de “pobres no lugar de pobres”, determinado pela implantação de grandes
parcelas populacionais dos contemplados pelo FAR nas áreas menos valorizadas da cidade (ver eixo 4).
De forma a entender às realidades das famílias “beneficiadas”, que se veem forçados a se adaptar aos
padrões produzidos pelo PMCMV-FAR, na próxima seção aproxima-se a escala de análise para o nível do
empreendimento a fim de comparar as premissas sociais presentes no programa com o retrato da realidade
trazido pelo trabalho de campo da pesquisa.
3. A apropriação social na escala do empreendimento FAR
Desde 2009, a legislação que regulamenta o PMCMV-FAR discorre sobre regras federais para a seleção de
beneficiários. Basicamente, essas regras se dividem em dois aspectos: os limites de renda, prerrogativa para
o acesso às diferentes modalidades do programa; e a prioridade dada a certas estruturas familiares. As
exigências de renda referem-se aos limites máximos que cada família pode receber para acessar as
diferentes modalidades de financiamento do programa. Para o PMCMV-FAR o teto máximo de renda familiar
se iniciou em 2009, com a Lei 11.977/ 2009 com o valor de R$1.395,00, passando para R$1.600,00 em 2011
de acordo com Lei 12.424/ 2011.
Merece destaque a diferença de avaliação de renda existente entre as modalidades. No âmbito do
financiamento via FGTS, a avaliação de renda dos seus participantes é feita pelo requerente do
financiamento – basicamente concentrando-se na análise da renda somente do chefe da família e do seu
(possível) companheiro(a). Já a análise de renda da modalidade FAR engloba todos os membros da família e
é mais complexa de ser feita. Essa dificuldade foi apontada por representantes do poder público municipal de
Belo Horizonte.5
Outro aspecto também evidenciado pelos representantes da URBEL é a existência de famílias que não
conseguem acessar a modalidade FAR, pois estão acima do teto de R$1.600,00, mas também não acessam
o FGTS, por estarem nos limites inferiores da faixa 2, com alto comprometimento da renda.
Já as prioridades federais para beneficiar determinadas situações de vulnerabilidade social estão expressas
na Lei 11.977 de 2009, conforme:
a) famílias que residem em área de risco ou insalubres,
b) mulheres com responsabilidade familiar, seguindo postura similar encontrada em demais
programas de distribuição de renda, dentre eles o Bolsa Família.
c) famílias que possuam moradores com deficiência física e motora, sendo que 3% das
unidades devem ser direcionadas e adaptadas à essa situação
d) idosos, sendo que 3% das unidades devem ser direcionadas a esses moradores – de acordo
com o Estatuto do Idoso, Lei 10741/2003
Além disso, municípios também podem criar critérios adicionais para a seleção de beneficiários. Para a sua
regulamentação, exige-se a aprovação de tais critérios nos conselhos municipais de habitação ou, no caso de
ausência desses, nos conselhos de assistência social. Cabe adicionar também que, além das exigências
supracitadas, é garantido pela legislação a não existência do processo de seleção em 2 casos: famílias
desalojadas por calamidade pública/desastres naturais e famílias que venham a ser removidas e
NEVES, Júnia Márcia Bueno, Diretora de Habitação; MAGALHÃES, Maria Cristina, Diretora de Planejamento. Companhia
Urbanizadora de Belo Horizonte - URBEL. Entrevista concedida à equipe do PRAXIS. Belo Horizonte, 12/05/2014.
5
reassentadas por obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Os atuais critérios de seleção,
tanto federais quanto dos municípios selecionados, são enumerados no estudo da legislação presente no
Eixo 1 (ver INFG_1.03 Critérios de seleção de beneficiários).
Apesar das prioridades estarem estabelecidas desde 2009, o procedimento de seleção só veio a ser
regulamentado em 2011 pela Portaria No 610 de 26 de dezembro. Mais tarde, a regulamentação do processo
de seleção é atualizado pela Portaria No 595 de 18 de dezembro de 2013 que trás: 1) a possibilidade da
inserção de Estados e RM’s no processo de definição de prioridades quando esses participam do processo
de financiamento da construção de empreendimentos FAR; 2) e a sistematização dos dados das famílias
presentes no cadastro municipal com a atualização dos dados do CAD-UNICO.
O processo de seleção divide-se em diferentes etapas (ver exemplo de Belo Horizonte, INFG_2.08 Processo
de seleção dos beneficiários). Primeiramente, define-se a reserva para famílias com Idosos, sendo
organizada pelas seguintes premissas:
5.2 Deverá ser reservado, no mínimo, 3% (três por cento) das unidades habitacionais do
empreendimento para atendimento a pessoas idosas (...).
5.2.2 Para seleção, os candidatos pessoa idosa deverão ser hierarquizados em ordem
decrescente de acordo com o atendimento ao maior número de critérios nacionais e
adicionais. (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2013-2)
Nessa mesma etapa também está a reserva para famílias com membros portadores de deficiência física que
segue normas parecidas aos do grupo anterior.
5.3 Será assegurado que, do total de unidades habitacionais do empreendimento, pelo
menos 3% (três por cento) serão destinadas ao atendimento a pessoa com deficiência ou à
famílias de que façam parte pessoas com deficiência, na ausência de percentual superior
fixado em legislação municipal ou estadual.
5.3.1 Para seleção, os candidatos pessoa com deficiência ou família de que façam parte
pessoas com deficiência, deverão ser hierarquizados em ordem decrescente de acordo
com o atendimento ao maior número de critérios nacionais e adicionais. (MINISTÉRIO DAS
CIDADES, 2013-2)
Finalizada a organização dos contemplados para a reserva de idosos e deficientes, passa-se para um
segundo momento, que leva em consideração mais diretamente as prioridades federais e municipais. A
normativa federal ainda alerta que “candidatos pessoas idosas ou pessoas com deficiência que não forem
selecionadas para as unidades (...) deverão participar do processo de seleção de candidatos para as demais
unidades do empreendimento” (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2013-2).
Nesse segundo momento, o processo de seleção de beneficiários é baseado na “filtragem” daqueles que
contemplam a maior quantidade das somatória dos critérios existentes. No caso da existência de 6 critérios (3
municipais e 3 federais), os cadastrados são divididos em 2 grupos:
a) O denominado GRUPO 1, formado pelos candidatos que atendem de 5 a 6 critérios, que
serão sorteados para ocupar 75% das unidades FAR entregues.
b) Já o GRUPO 2, formado por candidatos que atendem até 4 critérios, que também serão
sorteados para ocupar 25% dos empreendimentos.
Nessa etapa, a portaria do Ministério da Cidades também define regras para quando o ente responsável pela
organização dos cadastrados tenha problemas em encontrar famílias que não se encaixem nas
pressuposições desse processo.
5.6.1 Caso o quantitativo de integrantes do Grupo I não alcance a proporção referida (75%
das unidades) (…), o ente responsável pela seleção deverá realizar sorteio entre os
candidatos que atendam a três ou quatro critérios dentre os nacionais e adicionais, de forma
a complementar o referido percentual
5.6.1.1 Se após a complementação de que trata o subitem anterior, o número de candidatos
selecionados ainda não alcançar o referido percentual, será admitido que sejam atendidos
candidatos do Grupo II até se atingir o total de candidatos necessário.
5.7 Quando a quantidade total de critérios adotados for menor que cinco, deverá ser formado
um único grupo e deverá ser aplicado o sorteio para a seleção dos candidatos.
O processo de seleção define as famílias quanto aos critérios pré-determinados pelo poder público federal
que, por um lado, atende prioridades, mas por outro lado, reforça estigmas sociais presentes nesses grupos
priorizados. Os cadastros municipais, então, parecem se converter em indutores de uma competição por
quem “melhor” se enquadra no cenário social.
A PMBH foi a única que apresentou dados sobre o processo de seleção dos beneficiários (ver INFG_2.08
Processo de seleção dos beneficiários). Em entrevista com a URBEL, os desafios e as dificuldades das
formas de combinação dos critérios municipais e federais na escolha de beneficiários foram elucidados: “o
momento que representaria o importante contato do PMCMV com as famílias mais carentes que visa atender
mais se assemelha a uma espécie de jogo de azar do que um necessário processo social”, diz a Assistente
Social da URBEL.
Na verdade, não é por ordem de atendimento, é como se fosse uma pontuação. É como se
cada critério estabelecido correspondesse a 1 ponto. Então temos 3 critérios nacionais e 3
critérios municipais, e vamos pontuando. Essa palavra é apenas uma informalidade que
usamos para cada família de acordo com cada critério. Se dentre os 6 critérios uma família
possui 4, que é como se fosse 4 pontos. Ela vai participar do núcleo de sorteio que tem 4
pontos. 6
Nesse quebra cabeça gerado pelas regras nacionais e municipais, imposto à esfera técnica do poder
municipal pelo caráter gerencial do PMCMV, as famílias “candidatas” são reduzidas a números construídos
RIBEIRO, Juliana Santos. Assistente social da URBEL. Entrevista concedida à equipe do PRAXIS. Belo Horizonte,
07/04/2014.
6
pelas maiores ou menores condições de carências ou de deficiências, “enfileiradas” à espera da moradia.
Seguindo o “senso empreendedor” do programa, produzir unidades padronizadas é mais fácil, ágil e lucrativo
do que entender as diversas necessidades habitacionais. Essa estrutura de seleção, ao determinar a
codificação família-número, reforça a ideia da “fila” à espera da moradia.
O sorteio é utilizado não só para definir os moradores dos empreendimentos mas também a localização
interna das famílias nos conjuntos (qual bloco e qual apartamento cada um dos selecionados deve ocupar).
Essa prática indica que a corrente legislação reafirma o funcionamento “prático” do PMCMV sem a
compreensão dos problemas e dificuldades que ela envolve.
Esse segundo sorteio foi realizado no empreendimento Palmeiras II (Betim) com a equipe do TTS7 e no
empreendimento Alterosas (Ribeirão das Neves) 8 com a prefeitura no momento do sorteio inicial dos
beneficiários. No município de Belo Horizonte, o sorteio também é feito com a prefeitura.
Cabe pontuar que o sorteio pode não ser necessariamente a maneira mais justa ou perspicaz de se decidir
quem deve morar, quando e onde. Para a representante da URBEL, a possibilidade real de escolha (e não
sorteio) poderia minimizar conflitos de adaptação do beneficiário à sua nova moradia; nos processos de
reassentamento onde os moradores escolhem o empreendimento de destino, os conflitos são menores.9
Merece destaque a dificuldade existente na efetivação de medidas em torno da coabitação. Como explicitado
pela URBEL, o atual número de inscritos no cadastro da PMBH, realizado via internet, ultrapassa o valor do
DH do município, justificada pela ocorrência de jovens que residiam com os pais mas que se inscreveram no
programa para ter acesso à primeira moradia própria. Essa dificuldade é outra forte evidência do
distanciamento do DH como indicador social para com a realidade da demanda habitacional urbana dos
municípios.
Muita gente jovem que mora com os pais fez inscrição. Isso é, inclusive, uma coisa que
temos discutido internamente e que vamos levar para o Conselho, porque a normatização
do MCMV não é clara em relação a esse tipo de atendimento. Se a gente tem uma política
pública de habitação para minimizar um deficit que está sendo tratado com conceitos muito
claros, como atender a essas pessoas jovens que hoje moram nas casas dos pais? [...] São
casos de jovens solteiros inscritos e selecionados que moram com os pais. Isso não é
coabitação, é um núcleo familiar. E às vezes esse núcleo familiar não está dentro dos
critérios. O MCMV é, para muitas pessoas, uma oportunidade de sair da casa dos pais.10
7
CASTANHEIRA, Denise A. A. Franco. Sócia da empresa Ampliar Consultoria e Planejamento LTDA, responsável pela
execução de trabalho social no empreendimento Jardim das Palmeiras II. Entrevista concedida à equipe do PRAXIS.
Belo Horizonte, 18/02/2014.
8 SANTOS, Marilda Nunes dos. Sócia da empresa ASP (Assessoria Social e Pesquisa), responsável pela execução de
trabalho social no empreendimento Residencial Alterosas. Entrevista concedida à equipe do PRAXIS. Belo Horizonte,
10/02/2014.
9 RIBEIRO, Juliana Santos. Assistente social da URBEL. Entrevista concedida à equipe do PRAXIS. Belo Horizonte,
07/04/2014.
10 RIBEIRO, Juliana Santos. Assistente social da URBEL. Entrevista concedida à equipe do PRAXIS. Belo Horizonte,
07/04/2014.
A somatórias dos apontamentos levantados sobre o processo de seleção mostra-se contraditório. Até o
momento, grandes quantidades de famílias de extratos sociais conhecidamente vulneráveis – famílias de
mães solteiras, idosos, deficientes, moradores de área de risco – aglomeram-se em conjuntos habitacionais
com consideráveis dificuldades de acesso à cidade e à infra estrutura urbana. Mesmo determinando o acesso
ao ideal da casa própria, existe indícios de que a estigmatização social está sendo reforçada pelo programa,
ainda que com objetivos de priorizar estratos mais vulneráveis.
De acordo com os relatos colhidos nos empreendimentos visitados, o processo de comprovação de renda,
que serve para indicar o valor das prestações a serem pagas por cada família ao longo dos 120 meses (10
anos), é bastante problemático e não parece funcionar eficientemente, sendo encontrado uma quantidade
considerável de famílias com renda superior à prerrogativa nacional. Esse processo considera apenas o
momento inicial referente ao cadastro municipal. Não se presume que ao longo de 10 anos, o
desenvolvimento social das famílias possa variar: beneficiários podem conseguir melhores trabalhos,
aumentando a renda familiar, ou então, pessoas podem perder o emprego, diminuindo-a.
Além disso, a rigidez tipológica e espacial do PMCMV-FAR limita a alteração das necessidades habitacionais
dos moradores. É bem plausível prever que a composição familiar altera-se ao longo dos anos assim como as
condições financeiras dos moradores.
Quanto a essa questão, destaca-se o padrão familiar definido pelo Ministério das Cidades que se espelha no
padrão construtivo/tipológico de apartamento definido pela CAIXA. Como evidenciado por Morado
Nascimento e Tostes (2011), a tipologia padrão de apartamento com 2 dormitórios, sala, e cozinha conjugada
com serviços tem relação ideal para uma família nuclear de quatro membros (pai, mãe e dois filhos), expressa
nos canais de divulgação do PMCMV. A visão pré-concebida de composição familiar dentro da tipologia
multiplicável determina a grande limitação das formas de morar dos inúmeros beneficiários, forçados a se
adaptar às reduzidas medidas desse padrão mínimo. Novamente, ressalta-se a grande diversidade de
composições familiares da população de baixa renda brasileira:
No que se refere aos espaços internos da habitação, as variações no tamanho e na
tipologia – casa ou apartamento – resultam de uma mesma concepção geral baseada na
pré-determinação do modo de morar, por sua vez ancorada em um perfil igualmente prédeterminado do grupo doméstico, a saber a família nuclear. (...) Há que se considerar ainda
a existência de famílias ampliadas, compostas de membros com graus variados de
parentesco e ligação: noras, genros, sobrinhos, netos, afilhados, etc., assim como a
existência de disparidades consideráveis entre as diversas regiões do país. Por todos
esses motivos, um programa nacional de moradia que considere apenas um perfil de
morador incorrerá em generalizações e distorções grosseiras que não atenderão
satisfatoriamente todos os grupos a que se destina. (MORADO NASCIMENTO;TOSTES,
2011).
O INFG_3.03 Variedade unidade apresenta as plantas de todos os empreendimentos presentes no
UNIVERSO-FAR na RMBH. Como pode ser evidenciado, as unidades tem a mesma distribuição, fortemente
presente em apartamentos de classes média e média-alta: áreas intimas, sociais e de serviços. A diferença
está nas dimensões, sendo 40m2 a média por apartamento. Além disso, os sistemas construtivos encontrados
são de alvenaria estrutural autoportante em blocos de concreto ou painéis armados de concreto que não
permitem alterações e reformas (análise presente no Eixo 3). Assim a combinação de tipologia padronizada e
sistema construtivo rígido inibem a transformação das unidades e da estrutura socioespacial das famílias.
Identificadas algumas limitações trazidas pelo funcionamento do PMCMV e sua lógica de padronização que
visa incentivar a produção em massa, faz-se importante compreender como as famílias residem.
3.1.
Parque das Palmeiras II (Betim) e Jardim Alterosas
(Ribeirão das Neves)
O estudo da composição familiar dos empreendimentos visitados tem por objetivo elucidar questões em
relação ao padrão definido conjuntamente pelo Ministério das Cidades e pela tipologia de apartamentos
exigida pela CAIXA. O INFG_3.35 Composições familiares ilustra as composições das estruturas familiares
encontradas no PALMEIRAS II, localizado em Betim, e no ALTEROSAS de Ribeirão das Neves.
Como pode ser visto, o empreendimento em Betim abriga 25 tipos de composições familiares diferentes.
Desse total, vale ressaltar que a grande maioria, referente a 88% da amostragem, difere-se do padrão
CAIXA-MCIDADES – pai, mãe e dois filhos –, que abrange apenas 22% das moradias visitadas nesse
empreendimento. Já o ALTEROSAS apresenta 29 estruturas familiares, 4 a mais do que o PALMEIRAS II.
Nesse contexto, o padrão familiar presumido no funcionamento do PMCMV-FAR refere-se a apenas 10% das
moradias visitadas. No empreendimento de Ribeirão das Neves, 90% das famílias apresentam uma
diversidade de estrutura familiar alternativa à prevista pelo programa.
Outro aspecto importante do estudo de composições familiares é a decomposição das famílias pelo número
de moradores por unidade, expresso nos INFG_2.11 Aprovação tamanho/distribuição da unidade por
tamanho da família e INFG_2.12 Satisfação por tamanho da família.
No Palmeiras II as moradias com até 3 pessoas representam 40% dos moradores entrevistados. As famílias
com 4 pessoas representam 28% do universo. No entanto, as famílias numerosas, aquelas de 5 a 9 pessoas
residindo na unidade, representam 32% do total - ou seja, quase um terço das famílias. Já no Alterosas, 51%
das composições familiares tem até 3 pessoas. As famílias com 4 pessoas referem-se a 21% do total.
Portanto, assim como no Palmeiras II, quase um terço das famílias apresentam de 5 a 9 moradores residindo
em aproximadamente 40m2 (ver INFG_3.05 Densidade Unidade).
Outra importante característica das famílias revelada pelas entrevistas é a quantidade considerável da
presença de estruturas familiares lideradas pela mulher e sem a presença de um parceiro masculino. No
Palmeiras II, das 100 unidades entrevistadas, 40 tem a mulher como chefe de família. Por outro lado, no
Alterosas, o número de moradias que tem somente a mulher como chefe representa a maioria do universo de
entrevistados, com 63% da amostragem. No empreendimento de Betim, 94 famílias consultadas tem como
“proprietário” a mulher. Já em Ribeirão das Neves, esse número sobre para 98. Esses dados confirmam a
prioridade do PMCMV, característica dos empreendimentos FAR promovido pela exigência federal de
priorizar mulheres chefes de família, garantida em sua legislação.
A análise do estado civil dos chefes de família entrevistados, expresso no INFG_2.09 Estado civil dos chefes
de família, também revela uma importante tendência vinculada às prioridades familiares do programa. O
Palmeiras II apresenta 37% de solteiros, 25% casados, 24% em união consensual, 8% divorciados, e 6%
viúvos. Essa situação é também evidenciada no quantitativo dos chefes de família do Alterosas: 43% de
solteiros, 11% casados, 27% em união consensual, 13% divorciados, e 6% viúvos. . Sabendo-se que 98%
das mulheres são as chefes de famílias contempladas com o apartamento, a combinação desses resultados
permite afirmar que existe uma grande população de mães solteiras residindo no Alterosas.
Esses apontamentos indicam uma tendência da diminuição do casamento na população determinada pelo
processo de seleção municipal. Dentro da lógica das exigências do programa, assumir o matrimônio
determina o aumento da renda familiar, o que restringe o acesso à produção dessa modalidade. De forma a
elucidar essa questão, o INFG_2.10 Renda familiar mensal demonstra o levantamento da renda familiar nos
dois empreendimentos.
No empreendimento Palmeiras II, 58% das famílias tem renda até R$ 1.600,00, estando esse recorte em
conformidade com as exigências de renda do PMCMV. Nesse grupo: 17% do total não apresentam renda; b)
19% apresentam renda até R$ 724,00 (1 SM atual); e 32% apresentam renda entre 1SM e R$ 1.600,00. Por
outro lado, 32% das famílias entrevistadas tem renda acima do valor de corte para o acesso ao programa.
Esse dado alerta para a ineficiência e irregularidade do processo de comprovação de renda presente nos
cadastros municipais. Vale ressaltar relatos quanto aos favores políticos presentes no processo de seleção.
De acordo com moradores, parte dos atuais beneficiários teriam tido acesso a apartamentos do conjunto
como forma de retribuição politica por parte de vereadores do município de Betim. Não havendo
possibilidades de comprovação de tais relatos, coloca-se aqui o alerta em relação ao processo de seleção.
Ainda no empreendimento Palmeiras II, 19% das famílias apresentam renda entre R$1.600,00 e R$2.172,00
(3 SM atuais). Essa porcentagem poderia ser representativa da parcela de renda que sofre com a não
atualização dos valores limites do PMCMV-FAR com o reajuste anual do SM. No entanto, tanto o Palmeiras II
quanto o Alterosas são da Fase 1 do PMCMV.
Quanto ao Alterosas, o levantamento da renda encontrou 84% das famílias residentes com renda igual ou
inferior a R$1.600,00. Nesse grupo, 44% está na faixa entre esse limite e 1SM. Isso condiz com a
característica do município de Ribeirão das Neves, que apresenta baixos índices de renda média municipal
(ver INFG_4.08 Renda média empreendimentos FAR/entornos/municípios). No entanto, mesmo nessa
situação, 16% das famílias declararam ter renda superior aos limites do PMCMV-FAR.
Uma questão a ser apontada é o congelamento da posição social dos beneficiários. Pelo funcionamento do
programa, presume-se que as pessoas beneficiadas terão uma renda familiar constante por, no mínimo, o
período de 10 anos referente ao pagamento das prestações. Outro ponto importante são as prioridades dadas
aos extratos sociais vulneráveis – portadores de necessidades especiais, idosos, mulheres, e moradores de
áreas de risco, que aparenta ser uma medida de fortalecimento social; por outro lado, reforça a
estigmatização ao concentrá-los em empreendimentos condominiais.
Uma vez expressas as contradições entre premissas do programa e a realidade das famílias, faz-se
necessário a compreensão dos aspectos da apropriação social das moradias. Passa-se ao estudo da relação
dessas famílias para com o apartamento padrão, seguindo dados levantados a partir da entrevistas feitas em
campo nos dois conjuntos estudados.
3.2.
A relação das famílias com as moradias
Inicia-se o estudo dos dados levantados de forma a traçar o paralelo entre o tamanho das famílias e suas
percepções quanto aos aspectos das unidades habitadas. O INFG_2.11 Aprovação tamanho/distribuição da
unidade por tamanho da família e INFG_ 2.12 Satisfação por tamanho da família apresentam os quantitativos
referentes a cada um dos empreendimentos.
No Palmeiras II, o descontentamento com o tamanho e funcionamento da unidade é maioria, sendo a opinião
de 72 das 100 moradias visitadas. Como era de se inferir, o descontentamento é maior quanto maior o
tamanho da família. Composições familiares com até 3 moradores por unidade, referente a 40 moradias
visitadas, tem um índice de reprovação de 22 famílias (37% desse grupo). Nas moradias com 4 ou mais
moradores por apartamento, a desaprovação é consideravelmente superior, englobando 50 moradias – a
metade no universo total consultado. Nesse grupo, destaque para as famílias com 4 moradores – o mais
próximo do padrão CAIXA. Das 28 famílias referentes a esse universo, 21 (62%) demonstram-se
descontentes com o tamanho e a distribuição do apartamento. Já das 32 famílias numerosas, com 4 a 9
membros em sua composição, 29 (86%) desaprovam o dimensionamento habitacional padrão do PMCMVFAR.
No Alterosas, o número de famílias que desaprovam o tamanho e a distribuição dos cômodos dos
apartamento tem um quantitativo menor do que o do empreendimento anterior. Das 100 famílias
entrevistadas no empreendimento de Ribeirão das Neves, 56 famílias disseram estar descontentes com
esses aspectos de sua unidade habitacional. Essa aprovação pode estar vinculada ao tamanho das famílias
visitadas pelos pesquisadores. No conjunto em Ribeirão das Neves, a maioria das famílias tem até 3 pessoas
– representando 51 das entrevistas. Nesse grupo a aprovação é de 55%. Nas 21 famílias com 4 pessoas, 13
(75%) se dizem insatisfeitas com esses quesitos. Nas 28 famílias numerosas, o índice de reprovação abrange
24 delas (91%).
Outro aspecto que indica a dificuldade de adaptação das famílias é o desejo por outros espaços e cômodos.
Nesse quesito, retoma-se o estudo do Eixo 3 (ver INFG_ 3.25 Distribuição da planta, INFG_3.26 Tamanho do
apartamento e INFG_3.27 Cômodo que sente falta). Nos dois empreendimentos, os principais elementos
apontados no relato dos moradores é a falta de áreas externas (“terreiros”, quintais, varandas). As demais
exigências, em menor quantidade do que comparado com a primeira, já se referem a questões internas da
unidade: área de serviço, quarto extra, cômodos maiores e área de lazer. Mais do que requerer a alteração de
tipologias ou a reformulação de padrões, as análises demonstram que a produtividade em larga escala de
unidades, vinculada à visão quantitativa, não determina produtos amplamente adequados às necessidades
habitacionais. Nesse aspecto, a exclusão do morador nos processos de decisão versus a implantação de
solução tipológica contribuem para a insatisfação dos moradores. As decisões tomadas são baseadas no
padrão de funcionamento do programa, sem qualquer referencial aos futuros moradores. Tal cenário impõe
adaptações espaciais, nem sempre adequadas, em confronto às regras pré-estabelecidas no âmbito federal e
municipal.
3.3.
A satisfação dos moradores
A questão da satisfação presente nas entrevistas realizadas no Palmeiras II e no Alterosas leva em
consideração o comparativo entre moradia atual e anterior determinado pela estrutura das entrevistas. O
INFG_2.12 Satisfação por tamanho da família aponta o quantitativo dessa comparação em relação às
características de grupos familiares nos dois empreendimentos estudados. Em ambos os conjuntos, as
preferências dos moradores se aproximam. No entanto, quando decompostos por tamanhos familiares,
alguns resultados elucidam certas questões.
No Alterosas, à medida que a família aumenta, aumenta também a preferência pela moradia anterior. Já no
Palmeiras II esses percentuais se alteram e as famílias numerosas, em sua maioria, preferem residir nos
atuais apartamentos, com uma densidade que pode chegar a 9 moradores por 40 m2.
Essa equivalência entre a preferência pela moradia atual e anterior remete à discussão presente no Eixo 3
que evidencia a principal característica da preferência positiva pelo programa: a posse da moradia. Ao
retornar ao INFG_3.31 Preferência moradia atual, a casa própria é a principal argumentação dos
entrevistados para continuar a residir nos conjuntos, presente em 20 entrevistas no Palmeiras II e 24
entrevistas no Alterosas. Já o INFG_3.34 O que mais gostam elucida os aspectos mais positivos apontado
pelos moradores sobre os conjuntos; novamente, tem-se a casa própria como principal ponto para 34 da
famílias do empreendimento de Betim e para 44 em Ribeirão das Neves.
Esses apontamentos revelam que a questão mercantil e quantitativa da moradia não é somente exclusividade
do âmbito político e institucional do programa. É uma característica importante para os beneficiários que
reflete a propriedade como garantia de moradia. Apesar de todas as críticas e dificuldades das famílias em se
adaptarem, a posse e a propriedade são garantias de patrimônio familiar e de segurança.
A contradição é ainda mais evidente quando contraposta com aspectos negativos que levam alguns a preferir
a moradia anterior. Evidenciado pelo INFG_3.32 Preferência moradia anterior, as questões negativas tem
como seu principal elemento a violência. No Palmeiras II, a insegurança levou 9 entrevistados ao desejo de
deixar o empreendimento. Já no Alterosas, a quantidade é ainda maior, chegando a 21 das entrevistas
realizadas. Complementando a discussão, o INFG_3.33 O que menos gostam demonstra que a questão da
violência é recorrente em 37 entrevistas no Alterosoas e 39 no Palmeiras II.
Assim, a dualidade entre posse e insegurança demonstra extremos de incertezas e desconfianças que é
explicado pelos relatos de alguns moradores “satisfeitos”: “eu gosto da minha casa daqui para dentro; lá fora
eu já não sei”. Reconfirma-se, assim, a sempre presente necessidade apontada pelos beneficiários de se ter
áreas externas individuais, uma vez que os espaços comuns dos empreendimentos são vistos como fruto de
medo e incerteza. A seguridade tanto da posse quanto do bem estar físico da família reside nos 40m2
individuais.
Quanto à questão da violência nos empreendimentos, vale ressaltar que são situações similares às
encontradas no meio urbano. Eventuais conflitos violentos envolvendo o tráfico e o consumo de drogas são
alimentados pelas dinâmicas sociais presentes no local.
Importante destacar a presença de comércio e de unidades à venda ou para aluguel em todos os
empreendimentos FAR. Nas entrevistas, destacamos o Condomínio Residencial Vista Alegre, localizado no
município de Contagem. Nesse empreendimento, o mais antigo e aquele com maior tempo de ocupação,
percebeu-se que a prática de venda e aluguel de unidades já é mais comum do que nos demais, como
ilustrado nas figuras 01 e 02. As imobiliárias contactadas não foram claras quanto aos termos do contrato de
compra e venda ou aluguel dessas unidades.
FIGURA 01: Venda em Vista Alegre, Contagem
Fonte: PRAXIS, 2014
FIGURA 02: Venda em Vista Alegre, Contagem
Fonte: PRAXIS, 2014
O distanciamento das regras e leis do programa para com a realidade de sua produção indicam que a
regulação é, de fato, marcada pelas diferentes possibilidades trazidas pelas formas de apropriação dos
espaços pelos moradores: seja pelo confinamento no espaço individual, seja pela quebra das regras como,
por exemplo, a comercialização das unidades. Nesse aspecto, é impossível medir tal complexidade com o
pressuposto da satisfação dos contemplados. A ampla afirmação do sucesso do programa através dessa
satisfação é temerária.
A presente seção contribui para elucidar a questão da justaposição dos aspectos econômicos sobre os
sociais dentro da fechada e hierárquica orbe produtiva e funcional do PMCMV-FAR na RMBH. Como
demonstrado, o caráter desenvolvimentista do programa parte da estrutura racional e quantitativa
historicamente presente na realidade brasileira, que limita a abordagem da moradia para a população pobre
como problema quantitativo a ser resolvido pela produção de novas moradias.
A partir dessa visão quantitativa construída, e estigmatizada ao longo da história de políticas públicas
nacionais e, atualmente, possibilitada pelo contraditório Deficit Habitacional, criam-se pressupostos de cunho
generalizantes, que determinam propostas e exigências produtivas que ignoram tanto a cidade-lugar quanto
as pessoas.
Na ótica urbana e regional, demonstrou-se como a produtividade do PMCMV-FAR na RMBH é desvinculada
dos indicadores presentes na própria premissa do programa. Existe o privilégio à produção via FGTS, mais
voltada para mercado imobiliário, em detrimento à urgência social revelada pela composição, ainda que
criticável, do DH.
Já na escala local, o atual padrão produtivo do PMCMV-FAR, representado pela unidade habitacional de
apartamentos de 40m2 , é fruto da lógica quantitativa criticada. Nesse aspecto, as características espaciais e
construtivas dessas unidades revelam-se de forma rígida para os beneficiados pelo programa. Como
demonstrado, as necessidades habitacionais vão além dos limites físicos impostos pelas suas atuais
moradias. No entanto, essas famílias querem e precisam garantir a posse da casa própria.
Em outro ponto, destaca-se também como as exigências e prioridades estabelecidas para o PCMV FAR
apresentam um reforço ao aspecto perverso de confinamento e congelamento do desenvolvimento social dos
contemplados. Nesse aspecto, primeiramente destaca-se o processo de seleção. Entre as limitações de
renda e os privilégios para extratos sociais vulneráveis (mães solteiras, deficientes, idosos, reassentados)
está o distanciado processo para com o levantamento das necessidades habitacionais dessa população
inscrita nos cadastros municipais. Esse problema determina dificuldades para os administradores municipais
em identificar aqueles que se encaixam no perfil definido pelo programa. Destaque para a dificuldade de se
avaliar aspectos relacionados à Coabitação, com considerável número de inscrições em Belo Horizonte
referente a jovens que residem com os pais mas que buscam a primeira residência própria.
Por outro lado, revela-se o impacto sócio-demográfico que as exigências e prioridades do PMCMV-FAR
definem para as famílias que buscam a moradia.. A partir dos dados trazidos de campo, evidencia-se a
diminuição no número de casamentos dos beneficiados. O ato de se casar incorpora aspectos importantes
como o aumento da renda familiar e as regras de priorização, uma vez que existe a tendência por se
contemplar a população feminina solteira. Nessa aspecto, aponta-se a grande proporção de moradias com
mães solteiras, visto que a inserção urbana dos empreendimentos é discutível quanto a questões de acesso
a, por exemplo, equipamentos de educação e saúde.
Em outro ponto, dentro do ambiente de limitações, restrições, exigências e prioridades determinantes para o
acesso à moradia nos conjuntos, arranjos sociais não previstos pelo programa associados às mais diversas
apropriações espaciais marcam situações bastante divergentes. Por um lado, a satisfação com a obtenção da
casa própria convive com o medo dos embates de violência gerados pelas disputas de tráfico de drogas nas
áreas de inserção dos conjuntos. A partir dessa constatação, em um lado tem-se a lógica do confinamento de
famílias, que se escondem no espaço familiar limitado pela unidade e evitam o acesso às áreas comuns. Em
outro extremo, as recorrentes vendas, aluguéis e abandonos indicam a desistência e a negação da moradia
recém adquirida por algumas famílias.
Essa abismal diferença dos extremos de formas de apropriação apontam para questões sociais diversas, que
ultrapassam a atual noção, recorrente nos meios de comunicação e promovida pelo governo federal, quanto à
satisfação positiva da maioria dos contemplados.
4. A vulnerabilidade socioeconômica do PMCMV
A situação presente nas grandes obras de mobilidade urbana em Belo Horizonte criam, simultaneamente, o
impacto especulativo de valorização dos imóveis urbanos e o grande número de remoções.11 Dentro desse
contexto, ressalta-se o alerta sobre a não existência de um planejamento para o destino dos reassentados,
sendo que a “desinformação em relação aos processos de remoções tem se revelado como condição a
alimentar a violação do direito à moradia, e, ao fim, a violação aos direitos humanos” (MORADO
NASCIMENTO, 2013).
Apesar da impossibilidade de se identificar com precisão para onde vai a população reassentada, as regras
do processo de seleção permitem inferir que o destino dessas pessoas sejam os empreendimentos
produzidos pelo programa.
5.5 Será dispensado o processo de seleção estabelecido neste item, nos casos de:
[...]
b) operações realizadas com os recursos transferidos ao FAR, vinculadas a intervenções
no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC, sendo as famílias
11
Argumentos presentes em Morado Nascimento, 2013.
beneficiadas aquelas residentes nas respectivas áreas de intervenção, que tiverem que ser
realocadas (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2011-2)
Portanto, a regulamentação reforça o processo desenvolvimentista nacional ao garantir o reassentamento das
famílias por meio do PMCMV, legitimando ou minimizando a resistência à remoção. No caso do exemplo de
Belo Horizonte, a relação entre o PMCMV-PAC, garante que quase 300 famílias removidas pelas obras da
COPA 2014 tenham moradias produzidas em larga escala.
A crise habitacional vivida em Belo Horizonte, assentada em uma plataforma de cidade
alimentada pelo poder econômico, atrelado ao mercado imobiliário e seus agentes, aos
eventos privatizados das grandes empresas e aos projetos rodoviaristas impostos pela
indústria automobilística, está diretamente relacionada às políticas públicas urbanas
desenhadas pelos governos federais, estaduais e municipais ao longo da história do país,
na medida em que esses têm compartilhado os mesmos interesses e metas dos agentes e
das instituições, todos embalados pelo modelo desenvolvimentista urbano. [...] A
consequência desse modelo torna o PMCMV parte da cidade-negócio, confirmada como
condição cotidiana, portanto, histórica, de produção de cidade (MORADO NASCIMENTO,
2013).
Ao reconhecer que o programa se configura como uma importante forma de acesso à moradia para a
população de baixa renda e como foco de reassentamento de famílias removidas, novas indagações se
fazem necessárias para as possibilidades da sua atual produção na RMBH: os empreendimentos
representam uma forma de combater a vulnerabilidade social dos seus moradores? A conquista da casa
própria via PMCMV-FAR é garantia de posse estável de um bem familiar?
Afim de dar luz a esses questionamentos, a presente seção se divide em dois âmbitos de análise. Primeiro,
traça-se o panorama da população provinda de processos de remoção e reassentamento entrevistada nos
empreendimentos Palmeiras II e Alterosas. Nesse aspecto, é importante ressaltar que, além da possibilidade
desses moradores reassentados terem vindo de remoções causadas por obras do PAC, esse grupo engloba
também a população removida de áreas de riscos. Ao comparar-se a situação dos reassentados, grupo
minoria encontrado em campo, com os sorteados, a existência de um estigma interno determinado pelo
preconceito para com a população provinda de assentamentos informais é apontado.
Na segunda seção, apresenta-se o estudo de padrões de endividamento dos beneficiários ocorrido a partir da
mudança para o empreendimento. Também baseado nas entrevistas realizadas nos empreendimentos
Palmeiras II e Alterosas, o comparativo de gastos entre a moradia anterior e a recém adquirida engloba :
•
Gastos com transporte: envolvendo o deslocamentos casa-trabalho;
•
Gastos com a moradia: referentes a custos de aluguel, prestações e condomínio;
•
Gastos com despesas mensais: relativos a Eletricidade, Água, Gás, Telefone, Internet, TV a
cabo e outros.
Esse conjunto de despesas familiares compõe os custos invisíveis de operação do PMCMV-FAR na RMBH,
como os relacionados aos custos de manutenção da moradia. Relacionada com o senso comum
historicamente construído que define o acesso a moradia própria como a imediata diminuição de gastos
familiares, os dados de pesquisa trabalhados apontam para uma situação que contraria tal senso comum.
Existe hoje um considerável aumento dos gastos das famílias residentes nos conjuntos FAR na RMBH em
comparação com a sua moradia anterior, evidenciando dificuldades financeiras (inadimplência de condomínio,
por exemplo) das famílias beneficiadas em se manter, mesmo essas encontrando-se em pleno processo de
conquista da posse de sua moradia.
4.1.
Os reassentados
“Os moradores que trouxeram a favela para dentro do conjunto”; assim se resume a fala dos residentes nos
empreendimentos do PMCMV/FAR na RMBH sobre seus vizinhos reassentados. Da mesma forma que é
possível afirmar a existência do estigma externo na relação cidade-conjuntos, identificado como o complexo
dos “Predinhos” e “Carandirus”, o preconceito interno é direcionado para a população provinda de
assentamentos informais e/ou áreas de risco. A existência desse estigma interno é importante aspecto nos
conflitos entre vizinhos nos empreendimentos visitados.
De forma a traçar o panorama da situação das famílias de acordo com a sua forma de acesso a moradia –
reassentamento ou o processo de seleção/sorteio, utilizam-se dados dos levantamentos realizados nos
empreendimentos Palmeiras II e Alterosas.
Quanto à quantidade de população reassentada, a amostragem dos dois empreendimentos aponta para o
número reduzido de ocorrência de famílias com essa forma de acesso à moradia. No Palmeiras II, das 100
entrevistas realizadas 9 famílias se identificaram como provindas de processo de remoção. Já no Alterosas,
esse número sobe para 15. Apesar da identificação de minoria nos dois conjuntos, vale ressaltar a localização
das famílias reassentadas dentro dos próprios empreendimentos. No Palmeiras II, que conta com 332
unidades, as famílias foram encontradas sempre próximas umas das outras nos mesmos blocos. Já no
Alterosas, há quadras determinadas para a localização das famílias reassentadas. Nesse caso, na
implantação do empreendimento de Ribeirão das Neves (ver INFG_3.19 Apartamentos entrevistados
Alterosas), a quadra 46 abriga exclusivamente famílias provindas de processo de remoção.
O INFG_2.13 Local de moradia anterior mostra a identificação do loteamento, da favela, da área de risco, do
aluguel, e/ou demais situações apontadas pelos moradores. Vale ressaltar que, durante a realização dessa
consulta, os próprios moradores, sejam reassentados ou sorteados, demostraram receio em identificar sua
antiga condição de moradia como casos de informalidade (área de risco, favela ou ocorrências de ocupação).
No caso do empreendimento de Betim, Palmeiras II, a população que habita o empreendimento provém, em
sua maioria, de loteamento (28%), seguido de aluguel (26%) e, em menor quantidade, imóveis cedidos/de
favor (5%). Já no caso dos reassentados, a metade se identificou provinda de área de risco (52%) seguido de
percentuais semelhantes de moradores vindos de favela (16%) e aluguel (8%). No caso do empreendimento
de Ribeirão das Neves, Alterosas, as famílias provém principalmente de aluguel (38%), depois de loteamento
(29%), seguido da residência cedida ou de favor (12%). Mas no caso dos reassentados, 50% vieram de área
de risco, seguido do aluguel (21%) e do loteamento (7%).
Quanto a localização dessa moradia anterior das famílias, os INFG_ 3.14 Origem dos beneficiários Palmeiras
II e INFG_3.15 Origem dos beneficiários Alterosas mostram respectivamente a espacialização ilustrativa do
deslocamento das famílias para os conjuntos.12
No Palmeiras II, as famílias reassentadas vieram de locais com distâncias acima de 5 km. Já no caso do
Alterosas, as distâncias dos locais de origem para todos os moradores são maiores; mas, ainda assim, as
famílias reassentadas são as que vieram de maiores distâncias para residirem no empreendimento.
Quanto ao processo de remoção, é importante relatar as dificuldades trazidas (ver INFG_2.16 Processo de
remoção). De acordo com as entrevistas no Palmeiras II, mais da metade dos entrevistados (67%) teve
acesso às alternativas de reassentamento propostas pelo poder público municipal. Além disso, no
levantamento dessas alternativas propostas, o alojamento e o conjunto PMCMV (ambos com 78%).13 Menos
da metade das famílias (44%) lembra-se de participar de reuniões para discutir o processo de remoção.
Apenas 1/3 delas (33%) afirmam terem saído da residência anterior por alcançar o consenso com a prefeitura
local. No Alterosas, o processo de remoção é, inicialmente, mais aberto: a grande maioria relata alternativas
propostas pelo poder público municipal (93%). No entanto, dentre as escolhas fornecidas, as indenizações
(93%) e a entrada no PMCMV (87%) parecem ser as principais possibilidades reconhecidas, além da
ocorrência de reuniões (73%) e o consenso na negociação (80%).
Além do processo de remoção, a existência dos grandes deslocamentos juntamente com a situação de
inserção urbana da nova moradia também determinam a interferência nas redes sociais dos moradores. Os
INFG_2.18 Situação das redes sociais 1 e INFG_2.19 Situação das redes sociais 2 apontam aspectos do
funcionamento dessas redes em momentos distintos: quanto à procura pela família por auxilio em casos de
emergência ou se a família já foi procurada para auxiliar em situações emergenciais de terceiros. Nesse
levantamento, em ambos os empreendimentos, o vizinho merece destaque nas atuais redes sociais. A
proximidade determinada pelo modo de morar em condomínio coloca o vizinho tanto como importante fonte
de ajuda (identificado por 67% dos moradores do Palmeiras II e 60% do Alterosas) como também aquele que
mais procura por auxilio ( 49% no Palmeiras II e 80% no Alterosas).
Não foi possível georrefrenciar a moradia anterior com precisão (endereço) mas identificou-se o bairro anterior. Assim, o
mapeamento gerado é ilustrativo para demonstrar as distancias determinadas pela mudança de moradia.
13 Mais de uma alternativa foi proposta aos moradores pelo poder público municipal.
12
Outro elemento que merece destaque é a falta de relação dos moradores com os antigos locais de moradia.
Como nos dois empreendimentos o tempo de ocupação já era maior que 6 meses, poucos vínculos como
amigos e instituições foram identificados relacionados ao bairro anterior, à exceção da relação com a moradia
prévia expressa somente por conta dos parentes. No caso das duas amostragens, esses são identificados
como importante “porto seguro” para a busca de ajuda por parte das famílias (60% no Palmeiras II e 64% no
Alterosas).
No Palmeiras II, existe uma maior diferença interna de renda (ver INFG_2.10 Renda familiar mensal), com
uma grande quantidade de famílias com renda superior a R$ 1.600 reais (32%). Por outro lado, 17% das
famílias declararam não ter qualquer renda. No entanto, o pequeno universo de reassentados ali não permite
afirmar que esses são os mais pobres dos empreendimentos. Nesse caso, 6 das 9 famílias apresentam renda
acima de 1 SM, sendo que duas tem renda superior a R$1.600,00. Já no Alterosas, a diferença de renda na
amostragem geral é menor. A faixa de renda de maior ocorrência desse conjunto são as de até 1SM e de
1SM a R$ 1.600,00. Essa característica ocorre tanto no grupo dos reassentados quanto no grupo de
sorteados.
De forma a auxiliar a análise, compara-se a ocupação geral da população nos dois empreendimentos com a
situação dos grupos de reassentados (ver INFG_2.20 Ocupação dos moradores reassentados). Os índices de
desemprego no Palmeiras II são de 9%; esse índice sobe para 28% nas famílias reassentadas. Nesse
aspecto, outra importante comparação é o número de ocupações ligadas a informalidade entre reassentados
(7% dos moradores estão na categoria Assalariado sem Registro e 7% na categoria Trabalho Eventual “Bico”)
que se assemelha ao seu número de ocupações formais (14% de Trabalhadores com Registro). No Alterosas,
a situação dos reassentados é menos problemática; o índice de desemprego é baixo na categoria provinda da
informalidade (apenas 8%) e existe uma considerável quantidade de assalariados com registro (36%). No
entanto, novamente se destaca a ocorrência de ocupações ligadas a informalidade nesse grupo (17% de
Trabalhadores Eventuais – “Bico”).
Os dados mostram que existem pessoas em situação de pobreza em ambos os empreendimentos. No
entanto, a situação de maior diferença interna de renda no Palmeiras II, encontrada nas diferentes análises
combinada com a indicação de precariedade da situação dos reassentados, confirma as impressões em
campo. Nesse empreendimento, os conflitos entre moradores são mais constantes e recorrentes; as questões
de vizinhança representam uma das principais reclamações evidenciadas nas avaliações dos seus
moradores. Por outro lado, no Alterosas, onde a diferença de renda é menor, as relações de boa vizinhança
aparecem com maior ocorrência.
Portanto, a situação dos reassentados é importante. O grupo representa minoria nos conjuntos mas sofre
forte preconceito na difícil tentativa de se criar novos vínculos sociais entre os vizinhos, principal agente
descrito na construção de redes sociais. Dentro do condomínio, são taxados de “favelados” e
responsabilizados por diferentes mazelas encontradas na realidade do espaço comum dos empreendimentos.
A situação desse grupo é ainda mais preocupante quando se passa ao estudo sobre o endividamento das
famílias.
4.2.
Padrões de endividamento
Para aqueles que saem do aluguel, o novo apartamento significa a diminuição de gastos mensais. Para os
reassentados, muitas vezes, os 40 m2 são a garantia de segurança. Tendo como base as entrevistas com
moradores e síndicos dos empreendimentos, identificou-se três aspectos que ocasionam consideráveis
alterações no orçamento mensal dos residentes quando comparados à moradia anterior.
O primeiro é a questão da alteração de despesas com deslocamento casa-trabalho (ver INFG_2.21 Variação
de gastos com transporte) que leva em consideração a situação de inserção urbana dos empreendimentos. A
segunda questão é a variação de despesas com gastos de moradia (ver INFG_2.22 Variação de gastos com
moradia), envolvendo a comparação entre aluguel, e a combinação de condomínio e prestação. E finalmente,
tem-se como ultimo elemento que envolve as mudanças com a despesa de gastos mensais com serviços (ver
INFG_2.23 Variação de gastos com serviços), englobando gastos de eletricidade, água, TV a cabo, internet e
outros elementos apontados nas entrevistas.
Gastos com Deslocamento Casa-Trabalho
A Tabela 06 mostra os dados retirados da Pesquisa Origem-Destino da 2011-2012 (AGÊNCIA, 2013)
referente às Viagens Totais na RMBH - número total de viagens metropolitanas (internas e externas) por
município considerando as viagens atraídas, produzidas e geradas (somatórios das viagens atraídas e
produzidas).
POSIÇÃO
1
MUNICÍPIOS
Belo Horizonte
PRODUZIDAS
6.810.345
ATRAÍDAS
6,862.565
GERADAS
13.672.909
PARTICIPAÇÃO
%
52,30%
2
Contagem
1.574.431
1.550.958
3.125.389
12,00%
3
Betim
1.380.115
1.377.083
2.757.198
10,60%
5
Ribeirão das Neves
556.971
550.845
1.107.816
4,20%
TABELA 06: Viagens totais
Fonte: Agência Metropolitana RMBH, 2013, p.243. Dados trabalhados pelo PRAXIS
Apesar da forte concentração de deslocamentos presente no município sede da RMBH, os dois munícipios
onde se localizam os empreendimentos estudados tem um importante percentual de participação na dinâmica
urbana metropolitana. A sede do Palmeiras II tem a terceira participação nos deslocamentos levantados,
enquanto o município de Ribeirão das Neves, onde está o Alterosas, tem a quinta participação.
Passa-se para a questão da localização da ocupação dos moradores assim como o levantamento do meio de
transporte do deslocamento Casa-Trabalho. No Palmeiras II, pouco menos da metade dos moradores (48%)
não tiveram alteração nas despesas com o transporte para o trabalho. No entanto, para aqueles que tiveram
variação, a maioria das vezes ocorreu com o aumento dos gastos (30%). Já no Alterosas, a variação de
gastos com o deslocamento Casa-Trabalho atinge 40% dos seus moradores, sendo que 32% se configuram
como o aumento do preço do deslocamento. No caso desse empreendimento a situação é mais alarmante
pois, de acordo com o INFG_2.20 Ocupação dos moradores, 42% dos moradores trabalham em outros
municípios, o que ocasiona a necessidade do uso do transporte metropolitano. Considerando que o município
de trabalho é Belo Horizonte, aquele que concentra as principais oportunidades de geração de renda na
RMBH, o gasto diário de deslocamento dos moradores do Alterosas pode alcançar o valor de R$14,60,/dia no
caso da necessidade de quatro viagens (duas para ir e voltar do centro de Belo Horizonte e duas para ir e
voltar do centro ao local de trabalho).
Assim, em ambos os empreendimentos, mesmo que as alterações para aumento dos gastos englobem cerca
de um terço das duas amostragens, a situação merece atenção dado os altos gastos com deslocamentos
definidos pela dinâmica metropolitana. A ausência de vínculos das políticas públicas municipais e regionais
de mobilidade com a provisão de moradia ocasiona o impacto negativo considerável nas famílias dos
empreendimentos estudados.
Gastos com a moradia
A mudança para os conjuntos determina a inserção das famílias contempladas em uma lógica coletiva de
residência. Com isso, a relação trazida pelo conjunto de apartamentos define uma nova forma de gastos para
com a estrutura condominial, muitas vezes não existentes na moradia anterior. As taxas de condomínio,
vinculadas à manutenção e melhorias das áreas coletivas, são uma novidade no orçamento da maioria das
famílias beneficiadas pelo PMCMV-FAR.
Vale ressaltar que as entrevistas com os síndicos apontam para significante número de inadimplentes em
relação a essa taxa mensal. Isso culmina com o impacto negativo na gestão das áreas comuns, como
explicitado em outros momentos nessa pesquisa. Assim, uma vez evidenciado o conflito existente na esfera
coletiva dos conjuntos e seus respectivos custos, passa-se ao levantamento comparativo das despesas com
moradia em relação à situação anterior de residência, explicitado pelo INFG_2.22 Variação de gastos com a
moradia.
A relação de aumento dos gastos habitacionais em relação à moradia anterior engloba a metade dos
moradores consultados nas duas amostragens. Assim, a pressuposição de melhoria do orçamento familiar
com a diminuição dos gastos trazido pelo advento da casa própria não atinge a metade da população
consultada. O aumento ocorre tanto para a metade das famílias do Palmeiras II (50%) quanto para um pouco
mais da metade das famílias do Alterosas (57%). A situação dos reassentados chama a atenção; cerca de
70% desse grupo (11 famílias no Alterosas e 7 no Palmeiras II), em ambos os empreendimentos, teve
aumento dos gastos mensais. A situação é mais complexa pois encontramos cobranças irregulares da
prestação da moradia para com moradores provindos de área de risco em ambos os empreendimentos.
O INFG2.24 Gasto com moradia maior que 30% da renda aponta as ocorrências encontradas em que o gasto
mensal ultrapassa o valor de 30% da renda familiar – situação similar a questões levantadas nos indicadores
de DH. Novamente surgem evidências claras da dificuldade de algumas famílias residentes no Palmeiras II.
Nesse empreendimento o gasto mensal ultrapassa o limite de 30% da renda em 18 unidades – sendo 3
famílias reassentadas e 15 famílias sorteadas. O estudo dos gastos mensais com moradia indica, portanto,
que a certeza de diminuição de gastos com a casa própria via PMCMV-FAR é questionável. Mesmo com os
“baixos” valores definidos pelo programa, o impacto da combinação de prestação mensal e as taxas de
condomínio ainda continuam a ser considerável para as famílias com renda mais baixa.
Gastos com despesas mensais com serviços
O levantamento dos gastos com despesas mensais com serviços provém da relação da cidade com o
empreendimento (presença de infraestrutura urbana de acesso a questões básicas de moradia). Sendo essa
uma exigência federal para a construção de unidades FAR, o acesso das moradias à água corrente, ao
saneamento e à energia elétrica, deve ser assegurado antes da chegada dos beneficiários. Nesse quesito,
adianta-se que todos os empreendimentos visitados no UNIVERSO-FAR tem acesso a esta infraestrutura
urbana garantido pelos municípios onde estão. A segunda relação é interna, referente às exigências mínimas
do processo de construção dos conjuntos para garantir a chegada de água encanada, esgoto e energia
elétrica nas moradias e nas áreas comuns.
De acordo com relatos colhidos em campo, a qualidade dos materiais e da execução das obras têm gerado
problemas recorrentes, contribuindo para o aumento de gastos principalmente nas contas de água e luz das
famílias. Por outro lado, vale entender também que, na moradia anterior de alguns contemplados,
possivelmente o pagamento desses serviços era ou inexistente ou reduzido, eventualmente por meio de
“gatos”.14 Há também a dificuldade colocada pelos fornecedores desses serviços, em que se destacam a
COPASA e a CEMIG, para com a questão condominial. Apesar de existirem taxas sociais de água, esgoto e
luz para moradias individuais, tais taxas não são aplicadas para os condomínios. Além das questões de água
e luz evidenciadas, outro importante destaque encontrado em campo é o grande número de contratações de
serviços de televisão por assinatura, originando gasto a mais para as famílias; a busca desse serviço justificase pela impossibilidade de recepção ou de acesso ou pela má qualidade do acesso ao sinal da televisão
aberta.
O resultado do estudo relativo à variação das despesas mensais das famílias contempladas no Palmeiras II e
no Alterosos está demonstrado no INFG_2.23 Variação de gastos com serviços. Em ambos os
empreendimentos, a enorme maioria de beneficiários, sejam eles reassentados ou sorteados, tiveram o
aumento das despesas mensais após a mudança para a casa própria. No Palmeiras II, o aumento atinge 96%
dos moradores, englobando 8 famílias reassentadas e 88 sorteados. No Alterosas, 86% das famílias
entrevistadas teve o aumento de suas despesas de serviços. Isso engloba todas as 15 famílias reassentadas
consultadas e 70 sorteadas (83% do total desse grupo).
A partir desses dados é passível de se afirmar que a racionalidade praticada pelas construtoras no seu modo
produtivo, tanto de repetição de projetos padrões quanto na busca pela execução rápida e eficiente, não
atinge a necessária eficiência no produto moradia a ser entregue para o Estado e, posteriormente, para as
famílias. Associada às dificuldades da gestão coletiva e aos gastos decorrentes de mudança de localização
no espaço urbano, a análise do PMCMV revela a existência de custos invisíveis como possível endividamento
das famílias pobres inseridas nos conjuntos FAR. Tais custos invisíveis contribuem para a quebra do
paradigma da seguridade social trazida pela posse da moradia. Pressuposto historicamente aplicado em
políticas publicas de habitação social e continuado no PMCMV-FAR, contribui para a produção rápida e
massificada em larga escala, sobrepondo as demandas das famílias beneficiadas.
Referências
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Pesquisa Origem e Destino 2011-2012. Governo de Minas Gerais. Secretaria extraordinária de Gestão Metropolitana.
Belo Horizonte, 2013. Disponível em: http://www.metropolitana.mg.gov.br/noticias/segem-e-armbh-disponibilizamrelatorio-final-e-banco-de-dados-da-pesquisa-origem-destino-2012
ALVES, José Eustáquio Diniz; CAVENAGHI, Suzana Marta . As mudanças nos questionários do censo demográfico
2010 do IBGE Impactos no cálculo das metodologias do deficit e da demanda habitacional no Brasil. In: CEF - Caixa
Econômica Federal. (Org.). Demanda Habitacional no Brasil. 1ed. Brasília: CEF, 2011, v. 1, p. 91-97
14 Em algumas visitas, verificou-se a existência de “gatos” internos aos empreendimentos, podendo ser os responsáveis pelos altos
custos com serviços. No entanto, vale ressaltar a impossibilidade de se confirmar tal pressuposto.
CARDOSO, Adauto Lúcio; ARAGÃO, Thêmis Amorim. Do Fim do BNH ao Programa Minha Casa Minha Vida: 25 anos
da política habitacional no Brasil. IN: CARDOSO, Adauto Lúcio (org.). O Programa Minha Casa Minha Vida e seus
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FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO (FJP). Centro de Estatísticas e Informações. Deficit habitacional municipal no Brasil
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2012
PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA:
ESTUDOS AVALIATIVOS NA RMBH
Edital MCTI/CNPq/MCidades n.11/2012
Eixo 3
Desenho, Projeto e Produção do
Programa Minha Casa Minha Vida
ANEXOS: http://issuu.com/praxisufmg/docs/anexo_vi_-_eixo_3
ATUALIZAÇÃO: 18/12/2014
Introdução
A construção da narrativa dentro desse eixo buscou reposicionar a tríade desenho, projeto e produção a partir
de dois pontos de vista, caracterizados temporalmente. O primeiro ponto de vista consiste na ação do
PMCMV que carrega, a priori, instrumentos (leis, cartilhas, manuais e modelos-padrão de projetos) e
mecanismos próprios, envolvendo diversos instituições e agentes com distintas responsabilidades e
atribuições. O programa foi elaborado pelo Governo Federal, via Ministério das Cidades, é executado pela
iniciativa privada, via Construtoras, com a parceria de governos estaduais, municipais e/ou entidades, e
operado por um banco, a Caixa Econômica Federal (CAIXA), ou o Banco do Brasil – instituições financeiras
na forma de empresas públicas do governo federal, com patrimônio próprio e autonomia administrativa,
conforme explicitado também pelo eixo 1. A partir dessa ótica, os empreendimentos são vistos como o
espaço projetado, precisamente desenhado para o atendimento às normativas e a uma composição familiar
média e padrão (pai, mãe e dois filhos), como visto no eixo 2 (ver INFG_3.35 Composições familiares). Aqui,
o desenho e a execução das unidades estruturam-se por etapas sequenciais distintas, encerrando-se com a
entrega das chaves e o início da apropriação dos espaços pelos moradores.
O segundo ponto de vista, a posteriori, estende a tríade desenho, projeto, construção ao uso, considerando a
produção do espaço como uma somatória dessas quatro etapas na medida em que inclui a ação dos
moradores via apropriação dos espaços – seja pela adesão, pela adaptação ou pela subversão.
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Descreveremos inicialmente a metodologia de análise dos espaços proposta; na sequencia, a leitura
realizada, aprofundando na descrição e análise conjunta e paralela dos dois momentos colocados acima
para, ao fim, apresentar algumas proposições.
1. Coleta de dados e instrumentos metodológicos
Os dados coletados advém de:
(1) visitas de campo, observação direta e levantamento fotográfico nos empreendimentos dos seis
municípios selecionados – Belo Horizonte, Betim, Caeté, Contagem, Ribeirão das Neves e
Vespasiano;
(2) levantamento fotográfico de 200 unidades de dois empreendimentos: Palmeiras II (Betim) e
Alterosas (Ribeirão das Neves);
(3) reuniões em secretarias de habitação ou órgão equivalente nos seis municípios;
(4) pesquisa documental referente aos projetos arquitetônicos, Ficha de Informações do Terreno
(FIT), Ficha Resumo do Empreendimento (FRE), Laudo de Análise (LA), dos empreendimentos
dos seis municípios selecionados, fornecidos pela CAIXA;
(5) legislações municipais, manuais, cartilhas e demais normativas, fornecidas pela CAIXA,
Ministério das Cidades e prefeituras;
Foram realizadas entrevistas abertas e semiestruturadas com:1
(6) construtoras Habit Construtora, Direcional Engenharia e Emccamp;
(7) URBEL (Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte);
(8) empresas responsáveis pelo Programa Pós Morar – Assessoria Social e Pesquisa (ASP) e
Ampliar Consultoria e Planejamento LTDA;
(9) CAIXA;
(10) síndicos dos empreendimentos Baviera e Palmeiras II (Betim), Hibisco (Belo Horizonte), Hibisco
(Caeté), São Luiz e Vista Alegre (Contagem) e Alterosas (Ribeirão das Neves);
(11) duzentos moradores de unidades de dois empreendimentos: Palmeiras II (Betim) e Alterosas
(Ribeirão das Neves) (ver INFG_3.19 Apartamentos entrevistados Alterosas e INFG_3.20
Apartamentos entrevistados Palmeiras II).
Após a visita aos empreendimentos dos seis municípios, percebemos que a avaliação dos espaços não
poderia se restringir a métodos convencionais, conhecidos como Avaliação de Pós Ocupação (APO), que são
baseados em critérios físicos mensuráveis e normatizados a partir de referências tidas como universais. Tais
1 ver ANEXO 1 – Modelos Entrevistas (http://issuu.com/praxisufmg/docs/anexo_ii_-_entrevistas) e ANEXO 2 – Entrevistas
(http://issuu.com/praxisufmg/docs/anexo_ii_-_entrevistas).
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metodologias levam à negação de aspectos subjetivos e singulares bastante presentes nos casos estudados
e de extrema relevância para a análise proposta. Avaliações dessa natureza se traduzem, na maioria das
vezes, por entrevistas estruturadas com perguntas de múltipla escolha que podem levar à indução de
respostas ou se tornar “balcão de reclamações” por parte de moradores.
Partimos da proposição de Manuel Gausa (2010) para a construção metodológica da nossa análise dos
espaços. Gausa (2010) estabelece conceitos – conectividade, eficiência e flexibilidade – como estratégias de
projeto bem como critérios de avaliação de edifícios produzidos na arquitetura contemporânea. Em sua
proposta, esses três conceitos se subdividem, conforme:
CONECTIVIDADE
(1) Uso misto: habilidade do projeto residencial de ligar-se e integrar-se a múltiplos usos (trabalho,
lazer e serviços).
(2) Múltiplos usuários: acomodação de diversos estilos de vida e modelos de família.
(3) Urbano-suburbano: qualidade de vida suburbana compatível com a eficiência da infraestrutura
urbana e as oportunidades que essa oferece
(4) Edifício-paisagem: conexão entre espaço interno e externo, o construído e não construído, e a
construção do projeto residencial como elemento da paisagem.
(5) Espaço comunitário: conexão entre o espaço da casa e a cidade por meio de espaços comuns
onde a troca e a socialização podem acontecer.
EFICIÊNCIA
(6) Densidade: qualidade que vai além da otimização necessária do uso do solo e das múltiplas
atividades e relações que o projeto pode acomodar.
(7) Compacidade: geometria e arranjo dos espaços para a otimização da relação entre diferentes
programas acolhidos pelo projeto residencial.
(8) Economia de recursos: redução do consumo de material e do uso da energia por meio da escolha
dos sistemas construtivos e do uso dos recursos naturais, ao longo do tempo (manutenção).
(9) Individualização: articulação da individualidade de cada morador, inserido em um projeto
residencial multifamiliar.
FLEXIBILIDADE
(10) Adaptabilidade: facilitação e acomodação de diversas exigências e atividades, previstas e não
previstas, para usuários conhecidos e não conhecidos.
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(11) Abertura: indeterminação do espaço fluído, em oposição à tradicional associação entre os
ambientes e as suas específicas funções.
(12) Espaço: plataforma para o desenvolvimento eficiente de múltiplas atividades.
(13) Variedade da unidade: complexidade espacial do projeto, em oposição à padronização do
programa e do usuário.
A partir daí, propomos a desconstrução e a quebra dessa estrutura de categorias de Gausa e a reconstrução
de uma outra estrutura na medida em que seria insuficiente imprimir identificações diretas dos espaços do
PMCMV com referências conceituais preconcebidas, correndo-se o risco de se acolher conexões estanques
entre significantes e significados (ver INFG_3.41 Correspondência entre os conceitos). O objetivo foi
evidenciar, sem um julgamento prévio de valor, tanto as formas pelas quais as categorias se manifestam nas
apropriações feitas pelos moradores quanto as maneiras como são interpretadas e equacionadas pelos
técnicos e profissionais durante o processo de tomada de decisões sobre os empreendimentos (desde a
escolha do terreno até a elaboração dos projetos e planilhas orçamentárias).2
A contínua associação dos dados coletados às categorias elencadas levou à criação de duas escalas
distintas de análise, a do empreendimento e a da unidade habitacional, em um mesmo nível, permitindo,
assim, cruzamentos e atravessamentos (ver INFG_3.42 Relação entre categorias).
Como exemplo, recorremos à categoria “economia de recursos”, que, se em Gausa está associada a tecnologias limpas e
sustentáveis, para os projetistas e construtoras do PMCMV se traduz exclusivamente em possibilidades de barateamento de custo,
de otimização das áreas construídas e de redução do tempo de duração do processo construtivo. Por sua vez, para os moradores,
“economia de recursos” se materializa por meio das “gambiarras” para sanar deficiências.
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2. Espaço projetado e espaço apropriado
O mapeamento dos pressupostos acionados na projetação do espaço e nas apropriações engendradas pelos
moradores desvelou as contradições e potencialidades presentes no cotidiano dos moradores. Foi possível
constatar, por exemplo, que a Economia de recursos anunciada pelos projetistas e construtores refere-se
apenas a valores imediatos de construção. Nesse sentido, as planilhas de custo, próprias do mercado
imobiliário e de seus agentes, não incorpora custos invisíveis, relativos e indiretos, provindos das adaptações
necessárias em espaços projetados para perfis padronizados de moradores, dos conflitos agravados pela
segregação socioespacial e das dificuldades de apropriação do que é comum e público. O PMCMV torna-se
um produto comercializável, com modo de usar, alimentado pelas especificações espaciais da CAIXA, pelas
regras de convivência condominiais de classe média, e um veículo promotor da exclusão social e espacial,
especialmente as crianças, os idosos e os portadores de necessidades especiais.
O artigo de Morado Nascimento e Tostes (2011) explicita que em um país onde a diversidade de hábitos,
tradições, condições climáticas, disponibilidade de materiais dentre tantas outras variáveis e que apresenta
apenas uma solução tão restrita e de tão pouca flexibilidade para a questão habitacional torna-se claramente
insatisfatória. O produto fortemente homogêneo de apartamento de sala, cozinha, dois dormitórios e banheiro,
em prédios de 4 ou 5 pavimentos, constitui-se “mais uma vez na reprodução da abordagem generalizante
típica dos padrões modernistas da arquitetura europeia das primeiras décadas do século XX. Foi neste
contexto que tomou forma a concepção de espaço em termos de resposta funcional a necessidades humanas
universais, por meio de uma especialização e correspondência estrita entre espaços e ações: dormir-quarto,
cozinhar-cozinha, comer-sala, etc. A setorização tripartida em áreas social, de serviços e íntima corresponde
à casa burguesa brasileira de inícios do século XX, tendo se cristalizado em nossa cultura arquitetônica como
resposta óbvia, natural e autoevidente às demandas do morar (MORADO NASCIMENTO, 2011, p.3)
Tal concepção tornou-se um pressuposto de tal modo difundido e assimilado que mesmo hoje seu
questionamento é dificultado e, muitas vezes, incompreendido pelas construtoras e pelos técnicos públicos.
Na outra ponta, em inúmeros exemplos de espaços não planejados por arquitetos, como por exemplo, na
autoconstrução, é muito comum a presença de arranjos espaciais mais complexos, sem a correspondência
unívoca espaço-atividade e principalmente atividade-setor: a cozinha é muitas vezes um espaço de
sociabilidade, e não de mero “serviço”; pode-se perfeitamente dormir em espaços que em determinados
horários não tenham a privacidade de um quarto, etc. (MORADO NASCIMENTO, 2011).
Outro aspecto importante diz respeito à impossibilidade de participação dos moradores nas etapas de
concepção e projeto, impondo-se uma solução que irá onerar o orçamento doméstico em um período
considerável, e quaisquer alterações e adaptações, ainda que bastante limitadas, vão demandar ainda mais
despesas, acarretando um comprometimento adicional do já exíguo orçamento doméstico. O processo de
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morar, que deveria pressupor escolhas, participação e tomadas de decisão em diversos níveis, se vê
resumido à mera relação de compra de um produto como outro qualquer, com um esvaziamento e
empobrecimento bastante nocivo de sua dimensão política.
Desse modo, com o cruzamento entre as decisões de projeto e de execução e as apropriações dos
moradores constatou-se não só um distanciamento temporal mas também um distanciamento ideológico.
Para as construtoras e para a CAIXA qualquer decisão de projeto justifica-se pelo valor de troca – custos
menores em razão de edifícios compactos e de unidades mínimas; para os moradores prevalece o valor de
uso. Ressaltamos que tal análise é valida para empreendimentos tanto para moradores de baixa renda
quanto para moderadores de classes média e alta.
2.1.
Variedade Empreendimento (VA.E)
Consiste na complexidade espacial da implantação do empreendimento – INFG_3.02 Variedade
Empreendimento.
Duas das construtoras entrevistadas, Direcional e Emccamp, terceirizam seus projetos de arquitetura e de
estruturas do PMCMV, mantendo profissionais da área apenas para análises e compatibilizações dos
projetos, engenheiros de instalações e de infraestruturas e orçamentistas. No entanto, as diretrizes de projeto
determinadas por todas as construtoras entrevistadas são sempre repassadas aos arquitetos projetistas. Para
os projetos de arquitetura, a tipologia da unidade habitacional para a faixa 1 é única, com apartamentos de 2
quartos, organizados na maior parte dos casos em edifícios de 4 ou 5 pavimentos em formato “H” ou “em fita”,
implantados em platôs artificiais de forma escalonada quando o terreno é mais íngreme (ver INFG_3.02 –
Variedade Empreendimento). Nenhum outro tipo de solução para implantação é apresentada pelas
construtoras (ver INFG_3.09 – Compacidade Empreendimento), sendo que o percentual de tipologias em
casas também é mínimo, menos de 3% conforme o diretor de uma das construtoras3.
Todas as construtoras entrevistadas informaram que não é papel do arquiteto propor inovações e/ou
modificações, seja na implantação, seja na tipologia, cabendo a ele solucionar a implantação no terreno, com
a tipologia predefinida e o maior número possível de unidades, definir a pintura para as fachadas e cuidar do
processo de aprovação do projeto junto à prefeitura.
Expressões como “para a equação econômica da empresa fechar”, “senão a conta não fecha”, “a gente faz o
que a lei manda” foram recorrentemente empregadas em diversas respostas. Como o valor pago por unidade
na faixa 1 é único e padronizado por município, terrenos acidentados ou propostas de tipologias diferenciadas
3 COSTA, Bruno Xavier Barcelos. Diretor da Construtora Habit. Entrevista concedida à equipe do PRAXIS. Belo Horizonte,
12/02/2014.
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diminuem a margem de lucro, segundo as construtoras. Nesse sentido, o mínimo exigido pela CAIXA em sua
cartilha torna-se o máximo atendido. Nenhuma das construtoras promove qualquer investigação sobre outras
possíveis soluções arquitetônicas para o atendimento ao programa. O argumento contrário à diversidade
tipológica sempre recai na viabilidade econômica do empreendimento. O mesmo raciocínio estende-se para
as áreas externas, onde os projetos contemplam na maior parte dos casos, uma quadra, um playground e um
centro comunitário, além do estacionamento e áreas de manobra (INFG_3.10 – Espaço Comum
Empreendimento).
Nesse cenário, não há nem variação, nem complexidade espacial dos edifícios e de sua implantação, que
possam gerar riqueza e multiplicidade socioespacial. De modo geral, a disposição dos blocos está associada
à ocupação máxima do terreno. O formato em “H”, com 4 apartamentos por andar superpostos em 4 ou 5
pavimentos, historicamente tem se tornado padrão em empreendimentos populares tanto na RMBH quanto
no Brasil. O emprego desse tipo arquitetônico demonstra uma ampla desconsideração com condicionantes
locais, como insolação, ventilação e topografia, replicando contínua e irrefletidamente o uso de um mesmo
projeto para condições de lugar distintas. O modelo recorrente de implantação (INFG_3.02 – Variedade
Empreendimento), predominante pela adoção da tipologia edilícia em formato “H” com 4 unidades por
pavimento, dispostos aleatoriamente no terreno com rotações dos blocos para maior ocupação do mesmo,
demonstra essa desconsideração com os condicionates naturais. Como consequencia, muitos apartamentos
ficam prejudicados com relação à iluminação e ventilação naturais. O argumento de “acompanhar a topografia
do terreno”, via conformação de platôs para receber os blocos, é regido única e exclusivamente pela
economia de recursos econômicos e pelo modelo imediato de implantação, sem nenhuma possiblidade de
outra forma de ocupação em terrenos frágeis, seja pela declividade seja pelas características geológicas. Não
há também nenhuma variação no tipo de justaposição das unidades habitacionais conformando outros
modelos edilícios (casa individual, casas justapostas/geminadas, casas biplex, sobrados, blocos maiores,
áreas livres, pilotis, implantação escalonada, etc.).
A solução dada para as vagas de estacionamento, por priorizar também o menor custo de construção,
desconsidera possíveis áreas de convívio público, social e de lazer, o que poderia contribuir para atenuar os
conflitos sociais. O estacionamento, quando vazio, é ocupado pelas crianças para brincar, andar de bicicleta
ou de patins, denunciando a insuficiência na projetação dos espaços de lazer adequados.
A categoria Variedade Empreendimento se sobrepõe à categoria Espaço Comum, já que é pela abordagem
projetual na solução da implantação que se definem os espaços comuns. Mas com as prerrogativas
programáticas do PMCMV, os espaços de uso comum se restringem a uma quadra esportiva, nem sempre
adequadamente localizada, um parquinho com brinquedos não atraentes, e um centro comunitário, pouco ou
mal utilizado pela fraca infraestrutura oferecida ou pelas regras impostas pelo síndico, mostrando as
dificuldades de se viver coletivamente. Enfim, a implantação se resume em distribuir aleatoriamente os
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blocos, ainda que atrelados aos platôs redefinidos pela topografia, desconsiderando critérios relacionados ao
conforto ambiental e à geologia urbana. Os espaços residuais, consequentes desse raciocínio de projeto
genérico, são preenchidos por vagas de estacionamentos e equipamentos nomeados “para lazer”.
2.2.
Variedade Unidade (VA.U)
Consiste na complexidade espacial, diversidade e/ou capacidade de expansão da unidade – INFG_3.03
Variedade Unidade.
Similarmente à categoria anterior não há nenhuma variedade na unidade habitacional dos empreendimentos
visitados, que pudesse promover algum grau de complexidade espacial em razão da existente diversidade
social.
Segundo todas as construtoras entrevistadas, o sistema construtivo empregado é o autoportante e, no
momento, o mercado tende a definitivamente empregar a parede-concreto moldada in loco, em substituição à
parede de alvenaria em blocos de concreto autoportante. A adoção desse tipo de sistema, juntamente com a
desinformação sobre outras possibilidades, impedem o uso de tipologias flexíveis, adaptáveis e/ou ampliáveis
para as unidades habitacionais. A construtora Habit, por exemplo, colocou que no caso da tipologia “casa”,
uma ampliação correspondente a um cômodo poderia ser prevista, mas que se isso fosse previsto nos
apartamentos, esses “virariam aglomerados”. Nesse sentido, a construtora afirma que “os moradores devem
se acostumar a morar em apartamentos e aceitar que não têm varal para estender roupas, por exemplo”.4
Ora, inúmeras referências podem ser citadas aqui em contraponto a esse argumento, desde os exemplos
encontrados em Manuel Gausa e no movimento Open Building, esse originado da Teoria dos Suportes de
John Habraken, até os empreendimentos do grupo Elemental no Chile, que mostram soluções arquitetônicas
mutáveis e flexíveis economicamente viáveis para a habitação social.
A CAIXA afirma que não tem responsabilidade sobre os projetos e que não tem modelo padrão, ainda que
defina medidas mínimas dos espaços por meio de layouts mínimos para cada cômodo, por meio de cartilha, e
área mínima de cada unidade. Tais medidas são referendadas pelo Ministério das Cidades.
As construtoras apresentam o projeto arquitetônico e urbanístico pronto, viável operacionalmente e
economicamente para as mesmas, própria da lógica produtiva empresarial, não cabendo à CAIXA interferir,
como vimos, na sua elaboração. A inviabilização de unidades flexíveis ou variadas é justificada por
argumentos econômicos, custos esses já elevados, segundo as construtoras, em razão das adaptações em
atendimento às normas de acessibilidade (por exemplo, uso de elevadores) ou do uso de piso cerâmico. Em
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COSTA, Bruno Xavier Barcelos. Diretor da Construtora Habit. Entrevista concedida à equipe do PRAXIS. Belo Horizonte,
12/02/2014.
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nenhum momento, as construtoras e a CAIXA reconhecem que conflitos sociais poderiam ser minimizados
em razão de outro desenho urbano e arquitetônico, se atrelado às condições socioespaciais, físicas e
tecnológicas próprias de cada lugar. A CAIXA aprova o sistema construtivo proposto pelas construtoras,
calcado por certificações de outras instituições como a ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) e o
IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas). Tudo isso reforça o alto grau de autonomia das construtoras no
processo de decisão sobre o projeto haja visto que, embora a CAIXA historicamente tenha promovido vários
concursos de projeto de arquitetura para habitação de interesse social, jamais mobilizou tais propostas para a
melhoria das políticas públicas para moradias.
Quanto às reclamações dos moradores, por exemplo em relação ao isolamento acústico deficiente das
unidades habitacionais (ver INFG_3.28 Problemas no apartamento), a CAIXA defende que esse é um
problema que atinge todos os padrões de imóveis, inclusive financiados pelo FGTS, SBPE, ou outros, não
sabendo como resolver a questão. Essa postura estende-se aos problemas encontrados como: falta de lugar
adequado para secagem de roupa, falta de possibilidade de ampliação da unidade, falta da área externa
privativa/quintal, etc. (Ver INFG_3.08 – Adaptabilidade Unidade).
A URBEL5 afirmou que a maior reclamação dos moradores é com relação a ausência do terceiro quarto. Em
um dos dois próximos empreendimentos a ser lançado pela PMBH, cerca de 5% das unidades serão de 3
quartos, mas ainda sem possibilidades de modificações e de ampliações. A URBEL admite que as famílias
demandam alguma conformação diferente daquele ambiente que está posto e que, em função do projeto e da
tecnologia empregada, não é possível realizar alterações na unidade, gerando frustração nas pessoas e
eventuais conflitos sociais (ver INFG_3.35 Composições Familiares). Há relatos, entretanto, de modificações
feitas por moradores como, por exemplo, abertura de porta para a constituição de suíte (ver INFG_2.11
Aprovação tamanho/ distribuição da unidade por tamanho da família).
Essa frustração generalizada é constatada nas entrevistas com os moradores, onde 54% em média dos
moradores entrevistados sentem falta do quintal (ver INFG_3.27 Cômodo que sente falta). A URBEL
corrobora completando que a maioria dessas pessoas vivia anteriormente em casas, demandando esse tipo
de configuração espacial; portanto, há um “choque” e a dificuldade de viver de forma condominial, em
apartamentos, surge evidentemente. “Quando se tem uma casa cada um gerencia a sua, quando se mora em
apartamento há um espaço que tem de ser gerido coletivamente”, afirma uma técnica6 da URBEL.
Para a URBEL, o déficit habitacional e a escassez da terra dificultam o enfrentamento da questão da moradia
social, sendo a única solução posta a dos condomínios verticalizados, construindo-se mais unidades em
áreas menores. Podemos adiantar aqui, e isso será demonstrado mais adiante, que não é necessariamente a
RIBEIRO, Juliana Santos e CARNEIRO, Maria Luisa. Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte – URBEL. Entrevista concedida
à equipe PRAXIS. Belo Horizonte, 07/04/2014.
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RIBEIRO, Juliana Santos e CARNEIRO, Maria Luisa. Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte – URBEL. Entrevista concedida
à equipe PRAXIS. Belo Horizonte, 07/04/2014.
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alta densidade (número de unidades, área e/ou pessoas por área de terreno) que estabelece o limite do
número de unidades determinadas nesses empreendimentos, mas sobretudo, a tipologia edilícia adotada (ver
INFG_3.04 Densidade Empreendimento). Outras soluções projetuais, de amplo conhecimento de arquitetos
contemporâneos, permitem maior adensamento, inclusive sem necessariamente e excessivamente
verticalizar a(s) edificação(ões).
A URBEL explicita que a configuração espacial do PMCMV, baseada na tripartição funcional modernista dos
setores da casa – social, serviço e íntimo (com 2 quartos) – e no pré-dimensionamento a partir do mobiliário,
vem de outros programas de governo como o PAR (Programa de Arrendamento Residencial), tendo sido
construído historicamente e nacionalmente inclusive com a participação de técnicos da PMBH. Esses
programas anteriores subsidiaram o PMCMV, não só em seus arranjos institucional e financeiro mas também
em suas diretrizes técnicas para o projeto (INFG_3.03 Variedade da Unidade). Como a CAIXA não pode
legislar, até mesmo porque as prefeituras têm suas legislações municipais próprias, a referência do mobiliário
dada pelas especificações mínimas do programa, referendadas pela CAIXA, objetiva limitar minimamente a
área da unidade. A PMBH acata essas especificações por entender que é possível conseguir bons arranjos
de projetos trabalhando com o referencial do mobiliário ao invés de definir medidas mínimas para os
cômodos. Entretanto, como dito anteriormente, as diretrizes mínimas exigidas tornam-se máximos a serem
cumpridos.
Quanto à flexibilização e variedade de tipologias, não contempladas pelo PMCMV, a URBEL alega limitações
de custo e de tempo de projeto. A instituição defende que a melhoria da “arquitetura” e da tipologia
empregada devem estar vinculadas à padronização dos processos e dos componentes que agilizam projeto e
construção. Paradoxalmente, a padronização de processos e de componentes não obrigatoriamente atrela-se
a padronização de soluções de projeto. Nesse sentido, há um equívoco conceitual nesses argumentos, tanto
das construtoras quanto da URBEL. O aperfeiçoamento e a racionalização de processos produtivos têm sido
estimulados desde o primeiro período Vargas, quando as soluções higiênico-econômicas significaram a
resposta universalizada para a casa popular: uma aliança acrítica entre a racionalização da construção
(máximo de aproveitamento de espaços úteis, mínimo de gastos, maior aproveitamento do terreno) e a
reprodução de valores burgueses, atualmente prevalentes na produção de apartamentos para a classe
média. A preocupação com a racionalização e a mecanização de processos em atendimento à produção em
massa ou em larga escala, fomentadas pelo desejado desenvolvimento da indústria da construção, impediu
que aspectos sociais fossem incorporados a serem revelados pela diversidade do projeto urbanístico e
arquitetônico no lugar.
Vale lembrar que uma das diretrizes do movimento Open Building é que a definição dos sistemas construtivos
permita a substituição de seus componentes por outros com o mínimo de perturbação para os demais
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componentes existentes. Isso quer dizer que a padronização de processos e de componentes não é fator
impeditivo de flexibilização e variedade tipológica e da consequente diversidade do projeto.
Observamos que, nos empreendimentos visitados, a organização dos espaços na unidade habitacional só
muda pela posição de um cômodo em relação ao outro; ademais, comparecem única e exclusivamente uma
sala (estar e refeição), uma cozinha, uma área de serviço, muitas vezes contígua à cozinha, dois quartos e
um banheiro, todos somando não mais do que 39 a 44m2. Além de não haver variação alguma na concepção
de uma unidade para outra, dentro ou fora de um mesmo empreendimento, o fato do sistema construtivo se
restringir ao autoportante, seja de alvenaria ou parede-concreto, consolida a unidade habitacional como
repetitiva, imutável e inadaptável. Os apartamentos para os deficientes físicos são iguais em sua concepção
espacial e construtiva, apresentando apenas portas com 80cm de largura e barras de adaptação no banheiro,
além de mudanças dimensionais específicas e mínimas na cozinha e no banheiro, e localizando-se no térreo.
A tipologia repetitiva e genérica do PMCMV partiu da média padrão de família brasileira (pai, mãe e dois
filhos), instituída pelo IBGE e acatada pelo PMCMV, em número e em composição que não condizem com a
realidade encontrada (ver INFG_3.35 Composições familiares). Os infográficos INFG_3.25 – Distribuição da
Planta e INFG_3.26 – Tamanho do Apartamento evidenciam as diversas necessidades habitacionais de
grupos distintos, seja pelo tipo, número ou tamanho dos espaços. Os moradores reclamam por espaços
maiores ou não existentes, como quintal/área privativa e um terceiro quarto, ou ainda por possibilidades de
ampliação horizontal ou vertical (ver INFG_ 2.12 Satisfação por tamanho da família).
A tipologia empregada nos projetos ainda preserva o pré-determinismo modernista de simplesmente cumprir
as funções de estar, comer, dormir, lavar e cozinhar, como se demandas não pudessem ser espacializadas
por outros arranjos, inclusive pelos próprios moradores. E ainda impedem ou dificultam outras atividades
cotidianas como brincar, trabalhar, vender, conviver, secar roupa. A cartilha prescritiva do programa,
fornecida pela CAIXA, é legitimada também por códigos municipais de edificações e legislações municipais
que estabelecem as mesmas regras de tipo, número e dimensões dos espaços, bem como seus respectivos
mobiliários. Portanto, a legislação e a cartilha, aliados a outros programas como Minha Casa Melhor (a ser
descrito mais adiante), cuja lista padronizada de mobiliário é baseado na mesma lógica, reforçam a rigidez
espacial das unidades. A diferenciação nas unidades, se baseada nas necessidades habitacionais de
diferentes grupos sociais, pode promover outros atributos de projeto.
A Direcional Engenharia considera que um apartamento bem acabado e salubre, se comparado com as
moradias anteriores dos moradores, justifica o não atendimento a quaisquer outra necessidade habitacional.
Além disso, o discurso “de fazer o que a lei manda”, sob a ótica de todas as construtoras como cumpridoras
do seu dever, e que converge com o discurso da CAIXA, “eles fazem o mínimo que a gente pede”, alimentam
a produção do PMCMV. Não há determinação de uma tipologia única de modo direto, mas, indiretamente,
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todas as regras e exigências, uma vez tendo de ser cumpridas pela iniciativa privada que prezam pelo maior
lucro, padronizam espacialmente e construtivamente o produto.
2.3.
Densidade Empreendimento (DE.E)
Consiste na relação entre a área construída e a área do terreno (coeficiente de aproveitamento – CA), a
relação percentual entre a área de projeção da construção e a área do terreno (taxa de ocupação – TO) e a
relação entre a área do terreno e o número de unidades habitacionais (QUOTA) – INFG_3.04 Densidade
Empreendimento.
Segundo as construtoras, a densidade do empreendimento no que se refere ao número de unidades é
normalmente definida por uma conjunção de fatores. Verifica-se parâmetros na legislação municipal, como
coeficiente de aproveitamento e quota de terreno por unidade habitacional, mas o fator determinante é a
tipologia adotada e o número de unidades habitacionais possíveis em termos de implantação no terreno. Para
alguns municípios, como em Belo Horizonte, há a limitação de 300 unidades habitacionais por
empreendimento, número acima do qual o empreendimento torna-se de impacto, exigindo-se investimentos
maiores em infraestruturas e equipamentos. A legislação federal limita esse número a 500 unidades
habitacionais e o mesmo prevalece para alguns municípios. Porém, isso não impede a construtora de
implantar “empreendimentos contíguos” (empreendimentos da mesma construtora que sejam vizinhos) que,
ainda que independentes mas, se dispostos lado a lado, espacialmente configuram um número ainda maior
de unidades. Até o momento, não há nada na legislação que estabeleça regras sobre a produção de
empreendimentos contíguos inferiores a 300 UH e de “empreendimentos aglomerados” (empreendimentos de
construtoras diferentes mas espacialmente próximos).
Ao mesmo tempo, perguntamos às construtoras sobre a possibilidade de construção de condomínios
menores, com edifícios voltados para a via pública. As mesmas responderam que o processo de aprovação
dos projetos bem como a obra, que envolveriam parcelamento de solo, são mais complicados, demorados, de
custo mais alto; nesse caso, as vias sendo públicas devem ter maiores dimensões com maior infraestrutura e,
conjuntamente com equipamentos de lazer, tornaria a gestão condominial inviável, do ponto de vista de
segurança e manutenção. A URBEL entende que o parcelamento do solo em lotes seria a melhor solução,
tornando as vias públicas. Portanto, a revisão da legislação para parcelamento de solo parece ser necessária,
tratando de modo especial a habitação de interesse social. Além disso, a gestão condominial, a ser tratada
mais a frente, reflete igualmente fragilidades se pensarmos no caráter público possível ou desejável das vias
internas desses empreendimentos.
13
Quanto ao número de vagas para estacionamento de veículos as construtoras seguem a legislação municipal,
que na maior parte dos casos é de 1 vaga para cada 3 unidades habitacionais. Uma das construtoras7
afirmou que quando as prefeituras exigem mais do que isso, 1 vaga por unidade por exemplo, busca-se a
flexibilização da legislação porque a solução projetual adotada para estacionamento requer amplas áreas
descobertas, o que reduz o terreno final para o número de unidades habitacionais. As construtoras defendem
que pilotis, subsolos ou outras soluções de garagem inviabilizam a habitação de interesse social, devido à
necessidade de elevador, de uma estrutura independente ou de soluções similares mais onerosas.
Por outro lado, presenciamos a insatisfação nos moradores por estarem morando em empreendimentos
periféricos, na maior parte dos casos sendo locais pouco ou nada supridos de infraestrutura urbana, com
transporte coletivo ineficaz. Tal deficiência tem intensificado os custos indiretos não considerados e os
conflitos sociais deles advindos. Os gastos com transporte para as famílias entrevistadas aumentaram entre
30% e 32% (ver INFG_2.21 Variação de gastos com transporte reassentados/sorteados).
Para além das questões do estacionamento, os terrenos mais íngremes, especialmente presentes em Belo
Horizonte, poderiam ter melhores soluções ambientalmente adequadas para encostas que simultaneamente
resolveriam melhor tanto as áreas de estacionamento quanto as infraestruturas, as contenções de encostas e
a acessibilidade.
Sobre essa questão de empreendimentos com menos de 500 unidades, mas contíguos ou aglomerados, a
URBEL diz que já tomou providências no sentido de que o Relatório de Diagnóstico de Demanda por
Equipamentos e Serviços Públicos e Urbanos esclareça melhor as necessidades de infraestrutura e de
equipamentos nos locais. Em Belo Horizonte, o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) também é exigido em
empreendimentos com mais de 300 empreendimentos. Mas há uma flexibilização de procedimentos por parte
de órgãos superiores da prefeitura, afirma a URBEL, para a aprovação dos projetos de habitação de interesse
social, faixa 1 com a chancela do PMCMV. A URBEL não interfere no orçamento do empreendimento, mas
nas questões projetuais exige o cumprimento dos parâmetros urbanísticos e arquitetônicos mínimos. A
URBEL tem tentado incentivar empreendimentos menores, com o máximo de 100 unidades habitacionais,
mas não tem sido possível. Atualmente, os condomínios Capitão Eduardo e Granja Werneck, em fase de
planejamento e construção, somam 17.000 unidades. A URBEL tem buscado dividir o empreendimento em
condomínios de 300 unidades no máximo, mas igualmente entende que, mesmo sendo condomínios abertos
e independentes, e por estarem próximos, configuram um total possível de quase 70.000 pessoas com renda
mensal máxima de R$ 1.600,00, podendo tornar-se um grande problema social no futuro. A tipologia, em
função da topografia, será de 3 pavimentos inferiores e 4 pavimentos superiores, com acessos desnivelados
mas sem elevadores, com paredes em concreto moldada in loco. A URBEL acredita ser essa implantação
7 COSTA, Bruno Xavier Barcelos. Diretor da Construtora Habit. Entrevista concedida à equipe do PRAXIS. Belo Horizonte,
12/02/2014.
14
uma melhor solução projetual do que blocos de 4 ou 5 pavimentos em platôs porque economiza
infraestrutura, minimiza rampas de acesso e aumenta a densidade. O número de unidades finais segue
parâmetros relativos à Operação Urbana do Isidoro.
Analisando os índices de densidade e as entrevistas feitas com as construtoras e a URBEL é possível afirmar
que a tipologia adotada é seguramente o fator mais definidor do grau de densidade dos empreendimentos do
PCMVM. Na maior parte dos empreendimentos, inclusive, o limite do coeficiente de aproveitamento (CA) não
é alcançado. Em algumas situações, como é o caso de Belo Horizonte, a quota de terreno por unidade
habitacional (m2 de terreno/unidade), se torna limite mas, muitas vezes, é flexibilizado. A densidade
habitacional realmente é, em última instância, definida pela quantidade de unidades que se consegue
implantar num determinado terreno com o sistema construtivo e tipologia impostos.
Como dito anteriormente, na legislação federal, 500 UH, e em BH, 300 UH, são os limites para que a
construtora não tenha de implantar equipamentos públicos como de saúde, educação, etc. Tal cenário é
demonstrado no “Relatório de Diagnóstico da Demanda por Equipamentos e Serviços Públicos Urbanos” e
acompanhado pela “Matriz de Responsabilidades”. Nas entrevistas com as construtoras foi possível perceber
que essa faixa numérica tem coincidido com o número mínimo que garante a viabilidade financeira de um
empreendimento MCMV faixa 1.
2.4.
Densidade Unidade (DE.U)
Consiste na relação de moradores por m2 construído na unidade – INFG_3.05 Densidade Unidade.
A Direcional Engenharia defende que o tamanho da unidade habitacional oferecido é ideal porque atende a
média de número de pessoas por apartamento divulgado pelo IBGE (3,8 p/UH), além de afirmar que o
tamanho da moradia não importa, e que geralmente é maior do que o lugar onde viviam anteriormente. No
entanto, os infográficos INFG_3.05 Densidade Unidade e INFG_3.35 – Composições Familiares demonstram
que o número de famílias acima e abaixo de 4 pessoas é significativo. Da mesma forma, como mencionado
anteriormente, poderia se pensar que uma variedade no tamanho da unidade, inclusive com unidades
menores, poderia ser mais eficiente e econômico. A possibilidade de ampliação também é bem vinda na
medida em que a transformação da composição familiar ao longo do tempo é realidade social. Se a família se
transforma, a casa poderia se transformar junto, possibilitando o morador participar do processo de tomada
de decisão em relação ao espaço que habita (ação com o uso).
Esse também é outro pressuposto de projetos de habitação social contemporâneos anteriormente citados.
15
2.5.
Múltiplos Moradores Empreendimento (MM.E)
Consiste na acomodação de estilos de vida variados, sob aspectos sociais, econômicos e culturais –
INFG_3.06 Múltiplos Moradores Empreendimentos.
Os moradores caracterizam-se de formas diversas. Aspectos como diferenças da renda, do estado civil, do
nível de instrução e da origem dos beneficiários, se reassentados ou sorteados, (ver INFG_2.09 Estado civil
dos chefes de família e INFG_2.10 Renda Familiar Mensal) tem causado conflitos na utilização dos espaços
de uso comum (ver INFG_1.03 Critérios de seleção de beneficiários).
Com relação à diferença salarial das famílias existem contradições se considerarmos a renda familiar até
R$1600,00 como critério principal de seleção das mesmas. Embora o infográfico INFG_4.08 Renda média
empreendimentos FAR / entornos / municípios apresente a “média” salarial dos setores censitários onde os
empreendimentos se inserem, os síndicos entrevistados informam que há famílias dentro da faixa de renda
até R$ 1.600,00 mas também funcionários públicos e pessoas com formação superior que ganham 4 vezes
mais (ver INFG_2.10 Renda Familiar Mensal).
Os problemas decorrentes da multiplidade de moradores levam as autoridades, como a CAIXA e até mesmo
os síndicos, então empoderados no modelo de gestão condominial, a afirmarem que é preciso “ensinar” as
pessoas a viver em apartamentos e em condomínio, na medida em que entendem ser necessário padronizar
o comportamento, o modo de morar e a vida cotidiana das pessoas. A padronização dos empreendimentos,
das unidades e dos espaços comuns reforça a universalização dos moradores.
2.6.
Diversidade dos Moradores Unidade (DM.U)
Consiste na acomodação de configurações familiares variadas na unidade – INFG_3.07 Diversidade
Moradores Unidade.
As configurações familiares variam na unidade em número e em tipo – gênero, grau de parentesco, estilo,
formação escolar e socioeconômica, além das diferenças culturais já apontadas. Nas unidades, em uma
mesma área e mesma configuração espacial de social, serviço e íntimo, habitam pessoas sozinhas, casal
com ou sem filhos, com 1, 2 ou até 9 filhos; avó, mãe e filha, etc. (ver INFG_3.35 Composições Familiares).
Não há como universalizar a configuração familiar de pai, mãe e dois filhos, inseridos em uma unidade em
torno de 40 m2, para todas os beneficiários do MCMV Faixa 1. Tal argumento reforça a necessidade, já
mencionada nesse texto, tanto da variedade da unidade quanto da participação dos usuários no processo de
tomada de decisão da produção da sua habitação. De modo geral, como há o cadastro e a seleção das
famílias que muitas vezes antecedem o processo de produção da moradia, tal participação atrela-se às
16
possibilidades de alteração e/ou de modificação dos espaços existentes, ampliando a relação com o espaço
projetado e o espaço apropriado exatamente porque a vida (dinâmica, desejos, conquistas) e as
necessidades habitacionais das pessoas mudam ao longo do tempo.
2.7.
Adaptabilidade Unidade (AD.U)
Consiste na acomodação de diversas exigências e atividades, previstas e não previstas – INFG_3.08
Adptabilidade Unidade.
Como complemento ao PMCMV, e também operacionalizado pela CAIXA, o governo federal lançou o
Programa “Minha Casa Melhor”. O programa consiste numa linha de crédito de até R$ 5.000,00 para a
compra de móveis, eletrodomésticos e eletroeletrônicos através de cartão magnético, com parcelas pagas em
até 48 meses. Os itens que podem ser comprados são exclusivamente guarda-roupa; cama de casal, cama
beliche, com ou sem colchão, ou cama box de casal; cama de solteiro, berço com selo Inmetro, com ou sem
colchão, ou cama box de solteiro; mesa com cadeiras; sofá; estante ou rack; móveis para cozinha;
refrigerador; fogão; micro-ondas; lavadora de roupa automática; TV digital; computador ou notebook com
acesso à internet; e tablet. Segundo a CAIXA, o programa surgiu porque as famílias estavam adquirindo os
apartamentos e muitas vezes não tinham nenhuma cama para colocar no espaço. Precisavam minimamente
de fogão, geladeira, televisão. Mas, ao mesmo tempo, a CAIXA afirmou que o produto mais vendido tem sido
o tablet, produto incorporado após o lançamento inicial do Minha Casa Melhor.
No entanto, reportagens brasileiras recentes anunciam que o programa não tem tido o mesmo sucesso dos
primeiros meses. Interessa, aqui, entender que, ainda que o Minha Casa Melhor amplie a casa para além das
quatro paredes, o programa contribui para o uso da moradia de forma padronizada na medida em que há
inquestionável predefinição do produto a ser adquirido, além de sujeitar o morador a uma forma facilitada de
endividamento. A composição da lista parece ter sido calcada pela mesma predeterminação da tipologia
padrão adotada, evidenciando a concepção generalizante das necessidades habitacionais pelo programa.
Num país de dimensões continentais e de grandes diferenças socioculturais, as demandas familiares não são
idênticas na mesma faixa de renda nem na mesma região.
A Adaptabilidade da Unidade talvez seja a categoria que melhor demonstre a necessidade de mudança na
concepção convencional e universalizada dos espaços no PMCMV. Os moradores se veem na necessidade
de adequar o espaço ao seu modo de vida, promovendo as mais variadas formas de apropriação dos
espaços dentro das unidades habitacionais, seja pela adesão, seja pela subversão. A mais evidente delas
são as “saídas” que encontram para a secagem de roupas, acostumados com o quintal ou o pátio de serviço
descoberto, e somado à insuficiência da área de serviço projetada. Varais dispostos no chão, esticados,
pendurados ou improvisados na sala, na cozinha, no quarto e até mesmo no banheiro, tornam-se a solução.
17
Alguns moradores chegam a projetá-los para fora das janelas, na fachada, adaptação presente em inúmeras
moradias em distintas cidades brasileiras ou não. A CAIXA repreende veementemente essa ação do morador,
tornando-a, nessa análise, uma subversão do morador. Para os que moram no andar térreo, as áreas
descobertas comuns são apropriadas. Nos projetos, tais áreas são tratadas como sendo residuais, em razão
da lógica de implantação de blocos espraiados pelos platôs artificializados.
Outra adaptação recorrente é o uso de camas-beliche no quarto, com 2 ou 3 camas sobrepostas; de colchões
extras ou de disposição de cama extra ou berço na sala, para atender ao(s) membro(s) excedente(s) da
família ou gerar espaço para alguma outra atividade (trabalho, estudo, brincadeira, etc.). Os quartos não
estão dimensionados suficientemente para abrigar duas camas de solteiro, com a devida área de circulação e
móveis de apoio. Muitas vezes, os móveis permitidos e/ou vendidos pelo Programa Minha Casa Melhor não
se adequam aos quartos em razão dos seus dimensionamentos ou da posição da janela ou do baixo pédireito.
Da mesma forma é comum a insuficiência de espaço que abrigue o mínimo de eletrodomésticos para o
funcionamento de uma casa contemporânea. É muito comum ver geladeira, máquina de lavar, micro-ondas
ou bicicleta na sala. Ou ainda insuficiência de espaço para uso, manuseio, circulação ou manutenção dos
mesmos. O problema se intensifica, e esse será melhor apresentado na categoria Uso Misto, quando o
morador exerce alguma atividade de trabalho em casa (ver INFG_3.16 Uso Misto Unidade). Da mesma forma,
a ser tratado na categoria Economia de Recursos, aparecem as adaptações nas instalações elétricas,
hidráulicas ou de antenas de TV.
No quesito acessibilidade, todas as construtoras afirmaram que os apartamentos não são adaptados, e sim
adaptáveis, e uma vez que o sorteio das unidades, realizado pelas prefeituras, só acontece após a obra
finalizada, tais adaptações são executadas posteriormente. Como já apontado inicialmente, essas se
restringem à largura de porta de 80cm, espaço para giro da cadeira, bacia sanitária suspensa e colocação de
barras de apoio no banheiro. O tamanho de todos os outros espaços das unidades adaptáveis é igual aos
demais e os apartamentos localizam-se no andar térreo (blocos sem elevador e sem rampa interna de
acesso). Nesse cenário, os moradores também apresentam soluções criativas no enfrentamento da
acessibilidade, conforme mostrado no INFG_3.08 Adptabilidade Unidade.
A CAIXA também confirma que há exigências quanto às questões de acessibilidade, conforme mencionado
anteriormente, mas as demandas de unidades adaptadas são repassadas à CAIXA pelas prefeituras após
sorteios dos beneficiários. A instituição confirma que o mínimo exigido tem sido o máximo atendido pelas
construtoras devidos aos custos e repasses.
2.8.
Compacidade Empreendimento (CO.E)
18
Consiste na geometria e arranjo dos espaços em referência ao programa arquitetônico – INFG_3.09
Compacidade Empreendimento.
Essa categoria encontra transversalidades tanto com a categoria Variedade Empreendimento quanto com a
categoria Densidade Empreendimento. Mas, para além da inexistente variedade de solução de implantação
dos empreendimentos, a compacidade refere-se mais à solução projetual que relaciona a densidade do
empreendimento com a solução volumétrica e de implantação escolhida, inclusive considerando previsão de
áreas livres para convívio social e de lazer.
Do ponto de vista colocado pelas construtoras, o mais compacto, interpretado como “ocupar ao máximo o
terreno” com blocos edilícios e vagas de estacionamento, sem verticalização que demande o uso do elevador
e associado à estrutura autoportante, leva a um menor custo de projeto e de obra. Para as construtoras do
PMCMV, o conceito compacto significa fazer o mínimo pelo menor custo.
2.9.
Espaço Comum Empreendimento (EC.E)
Consiste na conexão entre o espaço da unidade e o conjunto através de espaços onde a troca e a
socialização possa acontecer – INFG_3.10 Espaço Comum Empreendimento.
A CAIXA e as construtoras dissertaram pouco a respeito dos espaços comuns. A URBEL, no entanto, explica
que o empreendimento do Jardim Vitória tem espaços comuns significativos mas há outros que nem isso tem.
Essa defende que a escassez de iluminação, o fechamento dos espaços comuns e a presença de becos
favorecem a violência. A URBEL tem relatos de abuso sexual contra crianças e adolescentes em espaços
externos confinados dentro dos empreendimentos.
Todos os empreendimentos visitados pela equipe apresentam uma quadra esportiva, um playground, uma
área coberta e aberta servida de banheiros masculino e feminino, de bancada com pia, e denominada “Centro
Comunitário”, como espaços comuns dos empreendimentos. Ademais, as áreas de estacionamento de
veículos, de circulação descobertas externas e cobertas internas tornam-se espaço comum como lugar onde
a convivência comum se realiza.
Quanto ao uso da quadra, do playground e do Centro Comunitário, são recorrentes as reclamações. Em
razão do modelo condominial, as restrições de uso dos mesmos existem mas não tão democraticamente
aceitas, impedindo, por exemplo, que as crianças utilizem os espaços. Crianças são controladas por meio da
definição de horários para andar de bicicleta ou de patins na quadra. Também são impedidas de brincar
próximas ao acesso às unidades e às áreas externas ou porque incomodam vizinhos ou porque a violência e
o uso de drogas são comuns nessas áreas. Alguns empreendimentos fixam horários para a permanência das
crianças no pátio e multas para o descumprimento das regras.
19
As regras condominiais atuais, próprias dos edifícios e condomínios da classe média, são aplicadas de forma
genérica à habitação de interesse social, baseadas em modelos desenhados pela CAIXA. Os moradores
desconhecem ou não sabem por quem ou por que as regras de convivência condominial são definidas
(INFG_3.39 Regras de convivência).
Observamos também que espaços residuais e ociosos nas áreas externas, longe ou próximo às edificações,
são impedidos de serem apropriados pelos adultos, por exemplo para churrascos entre vizinhos.
Pelo infográfico INFO_2.10 – Espaço Comum Empreendimento é possível perceber também problemas com
a manutenção e o reinvestimento dessas áreas em razão da inadimplência dos moradores em relação ao
pagamento do condomínio. Os espaços degradam-se ao longo do tempo, retroalimentando a inadimplência. A
taxa de condomínio é o primeiro custo a ser cortado pelos moradores, preservando-se os pagamentos com a
TV a cabo, por exemplo. Tal fato pode ser justificado tanto pela não adesão à lógica condominial, que impõe
a existência do síndico nem sempre representado de forma democrática, quanto pelo caráter controlável dos
espaços coletivos, e não de caráter público. O custo de manutenção dos espaços é de responsabilidade dos
moradores e não mais da municipalidade, como acontecia nas moradias anteriores.
O cruzamento dessa categoria com a Variedade e a Densidade do Empreendimento induz às investigações
projetuais de espaços comuns com atributos de qualidade, sem serem considerados resíduos do projetos de
blocos implantados.
2.10. Limites Empreendimento (LI.E)
Consiste nas manifestações que promovem a segregação socioespacial – INFG_3.11 Limites
Empreendimento.
De arame farpado, cerca elétrica, câmeras, altos muros, grades e vigias noturnos, ao distanciamento dos
terrenos em relação às centralidades urbanas, são muitas as manifestações que separam socialmente os
moradores do PMCMV da cidade. Muitos desses dispositivos são recorrentemente empregados em outras
classes sociais, mas similarmente, estando na contramão, alimentados por uma falsa visão de segurança,
consolidam os condomínios enquanto guetos segregados social e economicamente. Além disso, o muro, a
grade ou a câmera não está somente na interface do empreendimento com a rua e com a cidade, mas dentro
do próprio empreendimento e dos edifícios.
Outra evidência da segregação socioespacial dentro dos empreendimentos se refere à separação física dos
moradores reassentados. Há divergência de opiniões entre prefeituras, CAIXA, construtoras e equipes do
trabalho social sobre o direcionamento dos moradores originados de áreas de risco. Por um lado, tenta-se
preservar relações de vizinhança preexistentes, mas, por outro, os reassentados são estigmatizados. O
20
empreendimento Palmeiras II, em Betim, por exemplo, direciona seus reassentados aos fundos do
empreendimento, próximas às áreas invisibilizadas e mais adequadas ao uso e tráfico de drogas. Assim como
o Alterosas, em Ribeirão das Neves, que aloca blocos pintados em cores diferentes em quadras específicas
para os reassentados.
O fechamento ou gradeamento de um edifício em relação ao outro dentro do mesmo empreendimento traz
para os moradores, conforme depoimento de síndicos, uma individualização e privacidade não alcançada
pela imposição de um condomínio de grande porte. Esse cenário de insegurança se agrava nas unidades em
andares térreo e nos blocos muito próximos.
2.11. Fronteiras Empreendimento (FR.E)
Consiste nas manifestações que promovem a integração socioespacial – INFG_3.12 Fronteiras
Empreendimento.
Quando o edifício ou o espaço apropriado está disposto próximo à calçada e à rua (via pública, via externa,
via da cidade), as relações sociais entre moradores do empreendimento ou outros da cidade acontecem, por
exemplo, pelo comércio informalmente instalado, pelo ponto de ônibus, pelo ponto de coleta do lixo ou pela
presença dos veículos de concessionárias de água e energia. Ou seja, qualquer movimentação que promova
minimamente qualquer interação social entre as pessoas, traz mais segurança para os conjuntos.
2.12. Individualização Empreendimento (IN.E)
Consiste na articulação da individualidade (acessibilidade e privacidade) de cada morador com o conjunto
multifamiliar – INFG_3.13 Individualidade Empreendimento.
Nos empreendimentos analisados foi possível observar manifestações da individualidade, seja por
demarcações privadas no espaço público, seja por demarcações públicas no espaço privado. Quase todas
essas manifestações dos moradores aparecem mais como subversões do que como uma resposta positiva
ao propósito do espaço (adesões). Assim, há mudanças de pinturas e revestimentos em escadas e halls,
criação de jardins em canteiros nas áreas residuais, instalação de vasos dispostos em áreas comuns e de
circulação coletiva (escadas, halls, peitoris de janelas ou em outros espaços inusitados), colocação de varais
em janelas. Há, inclusive, palmeiras transplantadas no acesso principal de um dos empreendimentos.
Há também adaptações feitas nas circulações externas para cadeirantes e a individualização de hidrômetros.
Essas interferências demonstram a importância do projeto flexível à interação dos moradores com o espaço,
inclusive no espaço de uso coletivo, em detrimento do que a legislação ou as regras da CAIXA impõem.
21
2.13. Individualização Unidade (IN.U)
Consiste na articulação da individualidade (acessibilidade, privacidade e outras formas de apropriação,
identidade ou vínculo) de cada morador com a unidade – INFG_3.14 Individualidade Unidade.
Embora haja muitas restrições no espaço da unidade oferecido pelo PMCMV, que dificultam a apropriação
dos moradores levando às mais diversas adaptações como mostrado em categoria anterior, esses ainda
conseguem imprimir as mais diversas marcas de individualização do espaço da unidade. Os moradores
decoram os ambientes, fazem pequenas reformas, cultivam hábitos e heranças (cultivo de plantas,
passarinho) dos espaços em que viviam anteriormente. Isso se manifesta por meio das cores em novas
pinturas, do rebaixamento do teto com instalação de forro de gesso, mudanças luminotécnicas, troca de
revestimento de piso e paredes em cozinha, banheiro e sala, instalação de novas cubas e bancadas.
A maioria absoluta dos moradores tem como residência de origem, ainda que alugada ou precária, a casa e
não o apartamento. Em função disso, carecem da individualização e da privacidade, de possibilidades de
expansão da casa, de áreas externas privativas, para preservarem o modo de morar anterior.
Ao mesmo tempo, os materiais empregados bem como os móveis adquiridos no Programa Minha Casa
Melhor também revelam a cultura do consumo, comum a todas as classes sociais. O programa foi lançado
com o objetivo de injetar a economia do setor estimulando seu crescimento, porém, um ano depois, o
desinteresse pelo programa aparece e as compras diminuem (Estadão, 11/07/2014). Os moradores têm
percebido que o programa é um facilitador de endividamento, haja visto a prestação da casa própria e aos
outros móveis e eletrodomésticos adquiridos anteriormente também de forma financiada: “se a coisa apertar,
que levem os móveis”, afirmaram vários moradores em visita de campo.
A ação dos moradores no espaço é bastante limitada ao âmbito da troca de materiais de acabamentos ou do
rearranjo dos objetos já que o sistema construtivo rígido impossibilita a modificação ou a expansão dos
arranjos espaciais.
2.14. Uso Misto Empreendimento (UM.E)
Consiste na habilidade do conjunto residencial de ligar-se e integrar-se a múltiplos usos (lazer, servicós e
comércio) – INFG_3.15 Uso Misto Empreendimento.
Sobre a possibilidade de implementar uso misto nos empreendimentos, a CAIXA defende que o recurso do
FAR atualmente só pode ser aplicado à moradia. Para a CAIXA, instalar comércio e serviço significa que
alguém irá aferir lucro com um recurso que não é assim destinado pelo programa. Na fase 2 do programa o
22
uso misto é permitido no empreendimento desde que a parte comercial e/ou de serviço seja executada com
recurso da construtora (ou de outra fonte). A CAIXA reconhece que algumas atividades relacionadas à
geração de renda ocorrem dentro das unidades habitacionais e configuram-se como comércio e serviço,
ainda que de forma precária e localizada, mas não vê uma forma do PMCMV agenciar e até mesmo favorecer
ou legitimar essas atividades.
A prefeitura já vê com bons olhos o uso misto nos empreendimentos mas ainda vê problemas com relação à
gestão dessa questão.
O infográfico INFG_3.15 – Uso Misto Empreendimento evidencia que a proposição de mudanças no PMCMV
sob esse aspecto é necessária. Seja para suprir de infraestrutura e comércio um lugar que apresenta essa
insuficiência, seja como geração de renda para os próprios moradores, que muitas vezes pela falta de
emprego ou por necessidades familiares precisam manter o trabalho em casa. Da feira ou bar na calçada ao
salão de beleza ou à produção e venda de comida na unidade, constatamos diversas atividades comerciais e
de serviços presentes nos empreendimentos.
Ainda que o uso misto seja proibido hoje dentro do PMCMV, faixa 1, com recursos do FAR, na prática isso
não é cumprido, ao mesmo tempo em que o cotidiano das pessoas tem revelado outras demandas.
Seguramente recursos públicos destinados à habitação não devem ser desviados para a geração de grandes
lucros (o que difere da geração de renda para moradores), mas ao mesmo tempo é preciso expandir o
conceito de habitação para o mero significado de produto-casa, restrito aos preceitos da modernidade.
Todos os empreendimentos analisados são, por um lado, espaços projetados como estritamente residenciais
e, por outro lado, espaços apropriados como empreendimentos associados ao comércio e serviço.
2.15. USO MISTO UNIDADE (UM.U)
Consiste na habilidade da unidade residencial de ligar-se e integrar-se a múltiplos usos (lazer, serviços e
comércio) – INFG_3.16 Uso Misto Unidade.
Algumas atividades econômicas, talvez menos impactantes para o condomínio, e importantes para os
próprios moradores, são aquelas exercidas dentro das unidades e que nem sempre tem como clientela o
próprio empreendimento. A maioria dos regimentos internos dos condomínios permite atividades de comércio
e serviço internas à unidade desde que não perturbem a vida dos moradores, não descaracterizem as
unidades e nem se sinalizem por anúncios, propagandas, placas, etc. em locais públicos. No entanto, os
síndicos permitem trocar cartões de visita em encontros sociais nos empreendimentos. Encontramos salão de
beleza (cabelereiras, manicures, esteticistas), confecção e/ou venda de roupas, fabricação e venda de
23
bombons, pães, biscoitos, pizzas, e, também, uma biblioteca. A prática da economia informal está presente
no PMCMV.
Essa análise coloca a concepção do espaço flexível aos diversos usos como possibilidade coerente à
habitação social.
2.16. Economia de Recursos Empreendimento (ER.E)
Consiste na redução do uso de materiais, sistemas construtivos, tecnologias e recursos naturais no conjunto,
ao longo do tempo – INFG_3.17 Economia de Recursos Empreendimento.
Segundo as construtoras, as escolhas dos materiais e, mais especificamente, a troca do sistema construtivo
autoportante de blocos para parede-concreto deve-se única e exclusivamente à redução de custos e
otimização de procedimentos de projeto e de obra, gerando somente benefícios econômicos para a
construtora. Embora as construtoras utilizem componentes industrializados, os processos construtivos são
manufaturados.
Se por um lado não há investigação nenhuma de novas possibilidades arquitetônicas para melhorias
espaciais tanto externas aos edifícios quanto internas às unidades, por outro, há um controle total e muito
preciso do projeto em termos do desenho executivo, de planilha orçamentária, de gestão, para que, nas
palavras das construtoras, “a conta feche”. O cumprimento do cronograma é de fundamental importância em
todo o processo, segundo todas as construtoras. Ocorrem poucas interferências na compatibilização entre os
projetos e poucas mudanças durante a execução das obras. As mais recorrentes são com relação à
“implantação” (adaptação/ adequação) do projeto no terreno (ver INFO_3.09 – Compacidade
Empreendimento).
De acordo com a CAIXA, atualmente o valor máximo repassado às construtoras por unidade habitacional é de
R$ 65.000,00, incluindo o valor do terreno. Em tese, se o terreno é doado, o valor total repassado por unidade
não deve chegar a R$ 65.000,00. Da mesma forma, o valor máximo pode também ser acrescido por aporte
repassado pelas prefeituras locais em função de orçamentos mais elevados do empreendimento.
Normalmente, as justificativas dos aportes estão relacionadas aos custos do terrenos, às obras de
terraplenagem ou às obras de infraestrutura. Há uma outra referência de valor de repasse para a construção
apenas da unidade habitacional que auxilia nesses cálculos, que é em torno de R$ 800,00 a R$ 860,00/m2,
dados da CAIXA. Esse se destina aos casos em que os valores avaliados para as unidades, terreno e/ou
infraestrutura precisam ser separados. Além disso, há também flexibilidade quanto às exigências
relacionadas à implantação de infraestrutura local, bem como com o programa para as áreas comuns
24
apresentado pela construtora, o qual normalmente é aceito ou negociado informalmente, e que não vai além
dos espaços já mencionados anteriormente.
Conforme já apontado no início desse texto a categoria Economia de Recursos pode ser interpretada sob
aspectos distintos, por vezes contraditórios: para as construtoras, refere-se à redução de custos de projeto e
de obra e dos prazos de execução; para os moradores, refere-se às soluções imediatas e criativas para
problemas do cotidiano. Sob o nosso ponto de vista, as soluções dos moradores são vistas como tecnologias
artesanais que podem fomentar novas ações. Muitas vezes, as adequações construtivas dos moradores tidas
como “gambiarras” são provenientes exatamente da escassez ou da economia de recursos por parte das
construtoras, como também da rigidez do sistema construtivo que impede alterações necessárias ao longo do
tempo. Como exemplo, não há possibilidades de se instalar antenas para televisão; nesse caso, o morador
inventa soluções (que podem danificar telhados e paredes) ou externaliza as tubulações, cabos, antenas e
demais dispositivos necessários ao funcionamento da TV. Isso se estende para as instalações de telefonia,
elétrica e hidráulica. Escadas, rampas, trilhas, trechos em taludes são pavimentados de modo improvisado e
precário para sanar problemas de fluxos externos aos edifícios. Também é comum alguns moradores criarem
coberturas improvisadas para o abrigo de veículos pelo fato dos estacionamentos serem descobertos. E as
soluções para o varal/ para a secagem de roupas também invadem as áreas de uso comum dos conjuntos.
2.17. Economia de Recursos Unidade (ER.U)
Consiste na redução do uso de materiais, sistemas construtivos, tecnologias e recursos naturais na unidade,
ao lngo do tempo – INFG_3.18 Economia de Recursos Unidade.
Maior número de cômodos e as instalações elétricas e hidráulicas, de telefonia e de comunicação são as
insuficiências mais comuns. Além disso, as unidades habitacionais totalmente adaptadas para os portadores
de necessidades especiais também é outro exemplo. Outra reclamação recorrente é a falta de um bom
isolamento termo-acústico nos apartamentos (ver INFG_3.28 Problemas no apartamento).
O sistema construtivo adotado também preocupa a URBEL com relação à questão do isolamento termoacústico.
Há, em certos aspectos, insuficiência de recursos pela construtora e pelo projeto, mas também evidencia a
capacidade da subversão criativa dos moradores.
3. AVALIAÇÃO DO PMCMV PELOS AGENTES
25
De modo geral, as construtoras entrevistadas avaliaram positivamente o PMCMV e têm boas expectativas
pela terceira fase já anunciada pela presidente Dilma Rousseff. As empresas acreditam que o programa
trouxe melhoria para várias famílias essencialmente nas questões de salubridade, quando comparadas as
moradias atuais e anteriores, e da tão sonhada casa própria. De fato, ainda que os moradores relacionem
seus problemas e evidenciem as fragilidades do PMCMV, a satisfação está garantida se, e somente se,
associada ao sonho da casa própria (ver INFG_3.34 O que mais gostam). Porém vimos que as necessidades
habitacionais superam esses quesitos.
As construtoras afirmam terem avançado tecnologicamente na produção da habitação de interesse social,
mas pontuam que deveria ser melhorado o trabalho técnico social junto aos moradores, bem como o apoio às
prefeituras locais. Concordam que a maior dificuldade do programa está no pós-morar, razão essa que
explica a alta inadimplência tanto com a CAIXA quanto com os próprios condomínios. Na ótica das
construtoras há uma dificuldade dos moradores em viver de forma condominial. Quanto ao tamanho da
unidade não veem problemas, uma vez que o mesmo ocorre na produção habitacional para outras faixas de
renda e que são recorrentemente comercializadas no mercado (ver INFG_2.11 Aprovação tamanho/
distribuição da unidade por tamanho da família e 2.12 Satisfação por tamanho da família).
A CAIXA avaliou o PMCMV como o melhor programa que a instituição já lançou até hoje na área de
habitação. Entende que os apartamentos são bem feitos e as obras bem acompanhadas pela CAIXA.
Já a URBEL8, quanto à avaliação do PMCMV afirma que:
“Belo Horizonte sentiu muito com o PMCMV em função de antes ter uma liberdade de trabalhar com os
movimentos. Por outro lado, antes tinha uma obrigação de estar vinculado a um movimento social para ser
atendido pela política, e isso é inconstitucional. Então o PMCMV trouxe uma dificuldade de atender ao
movimento, mas, por outro lado, ele abriu a possibilidade de atender à cidade. Uma outra questão é que para
além do FAR, existe a modalidade Entidades. Belo Horizonte fez alguns arranjos para atender via FAR e
Entidades, e não tem conseguido na prática operacionalizar a modalidade Entidades em função de grandes
dificuldades, em função de experiências passadas. Outra questão é que o PMCMV veio sem uma
normatização muito clara. Principalmente em 2009, quando ele foi lançado, porque a normatização mais
específica demorou muito a sair, e isso causou um impacto muito grande no município. Em 2009 foram 198 mil
pessoas inscritas, um número muito maior do que o que a gente tem hoje. Teve um cadastro que foi
cancelado, ele foi refeito em função de todos os problemas que aconteceram na época, em função dos
imediatismos. O PMCMV é um programa que tá na mídia o tempo inteiro. Isso gera questionamentos, isso
gera especulação, isso gera um tanto de situações que são complicadas. Mais do que isso, eu não consigo
fazer uma avaliação muito precisa, mas a valorização do imóvel foi muito grande. Não foi só em Belo
Horizonte, mas nós percebemos que o PMCMV trouxe uma valorização dos imóveis. E isso, eu avalio, é uma
coisa muito ruim para a cidade. Ele tem um ponto positivo porque a contratação do empreendimento é feita
diretamente pela Caixa. Quanto mais rápido o construtor fizer, mais ele ganha, e isso gera uma agilidade na
construção. Mas, por outro lado, existem esses conflitos de gerenciamento mesmo, porque ninguém assume
algumas responsabilidades como essa que você está colocando, que a Caixa fala que a responsabilidade é do
município, sendo que na prática nós não temos condições de operacionalizar uma reintegração de posse.
Então, tem essas divergências que eu acredito que precisam ser tratadas.
MAGALHÃES, Maria Cristina, Diretora de Planejamento. Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte - URBEL. Entrevista
concedida à equipe do PRAXIS. Belo Horizonte, 12/05/2014.
8
26
Em Belo Horizonte, nós temos visto, ao mesmo tempo em que se contrata pequenos empreendimentos, nós
temos grandes empreendimentos contratados, e isso vai contra o que nós conseguimos construir durante
muitos anos. São empreendimentos de 6 mil unidades, e como se gerencia isso com uma população de baixa
renda? E os 11 mil do Granja Werneck? Ainda tem uma questão conceitual que estamos discutindo com a
empresa, que na concepção original não há divisa entre os condomínios, são condomínios todos abertos. Nós
estamos num processo de tentativa de mudança. Não tem delimitado o que é área pública, o que é área
privada, tá tudo no meio de tudo, tem um centro comunitário aberto do lado de uma rua que vai ser uma via da
cidade. Eu acho que Belo Horizonte hoje não está preparada para receber esse tipo de empreendimento,
porque é muita gente em situação de vulnerabilidade em um único lugar e sem ter como gerenciar o espaço.
Tem uma rua que está integrada no conjunto, a cidade passa nessa rua, aí tem um ponto de lixo que é do
condomínio. O condomínio vai gerenciar um ponto de lixo que foi criado pela cidade dentro de uma área.
4. PROPOSIÇÕES
Em 2009 o parlamento japonês aprovou uma lei, Long Life Quality Housing Act, que pelo caráter políticoeconômico tanto quanto arquitetônico aqui abordado, vale citar. Trata-se de uma lei que premia projetos de
arquitetura aberta que prezam pela durabilidade e adaptabilidade. A lei oferece incentivos fiscais e financeiros
tendo em vista o alto percentual de estoque habitacional produzido nas últimas décadas de baixa
durabilidade, vida útil curta, sem resistência a terremotos e de baixa eficiência energética (35% foi depois de
1981). Os incentivos podem ser subsídio direto; quebra de imposto de renda; redução de impostos para
habitação individual ou do mercado imobiliário; ou condições favoráveis para empréstimos na compra de
habitações novas de maior qualidade e que prezam pela sustentabilidade ambiental. O ato garante o
incentivo às habitações que apresentem nove propriedades: [1] durável (100 anos ou mais), [2]
estruturalmente segura, [3] grande o suficiente, [4] adaptável, [5] sem barreiras, [6] eficiente energeticamente,
[7] conectada com seu entorno, [8] fácil de manter e [9] mantida regularmente (TOMOHIRO, 2012). O governo
prevê que 20% das novas casas em 2020 apresente o certificado Long-Life Housing. Em 2011 mais de
235.000 casas já foram certificadas. O programa é válido tanto para a construção de novas habitações quanto
para retrofits. Essa é uma experiência que foi inspirada no recorde predominante de edifícios e estruturas
urbanas abertas e flexíveis (Open Building), construídas no país ao longo das últimas décadas. Habraken
(2012) revela que a ideia de uma tal lei nunca tinha passado pela sua cabeça, que a exigência da
durabilidade é o mote do ato, mas que inevitavelmente isso permite a adaptação individual das habitações às
preferências do usuário.
A produção do PMCMV atrela-se a um estoque similar e significativo de habitações de baixa durabilidade e
adaptabilidade e/ou baixa eficiência energética que estará num futuro próximo gerando grandes problemas.
Portanto, de forma clara e objetiva, seguem proposições no sentido de revisarmos os pressupostos do
PMCMV:
(1) Recorrer ao espaço apropriado (apropriações e subversões) para repensar o espaço projetado;
27
(2) Atender às necessidades habitacionais dos moradores e não ao déficit habitacional numérico da
cidade;
(3) Variar a unidade habitacional em função da variação da composição familiar (em número, gênero,
tipo, relações parenterais);
(4) Projetar o espaço necessário em uso (m3) e não a partir da área mínima funcional (m2), buscando
variações espaciais adequadas e transformáveis ao longo do tempo;
(5) Permitir uso misto tanto nos espaços comuns quanto nas unidades habitacionais;
(6) Promover o emprego de sistemas construtivos flexíveis e adaptáveis às interfaces complementares;
(7) Utilizar componentes industrializados em prol da melhoria do canteiro de obras;
(8) Rever a gestão condominial a partir do parcelamento do solo específico para habitação de interesse
social.
REFERÊNCIAS
BRASIL. CAIXA. Programa Minha Casa Melhor. [Online] Disponível em https://minhacasamelhor.com.br/.
Acessado em 07/07/2014.
GAUSA, Manuel. Total Housing: Alternatives to Urban Sprawl. Actar: Barcelona, 2010.
HABRAKEN, N. John. N. J. Habraken explains the potential of the Open Building approach in architectural
practice. [dez 2012]. Portal Vitruvius: entrevista ISSN 2175-6708, 052.04 ano 13. Entrevista concedida a
Denise
Morado
Nascimento.
[Online]
Disponível
em
http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/13.052/4542. Acessado em janeiro de 2012.
LAMOUNIER, Rosamônica da Fonseca; MORADO NASCIMENTO, Denise. Open Building in Brazil: is it
possible? XXV World Congress of Architecture/ UIA 2014: Architecture Otherwhere (Proceedings). Durban:
UIA 2014, p.834-847. [Online] Disponível em: http://www.uia2014durban.org/get_involved/documents.htm.
MORADO NASCIMENTO, Denise; TOSTES, Simone Parrela. Programa Minha Casa Minha Vida: a (mesma)
política habitacional no Brasil. Arquitextos, São Paulo, 12.133, Vitruvius, jun 2011
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/12.133/3936>.
NEUMAN, Michel. The compact city fallacy. Journal of Planning Education and Research, No. 1. Virgínia:
Sage Publications, volume 25, 2005, pp. 11-26.
TOMOHIRO, H., 2012. Integrating Environmental Sustainability and Disaster Resilience in Building Codes.
[Online] Disponível em: http://www.unescap.org/esd/suds/buildingcodes/ Final-report/Good-Practice-Japanfiscal-and-financial-incentives.pdf. [Acessado em 8/3/2014]
28
PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA:
ESTUDOS AVALIATIVOS NA RMBH
Edital MCTI/CNPq/MCidades n.11/2012
Eixo 4
Inserção Urbana e Segregação
Socioespacial
ANEXOS: http://issuu.com/praxisufmg/docs/anexo_vii_-_eixo_4
ATUALIZAÇÃO: 18/11/2014
Introdução
O objetivo deste eixo é analisar as áreas nas quais foram implantados os empreendimentos do Programa Minha
Casa Minha Vida (PMCMV) selecionados para estudo na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), bem
como apontar os possíveis impactos decorrentes da implantação desses empreendimentos. Esta análise abrange
a inserção, nos municípios e no contexto metropolitano, dos locais selecionados para implantação dos
empreendimentos nos municípios e no contexto metropolitano, avaliando sua integração e consequente acesso
de seus beneficiários à cidade em suas funções públicas e coletivas.
A estrutura do Eixo 4 foi organizada em quatro seções: inicialmente, na seção 1 Inserção metropolitana dos
municípios selecionados, é apresentado um quadro geral da dinâmica metropolitana, com ênfase nos seis
municípios selecionados (ver MAPA_4.B.22 até MAPA_4.B.27 Imagem satélite). Em seguida, na seção 2 Espaço
urbano de inserção dos empreendimentos, é apresentada uma análise do entorno próximo dos empreendimentos
nestes seis municípios, a partir de indicadores de inserção urbana. Na seção 3 Impactos da configuração em
condomínio são discutidas algumas questões relativas aos aspectos urbanísticos e sociais da configuração em
condomínio dos empreendimentos produzidos pelo PMCMV. Finalmente, na seção 4 Expansão e adensamento
de periferias, são identificados possíveis processos de expansão de fronteiras urbanas e apresentada uma breve
1
análise sobre o papel dos empreendimentos em relação a esses processos.
1. Inserção metropolitana dos municípios selecionados
1.1.
1
A produção de moradias na formação da RMBH
A formação da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) tem conexões com a própria história da
urbanização brasileira e, na sua origem, está relacionada à ação pública na criação das condições para a
industrialização, no final dos anos quarenta. Assim, os primeiros processos de conurbação se formaram na
direção do município de Contagem, a oeste de Belo Horizonte, a partir da instalação da Cidade Industrial
Juventino Dias, inaugurada em 1946, e dos subsequentes loteamentos implantados na região2. Esse processo
continuou na direção oeste, mas também na direção norte, impulsionado pela criação do complexo turísticourbanístico da Pampulha, nos anos cinquenta em Belo Horizonte, e pela instalação de indústrias nos municípios
imediatamente periféricos, nos anos setenta, destacando-se Santa Luzia, Vespasiano e, um pouco mais distante,
Pedro Leopoldo. Ainda nos anos setenta, Ribeirão das Neves surge como lugar preferencial de implantação, pela
iniciativa privada, dos chamados loteamentos populares3 – divisão de glebas em lotes sem infraestrutura –
tornando-se o município modelo das clássicas periferias precárias na RMBH.
Nos anos oitenta, a implantação de conjuntos habitacionais para segmentos de baixa renda predominantemente
a norte (Santa Luzia e periferia norte de Belo Horizonte) e oeste (Contagem e regiões do Alípio de Melo e
Barreiro em Belo Horizonte) consolidou estas áreas como espaços dos segmentos sociais de mais baixa renda. A
região oeste já havia se configurado como o chamado eixo industrial (PLAMBEL, 1984), com a ocupação da
Cidade Industrial de Contagem e os grandes investimentos industriais em Betim (Refinaria Gabriel Passos e Fiat,
entre outros), atraindo fluxos imigratórios de população trabalhadora.
O processo de estruturação metropolitana gerou uma configuração socioterritorial que se manteria pelas décadas
seguintes. Nos anos noventa, a estrutura socioespacial da RMBH se caracterizava pela contínua elitização dos
espaços centrais e pericentrais, com perda populacional relativa (e absoluta em algumas áreas) das regiões mais
centrais da capital, pelo adensamento das áreas periféricas ao norte, predominantemente por trabalhadores
pouco qualificados e de baixa renda e espraiamento das classes médias pelas áreas centrais e em direção à
Texto elaborado a partir de argumentos presentes em Costa, Mendonça (2012) e Mendonça, Costa, Borges (no prelo).
anos cinquenta foram aprovados 113 loteamentos em Belo Horizonte, Contagem e Betim (também a oeste), totalizando 80.600
lotes. A grande maioria (66 loteamentos e 50.400 lotes) situava-se nos municípios de Contagem e Betim, representando 24% dos lotes
aprovados entre 1950 e 1976 em toda a região conurbada com Belo Horizonte (PLAMBEL, 1987, p.136 e Rocha; Penna, s/d, p.11).
3 Para uma análise desse processo, ver Costa, 1983.
1
2 Nos
2
região industrial, a oeste, onde ainda predominava uma população constituída de trabalhadores industriais e do
setor terciário (MENDONÇA, 2008).
Na década de 1990, devido às altas taxas de lucro do mercado financeiro e às limitações do sistema de crédito
habitacional (o BNH havia sido extinto em 1988), o mercado imobiliário passou a depender de recursos próprios,
e seu nível de atividade passa a ser determinado pela capacidade de poupança do comprador (GOMES, 2007,
p.251), o que significou uma produção orientada principalmente para segmentos de mais alta renda.4
No entanto, o grau de integração ao processo metropolitano de cada um dos 34 municípios que compõem hoje a
RMBH é diverso, conforme mostra estudo do Observatório das Metrópoles5. Os municípios com maior grau de
integração são justamente aqueles onde a dinâmica econômica e populacional é interdependente, destacando-se
os municípios conurbados.
No início do século XXI, dois fenômenos impactaram de forma significativa a estrutura socioespacial
metropolitana, bem como a dinâmica de produção de moradias. Em primeiro lugar, um conjunto de importantes
investimentos públicos nas áreas a norte resultou na atração por novos empreendimentos imobiliários privados e
gerou grande valorização especulativa no preço da terra6. Destacam-se: a via expressa que liga Belo Horizonte
ao Aeroporto Internacional Tancredo Neves, em Confins, conhecida como Linha Verde; a implantação do
Aeroporto Industrial de Confins; a nova sede administrativa do Governo do Estado (Cidade Administrativa –
CAMG), na divisa entre Belo Horizonte, Vespasiano e Santa Luzia; o Parque Tecnológico situado no Campus da
UFMG, na Pampulha e projetos de atração de investimentos em indústria tecnológica. Em segundo lugar, a
conjuntura favorável à intensificação de empreendimentos imobiliários alimentada pelo grande aumento do
crédito imobiliário - intensificado no final da década com a implantação do Programa Minha Casa Minha Vida produziu um boom imobiliário, caracterizado pela expansão territorial, intensa incorporação de novos segmentos
de mercado e disseminação da tipologia apartamento em municípios antes caracterizados pela moradia do tipo
casa.
Entre 1990 e 2005, o número de apartamentos em Belo Horizonte quase dobrou (de 132.062 para 242.383), segundo o cadastro do
IPTU (GOMES, 2007, p.242). A produção de apartamentos considerados de padrão luxo foi o dobro da produção de apartamentos de
padrão popular (respectivamente 5.894 e 2.435).
5 O estudo realizado pelo Núcleo Minas Gerais do Observatório das Metrópoles identifica o grau de integração dos municípios
metropolitanos à cidade polo, utilizando indicadores de taxa média de crescimento populacional, grau de urbanização, densidade
demográfica dos setores censitários urbanos, percentual de trabalhadores em ocupações não-agrícolas, Produto Interno Bruto, total de
rendimentos e percentual de entrada e saída de movimento pendular – ver Diniz; Andrade, no prelo.
6 O grande aumento no preço da terra no primeiro momento foi resultante de uma expectativa que ainda passa por um processo de
acomodação. Entrevistas realizadas com agentes corretores no distrito de São Benedito, em Santa Luzia, no primeiro semestre de 2010
mostraram casos de famílias adquirentes de moradias que, ao constatarem incapacidade de pagamento colocavam o imóvel à venda,
mas os preços praticados no mercado eram menores do que aquele inicialmente pago.
4
3
Outros fatores de caráter regional contribuíram para esta expansão do mercado concorrencial7 e seu segmento
de renda média-baixa em outros municípios. No município polo da região metropolitana, investimentos municipais
em infraestrutura viária e de saneamento foram realizados nos bairros periféricos nas décadas de 1990 e de
2000, associados à ampliação do potencial construtivo nestas áreas, pela legislação urbanística aprovada em
1996, resultaram na expansão territorial da produção empresarial de moradias, mas também na valorização do
solo. Como consequência, a expansão do mercado empresarial de produção de moradias de baixa-renda ocorreu
também fora dos limites da capital, principalmente a norte e a oeste. Mesmo antes da implantação do Programa
Minha Casa Minha Vida (PMCMV), a partir de 2009, cujos resultados ainda não estão presentes no Censo de
2010, a expansão da produção habitacional para segmentos de renda mais baixa foi muito expressiva na RMBH:
entre 2000 e 2010 o número de apartamentos nas faixas de renda domiciliar até 6 salários mínimos triplicou,
enquanto o número total de apartamentos teve um incremento de 50% (IBGE, Censos Demográficos 2000 e
2010).
1.2.
A produção habitacional pelo PMCMV e os eixos de
expansão metropolitana
É no quadro acima descrito que, em 2009, o Governo Federal lança o PMCMV com objetivo de financiar, com
subsídio8, a produção de moradias para famílias com renda até 10 salários mínimos. A análise da produção pelo
PMCMV implica uma mudança metodológica, uma vez que a fonte é oriunda da produção imobiliária e não traz
informações sobre os moradores - o impacto demográfico da produção resultante do programa vai aparecer
somente no Censo 2020. Segundo dados disponibilizados pelo Ministério das Cidades, até dezembro de 2012 foi
contratada na RMBH a produção de 32.540 moradias (ver MAPA_4.B.02 Empreendimentos FAR e FGTS por
fase). Deste total 34,5%, voltadas para a faixa de renda 1, viabilizadas pela modalidade FAR9, ou seja, famílias
com renda até três salários mínimos10 - foco deste estudo -, totalizando 11.198 unidades habitacionais, em 15
municípios (ver MAPA_4.A.01 Municípios com empreendimentos FAR e MAPA_4.A.02 Municípios com
O sub-mercado concorrencial, ou normal, é delimitado por zonas da cidade onde a diferenciação de moradia pelo efeito de localização
é menor. A sua característica fundamental, diz Ribeiro (1997, p.126), é o fato de que são as condições de produção que regulam a
formação do preço de mercado.
8 O valor do subsídio depende da renda familiar.
9 Modalidade do PMCMV financiada pelo FAR (Fundo de Arrendamento Residencial). Uma diferenciação entre as diferentes
modalidades do Programa Minha Casa Minha Vida, seus agentes e operacionalização apresentada no texto relativo ao Eixo 1 - Agentes
e operações do PMCMV.
10 A partir de 2011, com o lançamento da Fase 2 do PMCMV, uma alteração na legislação congelou a renda máxima do beneficiário a
ser atendido pela modalidade FAR em R$1.600,00, na época equivalentes a 3 salários mínimos; desde então não houve reajustes neste
valor, que hoje equivale a 2,2 S.M. Para mais informações ver o texto relativo ao Eixo 1.
7
4
empreendimentos FGTS ).
Algumas observações podem ser destacadas em relação ao conjunto de unidades contratadas na RMBH. Em
primeiro lugar, esta proporção de unidades direcionadas para a faixa 1 alcança um percentual muito pequeno em
relação ao déficit habitacional estimado para a RMBH hoje, que totaliza 115.045 moradias11 (Fundação João
Pinheiro, 2014). Se aplicarmos para estes números a proporção de 86% do déficit concentrado em famílias com
renda média mensal de até 3 salários mínimos (percentual calculado para Minas Gerais em 2000 - Fundação
João Pinheiro, 2005), podemos estimar que o déficit correspondente à Faixa 1 do PMCMV é de aproximadamente
99 mil moradias na RMBH. A produção contratada por meio do programa, até dezembro de 2012, supriu pouco
mais de 10% desse déficit – essa discussão será retomada no texto relativo ao Eixo 2.
Em segundo lugar, observa-se que a localização dos empreendimentos é predominantemente nas periferias da
malha urbana, em áreas com baixos índices de bem-estar urbano, tema que será tratado no item 2 Espaço
urbano de inserção dos empreendimentos.
Em terceiro lugar, cabe destacar a disseminação da moradia de tipo apartamento como padrão de moradia
também de segmentos da classe trabalhadora (ver MAPA_4.A.06 Empreendimentos FAR por tipologia).
Tradicionalmente caracterizado como moradia das classes médias dos grandes centros, o apartamento vem
ganhando terreno como moradia de grupos de mais baixa renda, principalmente a partir da expansão da
produção imobiliária na década de 2000. Trata-se de uma tipologia que potencializa o uso do solo e, portanto, a
apropriação da renda fundiária. Percebe-se, entretanto, que ainda há resistência a este modelo, quando
comparado a formas tradicionais caracterizadas pela ocupação horizontal.
Finalmente, pode-se observar ainda a grande concentração da produção do PMCMV- Faixa 1 nos vetores de
expansão norte e oeste da região metropolitana, eixos históricos de assentamentos habitacionais destinados aos
segmentos populares (ver MAPA_4.A.03 Dinâmica imobiliária e expansão metropolitana).
O vetor oeste, que constitui o eixo industrial da RMBH, consiste atualmente na região de maior dinamismo
econômico e diversificação em termos de atividades e de moradia de diversos grupos sociais. Nesta região, ao
longo de várias décadas, concentrou-se grande parte dos investimentos industriais e do setor terciário da região
metropolitana, além de conjuntos habitacionais, loteamentos e outros empreendimentos residenciais públicos e
privados, tornando-se até agora a principal centralidade alternativa à região central de Belo Horizonte. A
articulação entre urbanização e industrialização gerou um tecido urbano denso e valorizado, porém com pouca
superposição entre a centralidade econômica e os equipamentos associados às estruturas de poder, à cultura e
11 Deste total, 2.538 correspondem a habitação precária, 41.450 correspondem a coabitação familiar, 63.443 são decorrentes de ônus
excessivo com aluguel e 7.614 de adensamento excessivo.
5
ao lazer, típicos de áreas centrais tradicionais.
Segundo o Ministério das Cidades, 4.193 unidades habitacionais da Faixa 1, representando 37,4% do total
contratado na RMBH até dezembro de 2012, estão localizadas na região oeste, mais especificamente nos
municípios de Contagem, Betim, Esmeraldas, Sarzedo, Igarapé e São Joaquim de Bicas, sendo os dois primeiros
foco de aprofundamento deste estudo (ver MAPA_4.A.07 Empreendimentos FAR por fase).
No vetor norte da região metropolitana, destaca-se a ausência de empreendimentos Faixa 1 no município de
Santa Luzia que, juntamente com Ribeirão das Neves e Vespasiano (os dois últimos objeto de aprofundamento
neste trabalho), constitui a tradicional periferia da RMBH, caracterizada pela concentração de assentamentos
precários. Nestes municípios, especialmente em Ribeirão das Neves, o processo de expansão horizontal
periférica, característica do padrão centro-periferia dos anos setenta, permanece ainda nos dias de hoje: observase uma expansão territorial recente, na qual os lotes, de dimensão reduzida12, são vendidos de forma parcelada,
diretamente pela incorporadora, e ocupados posteriormente, através de autoconstrução. No entanto, observa-se
também, e de forma cada vez mais intensa, a expansão da produção predial empresarial, também destinada a
grupos de menor renda, impulsionada também pelo PMCMV. Segundo o Ministério das Cidades, até dezembro
de 2012, haviam sido contratadas 1.640 unidades habitacionais Faixa 1 apenas no município de Ribeirão das
Neves. Outras 1.288 teriam sido contratadas nos municípios de Vespasiano, Lagoa Santa, São José da Lapa e
Matozinhos. Somadas, significam a concentração de 26,1% das contratações Faixa 1 neste vetor de expansão da
RMBH.
Já a valorização imobiliária que alimenta a ocupação na direção sul de Belo Horizonte, tem características
distintas, associadas ao processo de constituição deste vetor de crescimento no qual predominam as áreas
ocupadas pelos segmentos de renda média-alta e alta da metrópole, dando continuidade espacial aos bairros
consolidados da chamada zona sul, com características semelhantes. Destaca-se, nesse processo, o município
de Nova Lima e, em certa medida, também Rio Acima e Brumadinho, como áreas de grande valorização fundiária
e imobiliária. Até dezembro de 2012, na Faixa 1 foi contratado apenas um empreendimento de 160 unidades
habitacionais em Nova Lima, e 03 empreendimentos totalizando 312 unidades em Rio Acima – no conjunto,
representam 4,2% do total de contratações nessa faixa na RMBH.
O vetor leste também aparece como pouco expressivo na produção habitacional pelo PMCMV, com apenas 400
unidades habitacionais na Faixa 1, até dezembro de 2012, exclusivamente no município de Caeté (3,6% do total
contratado na RMBH no período). Neste contexto, a seleção de Caeté para aprofundamento no escopo desta
pesquisa trará uma espécie de contraponto, tanto devido às dimensões do município em termos populacionais,
12
Lotes de 250 m2 eram pagos com uma parcela inicial de R$1.000,00 e 180 prestações equivalentes a ½ salário mínimo.
6
bastante reduzidas em comparação aos demais selecionados13 quanto ao seu baixo grau de integração com a
dinâmica metropolitana. Desde os anos oitenta, Caeté já era considerado um município de “comprometimento
mínimo” com o processo de metropolização (PLAMBEL, 1984). Trata-se de região de topografia acidentada, de
difícil acesso, com baixa densidade demográfica e baixo crescimento populacional, desde então. Este relativo
isolamento em relação à metrópole terá rebatimento na inserção do assentamento residencial do PMCMV, como
veremos no próximo item. Ressalte-se que a produção habitacional pela modalidade FAR, que atende a faixa de
renda 1, só se aplica a Caeté pelo fato de este município integrar formalmente a região metropolitana, uma vez
que não possui o mínimo de 50.000 habitantes exigidos para a aplicação da modalidade em municípios não
metropolitanos.
Neste contexto, Belo Horizonte aparece isoladamente como o município da RMBH que mais contratou na Faixa 1
até dezembro de 2012, com um total de 3.215 unidades habitacionais, representando 28,7% da produção
contratada até então (ver INFG_2.01 Contratados por fase FAR e FGTS RMBH e INFG_2.03 Contratados por
fase FAR e FGTS RMBH). A tendência, verificada em entrevista14 , é de aumento desta proporção, com a
previsão de empreendimentos de grande porte que estariam em estudo para implantação na capital aproximadamente 6.000 unidades na região conhecida como Capitão Eduardo e 11.000 na região Granja
Werneck, ambas no extremo norte e nordeste do município. Entretanto, as primeiras unidades do PMCMV Faixa
1 neste município foram entregues apenas em 2013 – 1.470 apartamentos.
2. Espaço urbano de inserção dos empreendimentos
2.1.
Universo de análise e objetivos
A análise das áreas nas quais os empreendimentos contratados pelo PMCMV na RMBH foram implantados foi
baseada na quantificação e comparação de indicadores produzidos no âmbito da pesquisa ou recuperados do
estudo sobre o IBEU (Índice de Bem-estar Urbano), que conjuntamente permitiram uma visão geral das
condições de inserção urbana dos empreendimentos, revelando características dominantes ou contrastantes das
Segundo o Censo do IBGE, em 2010, o município de Caeté possuía 40.750 habitantes, Contagem possuía 603.442, Betim 378.089,
Vespasiano 104.527, Ribeirão das Neves 296.317 e Belo Horizonte 2.375.151.
14 CARNEIRO, Maria Luiza - Chefe da Divisão de Empreendimentos Habitacionais; FARIA, Débora Maria Moreira de - Divisão de
Empreendimentos Habitacionais; MAGALHÃES, Maria Cristina F. - Diretora de Planejamento; NEVES, Júnia - Diretora de Habitação,
todas da Urbel Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte, órgão responsável pela produção de habitação de interesse social no
município. Entrevista concedida à equipe do PRAXIS. Belo Horizonte, maio 2014.
13
7
diversas áreas.15
É importante ressaltar que todos os indicadores são referentes às condições observadas previamente à
implantação dos empreendimentos podendo, portanto, apresentar diferenças com a realidade pós-implantação.
Essas diferenças foram identificadas por meio de observações em campo, análises de imagens aéreas e
depoimentos obtidos por meio de entrevistas estruturadas com síndicos e moradores.16 Para as entrevistas
estruturadas com moradores, foram selecionados apenas dois empreendimentos, contrastantes tanto em relação
ao seu porte como ao entorno no qual foram inseridos - o Residencial Parque das Palmeiras II, em Betim, com
332 unidades habitacionais, e avaliado com boa inserção urbana, a partir da análise do conjunto de indicadores
apresentados neste texto, e o Residencial Alterosas, em Ribeirão das Neves, com 1.640 unidades e avaliado
como mal inserido, pelos mesmos critérios.
As observações e dados coletados em campo resultaram em diferentes níveis de profundidade analítica para
cada empreendimento, de acordo com o volume de informações recolhidas, mas, no conjunto, permitiram uma
compreensão geral da inserção dos assentamentos residenciais produzidos pelo Programa na RMBH, e que
foram objeto da análise apresentada neste relatório. Foram estudados os empreendimentos da modalidade FAR
do PMCMV - modalidade que atende à faixa de renda mais baixa junto ao Programa 17 - contratados até
dezembro de 2012 nos seis municípios selecionados, a saber: Belo Horizonte, Betim, Caeté, Contagem,
Vespasiano e Ribeirão das Neves. Tem-se, portanto, uma amostra de 31 empreendimentos contratados, todos
ainda durante a Fase 1 do Programa18. É importante destacar que diversos destes empreendimentos, embora
contratados separadamente, são contíguos (encontram-se em um raio de 500m de outro empreendimento da
mesma construtora) ou aglomerados (encontram-se em um raio de 500m de outro empreendimento de
construtora distinta). Cada grupo de empreendimentos apresenta, portanto, indicadores idênticos e, deste modo,
a análise foi feita em conjunto. Foi identificado um total de 15 grupos de empreendimentos internos ao recorte de
análise, cuja configuração e localização podem ser observadas no INFG_4.01 Universo FAR. Outro aspecto
relevante é o porte extremamente variável destes mesmos grupos de empreendimentos, podendo variar de 8019 a
1.64020 unidades (ver INFG_3.23 Porte empreendimentos contíguos e aglomerados). Por isso, a análise aqui
apresentada refere-se, em muitos momentos, ao número de unidades habitacionais e não apenas aos grupos de
IBEU: índice de bem-estar urbano. Observatório das Metrópoles IPPUR/UFRJ. Organização: Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, Marcelo
Gomes Ribeiro – 1. Ed. – Rio de Janeiro: Letra Capital, 2013.
16 Alguns síndicos não puderam ser entrevistados por motivos diversos (este aspecto será tratado no Eixo 2, Demanda, oferta e formas
de apropriação dos empreendimentos).
17 A diferenciação entre as diferentes modalidades do PMCMV, seus agentes e operacionalização é apresentada pelo Eixo 1.
18 A diferenciação entre as fases e demais alterações legais do PMCMV ao longo do tempo é apresentada pelo Eixo 1.
19 Residencial Parque dos Diamantes, em Belo Horizonte.
20 Residencial Alterosas, em Ribeirão das Neves.
15
8
empreendimentos. Até dezembro de 2012, havia sido contratado pela modalidade FAR um total de 8.984
unidades, nos seis municípios selecionados (ver INFG_2.03 Contratados por fase FAR e FGTS Municípios
selecionados).
Os indicadores avaliados abarcam: aspectos extraídos do Índice de Bem-Estar Urbano (IBEU), relativos às
condições ambientais, habitacionais, de mobilidade, de infraestrutura e de atendimento de serviços coletivos
urbanos; renda média domiciliar por setor censitário e acesso a bens duráveis segundo áreas de ponderação do
entorno dos empreendimentos, ambos calculados a partir de dados do Censo Demográfico de 2010; condições
de acesso especificamente a equipamentos de educação, saúde, lazer e cultura, a partir de dados das
Secretarias Municipais de cada município; acesso a comércio e serviços a partir de dados levantados em
entrevistas; inserção dos empreendimentos em relação a áreas de proteção ambiental, a partir de bases do
Instituto Estadual de Florestas (IEF) e do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM) (ver MAPA_4.B.04 Áreas
de Proteção Permanente e MAPA_4.B.05 Unidades de conservação); e a identificação de áreas de risco
ambiental próximas aos empreendimentos, a partir de bases do GeoMINAS e também do IGAM. Finalmente,
foram transformados também em indicadores os aspectos denominados capilaridade e acessibilidade da malha
viária a partir de dados do Departamento de Estradas e Rodagem de Minas Gerais (DER-MG). Uma visão geral
do resultado desses indicadores pode ser observada através dos infográficos INFG_4.07 Análise multicritérios
empreendimentos FAR e INFG_4.09 Mapa indicadores multicritérios.
A seguir são apresentados os indicadores avaliados, as metodologias utilizadas para a geração de cada um deles
e uma análise de seus resultados. Antes disso, cabe chamar a atenção para dois aspectos gerais: 1) todos os
indicadores, com exceção dos dados referentes às áreas de risco e de proteção ambiental (que consistem em
uma avaliação qualitativa, referente à localização – ou não – do empreendimento em área de risco ou de
proteção), tiveram seus resultados avaliados em cinco faixas, ou seja, os empreendimentos receberam uma
pontuação de 1 a 5 para cada indicador avaliado, sendo 5 a melhor e 1 a pior situação; 2) o IBEU foi elaborado
pelo Observatório das Metrópoles, a partir de variáveis do Censo Demográfico de 2010, e calculado para as
Áreas de Ponderação (AP),21 de duas maneiras, quais sejam, um índice para comparação nacional (denominado
IBEU Global), em que o indicador de cada área de ponderação é calculado em relação a todas as outras AP das
quinze regiões metropolitanas consideradas, e outro regional (denominado IBEU Local), em que o indicador de
cada AP é calculado em relação às demais AP da mesma região metropolitana – a análise aqui apresentada
21 As Áreas de Ponderação são unidades territoriais resultantes de agregação de Setores Censitários, definidas pelo IBGE para
divulgação dos microdados do Censo Demográfico.
9
utiliza o IBEU Local.22
2.2.
Mobilidade urbana
A crescente precarização das condições de deslocamento, sobretudo nas metrópoles, além de afetar as
condições de acesso a equipamentos, comércio e serviços, tem impacto direto nas condições de acesso ao
emprego e à renda, muitas vezes devido a uma concentração de oferta de trabalho nas áreas centrais, assim
como de serviços e atividades demandados pelas pessoas. Nesse sentido, as condições de mobilidade afetam
em especial a camada mais pobre, justamente aquela atendida pela modalidade FAR, cuja residência é
localizada em área periférica, com forte impacto sobre suas condições de bem-estar.
O aspecto mobilidade urbana foi avaliado através do IBEU local por meio da variável tempo gasto no
deslocamento casa-trabalho. Mas, ainda que este indicador represente bem as condições de deslocamento, no
estudo aqui apresentado foi feita uma análise complementar, avaliando aspectos de acessibilidade e capilaridade
das vias de acesso aos empreendimentos, a qual será importante também para a avaliação de um possível
processo de expansão de fronteiras urbanas provocado pela implantação dos empreendimentos MCMV, a ser
aprofundada na seção Expansão e adensamento de periferias. O procedimento de avaliação de acessibilidade e
capilaridade utilizou o banco de dados do Departamento de Estradas e Rodagem de Minas Gerais (DER-MG) que
reúne o sistema viário georreferenciado da RMBH do ano de 2007. O aspecto capilaridade trata da concentração
de vias, que respondem pela quantidade de opções que se tem para chegar a determinado lugar; já o aspecto
acessibilidade introduz uma ponderação pela importância de cada tipo de via, que responde por sua capacidade
de vazão/fluxo, considerando, portanto, as tipologias das vias (ruas, becos, avenidas, alamedas, vias coletoras,
anel rodoviário, estradas municipais, estaduais e federais). Tratam-se portanto de duas análises distintas, com
resultados também distintos, mas que se complementam.
Os resultados da avaliação de mobilidade urbana pelo IBEU, em relação às regiões onde foram implantados os
empreendimentos MCMV é preocupante: apenas dois grupos de empreendimentos se encontram em regiões
avaliadas como de nível intermediário (nota 3), representando 4% do total das 8.984 unidades contratadas nos
seis municípios. Todos os demais se encontraram abaixo desta marca: 38% encontram-se em áreas que
receberam a pior avaliação (pontuação 1) e a maioria (58%) em áreas de pontuação 2 (ver INFG_4.02 IBEU
empreendimentos FAR).
22
Para conhecimento mais detalhado acerta do IBEU, ver Ribeiro; Ribeiro, 2013.
10
Os empreendimentos situados no vetor de expansão norte da Região Metropolitana de Belo Horizonte - regional
nordeste de Belo Horizonte e municípios de Vespasiano e Ribeirão das Neves - concentram as piores condições
de mobilidade urbana, indicadas pelo IBEU (ver MAPA_4.B.16 IBEU mobilidade urbana). O resultado da
avaliação pelo IBEU é indicativo também de escassez de postos de trabalho, que atribuiu a estes municípios
características de cidades dormitório, exigindo deslocamentos pendulares casa-trabalho em direção a outros
municípios, principalmente à Capital. Cabe pontuar também que, comparativamente, os demais
empreendimentos estudados, ainda que situados em manchas de baixa pontuação em relação à mobilidade, não
apresentam um entorno tão concentradamente mal avaliado como aqueles situados no vetor de expansão norte.
O tempo de deslocamento casa-trabalho constituiu também uma das perguntas das entrevistas realizadas com os
moradores dos empreendimentos Residencial Palmeiras II (Betim) e Residencial Alterosas (Ribeirão das Neves)
e as respostas recebidas mostraram resultados importantes. Primeiramente, cabe dizer que as perguntas aqui
analisadas foram feitas de maneira extensiva para todos os membros da família, ou seja, o entrevistado
respondia pelos demais membros, mesmo que não estivessem presentes, gerando, portanto, uma resposta para
cada morador de cada unidade entrevistada, totalizando 409 respostas no Residencial Palmeiras II e 374
respostas no Residencial Alterosas.23 Em segundo lugar, é preciso destacar que as entrevistas foram realizadas
majoritariamente em dias úteis e durante o horário comercial, portanto, a amostragem é tendencialmente
composta por famílias que possuem ao menos um membro que trabalha em casa ou que não trabalha.
A pergunta relativa ao tempo de deslocamento casa-trabalho obteve um resultado consideravelmente pior no
empreendimento Alterosas, onde 44% das respostas válidas apontaram para um deslocamento casa-trabalho
superior a uma hora. No empreendimento Palmeiras II este percentual, ainda que elevado, cai para 26% (ver
INFG_4.20 Acesso ao trabalho 1). Ao comparar a situação atual à vivida nas moradias anteriores, 36% dos
moradores do Residencial Alterosas observaram um aumento em seu tempo de deslocamento casa-trabalho e
apenas 11% observaram uma redução a partir da nova residência. Para o residencial Palmeiras os resultados
foram um pouco mais equilibrados, 26% observaram aumento e 20% redução. Relação parecida foi encontrada
no que diz respeito aos gastos com transporte para fins de trabalho, que teriam aumentado e reduzido
respectivamente para 27% e 5% dos moradores do Residencial Alterosas e 22% e 16% dos moradores do
Residencial Palmeiras (ver INFG_4.21 Acesso ao trabalho 2). Estes resultados falam não apenas da inserção
urbana destes dois empreendimentos, mas também da inserção metropolitana dos municípios em que se
localizam.
Foram entrevistados moradores de 100 unidades de cada empreendimento (Altersas, em Ribeirão das Neves, e Palmeiras II, em
Betim); o número diferenciado de respostas se deve ao número de moradores dessas unidades.
23
11
É possível observar a influência da inserção metropolitana dos municípios também em relação aos resultados das
entrevistas para o local de trabalho dos beneficiários. No Residencial Palmeiras II, localizado no município de
Betim, 17%24 dos entrevistados trabalhavam fora do município. No Residencial Alterosas, localizado no município
de Ribeirão das Neves, este número atinge 42%. Estes valores apontam fortemente para as características
históricas de concentrador de postos de trabalho de Betim e de cidade-dormitório de Ribeirão das Neves. No
caso do empreendimento Alterosas (Ribeirão das Neves), os mesmos valores apontam para a permanência das
condições de mobilidade reveladas pelo IBEU para 2010, quando o entorno do empreendimento recebeu
pontuação muito baixa (1,0). Já para o Residencial Palmeiras II (Betim), os valores obtidos por meio das
entrevistas, assim como a realidade observada em campo, não corroboram o IBEU do entorno (pontuação 2,0),
pois não revelaram uma situação tão precária em relação à mobilidade. A discrepância provavelmente se deve à
avaliação exclusivamente do tempo de deslocamento casa-trabalho pelo IBEU. De fato, o entorno do
empreendimento é predominantemente residencial, não oferecendo grandes oportunidades de trabalho, mas o
município de Betim é parte da área economicamente mais dinâmica da região metropolitana, o chamado eixo
industrial. Além disto, trata-se de um entorno já bastante consolidado, que, como será exposto mais adiante,
conta com equipamentos de saúde, educação e assistência social além de, como demostraremos a seguir,
melhor acesso ao transporte público.
Para que fosse possível uma análise do acesso ao transporte público, os moradores foram questionados
primeiramente a respeito de quanto tempo levavam, a pé, até o ponto de ônibus mais próximo. O Residencial
Palmeiras II possui 322 unidades habitacionais e um ponto de ônibus próximo à sua entrada, portanto, a resposta
de 96%25 dos entrevistados foi de menos de 15 minutos de deslocamento. O Residencial Alterosas também
dispõe de um ponto de ônibus próximo a seu acesso, mas possui 1640 unidades habitacionais distribuídas em
um terreno acidentado, fazendo com que 28% dos entrevistados afirmassem gastar mais de 15 minutos até o
ponto de ônibus (ver INFG_4.18 Acesso a transporte público).
Este mesmo problema também foi mencionado em relação ao conjunto de empreendimentos Jardim Vitória, em
Belo Horizonte, de porte semelhante ao Alterosas. Aparentemente, os trajetos das linhas de ônibus, estariam
tratando os empreendimentos como um todo, ou seja, não percorrendo o empreendimento por dentro quando ele
envolve vários quarteirões, e desconsiderando a escala do pedestre e a necessidade de deslocamento da
residência até o ponto. Estratégia esta que é extremamente problemática no caso de empreendimentos de
grande porte e/ou em áreas de expansão de fronteira urbana.
24
25
Porcentagens relativas ao total de respostas válidas para a pergunta “local onde exerce trabalho”.
Porcentagens sob total de respostas válidas à pergunta sobre “tempo até ponto de ônibus”.
12
Os moradores também foram questionados a respeito do tempo de espera pelo ônibus, com resultados que
reforçam um atendimento precário ao Residencial Alterosas, em que 43% dos moradores afirmaram esperar
entre 30 minutos e 1h pelo ônibus e 28% afirmaram esperam mais de 1h. No Residencial Palmeiras estas
porcentagens caem para 27% e 6%. Vale ressaltar que esta crítica obviamente precisaria ser acrescida de uma
análise do número de linhas em atendimento nesses pontos de ônibus e sua relação com os destinos desejados
de seus usuários, o que não foi possível no escopo desta pesquisa.
De volta a uma análise em escala metropolitana, os resultados obtidos através da avaliação de acessibilidade e
capilaridade foram diversos, podendo variar, inclusive, internamente aos grupos de empreendimentos contíguos
ou aglomerados. Estes resultados podem ser observados no MAPA_4.B.17 Acessibilidade e capilaridade. Esta
variação ocorreu principalmente por se tratar de um indicador atrelado à existência prévia de sistema viário e foi
especialmente marcante negativamente para o conjunto de empreendimentos Jardim Vitória, em Belo Horizonte,
implantado sobre o que era antes uma grande gleba vazia. De qualquer maneira, em geral, os resultados não
foram positivos. A maioria dos empreendimentos, representando 50% do total de unidades, recebeu pontuação 3,
e outros expressivos 30% do total de unidades foram avaliadas abaixo desta marca. (ver INFG_4.03 Inserção
urbana empreendimentos FAR – RMBH).
Ao se comparar estes indicadores de acessibilidade e capilaridade pré-implantação às observações realizadas
em visita de campo, duas situações distintas foram observadas: em alguns empreendimentos o cálculo dos
indicadores provavelmente não se alterariam pós-implantação, especialmente no caso de loteamentos préexistentes; em outros, observa-se a criação de um novo sistema viário, que certamente modificaria o indicador de
base geográfica.
2.3.
Condições ambientais urbanas
A avaliação do aspecto ambiental do entorno dos empreendimentos também foi recuperada a partir do IBEU local
(ver MAPA_4.B.15 IBEU condições ambientais), concebido a partir de três indicadores: incidência de arborização,
de esgoto a céu aberto e de lixo acumulado no entorno dos domicílios. Ainda envolvendo uma avaliação do ponto
de vista ambiental, foram levantados dados sobre a inserção dos empreendimentos em relação a áreas de
proteção ambiental, a partir de bases do Instituto Estadual de Florestas (IEF - 2011) e do Instituto Mineiro de
Gestão das Águas (IGAM - 2011). Foi, ainda, identificada a existência de áreas de risco ambiental junto aos
empreendimentos, a partir de bases do GeoMINAS (2011) e também do IGAM (2011). Considera-se que estes
indicadores juntos representam, em grande medida, os aspectos ambientais referentes à vida urbana,
complementados por observações em campo, entrevistas com moradores e síndicos e análises de imagens
13
aéreas.
De maneira geral, o universo dos empreendimentos analisados foi avaliado positivamente em relação aos
indicadores do IBEU no aspecto ambiental (ver INFG_4.02 IBEU empreendimentos FAR e INFG_4.05 Avaliação
ambiental dos empreendimentos). As áreas de implantação de dois empreendimentos apresentaram a pontuação
máxima e a maioria, equivalente a 61% do total de unidades, recebeu pontuação 4. Mesmo nos demais
empreendimentos, com pontuação 2 ou 3, a dimensão de condições ambientais se mostrou superior às
avaliações das demais dimensões relativas ao IBEU. Nenhum empreendimento foi avaliado com a pontuação
mínima.
Talvez um dos pesos mais influentes neste resultado positivo seja o indicador de arborização. De maneira geral,
pode-se afirmar, tanto a partir das observações em campo como de análises de uso do solo através de fotos
aéreas (ver MAPA_4.C.01 até MAPA_4.C.14 Uso e ocupação do solo no entorno dos vários empreendimentos),
que as áreas próximas aos empreendimentos, em geral, apresentam arborização, muitas vezes bastante
expressiva. De fato, muitos grupos de empreendimentos possuem um entorno pouco ou nada edificado o que
provavelmente afeta de forma positiva o indicador de arborização. Esta realidade, no entanto, contrasta com o
cenário observado no interior dos próprios empreendimentos, onde foi verificada uma baixa incidência de
vegetação de grande porte, resultando em paisagens bastante áridas. Relação parecida de oposição entorno /
interior do empreendimento foi observada também em relação ao acúmulo de lixo - tratado no item seguinte 2.4
Atendimento de serviços coletivos urbanos - revelando um problema generalizado de deposição irregular de lixo
internamente aos empreendimentos.
Cabe destacar que a ocorrência de esgoto a céu aberto foi constatada no entorno de dois empreendimentos. A
presença de córregos certamente contaminados foi verificada nas proximidades dos empreendimentos visitados
no município de Contagem - Residencial São Luiz e Residencial Vista Alegre (ver imagens 01 e 02). A evidência
da contaminação dos córregos foi verificada em campo através do característico mau cheiro. Ainda assim, o
entorno pré-implantação do empreendimento São Luiz foi avaliado com a pontuação 4 na dimensão de aspectos
ambientais urbanos do IBEU e o empreendimento Vista Alegre com a pontuação 3, ambas contrastantes com a
realidade atual observada em campo. Em relação aos demais empreendimentos não houve grandes ressalvas a
respeito deste aspecto.
14
IMAGEM 01: Localização do empreendimento São Luiz com
indicação de córrego poluído - Contagem.
Fonte: Google Earth, 2009.
IMAGEM 02: Localização do empreendimento Vista Alegre
com indicação de córrego poluído - Contagem. Fonte:
Google Earth, 2009.
Podemos afirmar que os já mencionados residenciais São Luiz e Vista Alegre (próximos às margens de córregos
em Contagem) compõem o grupo equivalente a 45% das unidades contratadas nos municípios selecionados que,
segundo análise geográfica de inserção, encontram-se em áreas que apresentam riscos de inundação. De fato, a
ocorrência de uma pequena enchente foi reportada por moradores do Residencial Vista Alegre (imagens 03 e 04).
Cabe destacar que, mesmo uma pequena inundação, associada às situações descritas acima em relação à
presença de lixo e esgoto a céu aberto no entorno ou interior dos empreendimentos, pode acarretar riscos
relacionados à saúde.
15
IMAGEM 03: Registro de inundação no Residencial Vista
Alegre – Contagem.
Fonte: Síndica do empreendimento.
IMAGEM 04: Registro de inundação no Residencial Vista
Alegre – Contagem.
Fonte: Síndica do empreendimento.
Relatos de inundações foram coletados também nos empreendimentos Residencial Alterosas, em Ribeirão das
Neves,26 Residencial Hibisco, em Belo Horizonte,27 e Residencial Ipê, em Caeté.28 Neste último, depoimentos
apontaram, inclusive, um possível problema de recalque na fundação devido à umidade em um trecho do terreno
em que foi implantado o empreendimento.
É interessante observar que, em contraste com as áreas de risco relacionadas a inundações, apenas um
empreendimento estudado se encontrava em área de risco por declividade. Mesmo com a possibilidade de erros,
esta proporção parece estar intimamente relacionada aos custos de implantação e à forma de remuneração
oferecida às construtoras pelo PMCMV. A formatação do Programa determina um valor fixo para cada região do
país, que deverá ser pago às construtoras por unidade produzida. Este valor inclui todos os custos referentes à
implantação dos empreendimentos, inclusive infraestrutura e terraplanagem. Pode-se esperar, portanto, que
terrenos de topografia acidentada ou que apresentem alta declividade não sejam interessantes para a produção
pelo Programa, uma vez que, o alto custo de terraplanagem significaria a redução direta do lucro das
construtoras. Assim, considerando o relevo característico da RMBH, as regiões próximas a cursos d’água,
particularmente mais planas, com consequente aumento dos riscos relacionados a inundações, parecem ser de
Moradores do empreendimento Residencial Alterosas, em Ribeirão das Neves. Entrevistas concedidas à equipe do PRAXIS. Ribeirão
das Neves, janeiro 2014.
27 SOUZA, Itamar. Síndica do empreendimento Residencial Hibisco, localizado no Município de Belo Horizonte. Entrevista concedida à
equipe do PRAXIS. Belo Horizonte, março 2014.
28 MATOS, Danielle Cristina de. Síndica do empreendimento Residencial Hibisco, localizado no Município de Caeté. Entrevista
concedida à equipe do PRAXIS. Caeté, março 2014.
26
16
fato os terrenos mais atrativos para a produção pelo programa.
Passando para uma análise das áreas de proteção ambiental, o levantamento a partir de base georreferenciada
revelou que quatro dos empreendimentos em estudo estariam localizados em algum tipo de área de proteção.
Guardadas as possibilidades de erro já ressaltadas, o Residencial Recanto do Beija Flor, parte do conjunto dos
empreendimentos contratados no Jardim Vitória em Belo Horizonte, foi identificado como sobreposto a uma Zona
de Proteção Ambiental (ZPAM); os residenciais contíguos Hibisco e Ipê em Caeté foram identificados como
sobrepostos a uma Área de Preservação Permanente (APP) hidrográfica; e o Residencial Vista Alegre, em
Contagem, está sobreposto a uma Unidade de Conservação (UC).
Segundo o Plano Diretor Municipal de Belo Horizonte, são definidas como ZPAM as regiões que, por suas
características e pela tipicidade da vegetação, destinam-se à preservação e à recuperação de ecossistemas. A
ocupação do solo é vedada nestas zonas, exceto por edificações destinadas exclusivamente a serviço de apoio e
manutenção. A localização do Residencial Recanto do Beija Flor, no município de Belo Horizonte, sobreposto a
uma área de ZPAM parece, portanto, constituir um erro relativo às coordenadas ou um caso drástico de
flexibilização legal. Depoimentos tanto da construtora responsável pelo grupo de empreendimentos no Jardim
Vitória 29 (Emccamp) como da Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte 30 (Urbel) - responsável pela
operacionalização do PMCMV no município de Belo Horizonte - não deixaram claro qual das alternativas procede.
Segundo o Novo Código Florestal Brasileiro, Lei nº 12.651/12, APPs hidrográficas são áreas protegidas, cobertas
ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, definidas em áreas
situadas ao longo qualquer curso d'água, lagoas, lagos ou reservatórios d’água naturais ou artificiais e nascentes.
No entanto, a Resolução Conama nº 369, de 28 de março de 2006, define que as atividades ou projetos de
interesse social constituem um dos casos excepcionais em que o órgão ambiental competente pode autorizar
intervenções em APP. Não foi possível obter informações precisas, mas talvez este tipo de flexibilização tenha
ocorrido nos casos dos empreendimentos Hibisco e Ipê, em Caeté.
As UCs são espaços territoriais, incluindo seus recursos ambientais, com características naturais relevantes, que
têm a função de assegurar a representatividade de amostras significativas e ecologicamente viáveis das
diferentes populações, habitats e ecossistemas. O Residencial Vista Alegre, em Contagem, se encontra
precisamente sobre a Área de Proteção de Mananciais (APM) da bacia de Vargem das Flores que, segundo o
Plano Diretor de Contagem, compreende uma área extensa onde a função primordial da propriedade é a
QUINTÃO DE FREITAS, Camila. Gerente de projetos do PMCMV na construtora Emccamp. Entrevista concedida à equipe do
PRAXIS. Belo Horizonte, fevereiro 2014.
30 SANTOS RIBEIRO, Juliana. Assistente social da Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte - Urbel. Entrevista concedida à equipe
do PRAXIS. Belo Horizonte, abril 2014.
29
17
preservação da qualidade e da quantidade da água do seu reservatório. Empreendimentos na bacia de Vargem
das Flores estão sujeitos a critérios e parâmetros especiais de ocupação e uso do solo, tendo em vista a proteção
e conservação dos recursos hídricos e o desenvolvimento sustentável da bacia o que, na prática, não significa
especificamente um empecilho à implantação do Residencial.
Tem-se, portanto, três casos de possível flexibilização da legislação ambiental entre os seis municípios
selecionados, equivalendo a 6% do total de unidades contratadas: os Residenciais Ipê e Hibisco, possivelmente
em área de APP, no município de Caeté; e o Residencial Recanto do Beija Flor possivelmente sobre área de
ZPAM, no município de Belo Horizonte. De fato, a flexibilização de legislações diversas para que seja viabilizada
a implantação de empreendimentos pelo PMCMV não parece ser procedimento incomum, especialmente em
municípios menores - como é o caso de Caeté.
2.4.
Atendimento de serviços coletivos urbanos
A dimensão de atendimento de serviços coletivos urbanos foi também recuperada a partir do IBEU, construído
com base em quatro aspectos: atendimento adequado de água, atendimento adequado de esgoto, atendimento
adequado de energia e coleta adequada de lixo (ver MAPA_4.B.18 Condições de saneamento geral, MAPA
4.B.19 Condições de saneamento abastecimento de água, MAPA_4.B.20 Condições de saneamento
esgotamento sanitário, MAPA 4_B.21 Condições de saneamento coleta de lixo e INFG_4.04 Saneamento
empreendimentos FAR).
Mais especificamente, no IBEU o atendimento de água e o atendimento de esgoto foram considerados
adequados quando feitos por rede geral. O atendimento de energia foi considerado adequado quando há energia
elétrica proveniente de companhia distribuidora ou de outras fontes, sendo que no caso de distribuição por
companhia foi avaliada também a existência de medidor. Por fim, a coleta de lixo foi considerada adequada
quando o lixo é coletado diretamente por serviço de limpeza ou quando colocado em caçamba do serviço de
limpeza. Todos estes indicadores foram medidos segundo a proporção de pessoas que moram em domicílios que
contam com os respectivos serviços e expressam, portanto, o atendimento a serviços públicos essenciais, alguns
deles estando intimamente relacionados com a dimensão de condições ambientais urbanas detalhada
anteriormente.
Os resultados desta avaliação relativamente ao entorno dos empreendimentos foi o mais positivo em relação à
totalidade dos indicadores do IBEU. O equivalente a 59% das unidades contratadas nos municípios selecionados
estão em áreas que receberam pontuação 4 ou 5, indicando a existência do serviço avaliados nas regiões onde
18
seriam implantados os empreendimentos já em 2010. O único empreendimento avaliado com a pontuação 1 foi o
Residencial Alterosas em Ribeirão das Neves, que se encontra justamente no limite com uma mancha de
pontuação 4 (ver MAPA_4.B.13 IBEU atendimento serviços coletivos). As demais regiões com pontuações 2 ou 3
encontram-se nos municípios de Vespasiano e Betim. Essa dimensão mostra-se, portanto, importante também
para a avaliação de um possível processo de expansão de fronteiras urbanas, provocado pela implantação dos
empreendimentos MCMV, a ser aprofundada na seção 4 Expansão e adensamento de periferias.
Entre os empreendimentos visitados31, não houve registros de que algum não estivesse conectado às redes de
abastecimento de água, esgoto ou energia (ver MAPA_4.B.03 Empreendimentos FAR contratados e entregues).
No entanto, cabe pontuar que, apesar da existência dos serviços, reclamações foram registradas a respeito dos
mesmos, junto aos moradores em todos os empreendimentos. Em relação aos abastecimentos de energia e de
água, as reclamações pautam problemas para a instalação de medidores individuais e aos valores exacerbados
das cobranças tanto das contas individuais como condominiais. Em relação à rede de esgoto, as reclamações
concernem a um possível subdimensionamento da rede interna do próprio empreendimento. Estes aspectos
serão detalhados no Eixo 3.
Em relação à coleta de lixo também foi verificado em entrevistas que, atualmente, todos os empreendimentos
estudados são atendidos pelo serviço. No entanto, 4 dos 7 síndicos entrevistados afirmaram que o serviço de
coleta existe, mas é insuficiente, gerando acúmulo indevido32. De fato, a questão do lixo se mostrou um problema
frequente internamente aos condomínios. Com os altos índices de inadimplência das taxas de condomínio,
variando de 15%33 a 100%34, segundo relatos dos síndicos, o serviço de limpeza das áreas comuns parece ser
um dos primeiros a sofrer. Em todos os empreendimentos, mesmo que em um talude escondido nos fundos ou do
outro lado da cerca, havia deposição irregular de lixo (imagem 05).
Foram visitados todos os empreendimentos entregues até novembro de 2013 nos municípios de Belo Horizonte, Betim, Caeté,
Contagem, Ribeirão das Neves e Vespasiano, com exceção do conjunto de empreendimentos Vista Alegre em Betim.
32 Afirmação feita pelos síndicos dos empreendimentos Residencial Parque das Palmeiras II e Residencial Baviera, em Betim,
Residencial Vista Alegre, em Contagem, e Residencial Alterosas, em Ribeirão das Neves. Entrevistas concedidas à equipe do PRAXIS.
Março 2014.
33 SOUZA, Itamar de. Síndico do empreendimento Residencial Hibisco, localizado no Município de Belo Horizonte. Entrevista concedida
à equipe do PRAXIS. Belo Horizonte, março 2014.
34 MATOS, Danielle Cristina de. Síndica do empreendimento Residencial Hibisco, localizado no Município de Caeté. Entrevista
concedida à equipe do PRAXIS. Caeté, março 2014.
31
19
IMAGEM 05: Lixo jogado pela cerca nos fundos do
Residencial Parque das Palmeiras II - Betim.
Fonte: Grupo PRAXIS, 2014.
IMAGEM 06: Lixo espalhado no afastamento entre os
edifícios do Residencial Hibisco - Caeté.
Fonte: Grupo PRAXIS, 2014.
A situação mais precária foi observada no Residencial Hibisco em Caeté, onde o colapso total da administração
condominial era visível por meio do lixo que se espalhava pelas áreas comuns (imagem 06) e se acumulava em
condições extremamente insalubres no “quartinho de lixo”.
2.5.
Condições habitacionais urbanas
Segundo o IBEU, a dimensão habitacional urbana “pode ser apreendida pela situação de adensamento, pelas
condições materiais da estrutura habitacional, assim como aglomeração dos domicílios, sendo também um
reflexo dos processos de estruturação urbana que incidem sobre a forma de acessar a moradia e em quais
condições”. Antes de analisarmos os resultados obtidos pelo IBEU para esta dimensão (ver MAPA_4.B.12 IBEU
condições habitacionais), faremos algumas ressalvas a respeito de sua metodologia.
O indicador do IBEU foi calculado a partir dos seguintes aspectos: “proporção de pessoas que não moram em
aglomerado subnormal; proporção de pessoas que estão em domicílios cuja densidade é de até 2 pessoas por
dormitório; proporção de pessoas que estão em domicílios de até 4 pessoas por banheiro; de pessoas que estão
em domicílios com material das paredes adequado; e de pessoas que moram em domicílios cuja espécie é
adequada”. Em relação à “espécie dos domicílios”, o IBEU considerou como adequados os tipos “casa, casa de
vila ou condomínio ou apartamento” e como inadequados “habitação em casa de cômodo, cortiço ou cabeça de
porco, tenda ou barraca, dentro de estabelecimento, outro (vagão, trailer, gruta, etc.)”.
20
Uma primeira ressalva deve ser feita a respeito do indicador que aponta a “proporção de pessoas que não moram
em aglomerado subnormal”. Entende-se que o simples fato de um domicílio estar localizado em aglomerado
subnormal não atesta por si só a qualidade das condições habitacionais de seus moradores. A opção pela
moradia em aglomerados subnormais, por exemplo, no caso de vilas e favelas localizadas em áreas centrais, ao
contrário, pode significar maior qualidade habitacional do que, por exemplo, a moradia na periferia distante, no
sentido de oferecer melhores oportunidades de acesso ao trabalho, ao consumo e a equipamentos e serviços
públicos, ainda que se possa considerar a possibilidade do estigma da área. Mesmo no que diz respeito às
condições da edificaçãoo, strictu senso, a localização do imóvel não determina a sua qualidade construtiva.
Uma segunda ressalva deve ser feita a respeito da consideração do material das paredes dos domicílios como
um indicador da qualidade das condições habitacionais, ainda que esta avaliação não permita inferir maior
proteção contra infiltrações, por exemplo. É preciso destacar que foram considerados como adequados para esta
dimensão do IBEU: “o domicílio cujas paredes externas são do tipo de alvenaria com revestimento ou madeira
apropriada para construção (aparelhada)”. Além de aparentemente desconsiderar diferentes sistemas
construtivos, o indicador acaba por construir uma imagem preconceituosa do lugar, especialmente por tratar
especificamente das paredes externas. Tal como construído, o indicador abre margem para ser criticado como a
generalização de um juízo de valor. As paredes sem revestimento são diretamente consideradas como atributo
negativo, quando de fato não tem implicações diretas na forma de acesso à moradia ou às suas condições. Por
exemplo, uma favela cujas casas tem suas paredes externas rebocadas e pintadas é pouco mais do que uma
favela mais agradável aos olhos do observador distante e, para uma habitação de classe de renda alta, a
alvenaria sem reboco provavelmente seria considerada apenas um estilismo arquitetônico.
Uma última ressalva deve ser colocada a respeito da avaliação da “espécie” da moradia como indicador de
condições habitacionais. Entende-se, mais uma vez, que este indicador não tem implicações diretas na forma de
acesso à moradia ou sobre suas condições: a qualidade habitacional certamente não está atrelada simplesmente
à sua “espécie” formal. Enquanto um condomínio fechado de classe de alta renda pode estar atrelado à imagem
de segurança e tranquilidade intramuros, um conjunto habitacional de classe de baixa renda pode estar
associado a valores diametralmente opostos. A oposição pode ser notada inclusive na forma popular - destacada
entre aspas - de referência a um e a outro, que de fato se enquadrariam sob a mesma “espécie de domicílio:
condomínio”.
Ao que parece, o uso dos três indicadores questionados acima poderia ter como intenção uma avaliação da
formalidade ou segurança da posse da moradia. Este aspecto sim parece ser um indicador apropriado para
21
avaliação das condições habitacionais urbanas, apresentando reflexo direto nos processos de estruturação
urbana que incidem sobre a forma de acessar a moradia e em quais condições.35
Os únicos indicadores de avaliação das condições habitacionais pelo IBEU aos quais não couberam ressalvas proporção de pessoas que estão em domicílios cuja densidade é de até 2 pessoas por dormitório e proporção de
pessoas que estão em domicílios de até 4 pessoas por banheiro - são também os únicos em que os próprios
empreendimentos produzidos pelo PMCMV seriam considerados inadequados. Ainda que a média do número de
integrantes das famílias atendidas pelo Programa seja de 4 membros, 30% das famílias entrevistadas nos
empreendimentos Alterosas e Palmeiras possuem mais membros do que esta média e, independentemente do
número de integrantes ou de sua composição, recebem por meio do PMCMV unidade habitacional de 2
dormitórios e 1 banheiro. Outras particularidades a respeito da composição familiar dos beneficiários e das
características das unidades habitacionais são tratadas no Eixo 3.
Postas todas estas ressalvas ainda é preciso observar que o IBEU avaliou o entorno de 66% das unidades
contratadas nos seis municípios selecionados com pontuação 2, 21% com pontuação 1, 12% com pontuação 3 e
apenas 1% (Residencial Parque dos Diamantes) com pontuação 4. Dados os critérios utilizados, esta avaliação
bastante ruim parece demonstrar que, em geral, os locais selecionados para implantação dos empreendimentos
já apresentavam um contexto habitacional precário, característico de população de baixa renda em 2010 (ver
MAPA_4.B.10 Proximidade a aglomerados subnormais), hipótese que será reforçada também pela análise de
renda do entorno dos empreendimentos, a seguir.
2.6.
Renda
A partir de dados do Censo Demográfico de 2010 (IBGE), foram produzidos mapas do valor do rendimento
nominal mediano mensal per capita dos domicílios particulares permanentes em área urbana da RMBH (ver
MAPA_4.A.05 Renda municipal) e renda média dos domicílios particulares permanentes por setor censitário para
os seis municípios selecionados (ver MAPA_4.B.11 Renda setores censitários). A estratificação dos mapas foi
feita tomando como referência o salário mínimo de R$724,0036 (até 3 S.M., de 3 a 6 S.M., de 6 a 10 S.M. e acima
de 10 S.M.). Em seguida, foram avaliados os resultados deste mapeamento para os setores censitários que
viriam a receber os empreendimentos e os setores vizinhos. O objetivo desta análise foi de identificar o cenário
Há que considerar que o IBEU é um índice construído de modo a permitir comparações no nível nacional e, por isso, utilizou variáveis
do Censo Demográfico, comuns a todas as regiões metropolitanas.
36 Valor nominal do salario mínimo segundo Decreto Nº 8.166 de 23 de dezembro de 2013, publicado no D.O.U. em 24 de dezembro de
2013.
35
22
socioeconômico prévio no território de implantação dos empreendimentos PMCMV na RMBH, e seu resultado
aponta para um reforço, pelo Programa, de características socioeconômicas preexistentes no contexto urbano.
As regiões adjacentes a 63% das unidades habitacionais contratadas nos seis municípios selecionados já
apresentavam uma população na mesma faixa de renda que a população atendida pela modalidade FAR durante
a Fase 1 do Programa37, até 3 salários mínimos. Outros 36% das unidades seriam implantados em áreas cuja
renda média domiciliar situa-se na faixa imediatamente superior, de 3 a 6 salários mínimos. Apenas um
empreendimento ainda não entregue, com apenas 80 unidades habitacionais, está inserido em área com média
de renda preexistente contrastante com a do próprio empreendimento: o Residencial Parque dos Diamantes,
localizado na regional Barreiro, em Belo Horizonte, cujo entorno apresenta renda domiciliar média de 6 a 10
salários mínimos, resultado que corrobora aquele encontrado na análise de condições habitacionais urbanas,
apresentada na seção anterior.
O entorno sem grandes diversidades socioeconômicas é uma característica dos espaços urbanos selecionados
para implantação dos empreendimentos do PMCMV, o que parece ser reforçado por seu próprio modelo
operacional. Tendo as construtoras como propositor primordial, a implantação dos empreendimentos está
condicionada ao lucro destas empresas, fazendo com que terrenos de mais baixo preço sejam sempre mais
atraentes. Terrenos urbanos desvalorizados são normalmente encontrados em regiões já habitadas por
população de baixa renda.
2.7.
Acesso à bens duráveis
Foram analisados, para os seis municípios selecionados, indicadores do poder de consumo da população nos
entornos dos empreendimentos, anteriormente à sua implantação. Esta análise foi possível através de um
mapeamento de microdados da pesquisa amostral do Censo IBGE 2010 relativa aos bens duráveis
transformados em dados relativos na escala de áreas de ponderação. Estes dados relativos foram simplificados
em cinco escalas, com intervalos de 20% do total de domicílios que possuíam cada bem. Os bens duráveis
levantados foram: “automóvel de uso particular”, “motocicleta de uso particular”, “microcomputador”, “internet”,
“telefone fixo”, “telefone celular”, “máquina de lavar roupa”, “geladeira”, “televisão” e “rádio” (ver MAPA_4.B.28 até
MAPA_4.B.37 Bens duráveis e INFG_4.24 Acesso a bens duráveis).
Para os bens “telefone celular”, “geladeira”, “televisão” e “rádio” o mapeamento obteve resultados elevados e
37 A partir de sua Fase 2, o PMCMV fixou o valor da renda máxima atendida pela modalidade FAR em R$1.600,00, o que corresponde
atualmente a 2,2 salários mínimos - ver Eixo 3.
23
homogêneos para os seis municípios, ou seja, em todas as áreas de ponderação mais de 81% dos domicílios
possuíam estes bens de consumo. Talvez o mais interessante deste resultado seja a constatação da
disseminação do telefone celular como um bem de consumo generalizado. Entre os demais bens, foram
analisados os resultados específicos para as áreas de ponderação onde se encontravam os empreendimentos.
O resultado relativo a “motocicletas de uso pessoal”, mais baixo entre os bens estudados, na verdade reflete uma
tendência geral entre os seis municípios: em quase todas as áreas de ponderação, menos de 20% dos domicílios
possuíam este bem. Áreas consideradas periféricas, em geral, apresentaram maior porcentagem de domicílios
com acesso a este bem do que áreas centrais (ver MAPA_4.B.29 Bens duráveis motocicleta). Efetivamente, a
motocicleta consiste em um meio de transporte individual mais acessível que o automóvel, portanto, opção
frequente entre as classes de renda mais baixa, ao memo tempo em que se apresenta estatisticamente mais
perigosa 38 . Entre os empreendimentos estudados, destacam-se o entorno do conjunto Jardim Vitória (Belo
Horizonte) e dos Residenciais Hibisco e Ipê (Caeté), com maior índice de domicílios que possuíam motocicletas
de uso pessoal (entre 21% e 40%).
Entre os demais bens, os resultados para os entornos dos empreendimentos situam-se em uma escala
intermediária, estando a grande maioria das unidades inseridas em áreas de ponderação nas quais entre 21% e
60% dos domicílios possuíam os bens estudados, com um resultado um pouco superior para o bem “telefone
fixo”. Estes resultados, em geral inferiores aos observados em áreas centrais, dizem muito a respeito da inserção
no mercado de consumo da população que habita o entorno dos empreendimentos assim como da sua
dependência em relação a serviços de transporte público e do seu grau de inserção nas redes de comunicação
digital.
Para que se possa esboçar uma análise da inserção no mercado de consumo dos beneficiários do PMCMV, é
preciso mencionar o programa Minha Casa Melhor, lançado em 2013 pelo governo federal. Trata-se de um
programa de crédito, com limite de R$ 5 mil para a compra de móveis e eletrodomésticos em lojas credenciadas
com pagamento financiado em até 48 meses. O benefício está disponível para famílias participantes do PMCMV
em todas as modalidades com a exigência de que o imóvel já tenha sido entregue e se encontre com as
prestações em dia. Na lista de produtos disponíveis encontram-se móveis e eletrodomésticos básicos (guardaroupa, cama, mesa sofá, refrigerador, fogão, etc.), assim como artigos mais avançados como “TV digital”,
“computador ou notebook, com capacidade de acesso a internet” e “tablet” com especificações básicas. A adesão
dos beneficiários do PMCMV a este programa complementar é expressiva, como pode ser observado em campo.
38 Em 2011, as taxas de óbito em acidentes de trânsito na categoria motocicleta foram 24,5% maiores do que as da categoria automóvel
no Brasil. WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da violência 2013: mortes em acidentes de trânsito e motocicletas. Rio de Janeiro, 2013.
24
Desta forma, é possível especular sobre alterações nos resultados relativos ao acesso a bens duráveis a serem
observados no próximo Censo.
A estratégia de lançamento do Minha Casa Melhor reforça o propósito de contenção de crise e estímulo
econômico pretendido com o PMCMV, assim como o projeto de ascensão social através do consumo,
empreendido pelo atual governo federal. Trata-se de uma iniciativa importante, mas que gera comprometimento
da renda por meio de dívida que muitos beneficiários da modalidade FAR tem dificuldades em assumir.
Essencialmente, o acesso a bens duráveis e mesmo o acesso a moradia como um bem, da maneira como é
empreendido pelo PMCMV, desarticulado do acesso à cidade em suas funções públicas e coletivas, é
responsável por uma afirmação escutada repetidamente em depoimentos dos moradores: “da porta para dentro
está tudo ótimo, mas da porta para fora...”. Efetivamente, a possível transformação de resultados demográficos
apontando para uma ascensão social através do consumo de bens, abarcada por intermédio do PMCMV e do
Minha Casa Melhor, não é acompanhada por uma melhoria em outros aspectos que determinariam uma
ascensão social completa, como o acesso a educação, saúde, cultura e lazer, que será tratado a seguir.
2.8.
Atendimento de equipamentos públicos urbanos
Foi desenvolvida metodologia no âmbito desta pesquisa para avaliação das condições de acesso
especificamente a equipamentos públicos de educação, saúde, lazer e cultura. Entende-se que o acesso gratuito
a estes equipamentos é um indicador de primordial importância para avaliação da integração e consequente
acesso à cidade em suas funções públicas e coletivas, especialmente pela população na faixa de renda atendida
pela modalidade FAR do PMCMV. Aqui avaliaremos a existência prévia destes equipamentos nos espaços de
inserção dos empreendimentos nos seis municípios selecionados.
Para esta avaliação, os equipamentos públicos de educação, saúde, lazer e cultura foram mapeados a partir de
dados das Secretarias Municipais específicas de cada município sobre bases do Google Earth, e a acessibilidade
em seu entorno foi medida segundo graus de proximidade, considerando raios de distância a partir de cada ponto
mapeado (ver MAPA_4.B.06 Acesso a equipamentos de educação; MAPA_4.B.07 Acesso a equipamentos de
saúde; MAPA_4.B.08 Acesso a equipamentos de cultura; e MAPA_4.B.09 Acesso a equipamentos de esporte e
lazer). Empreendimentos que se encontrassem em um raio de até 500 metros de distância dos equipamentos
receberam pontuação 5, empreendimentos com distancia entre 500 metros e 1 km de distância receberam
pontuação 4 e assim por diante em intervalos de 500m até o raio de 2 km. Empreendimentos a mais de 2 km de
distância dos equipamentos avaliados receberam pontuação 1. Foram mapeados teatros, museus, cinemas e
bibliotecas como equipamentos culturais; quadras esportivas e praças como equipamentos de lazer; postos de
25
saúde, policlínicas e prontos socorros como equipamentos de saúde; e, finalmente, creches e escolas públicas de
ensino infantil, fundamental e médio como equipamentos de educação (ver INFG_4.06 Acessibilidade a
equipamentos empreendimentos FAR).
Os resultados encontrados para os equipamentos de lazer e cultura foram preocupantes: 83% das unidades
contratadas nos seis municípios selecionados estavam a mais 1,5 km de distância de uma quadra esportiva ou
praça; e 95% a mais 1,5 km de distância de um teatro, museu, cinema ou biblioteca.
Em relação aos equipamentos de saúde, obtivemos um resultado intermediário: 80% das unidades contratadas
nos seis municípios selecionados se encontravam entre 1 e 2 km de distância de um posto de saúde, policlínica
ou pronto socorro.
Cabe destacar que, especialmente para os equipamentos de educação, entende-se que a metodologia utilizada
apresenta uma falha, uma vez que, idealmente, o empreendimento deveria apresentar fácil acesso a pelo menos
uma instituição de cada nível de ensino, atendendo assim a crianças e jovens de todas as idades. Isto posto, os
resultados da avaliação apontaram para o equivalente a 91% das unidades contratadas nos seis municípios
selecionados situadas a menos de 1 km de distância de algum equipamento de educação.
Os resultados obtidos em entrevista com os moradores dos residenciais Parque das Palmeiras II, em Betim, e
Alterosas, em Ribeirão das Neves, em relação ao acesso à escola, novamente explicitam a relevância das
características de seu entorno (ver INFG_4.19 Acesso a escola). Enquanto no Residencial Palmeiras 44% dos
estudantes frequentam a escola em seu próprio bairro, entre os estudantes do Residencial Alterosas apenas 2%
tem esta possibilidade. Enquanto 62% dos estudantes moradores do Residencial Palmeiras chegam à escola a
pé, 68% dos do Residencial Alterosas pagam pelo serviço de transporte escolar privado, outros 22% dependem
do transporte escolar público ou do ônibus convencional. Com a mudança para a nova habitação, 30% dos
estudantes do Residencial Alterosas e 26% dos do Residencial Palmeiras II afirmaram que o tempo de
deslocamento até a escola aumentou da mesma forma, respectivamente 20% e 14% afirmaram que o valor pago
por este deslocamento aumentou, porcentagens superiores aos estudantes que afirmaram ter reduzido o tempo
(respectivamente, 11% e 9%) e o custo (respectivamente, 2% e 3%) de deslocamento. Estes dados apontam, de
maneira geral, para uma piora nas condições de inserção urbana dos beneficiários em relação às condições de
acesso a escola. Ainda segundo dados coletados em entrevista, 17 estudantes do Residencial Palmeiras teriam
sido obrigados a abandonar a escola em que se encontravam matriculados devido à mudança de endereço, 14
dos quais não voltaram a se matricular. No Residencial Alterosas estes números crescem para 162 estudantes
obrigados a deixar a escola, dos quais 25 teriam abandonado os estudos. A possibilidade de um programa de
provisão habitacional estar diretamente relacionado a um aumento dos índices de abandono escolar é
extremamente alarmante e diz muito a respeito das condições de inserção urbana de sua produção.
26
O contraste entre os dois empreendimentos entrevistados em relação ao acesso a serviços públicos - Residencial
Palmeiras II, avaliado como bem inserido, e Residencial Alterosas, avaliado como mal inserido – foi evidenciado
também pela percepção dos moradores (ver INFG_4.23 Acesso a serviços públicos).
2.9.
Acesso ao comércio e aos serviços
Uma análise da inserção urbana dos residenciais em relação à existência de estabelecimentos comerciais e de
serviços, foi possível em 6 dos 15 conjuntos de empreendimentos - Residencial Hibisco (Belo Horizonte);
Residencial Baviera e Parque das Palmeiras I e II (Betim); Residencial Hibisco e Ipê (Caeté); Residencial Vista
Alegre e São Luiz (Contagem); e Residencial Alterosas (Ribeirão das Neves). Para o entorno imediato destes seis
conjuntos de empreendimentos, a equipe realizou um mapeamento detalhado da existência de estabelecimentos
comerciais e de serviços e de equipamentos não abrangidos pela metodologia apresentada no item anterior, a
partir de informações obtidas em entrevistas realizadas com os síndicos. Uma análise deste mapeamento será
apresentada a seguir. Para os demais empreendimentos, os mapas de inserção urbana produzidos destacam
apenas os equipamentos públicos urbanos mapeados através da metodologia apresentada no item anterior e a
existência de aglomerados subnormais a partir da base do IBGE 2010 (ver MAPA_4.C.15 até MAPA_4.C.28
Inserção urbana dos empreendimentos).
O Residencial Hibisco no município de Belo Horizonte, compõe o conjunto Jardim Vitória, e o mapeamento de
seu entorno também pode ser considerado como indicativo das condições do entorno do conjunto de
empreendimentos vizinho, Paulo VI (ver MAPA_4.C.19 Inserção urbana Paulo VI e Jardim Vitória). Os dois
empreendimentos em conjunto tem um total de 2.660 unidades habitacionais, as quais apresentam um entorno
imediato extremamente mal servido tanto em relação a equipamentos públicos urbanos, como comércio e
serviços. O síndico do Residencial Hibisco 39 apontou para a existência de apenas uma padaria como
estabelecimento comercial no entorno do empreendimento e um SEST-SENAT (instituição que desenvolve e
apóia programas na área social e educacional para trabalhadores do setor de transporte), ambos ainda distantes
dos locais de implantação das unidades habitacionais.
O Residencial Alterosas, com um total de 1.640 unidades habitacionais, também apresenta poucas opções de
comércio em seu entorno (ver MAPA_4.C.27 Inserção urbana Alterosas). Um dos síndicos do Residencial40
apontou para a existência de apenas um mercado/padaria nas proximidades do empreendimento, o que explica a
SOUZA, Itamar de. Síndico do Residencial Hibisco. Entrevista concedida à equipe do PRAXIS. Belo Horizonte, 04 de abril de 2014.
WOONLLGEEN JUNIOR, Clauber. Síndico do Residencial Alterosas Quadra 42 e Presidente da Associação de Bairro. Entrevista
concedida à equipe do PRAXIS. Ribeirão das Neves, 22 de janeiro de 2014.
39
40
27
realização de uma feira improvisada em meio às quadras do empreendimento, que comercializa diariamente
produtos alimentícios e de limpeza (imagens 07 e 08).
IMAGEM 07: Feira improvisada no Residencial Alterosas.
Fonte: Grupo PRAXIS, 2014.
IMAGEM 08: Feira improvisada no Residencial Alterosas.
Fonte: Grupo PRAXIS, 2014.
Além de um posto de saúde, também foi identificado pelo síndico um CRAS (Centro de Referência de Assistência
Social) a aproximadamente 1,5 km de distância do empreendimento. As dimensões e a densidade demográfica
do bairro Veneza, onde se encontra o empreendimento, observadas pela imagem de satélite e em campo,
também permitem inferir que estes mesmos equipamentos provavelmente se encontram sobrecarregados em
relação à demanda do bairro. Apesar da presença da feira interna ao empreendimento, nenhum dos beneficiários
entrevistados no Alterosas afirmou utilizar o comércio no próprio residencial, 21% afirmaram fazer compras no
próprio bairro, mas a maioria (81%) teria este acesso em outro bairro (ver INFG_4.22 Acesso a comércio).
Em contraste com estes dois exemplos, o entorno do residencial Vista Alegre41, no município de Contagem (ver
MAPA_4.C.26 Inserção urbana Vista Alegre), com 288 unidades habitacionais, destaca-se pela boa inserção em
relação a opções de comércio. Uma padaria e três diferentes supermercados se encontram a distâncias possíveis
de serem percorridas a pé. No mesmo município, o Residencial São Luiz42 (ver MAPA_4.C.25 Inserção urbana
São Luiz), com 280 unidades, já não apresenta tantas opções de fácil acesso. Supermercado, açougue e
OLIVEIRA, Helem S. Marques de. Síndica do Residencial Vista Alegre. Entrevista concedida à equipe do PRAXIS. Contagem, 06 de
maio de 2014.
42 RODRIGUES, Paulino Santana de. Síndico do Residencial São Luiz. Entrevista concedida à equipe do PRAXIS. Contagem, 06 de
maio, 2014.
41
28
sacolão, encontram-se a menos de 500 metros de distância, mas exigem a transposição de uma via expressa
para seu acesso.
O mapeamento do entorno do Residencial Hibisco, em Caeté, contíguo ao Residencial Ipê (juntos totalizam 400
unidades habitacionais), apresenta uma particularidade: a síndica entrevistada43 apontou como referências do
entorno estabelecimentos comerciais abrangendo quase a totalidade do município (ver MAPA_4.C.24 19 Inserção
urbana Hibisco e Ipê). Provavelmente esta forte relação com o município como um todo deve-se ao porte
reduzido de Caeté, quando comparado aos demais municípios analisados. No entanto, o mapa permite perceber
que o entorno imediato do conjunto de empreendimentos efetivamente não é bem servido. Apenas uma padaria a
aproximadamente 500m de distância foi destacada pela síndica. Supermercado e outras opções de comércio e
serviços encontram-se a 1,5km ou mais de distância.
Finalmente, os Residenciais Baviera44 e Parque das Palmeiras I45 e II46, no município de Betim (ver MAPA_4.C.20
Inserção urbana Palmeiras e Baviera), com um total de 1160 unidades habitacionais, também se destacam por
uma inserção urbana que pode ser considerada adequada. Muito próximo dos três empreendimentos encontra-se
um CRAS e opções de comércio diferenciadas como padaria, supermercado e feira. Efetivamente 77% dos
beneficiários entrevistados no Residencial Palmeiras II afirmaram fazer compras no próprio bairro - 73% utilizam o
comércio também em outro bairro (ver INFG_4.22 Acesso a comércio).
Após esta análise, não é surpresa observar que, quando perguntados a respeito do que falta no conjunto
habitacional (ver INFG_4.25 O que falta no conjunto habitacional), os beneficiários entrevistados do
empreendimento Alterosas (Ribeirão das Neves) tenham apontado justamente para saúde (25%), educação
(23%) e comércio (19%), além da segurança (18%), como principais fragilidades de seu entorno. Já no
Residencial Palmeiras II (Betim), novamente a segurança (24%), mas também a organização condominial (25%)
e o lazer (17%) são os pontos que se destacam entre as demandas dos beneficiários, uma vez que o acesso a
comércio e equipamentos básicos já é garantido.
Finalmente, cabe ressaltar a ausência de estabelecimentos comerciais ou de serviços mais especializados no
entorno imediato dos empreendimentos analisados, evidenciando sua condição de inserção periférica.
MATOS, Danielle Cristina de. Síndica do Residencial Hibisco. Entrevista concedida à equipe do PRAXIS. Caeté, 14 de janeiro de
2014.
44 EVANGELISTA, Hudson Rodrigues. Síndico do Residencial Baviera. Entrevista concedida à equipe do PRAXIS. Betim, 25 de
fevereiro de 2013.
45 TEIXEIRA, Helder de Paula. Síndico do Residencial Parque das Palmeiras II. Entrevista concedida à equipe do PRAXIS. Betim, 25 de
fevereiro de 2014.
46 PEREIRA, Alexandre Ricardo. Síndico do Residencial Parque das Palmeiras II. Entrevista concedida à equipe do PRAXIS. Betim, 03
de outubro de 2013.
43
29
2.10. Infraestrutura urbana
A dimensão de infraestrutura urbana aqui trabalhada foi também recuperada do IBEU, que a avaliou baseando-se
em sete indicadores: proporção de pessoas que moram em domicílios cujo entorno possui iluminação pública,
pavimentação, calçada, meio-fio/guia, bueiro ou boca de lobo, rampa para cadeirantes e logradouros. Segundo o
IBEU, “estes indicadores expressam as condições de infraestrutura na cidade que podem possibilitar (quando da
sua existência) melhor qualidade de vida para as pessoas, estando relacionados com a acessibilidade, saúde e
outras dimensões do bem estar urbano.”
Os resultados para tais indicadores de 2010 nas regiões onde seriam implantados os empreendimentos foram
bastante ruins. O equivalente a 76% das unidades contratadas nos seis municípios selecionados recebeu
pontuação 2 e outros 23% foram avaliados com a pontuação 1. Apenas o Residencial Jaqueline, na região
nordeste de Belo Horizonte recebeu pontuação 3. A análise apresentada no MAPA_4.B.14 IBEU infraestrutura
urbana permite perceber que se trata de uma avaliação ruim não apenas do entorno dos empreendimentos, mas
da RMBH como um todo. A pontuação máxima do índice só foi atribuída à região interna à Avenida do Contorno,
na região central da Belo Horizonte, e a mancha de pontuação 3 praticamente não avança além dos limites
municipais da Capital. Não é descomedido supor que entre os indicadores analisados, aqueles que avaliam a
existência de calçadas, meios-fios/guias, rampas para cadeirantes e até bueiros ou bocas de lobo sejam os
principais responsáveis por esta má avaliação. Enquanto os aspectos de iluminação pública, pavimentação e
logradouros parecem ser mais uniformemente distribuídos na RMBH, os demais indicadores de fato são bastante
raros.
De maneira geral, os resultados da análise parecem confirmar a realidade esperada e constatada em visitas de
campo e entrevistas: um panorama precário, com exceções pontuais em relação à inserção e condições de bem
estar urbano dos locais escolhidos para implantação de empreendimentos PMCMV Faixa 1 na RMBH, chegando
a alcançar situações extremas de deficiência no acesso à cidade em suas funções públicas e coletivas, assim
como de provisão de segurança dos acessos a renda, educação e serviços básicos.
3. Impactos da configuração em condomínio
Nessa seção, pontuaremos algumas questões a respeito do impacto urbanístico e sociopolítico da configuração
em condomínio dos empreendimentos produzidos pelo PMCMV. A disseminação dos condomínios se intensificou
a partir das décadas de 80 e 90, a partir de um cenário de mudanças no uso e apropriação dos espaços públicos
e privados, em parte em decorrência de fatores tais como aumento da violência e da criminalidade, mas também
30
como resultado de estratégias empresariais de criação de uma demanda centrada em argumentos que ressaltam
a busca por mais privacidade e individualidade (ANDRADE, 2002). Embora este seja o discurso dominante, cabe
dizer que na RMBH a produção de loteamentos fechados remonta aos anos cinquenta, com loteamentos de
recreio e segundas residências, alguns associados a clubes. A partir dos anos 1970, no bojo de um processo
amplo de expansão espacial da RMBH, vários loteamentos de maior porte, à época identificados como
“chácaras”, foram produzidos em diversos municípios da RMBH, em especial no vetor sul. Muitos destes
empreendimentos, eventualmente adotaram restrições de acesso e, mais recentemente passaram a ter portarias,
muros e controles rígidos de segurança. A partir desse momento, a terminologia “condomínios” é adotada de
forma incorreta, mas generalizada, já que a categoria urbanística correta seria loteamento fechado.
Cabe ainda apontar que, no caso da RMBH, antes mesmo das motivações apontadas acima, a moradia neste
tipo de empreendimento foi estimulada por um forte apelo ambiental, de busca de alternativas habitacionais mais
próximas à natureza, em casa unifamiliares em área de vegetação exuberante. Muitos destes primeiros
moradores eram ambientalistas, artistas, profissionais, acadêmicos e alternativos em geral, que além de arcarem
com os eventuais custos de deslocamento, estiveram e estão ligados a movimentos sócio-políticos de demanda
por serviços coletivos e preservação da região e de contestação a empreendimentos econômicos geradores de
custos ambientais significativos como a mineração.
Na RMBH, a expansão metropolitana ao sul, contígua à capital, consolida-se a partir da produção dos
loteamentos fechados iniciados ainda na década de 1950. Um dos loteamentos emblemáticos da modalidade
chácara típica dos anos de 1970, denominado sintomaticamente “Nossa fazenda”, com numerosos lotes de
grande porte, ocorreu na região noroeste, no acesso ao município de Esmeraldas, com acesso pela BR-040,
mesma rodovia que dá acesso aos empreendimentos do MCMV estudados.
Em 1998, o Condomínio Alphaville Lagoa dos Ingleses, no vetor sul, inaugurou um novo conceito, em relação aos
loteamentos existentes47, com a presença de comércio e de serviços. Assim, além do porte, a novidade mais
recente nos grandes loteamentos fechados é a diversidade de usos e de tipologia arquitetônica, incluindo
conjuntos de edifícios verticais. No caso do Alphaville, além de edifícios residenciais, o projeto original previa
também centros empresariais, edifícios comerciais, escolas e ainda uma área reservada a indústrias de pequeno
porte.
Outro empreendimento emblemático da nova fase de produção de loteamentos fechados é o Vale dos Cristais,
Até então os loteamentos fechados produzidos na região sul eram exclusivamente residenciais e dependiam completamente de Belo
Horizonte para acesso a trabalho, comércio, serviços, etc. Não pretendiam suprir tais necessidades constituindo uma nova centralidade
urbana, pelo contrário, apostavam na oferta de “qualidade de vida” possibilitada por um relativo isolamento e proximidade da natureza.
47
31
em processo de implantação desde o início dos anos 2000 no município de Nova Lima, também no vetor sul, pela
Odebrecht Empreendimentos Imobiliários, em parceria com a Anglogold (empresa de mineração, proprietária das
terras).
Os empreendimentos imobiliários com programas complexos não se restringem à região sul de expansão
metropolitana: também na direção norte, novos empreendimentos de grande diversificação e complexidade
prometem transformar de forma marcante a região. Tais empreendimentos são impulsionados pelo conjunto de
investimentos públicos e privados implantados na região.
Um bom exemplo é o empreendimento PreconPark em implantação em áreas próximas ao aeroporto
internacional, nos municípios de Confins e Pedro Leopoldo, na primeira fase, e de Lagoa Santa na segunda fase.
Concebido para ser uma tecnópolis, o projeto compreende cinco atividades “âncoras”: ensino, ciência e
tecnologia, residencial, armazenamento e logística, e entretenimento.
Outro empreendimento que deverá provocar importantes transformações na dinâmica demográfica e territorial no
Vetor Norte da Região Metropolitana de Belo Horizonte é o Reserva Real, que também se caracteriza como um
condomínio residencial de alta renda, mas se diferencia por oferecer equipamentos muito sofisticados e uma
infraestrutura interna de serviços que busca a autonomia. O perfil predominante da população prevista para o
empreendimento é de renda alta, o que pode ser percebido através dos elementos-âncora oferecidos – campos
de golfe, aeroporto privado, centro de equitação – e pelo tamanho dos lotes mínimos residenciais, particularmente
aqueles setores com lotes de 1.000 e 8.000 m2. Trata-se de empreendimento que se diferencia daqueles até
então implantados na RMBH, tanto pelo porte, quanto pelo tipo de equipamento previsto. Outro aspecto a
ressaltar é o fato de que está previsto um setor para habitação de interesse social. Embora tal tipologia
provavelmente tenha sito pensada para alojar os trabalhadores nas diversas atividades no empreendimento,
pode-se ver como aspecto promissor a possibilidade da diversidade social. Esse tipo de diversificação já foi
proposta em projeto de lei do Plano Diretor de Nova Lima, ao sul da RMBH, tendo sido rejeitada na Câmara
Municipal, em decorrência da resistência do empresariado associado ao capital imobiliário atuante naquele
município. Em síntese, um único empreendimento propõe a implantação de mais de 4.500 novas unidades em
um município que tinha, no ano de 2010, aproximadamente 23.671 domicílios urbanos, em um total de quase
24.187 domicílios.
Essa tendência à formação de condomínios, no entanto, não tem se restringido às camadas de renda média e
alta da sociedade. Nos assentamentos informais, o isolamento também tem sido uma tendência em resposta ao
32
aumento da violência e, em menor escala, à busca de privacidade.48 No PMCMV, a implantação de conjuntos
habitacionais no formato de condomínio segue a tendência instalada, mas, para além, parece ter como fim a
simplificação burocrática de alguns aspectos, especialmente no que tange à aprovação de projetos e à
responsabilidade pela gerência dos espaços comuns.
Aqui cabe uma distinção entre duas modalidades de condomínios: de um lado os chamados condomínios que, na
verdade, correspondem a loteamentos fechados, ou seja, um processo de parcelamento do solo que resulta em
áreas públicas e privadas fechadas e/ou com restrição de acesso, a exemplo dos empreendimentos típicos da
expansão urbana horizontalizada e dispersa mencionada acima. De outro lado, os condomínios verticais ou
horizontais que correspondem a uma única unidade de propriedade do solo na qual são edificadas várias
unidades habitacionais, com áreas privadas e áreas coletivas, mas não áreas públicas no sentido jurídico definido
na legislação. Os condomínios resultantes do PMCMV analisados na RMBH são deste último tipo. Muitas vezes
correspondem a uma quadra inteira e podem comportar vários prédios além das áreas e equipamentos de uso
comum. Entretanto, os desafios que são colocados por esta forma condominial, que são muitos e são discutidos
em outros capítulos deste relatório, diferem em termos urbanísticos e de políticas urbanas daqueles relacionados
ao fechamento de áreas públicas, como o sistema viário e o parcelamento.
É possível imaginar que a configuração em condomínio acrescentaria algum benefício caso proporcionasse um
mínimo de espaços coletivos para os moradores. No entanto, os espaços comuns dos empreendimentos
produzidos institucionalmente pelo PMCMV são muito menos elaborados que aqueles propagandeados, e quase
nunca utilizados. De fato, nos condomínios do PMCMV os espaços coletivos consistem predominantemente de
área de estacionamento, acrescidos de uma área coberta, com pia externa e banheiros, denominada “centro
comunitário”, e, eventualmente uma quadra, ou um campinho, ou um parquinho infantil. Estes espaços acabam
se tornando objetos de conflito entre os moradores e, quando as administrações condominiais conseguem,
tornam-se espaços de uso restrito regulamentado, assunto que será aprofundado no Eixo 3. Além do barulho, da
depredação e da sujeira, um conflito curioso relacionado aos espaços comuns foi identificado no que tange à
diversidade religiosa. Em muitos condomínios os cultos de qualquer religião acabaram por ser proibidos no
espaço comum para evitar divergências. Cabe destacar que as camadas de mais alta renda dependem muito
menos desse tipo de espaço, capaz de fornecer opções de lazer gratuito, do que a camada atendida pela
modalidade FAR, dependência esta agravada ainda mais pela dimensão reduzida das unidades habitacionais.
48 Nos assentamentos informais a falta de privacidade se deve ao alto adensamento construtivo e à recorrente ausência de
afastamentos entre as edificações.
33
Em entrevista com representantes da Prefeitura de Contagem 49 , em 2013, foram colocadas as seguintes
questões: “Por que as vias que separam os prédios não são públicas? Por que os espaços comuns não são
praças públicas?”. Dessa forma, teríamos a constituição de um pequeno bairro e não de um condomínio. De fato,
essa estratégia projetual contribuiria para reduzir diversos dos problemas apontados por moradores, como a
dificuldade de acesso pela polícia nos condomínios. No entanto, para que fosse possível, seria necessário alterar
a natureza e as regras do parcelamento, instituindo formas de desmembramento e remembramento bem como
largura de vias para empreendimentos de habitação social. Da mesma maneira, a responsabilidade pela gestão
desses espaços coletivos que se transformariam em espaços públicos, se alteraria radicalmente. As questões
colocadas por Contagem fazem parte de uma preocupação da administração municipal quanto à violência que
tomou conta de alguns desses condomínios, em especial o Residencial São Luiz. Nele, o controle pelo tráfico de
drogas sobre as pessoas, os espaços comuns e a vida cotidiana é fortalecido pela dificuldade de acesso pela
polícia e pela fragilização das relações sociais, já que há controle de acesso ao interior do condomínio. Além
disso, como as vias internas não são públicas, não há ronda policial. Assim, há uma discussão complexa já que
se refere ao fato de os conjuntos habitacionais do MCMV serem abertos ou fechados. Um conjunto poderia não
ter muros e portões e ainda assim ter espaços coletivos cuja gestão permanece condominial. Estes seriam mais
semelhantes a um bairro tradicional no qual a cada lote corresponde uma (ou poucas) edificações. Assim, apesar
da gestão do coletivo representada pelo condomínio ser um dos problemas mais recorrentes que encontramos,
fica em aberto a questão de qual das alternativas atenderia melhor aos moradores em termos de segurança,
conforto, uso dos espaços coletivos, etc. O desfio da segurança persiste tanto dentro como fora dos muros.
As dificuldades administrativas enfrentadas pelos condomínios do PMCMV são diversas e podem ser
exemplificadas em seu extremo pelo colapso da gestão condominial observado no Residencial Hibisco, localizado
no município de Caeté. A inadimplência total50 da taxa condominial e os conflitos de reconhecimento da jurisdição
da figura da síndica resultaram em problemas com a limpeza e a danificação de diversos equipamentos das
áreas comuns. Segundo relatos coletados durante visita de campo, a sensação de insegurança entre os
moradores teria chegado ao pondo de crianças serem impedidas pelos pais de sair das unidades habitacionais
(ver INFG_3.29 Principais problemas de segurança). “Estamos muito felizes da porta para dentro, mas da porta
pra fora...” afirmou uma das moradoras do residencial Hibisco durante visita de campo da equipe do Praxis.
Todos estes problemas foram observados em escalas diversas nos demais empreendimentos visitados.
Um contraponto pode ser encontrado no Residencial Canários, um dos cinco empreendimentos implantados no
BURATO, Silvânia Aparecida, responsável pelo MCMV no município de Contagem; LAMOUNIER, Ione, assistente social. Entrevista
concedida à equipe do PRAXIS. Contagem, junho 2013.
50 Segundo a Síndica do Residencial Hibisco, Danielle Cristina de Matos, apenas 2 ou 3 unidades ainda estariam cumprindo o
pagamento da taxa condominial. Entrevista concedida à equipe do PRAXIS. Caeté, março 2014.
49
34
bairro Jardim Vitória, em Belo Horizonte. Com a ressalva de estar habitado há menos de seis meses, neste
empreendimento não houve registro de inadimplência condominial, os espaços comuns foram encontrados limpos
e intactos, mudas haviam sido plantadas nos taludes e espaços residuais, o controle de acesso era restrito, com
porteiro dia e noite e as regras não só respeitadas, mas também cobradas pelos próprios moradores. O que
diferencia o Residencial Canários dos demais é principalmente a tradição associativa de seus moradores. Tratase, em sua totalidade, de integrantes do movimento social Cohabita, que teria posse de parte do terreno utilizado
para implantação dos cinco empreendimentos e, por esse motivo, em acordo com a administração municipal,
conseguiu garantir algumas das unidades habitacionais para seus integrantes, estando todas do Residencial
Canários nesta condição. A natureza deste acordo por si só é um conflito ainda não resolvido: alguns dos
integrantes do movimento não teria sido contemplados com unidades habitacionais, segundo a Urbel51 por não
cumprirem os critérios de seleção do PMCMV nacionais ou municipais52. Estes integrantes excluídos estavam, na
ocasião das visitas de campo, acampados na entrada do Residencial Esplêndido em protesto, enquanto o próprio
Residencial Canários foi denunciado por apresentar diversas unidades vazias - alguns dos beneficiários membros
da Cohabita não teriam se mudado para a unidade recebida. 53
Conflitos e contradições à parte, é clara a relevância desta tradição associativa e mesmo da existência de uma
relação prévia entre os vizinhos para que o sistema de gestão condominial tal como colocado possa funcionar.
Ironicamente, é exatamente esta construção que a formatação do PMCMV impede que ocorra, tanto devido ao
procedimento adotado para seleção de beneficiários – através de sorteios – como da exigência de um tempo
muito curto para a vigência dos processos de pós-morar (6 meses) e especialmente de pré-morar (3 meses,
muitas vezes atropelados pela agenda política de entrega das unidades). Este é um assunto tratado também no
texto do Eixo 1.
Além das dificuldades de gestão condominial, agravadas especialmente pelo porte dos condomínios, hoje restrito
pela legislação do PMCMV a 300 unidades habitacionais, outras questões problemáticas foram observadas em
campo que vão além do argumento administrativo. Por exemplo, no Residencial São Luiz, em Contagem, a
questão do controle de acesso se mostrou bastante ambígua: a forte presença do tráfico fez com que cercas e
muros se transformassem nas fronteiras demarcadas de um território. A Prefeitura e a Polícia, ou mesmo as
equipes de Trabalho Técnico Social (TTS), passam a ter dificuldades de intermediar conflitos e mesmo de acesso
físico aos condomínios. Não muito distinto do que poderia ser observado em um assentamento informal, os
SANTOS RIBEIRO, Juliana. Assistente social da Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte - Urbel. Entrevista concedida à equipe
do PRAXIS. Belo Horizonte, abril 2014.
52 A discussão a respeito dos critérios de seleção de beneficiários está aprofundada no texto relativo ao Eixo 1.
53 Informação fornecida por SANTOS RIBEIRO, Juliana. Assistente social da Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte - Urbel.
Entrevista concedida à equipe do PRAXIS. Belo Horizonte, abril 2014.
51
35
moradores dos condomínios que passam por este processo se tornam reféns do poder paralelo e permanecem,
ao mesmo tempo, sob a proteção dele.
Em uma análise do impacto urbanístico e sociopolítico da configuração em condomínio dos empreendimentos
produzidos pelo PMCMV, cabem as mesmas críticas empreendidas aos condomínios de camadas de rendas
média e alta. Condomínios podem ser sinônimo de segregação. Para a cidade são mais muros, mais portões,
mais fronteiras, mais o de dentro e o de fora, menos gente na rua e menos segurança para as ruas. Uma das
discussões a ser aprofundada a partir de olhares antropológicos e/ou sociológicos diz respeito à necessidade de
separação, de isolamento, de barreiras em torno da preocupação exclusiva com o que está da porta para dentro
sendo reflexo do individualismo e do medo intrínseco à sociedade contemporânea, e certamente não consiste em
uma exclusividade das camadas de alta renda.
IMAGEM 09: Grades instaladas na entrada de bloco de apartamentos no Residencial Alterosas, em Ribeirão das Neves.
Fonte: Grupo PRAXIS, 2014.
As visitas de campo permitiram verificar a existência de grades em blocos, câmeras de vigilância, e de muros
altos, a serem discutidas no texto relativo ao Eixo 3 (imagens 09). Em alguns casos, cercas de arame ou de tela
instaladas pelas construtoras no entorno dos empreendimentos foram substituídas por muros de concreto, com o
escasso recurso proveniente da arrecadação condominial.
36
4. Expansão e adensamento de periferias
54
O objetivo desta seção é compreender o papel desempenhado pela produção do PMCMV em relação ao
chamado novo padrão de periferia e identificar possíveis transformações no entorno destes empreendimentos,
decorrentes de sua implantação, identificando eventuais processos de expansão de fronteiras urbanas e definição
de novas centralidades (ver MAPA_4.B.01 Rede de centralidades).
No que diz respeito ao segmento concorrencial do mercado imobiliário, a novidade na segunda metade da
década de 2000 é a produção de moradias para novos segmentos, constituídos por grupos sociais de renda mais
baixa, em áreas periféricas da região metropolitana. A hipótese é que a dinâmica empresarial vem consolidando a
segmentação socioespacial, ao mesmo tempo em que promove relativa diversificação social nas áreas mais
periféricas, onde se mesclam segmentos da classe média e partes da classe trabalhadora. Como resultado, a
expansão de assentamentos populares é concomitante com a diversificação territorial do investimento no
mercado monopolístico, em que a histórica concentração espacial começa a dar lugar à fragmentação.
Em síntese, na RMBH, a dinâmica empresarial consolida a segmentação socioespacial de um lado, através dos
grandes empreendimentos imobiliários, de estrutura diversificada, localizados em áreas de expansão a sul e,
mais recentemente, a norte, orientados para os segmentos de alta renda. Por outro lado, pode promover relativa
diversificação social nas periferias imediatas a oeste e norte, onde vão se mesclando camadas médias e
operárias, através da produção intensa de moradia caracterizada pelo adensamento construtivo e pelo pequeno
tamanho das unidades. No entanto, as áreas tradicionalmente precárias mantêm-se como locus da produção
informal, à qual se agrega a produção privada no âmbito do PMCMV.
Para que fosse possível uma compreensão cronológica objetiva da evolução dos entornos próximos dos
empreendimentos em estudo nos seis municípios selecionados, o universo de análise foi reduzido àqueles
empreendimentos que já se encontravam habitados. Entre os 15 grupos de empreendimentos estudados nos seis
municípios selecionados, 8 haviam sido entregues até novembro de 2013. Para cada grupo de empreendimentos
entregues foi produzida uma linha do tempo utilizando imagens aéreas disponibilizadas pelo Google Earth (ver
INFG_4.11 até INFG_4.17 Histórico entorno dos empreendimentos). Foi selecionada uma imagem representativa
do entorno de cada empreendimento, por ano, de 2007 a 2014, sempre que disponíveis. As imagens
selecionadas foram capturadas preferencialmente durante os meses de inverno, com objetivo de que houvesse
uma periodicidade aproximada de 1 ano entre as mesmas. Em seguida, foram demarcadas em todas as imagens
coletadas, os locais onde seriam implantadas as unidades habitacionais e, a partir de uma comparação com a
54
Argumentos desenvolvidos a partir de Costa e Mendonça, (2012) e Mendonça, Costa e Borges (no prelo).
37
imagem do ano anterior, as áreas onde foram observadas transformações no território. Foram observadas
transformações que se assemelhavam visualmente a “construção / movimentação de terra”, “implantação de nova
via / asfaltamento”, “nova edificação / adensamento construtivo” e “novo empreendimento PMCMV Faixa 2”. As
transformações identificadas através de observações em campo e/ou entrevistas, mesmo que não fossem
visíveis através das imagens aéreas, foram também demarcadas. Finalmente, foram destacadas nas linhas do
tempo as datas de lançamento do PMCMV (março de 2009) e de contratação e entrega de cada
empreendimento.
Os resultados revelados por este procedimento permitem três observações gerais: a implantação dos
empreendimentos PMCMV muitas vezes consiste não em uma inflexão, mas em uma continuidade de processos
prévios de expansão e adensamento de periferias tradicionalmente populares; a previsível relevância do porte
dos empreendimentos e de sua característica monofuncional como impulsionadores de novas transformações do
território em seu entorno; e uma possível tendência de surgimento simultâneo ou posterior de empreendimentos
Faixa 2 no entorno dos empreendimentos Faixa 1.
Os empreendimentos em estudo tiveram seus contratos assinados no período entre dezembro de 2009 e
dezembro de 2010 (todos durante a Fase 1 do PMCMV – ver Eixo 1), com um prazo de dois a três anos até a
entrega das unidades. Estes dois momentos são essenciais para o entendimento da influência dos
empreendimentos sobre seu entorno. A contratação possibilita especulações e consequente aumento do preço
da terra, em relação ao seu entorno, enquanto o momento da entrega das unidades significa a presença de novas
famílias e, consequente aumento da demanda por equipamentos, comércio e serviços.
Os residenciais Laranjeiras, em Vespasiano; São Luiz e Vista Alegre, em Contagem; e Palmeiras e Baviera, em
Betim, foram implantados em contextos que já apresentavam características de um processo de urbanização
relativamente consolidado, em geral de baixa renda, muitos inclusive apresentando outros conjuntos
habitacionais anteriores ao próprio lançamento do PMCMV. Portanto, as possíveis transformações provocadas
pelos empreendimentos em seu entorno são menos perceptíveis através da análise de imagens aéreas. As
transformações mais representativas do território, durante período analisado, foram observadas no entorno do
grupo de empreendimentos Jardim Vitória, em Belo Horizonte, do grupo de empreendimentos Vila Verde, em
Betim e do Residencial Alterosas, em Ribeirão das Neves. Tratam-se de três processos com características
distintas, mas que poderiam ser caracterizados como processos de expansão de fronteiras urbanas, com
diferentes níveis de influência dos próprios empreendimentos sobre esta expansão em si.
O Residencial Alterosas - maior empreendimento em estudo, com um total de 1640 unidades habitacionais - foi
implantado às margens de uma mancha urbana consolidada, o Bairro Veneza, em Ribeirão das Neves. O sistema
viário do local de implantação do empreendimento é preexistente, caracterizando um processo prévio de
38
parcelamento do solo. No entanto, sua influência sobre o processo de adensamento construtivo das quadras
adjacentes é inegável. Algumas construções e surgimento de novas edificações podem ser observados ainda no
período entre a contratação e a entrega das unidades - em 2011 e 2012 - e, na imagem de 2013, capturada
apenas dois meses após a entrega do empreendimento, elas despontam numerosamente em seu entorno. Como
pôde ser observado em campo, estas edificações consistem, em sua maioria, em pequenos estabelecimentos
comerciais, deixando evidente a relevância do porte de um empreendimento absolutamente monofuncional como
atrativo para novas transformações do território em seu entorno.
O espaço de inserção do grupo de empreendimentos Vila Verde - com um total de 420 unidades habitacionais era, até 2008, uma grande gleba vazia, com algumas vias não pavimentadas e trechos de expressiva vegetação
de grande porte, próxima ao Bairro Cruzeiro, no município de Betim. No entanto, ainda em 2009, antes da
contratação dos seis residenciais Vila Verde, as vias preexistentes são asfaltadas e prolongadas para criar, além
dos locais de implantação dos empreendimentos, o que aparentam ser três novos loteamentos, dois deles de
proporções consideráveis, sugerindo a importância de se acompanhar a evolução de tais empreendimentos. Esta
alteração estruturante anterior à contratação dos empreendimentos, difere do que foi observado no Jardim Vitória,
detalhado em sequência. Da mesma maneira, o rápido processo de adensamento destes novos loteamentos
parece ocorrer de forma simultânea à implantação do empreendimento e não posterior. Esta cronologia torna
difícil o estabelecimento de uma conexão direta da influência do empreendimento sobre as transformações em
seu entorno, evidenciando uma das deduções mencionadas anteriormente: a implantação dos empreendimentos
PMCMV não como uma inflexão, mas uma continuidade de processos prévios de expansão e adensamento de
periferias.
O processo de transformação do entorno do grupo de empreendimentos localizados no bairro Jardim Vitória,
composto por cinco residenciais - Hibisco, Figueiras, Beija Flor, Esplêndido e Canários - com um total de 1470
unidades habitacionais, também parte de uma região vazia. Segundo entrevista com representante da construtora
Emccamp55, responsável pelo conjunto de empreendimentos, a gleba pertencia à família de um dos sócios da
própria construtora. Como pode ser observado através das imagens, o processo de expansão urbana na direção
em que seriam implantados os empreendimentos se inicia ainda em 2008, antes do lançamento do PMCMV, e
pode ser verificado pela pavimentação e início do processo de adensamento no bairro imediatamente ao sul da
gleba. Este tipo de observação também permite considerar a implantação do empreendimento em si como uma
continuidade de processos prévios de expansão de periferias. Até 2011, enquanto o processo de adensamento
se intensifica no bairro ao sul, a gleba em si apresenta apenas algumas vias não pavimentadas e trechos com
55 QUINTÃO DE FREITAS, Camila. Gerente de projetos do PMCMV na construtora Emccamp. Entrevista concedida à equipe do
PRAXIS. Belo Horizonte, fevereiro 2014.
39
expressiva vegetação de grande porte. A implantação dos empreendimentos traz consigo além de um novo
sistema viário - caracterizando um possível processo paralelo de parcelamento do solo -, um empreendimento
Faixa 2, o Residencial Oliveira, com 480 unidades habitacionais, da mesma construtora56. Provavelmente não por
acaso, o local de implantação do empreendimento Faixa 2 - que visualmente difere dos Faixa 1 apenas na cor
escolhida para a pintura das fachadas -, é o mais próximo da mancha urbana preexistente e da saída do Bairro
pela BR-381, importante via de ligação de Belo Horizonte com a região leste do estado. A justificativa para esta
configuração parece ser, de fato, uma estratégia de valorização imobiliária, em que os empreendimentos Faixa 1
mais ao norte atrairiam o processo de ocupação, valorizando o território urbano de inserção do empreendimento
Faixa 2. É curioso observar também que, alguns meses após a entrega das unidades, as margens do novo
sistema viário começam a ser ocupadas aparentemente por edificações residenciais horizontais unifamiliares e
não por estabelecimentos comerciais, como esperado e observado no entorno do Residencial Alterosas.
Fenômeno bastante peculiar cuja justificativa pode ser algum tipo de restrição de uso.
Aparentemente, a implantação do empreendimento Faixa 2 na região do Jardim Vitória teria ocorrido
simultaneamente à dos empreendimentos Faixa 1. O mesmo teria acontecido no entorno do Residencial São
Luiz, em Contagem. Enquanto para o entorno dos empreendimentos Vista Alegre (Contagem), e dos residenciais
Baviera e Parque das Palmeiras (Betim), empreendimentos Faixa 2 aparecem ou são anunciados algum tempo
após a entrega das unidades faixa 1. Ambas as circunstâncias permitem a construção de uma hipótese: a
existência de uma estratégia de valorização imobiliária relacionada à implantação adjacente de empreendimentos
para faixas de renda distintas. Do ponto de vista da diversidade urbana, o resultado pode ser positivo, ou pelo
menos melhor do que a homogeneidade de faixas de baixa renda apenas e a não atratividade de outras
atividades para a região.
Não há dúvidas de que o lucro da empresa construtora com a implantação de empreendimentos para a Faixa 2 é
superior quando comparado àquele obtido com empreendimentos para Faixa 1.57 Assim, tem-se um possível
artifício de valorização da terra: a implantação do empreendimento Faixa 1, que tem retorno garantido pelo
subsídio federal, atrai o processo de urbanização e, consequentemente, valoriza uma região para a subsequente
implantação do empreendimento Faixa 2 (ou outro tipo de empreendimento), mais lucrativo, mas dependente do
interesse pelo mercado. No caso da RMBH, esta relação direta pode ser apontada apenas no caso do Jardim
Vitória, uma vez que o entorno dos demais empreendimentos em que foi observada subsequente implantação de
residenciais Faixa 2, já apresentava características de um processo de urbanização consolidado.
56
57
Dados obtidos através do site da Emccamp: http://www.emccamp.com.br - acesso em junho/ 2014.
Afirmações feitas por representantes das construtoras entrevistadas: Emccamp, Direcional Engenharia e Construtora Habit.
40
Neste contexto, é interessante destacar como contraponto o caso dos residenciais Ipê e Hibisco, que possuem
um total de 400 unidades habitacionais, localizados no município de Caeté. Basicamente, a única transformação
do território no espaço de inserção destes empreendimentos desde 2009 foi sua própria implantação. Seu
entorno vazio e ermo, permaneceu vazio e ermo, o que foi observado na análise cronológica de imagens aéreas
e também nos depoimentos obtidos e observações realizadas em campo. O estado de isolamento desses
residenciais, em um município de dimensões reduzidas em comparação aos demais selecionados58, parece se
refletir, inclusive, na formação de um forte estigma em relação aos seus moradores. Nesse sentido, o porte e o
grau de integração do município de Caeté com as dinâmicas metropolitanas, ambos reduzidos, permite uma
especulação a respeito da produção pelo PMCMV em municípios externos à RMBH com uma perspectiva
bastante preocupante, particularmente quando o empreendimento encontra-se muito distante e/ou dissociado das
áreas urbanas consolidadas, como ocorre em Caeté.
REFERÊNCIAS
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COSTA, Heloisa Soares de Moura; MENDONÇA, Jupira Gomes de. Novidades e permanências na produção do espaço da
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DINIZ, Alexandre Magno Alves; ANDRADE, Luciana Teixeira de. Metropolização e hierarquização das relações entre os
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14/06/2014.
GOMES, Sérgio Moraleida. In: SEMINÁRIO NOVA PLANTA GENÉRICA DE VALORES E MODELOS DE AVALIAÇÃO. Belo
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MENDONÇA, Jupira Gomes de. Estrutura socioespacial da RMBH nos anos 2000: há algo de novo? In, ANDRADE, Luciana
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Estudos Avaliativos na RMBH (PRAXIS/EA