Enzimologia
Prof. Dr. Francisco Prosdocimi
A vida e a energia para a vida
• Duas condições fundamentais:
1.
2.
Autorreplicação
Metabolismo
• Catálise enzimática
• A queima de açúcares é a principal forma
segundo a qual retiramos energia do
meio ambiente para vivermos
• Um saco de açúcar pode permanecer anos na prateleira do supermercado
– A prateleira não tem enzimas!
• Nos animais, a glicose libera sua energia
química em segundos
– Reações catalíticas promovem a oxidação
da glicose ao quebrar ligações químicas que
armazenam energia
Participam das vias bioquímicas
• Enzimas realizam o controle preciso do metabolismo
celular
• O metabolismo energético
é um dos principais
temas de estudo
da bioquímica
• Permitem resposta
e adaptação a um
meio em mudança
O que são as enzimas?
• Proteínas notáveis, altamente especializadas
– Alto grau de especificidade com substratos
• Poder catalítico extraordinário
– Muito maior do que catalisadores sintéticos
• Aceleram reações químicas
– Em condições suaves de temperatura e pH
• São o centro e o objeto de estudo principal da
bioquímica
– Atuando de forma organizada catalisam
centenas de reações que degradam as
moléculas dos nutrientes e conservam suas
energias
• Doenças ocorrem quando elas não funcionam
bem
• Como os cientistas descobriram as enzimas?
Um pouco de história...
LOUIS PASTEUR
 1835: Berzelius, conceito de catálise
 1885: fermentação do acúcar por lêvedos,
gerando álcool
Louis Pasteur
1822-1895
 Vitalismo: o mágico élan vital
 1896: Edward Buchner consegue fermentar o açúcar num
extrato de lêvedo sem vida!
 Fermentos, portanto, catalisavam reações químicas (açúcar a
álcool) – biocatalisadores
 Enzima vem do grego εν ζυμη, cuja tradução é “no lêvedo”
EMIL FISCHER
 Sacarase
 Quebra da sacarose em glicose e frutose
Hermann Emil Fischer
1852 - 1919
 Produziu diversos análogos de sacarose para
testar se a enzima funcionava
 Determinadas mutações tornavam os análogos
resistentes à sacarase
 Modelo de ação enzimática
chave-e-fechadura
Enzimas são proteínas?
 Qual a natureza das enzimas?
 O químico orgânico alemão Richard
James Batcheller Sumner
Willstätter (1872–1942) – ganhador do
1887-1955
Nobel pela estrutura da clorofila –
conseguiu separar o componente enzimático de um
preparado biológico e não encontrou nenhuma proteína!
 1926 (EUA) – J Summer cristaliza a urease e
conclui: enzimas são proteínas!
 Willstater criticou os resultados…
SIM!
Mas como funcionam?
 Kunitz e Northrop
 Eletroforese e centrifugação: enzimas
estão na fração protéica!
 Mesmo em quantidades proteícas
indetectáveis pelos métodos, as
enzimas continuavam tendo atividades
John Howard Northrop
1891-1987
 Como as milhares de reações catalíticas
eram possíveis a uma proteína?
Finalmente, Sanger
 1952
 Publica a primeira estrutura primária
de uma proteína: a Insulina, com 51
Frederick Sanger
aminoácidos
13 August 1918
 O trabalho mostrava também que a
estrutura das proteínas poderia ser
descrita pela sua sequência de aminoácidos, do N ao C
terminal
 A sequência, entretanto, não ajudava a prever a
função da proteína (antes da bioinformática)
CONCLUSÃO: HISTÓRIA DA BIOQUÍMICA
 As enzimas realizam reações catalíticas e transformam moléculas
umas nas outras
 Os organismos biológicos são ricos em enzimas e as enzimas
funcionam também fora dos organismos biológicos →
biotecnologia!
 As enzimas são proteínas formadas por polímeros de
aminoácidos
 A multiplicidade de função se dá pela interação tridimensional
formada (modelo chave-fechadura) por interações
não-covalentes a partir de uma série de
aminoácidos ligados covalentemente
(ligação peptídica)
>gi|386828|gb|AAA59172.1| insulin [Homo sapiens]
MALWMRLLPLLALLALWGPDPAAAFVNQHLCGSHLVEALYLVCGERGFFYTPKTR
REAEDLQVGQVELGGGPGAGSLQPLALEGSLQKRGIVEQCCTSICSLYQLENYCN
Toda enzima é proteína?!
• Não!, há alguns RNAs que
funcionam enquanto enzimas
também
• Componente químico adicional
necessário para a função
– Cofator: íons inorgânicos
– Coenzima: moléculas orgânicas
complexas
– Se liga muito firmemente: grupo
prostético
• Enzima completa: holoenzima
– Parte protéica: apoenzima ou
apoproteína
Nomenclaturase das enzimases
• Normalmente se adiciona o sufixo ase ao nome do
substrato ou à atividade realizada
– Urease – hidrolisa a uréia
– DNA-polimerase – polimeriza DNA
– Pepsina – pepsis vem do grego (digestão)
• Sistema de classificação
enzimático – EC number
– Quatro números: 2.7.1.1
•
•
•
•
2: transferase
7: fosfotransferase
1: transfere P para grupo OH1: tem D-glicose com aceptor
Reação enzimática
• Reação se dá em fases:
• Enzima aumenta a velocidade das reações
• Os catalisadores aumentam a velocidade das
reações por que diminuem a energia de ativação
Equilíbrio químico
• As enzimas realizam, muitas
vezes, as reações nos dois
sentidos
• A concentração de substratos e
produtos é o que define a
velocidade das reações
• Poder catalítico das enzimas vem
da energia livre liberada na
formação de ligações fracas
quando da interação enzimasubstrato
– Interações fracas entre ES são
otimizadas no estado de transição
•
Pauling (1946):
Enzima deve ser
complementar ao
Estado de
transição (ET),
não ao substrato
•
ET não é forma
estável
•
Interações fracas
entre a enzima e
o substrato
propulsionam a
catálise
enzimática
•
Necessidade de
múltiplas
interações fracas
explica pq alguns
prots são tão
grandes
Bastonase
Estabiliza o
substrato
Especificidade enzimática
• Deriva da formação de
múltiplas interações fracas
entre a enzima e a
molécula do substrato
específico
• Redução da entropia pela
ligação
– Dessolvatação do substrato
– Ajuste induzido, proteína
tbm muda de conformação
Grupos catalíticos
• Catálise geral ácido-base
– Transferência de prótons
• Catálise covalente
– Formação de lig. covalente
transitória entre E e S
• Ativação do substrato
• Catálise por íons metálicos
– Estabilizam estados de transição
– 1/3 das enzimas conhecidas usam íons
metálicos nas reações catalíticas
• Enzimas muitas vezes usam as três
estratégias de catálise em conjunto -quimiotripsina
Cinética enzimática
• Experimentos de mutagênese sítiodirigida permite que os
pesquisadores investiguem o papel
de cada aminoácido na função
protéica
• A concentração do substrato [S] influi
na velocidade das reações catalisadas
por enzimas
• Velocidade máxima é abstraída para
concentrações excessivas de
Substrato
• Constante de Michaelis
– kM = [S] correspondente a ½ Vmax;
Reações com 2 ou mais substratos
• Enzimas podem formar os
chamados complexos ternários
ou realizar as reações umadepois-da-outra
• Velocidade das reações
químicas depende também da
faixa de pH
– Maior velocidade está
normalmente associada ao pH do
ambiente onde a enzima atua
Inibição reversível
• Inibição competitiva
– Inibidor compete pela ligação ao sítio
ativo
• A ligação do inibidor altera os
parâmetros cinéticos, tornando a
reação mais lenta
• Os inibidores irreversíveis ligam-se
covalentemente ou destroem
grupos funcionais da enzima
– Podem ser usados como drogas
Exemplos de reações enzimáticas
• Quimiotripsina
• Lisozima
• Hexocinase
• Enolase
• Beta-lactamases
• Proteases do HIV
A quimiotripsina
• Catalisa a hidrólise de ligações peptídicas
adjacentes a aminoácidos aromáticos
(Trp, Phe, Tyr)
• Forma intermediário acil-enzima
covalente
A hexocinase
• Sofre um ajuste induzido quando ligada ao substrato
• Fosforila um resíduo de glicose
• Primeiro passo da via glicolítica
• Adição de Xilose “engana” a enzima e faz com que
ela fosforile a água
A enolase
• Realiza desidratação reversível
de 2-fosfoglicertato a
fosfoenolpiruvato
– Dímero com 436aa
• Catálise geral ácido base +
estabilização do estado de
transição
– Interações estabilizam
intermediário (enolato)
– Ligações de H com outros aa’s do
sítio ativo contribuem para o
mecanismo geral
A lisozima
• Agente antibacteriano
natural encontrado nas
lágrimas e clara de ovo
– Peptideoglicano da
parede de bactérias é seu
substrato
• Constituinte da parede
microbiana que protege da
lise osmótica
– Enzima rompe ligação
glicosídica
• Monômero com 129 aa’s
• Mecanismo específico
de ação enzimática ainda
é controverso
“mesmo uma infinidade de experimentos não pode
provar que algo esteja certo, mas um único
experimento pode provar que está errado”.
Albert Einstein
Medicamentos
• Muitos são inibidores de enzimas são
usados para tratar doenças; desde as
dores de cabeça até a AIDS
• Penicilina (Alexander Fleming, 1928)
– Peptideoglicano: polímero de açúcares
e D-aa’s da parede bacteriana
– Penicilina interfere na síntese do
peptideo glicano ao mimetizar um
segmento D-Ala-D-Ala
– Inibem reação de transpeptidase
Os Beta-lactâmicos
• Penicilina: degradada no
ambiente do estômago
• Penicilina V: estável em meio ácido
pode ser administrada em via oral
• Amoxilina: ampla faixa de ação;
antibiótico β-lactâmico + prescrito
• O ataque da Ser à porção amida do
anel leva a um produto acil-enzima
que é praticamente irreversível
– Transpeptidase inativa!
– Bloqueia síntese da parede bacteriana
• Rompe-se devido à pressão osmótica
As Beta-lactamases
• Enzimas que quebram o anel
beta-lactâmico das penicilinas
• Disseminaram-se em bactérias
submetidas à pressão seletiva
– O mau uso dos antibióticos
Guerra contra as bactérias
• Acido clavulânico: inativa
irreversivelmente as Beta-lactamases
• Clavulin: amoxilina + ácido
clavulânico
• Foram encontradas bactérias
resistentes ao ácido clavulânico...
• Desenvolvimento e descoberta de
novos antibióticos é uma indústria
em crescimento
Os antivirais: (1) o que é um vírus?
• Anatomia molecular viral
– Ácido nucléico envolto por uma capa protetora feita de
proteínas (capsídeo)
– Uma única molécula de ácido nucléico de fita simples ou
dupla (fita positiva ou negativa)
• Genomas compactos
– Contêm apenas as proteínas
necessárias à replicação viral
– Genomas da ordem de Kb
Parasitismo intra-celular
• O vírus não tem metabolismo próprio
– Não é um organismo de vida-livre
– Parasita intra-celular obrigatório
• Forma de cristal
• Sequestra a maquinaria molecular da célula
– Mecanismo moleculares de
produção preferencial dos
genes virais (fator sigma
próprio e específico)
Variedades virais
• Vírus de DNA
– Precisam chegar ao núcleo para serem primeiramente
transcritos em RNA
• Vírus de RNA
– Podem atuar no citoplasma
• Vírus de RNA com transcrição reversa
– Acontece a transcrição reversa do RNA
em DNA e o DNA é normalmente
integrado ao genoma do hospedeiro
HIV
• SIDA: Síndrome da imunodeficiência humana
– Pandemia
– Matou 25 milhões de pessoas nos últimos 25 anos
• Retrovírus (lentivirus)
– 2 cópias de um RNA fita simples (fita +)
– Nove genes
– Capsídeo é formado por cerca de 2000 proteínas p24
• 0,6% da população humana está infectada
AZT (azidotimidina)
• Mimetiza um nucleotídeo de timina
– Azida no lugar de hidroxila
• Prejudica a ação da transcriptase reversa
• Atrasa o desenvolvimento dos vírus, ainda que,
aos poucos o vírus se torne resistente
Transcriptase reversa
mutante passa a não
reconhecer mais o AZT
Outros tratamentos
• Inibidores de protease
– Impedem a protease do HIV de clivar as proteínas produzindo
componentes maduros
• Inibidores de integrase
– Impedem o vírus de integrar seu DNA no genoma do hospedeiro
• Inibidores de fusão
– Interferem nas proteínas gp120 e gp41 ou bloqueiam receptores
celulares de ligação ao HIV
• Coquetel anti-AIDS
– dificulta a adaptação do vírus a várias frentes moleculares de
ataque, diminui comprovadamente o número de vírus no
sangue
Proteases do HIV
• O RNA do vírus é traduzido em grandes proteínas
– Essas proteínas precisam ser hidrolisadas em
proteínas individuais do capsídeo
• A protease do HIV é uma aspartil-protease
– 2 resíduos de Asp facilitam ataque da água à
ligação peptídica
Inibidores de proteases
•
•
•
Drogas que formam complexos não-covalentes
com a protease do HIV
– Ligam-se fortemente: praticamente
irreversíveis
Cadeia principal com grupo hidroxil próximo a
grupo benzil
– Grupo hidroxil mimetiza a água
– Resto da estrutura encaixa nas fendas da
enzima
Estrutura planejada para ser análoga ao estado de
transição
– Sucesso terapêutico
– Aumentou longevidade e qualidade de vida
dos doentes
Enzimas regulatórias
• Possui atividade catalítica aumentada
ou diminuída em resposta a certos
sinais
– Ajustes na velocidade da via
metabólica permite que as células se
adaptem a condições em variação
• Tipos mais comuns
– Enzimas alostéricas (ligações
reversíveis a compostos)
– Modificações covalentes
– Ativadas por remoção de segmentos
peptídicos (irreversível)
• Subunidade regulatória é
normalmente diferente da subunidade
catalítica
Enzimas alostéricas
• Homotrópicas: o ativador é o próprio substrato
(hemoglobina)
• Heterotrópicas: outro ativador
• Enzimas alostéricas
– Mais de um sítio regulatório
• Cada um específico para um regulador
• Aspartato-transcarbamoilase
– 12 cadeias polipeptídicas
– Azul: catalíticas
– Vermelho/Amarelo: regulatórias
Enzimas alostéricas são
reguladoras
• ... de vias bioquímicas
• Normalmente são o primeiro passo da
via
– “economiza” a execução das outras
reações
– Único passo de regulação da via
• Inibição por retroalimentação: São
inibidas pelo produto do último passo
• Inibição alostérica heterotrópica
Regulação por modificações
covalentes
• 500 tipos diferentes Modificações póstraducionais covalentes já foram descritos
• Proteínas inteiras podem ser adicionados
como a ubiquitina e a sumo
– Ubiquitinilação marca proteína para degradação
– Sumoilação é encontrada em proteínas nucleares
• Mudanças substanciais afetam de forma
significativa a função da enzima
• Fosforilação é a mudança mais comum
– Podem haver vários sítios fosforiláveis
Proteínas cinases e fosfatases
• Cinases: adicionam grupo fosforil
a resíduos de Ser, Thr ou Tyr
– Básicas: fosforilam resíduos
de vizinhança básica
– Preferências por resíduos
próximos a Pro
• Atómos de O2 do grupo fosforil
podem fazer pontes de H com
outras regiões da proteína
– Reestabiliza a proteína
estruturalmente
• Atuam em cascatas de
sinalização celular
Cinases sítio-específicas
• Fosforilações são sítioespecíficas
• Cada enzima reconhece
uma ordem de
aminoácidos e fosforila
resíduos de S, T ou Y
• Sítio de reconhecimento
• Sítio de fosforilação
Fosforilações múltiplas
• São possíveis e
permitem controle
requintado da
regulação
• Glicogênio sintase
– Catalisa a união de
glicoses para formar
glicogênio
– Fosforila em vários
sítios (ver figura)
Proteólise de precursores
• Proteases não podem ser
produzidas em estado ativo
– Do contrário destruiriam as
proteínas celulares...
• Zimogênios são precursores
das proteínases
– Só funcionam depois da
ativação por proteínas
– Ativação irreversível
• Mecanismo de produção de
pró-proteínas ou próenzimas
Conclusões
• A atividade das vias metabólicas é regulada pelo
controle da atividade de certas enzimas
• O conhecimento do mecanismo de ação das enzimas
permite desenvolver medicamentos que inibam essa
ação
• A inibição de uma enzima pode ser reversível,
competitiva
• Os principais mecanismos de catálise são: ácido-básica,
covalente e por íons metálicos
• As enzimas são catalisadores eficazes, aumentando a
velocidade de ocorrência de uma reação
• Aula baseada
no livro do Lehninger
(Nelson e Cox)
• Capítulo 6
Enzimas
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