capítulo
1
A ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL:
COMO CHEGAMOS ATÉ AQUI
Marcelo Garcia
Marcelo Garcia é assistente social. Exerceu a Gestão Social
Nacional, Estadual e Municipal. Atualmente é professor em
cursos livres, de extensão e especialização, além de diretor
executivo da Consultoria Agenda Social e Cidades. Desde
2009 trabalha e estuda de forma continuada estratégias
para combater a pobreza. Escreve diariamente para o site
<http://www.marcelogarcia.com.br>.
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Para orientar sua leitura...
“A assistência social no Brasil: como chegamos até aqui” é um texto que nos convida a
refletir sobre um campo carregado de história, a partir do lugar que ocupamos nos diferentes
cenários do trabalho profissional.
A palavra “aqui”, utilizada pelo autor, é um advérbio e expressa uma circunstância de lugar.
“Aqui” é o contexto brasileiro, é o lugar do conhecimento, do pensamento e da intervenção
produzida. A conjugação do verbo “chegar” no presente do indicativo e na primeira pessoa do
plural – “chegamos” – nos inclui no processo e mostra uma ação em desenvolvimento, inacabada. O texto exprime, portanto, outros tempos e confirma que nenhum processo histórico
se constitui a partir dele mesmo. Refere-se a um antes, a um agora e a um depois. Assim,
várias temporalidades produzidas em movimentos mais amplos da sociedade (verificadas
a partir de políticas, práticas sociais, conceitos e projetos profissionais) estão presentes no
cotidiano da Política de Assistência Social.
Ao ler o texto, experimente escrever a história da assistência social que você conhece: elenque
os fatos que vivenciou; reflita sobre as circunstâncias políticas, econômicas e históricas em que
eles foram produzidos; relembre textos que leu; recupere conceitos e práticas; liste autores,
autoridades, lideranças políticas, técnicos, colegas de trabalho e usuários dos serviços que apontaram questões, propostas e desafios e, principalmente, reflita sobre o seu lugar nesse processo.
Esse exercício relaciona-se com a questão central que alicerça o texto: a assistência social
tal qual conhecemos hoje é e será sempre produto da história; retém e mantém parte das
experiências e dos valores acumulados e ao, mesmo tempo, institui, cria e inova seu próprio
campo de conhecimento, de normatização e de intervenção. Coexistem o antigo e o novo,
o instituído e o instituinte, o favor e o direito, a política de governo e a política de Estado, o
isolamento institucional e a noção de sistema de gestão etc. Mas o que move esses processos?
É a história dos sujeitos coletivos, inseridos em movimentos democráticos de controle social,
de resistência e luta política.
Com o texto em questão, aprenderemos que a assistência social como área de política de
Estado é condicionada pelo contexto em que foi gerada e carrega múltiplas determinações e
contradições. Cada período da história, cada governo, cada gestor(a) e trabalhador(a) da área
incorpora e acomoda (ou não) – em ritmos e níveis distintos – temas, saberes, diretrizes e
formas de execução. É importante você identificar esse movimento e encontrar nele possibilidades de mudança a partir de si e de seu circuito de relações e intervenções.
Note que o texto descreve os marcos da assistência social desde a Constituição de 1988 até
a Lei do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) de 2011 e apresenta elementos para
discussão das lacunas e tensões presentes na construção política desse campo.
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Como convite à leitura destacamos a referência do autor à Legião Brasileira de Assistência
(LBA), instituição criada em 1942 que introduziu a assistência social no âmbito governamental, deixando-a sob responsabilidade direta das primeiras-damas. Com mais de 50 anos
de existência, ela protagonizou avanços e retrocessos. Produziu um campo de práticas e de
trabalho profissional, gerou conhecimentos, firmou parcerias com entidades filantrópicas, se
fez presente nos âmbitos municipal, estadual e federal. Todo o seu acervo de conhecimentos e de práticas sociais foi extinto subitamente em 1995. O modo como isso aconteceu
revelou um desrespeito à memória institucional, à história e às demandas dos trabalhadores.
Contextualizar esse fato é fundamental para entender as decisões políticas dos governos e o
modo como se produz a gestão do trabalho.
Por fim, o autor desafia o(a) leitor(a) a promover de muitas formas o desejo de aprender, de
refletir, de acreditar e de mudar a história da assistência social a partir do seu cotidiano de
trabalho, na direção dos direitos de cidadania.
Ao ler o texto, procure relacioná-lo ao seu local de trabalho e pensar nas seguintes questões:
1. A assistência social no município/DRADS onde trabalho: como chegamos até aqui?
2.A dimensão legal (CF; LOAS; PNAS; NOB-SUAS; NOB-RH; Lei do SUAS) dá o direciona-
mento, estabelece a dimensão normativa e propositiva. Mas como se dá o manejo da
Política de Assistência Social nas prefeituras e nas DRADS? A lei como instrumento mobiliza competências e habilidades?
3.A assistência social cresceu em regulação, serviços, financiamento e número de trabalha-
dores, mas qual o significado e a direção desse crescimento?
4.No seu cotidiano de trabalho, você consegue analisar e redefinir metodologias e fun-
damentos daquilo que faz? Existe um espaço coletivo de reflexão no qual é possível
debater as concepções que orientam as intervenções e os efeitos políticos e sociais das
práticas produzidas?
5.Como incorporar no cotidiano do trabalho os temas, conceitos e diretrizes do SUAS?
Essa incorporação depende apenas de aquisições conceituais e políticas dos(as)
trabalhadores(as)?
6.O que já foi feito no seu local de trabalho para tirar a NOB-RH do SUAS da prateleira,
discuti-la e criar uma agenda para a gestão do trabalho?
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capítulo
1
A ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL:
COMO CHEGAMOS ATÉ AQUI
Pretendo compartilhar neste texto minha leitura sobre a
história da Política de Assistência Social no Brasil. E também
avaliar os caminhos que nos trouxeram até aqui e quais são os
desafios para que uma agenda possível, realista e concreta consolide a
assistência social como política pública, e não como estratégia utilizada
para fazer a gestão diária da pobreza.
Na soma de minhas leituras, vivências, percepções e estudos, resumo
um pouco do debate que venho fazendo com um grupo de assistentes
sociais, desde 1991, quando ainda era estudante do curso de serviço
social da Universidade Federal Fluminense.
Ao longo deste texto, serão comentados todos os artigos da Lei Orgânica
da Assistência Social, de modo a avançar na identificação de
uma linha histórica que leva a assistência social do campo
do favor para o campo do direito.
Marcelo Garcia
1.Filantropia e caridade:
o direito como favor
As práticas de proteção social não são recentes no Brasil. Mas essas ações, e mesmo
os programas voltados para a proteção, foram realizadas sempre sob o manto da
caridade, da solidariedade ou da filantropia, marcadas por uma “responsabilidade” de
fundo ético ou religioso.
A Constituição de 1988 deu uma enorme guinada em direção à concepção da proteção social como direito. A partir desse ano, a assistência social ganhou o status
constitucional de política de seguridade social, passando a ser um direito do cidadão,
e não um “favor” do Estado ou de entidades filantrópicas.
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A Constituição de 1988
deu uma enorme guinada
em direção à concepção da
proteção social como direito
Essa concepção, porém, só vai ser regulamentada na Lei Orgânica da Assistência
Social (LOAS), que, em 1993, consolida um novo modelo de proteção social para
o Brasil. Cinco anos depois da promulgação da Constituição, a LOAS traça novos
caminhos para viabilizar a estruturação de um sistema de garantia de direitos. No
entanto, o antigo demorou a dar lugar ao novo, e ainda permaneceu, como protagonista das ações na área, a antiga série histórica. A série histórica é constituída
de um conjunto de instituições que atuam de forma muito marcada por ações e
metodologias que não reconhecem o Estado como a inteligência do processo de
definição e condução das estratégias de proteção social.
Hoje, a Constituição já tem 23 anos e a LOAS completou 18, mas ainda falta
muito para que possamos consolidar a Política de Assistência Social como direito
universal, e não benesse pontual.
Vamos rever a história desde 1989 até hoje.
A Legião Brasileira de Assistência (LBA) ainda era uma estrutura muito sólida
quando a Constituição de 1988 foi promulgada. As estruturas estaduais e municipais eram dependentes de “lógicas” e arranjos políticos; dependiam dos recursos
financeiros da Legião e de seus programas totalmente centralizados, formulados
nos gabinetes em Brasília. A LBA cresceu tanto que ficou mais complexo e difícil
cuidar de sua estrutura do que da missão que a instituição precisava cumprir.
No entanto, é sempre oportuno lembrar que foi dentro da LBA que surgiram os
primeiros e principais debates que levaram os constituintes a entender que a
assistência social precisava ser compreendida e executada como um direito. A
LBA não foi apenas um espaço de clientelismo, politicagem e corrupção. Houve
muita vida inteligente nela pensando um novo caminho para a assistência social;
houve profissionais que formularam um caminho pelo qual a área deixasse de ser
refém dos projetos políticos eleitorais. Conheci muitos técnicos de qualidade na
LBA, que ajudaram a pensar e formular o texto da LOAS.
Entre 1988, então governo Sarney, e 1993, governo Itamar Franco, quando a
LOAS foi promulgada, muita água rolou sob a ponte que erguia uma política
de atendimento social. O governo Sarney propôs o Tudo pelo Social; o governo
Collor entregou aos brasileiros o Minha Gente e o governo Itamar criou os
Comitês de Cidadania.
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Esses programas nacionais foram criados como “marcas” para cada governante,
sem uma avaliação da diversidade social do país e sem um compromisso real com
a diminuição da pobreza. Todos traziam implícito, em sua divulgação e execução,
o viés da concessão, do favor ou da benesse. Essa característica pode ser atribuída
a governantes das três esferas de governo que sempre fizeram questão de personalizar ações sociais, vinculando seu nome a programas anunciados mais como
benesses do que como direito do cidadão. Além disso, havia o recorrente mau uso
da máquina pública, que vinha à tona na forma de escândalos, como no período
Collor, em que, sob a presidência da primeira-dama, a LBA se transformou em
caso crônico de polícia.
Esse foi um tempo em que os presidentes da LBA e os ministros da área social
ocupavam os cargos não por mérito ou por trazerem um projeto para gestão
social, mas por razões que eu diria que “a própria razão desconhece”.
2.Erros e acertos: a caminho da
consolidação do direito à proteção social
Em 7 de dezembro de 1993, a LOAS foi promulgada pelo presidente Itamar
Franco. Não foi fácil chegar ao texto final dessa lei. Muitas concessões precisaram
ser feitas para equacionar as estruturas históricas, consolidadas pela prática da
caridade, com uma nova estratégia que propunha a construção de uma rede de
proteção social sob a responsabilidade do Estado, de acordo com a Constituição
de 1988.
A primeira proposta de texto da LOAS nem sequer seguiu ao plenário do
Congresso Nacional, e, depois de uma longa negociação, foi produzido um “texto
possível”. De lá para cá, os caminhos para a consolidação do direito à proteção
social não têm sido simples, e muito menos fáceis de trilhar.
Em 1995, o presidente Fernando Henrique Cardoso extinguiu a LBA por decreto,
sem se preocupar em preencher o lugar vago. A LBA deveria acabar? Deveria
mudar? Muitos responderiam que sim a essas perguntas. Mas essas questões nem
sequer foram formuladas. Um decreto selou o destino de uma instituição histórica, extinguindo-a da noite para o dia, sem nenhum planejamento para garantir o
conhecimento acumulado durante décadas. Seus servidores foram redistribuídos,
inclusive para ministérios de outras áreas, e muitas histórias e experiências, que
deveriam ser registradas e consideradas, se perderam.
O fim da LBA poderia ter sido um ótimo momento para que Estados e municípios
criassem suas estruturas para as ações da área social, e isso seria possível com os
servidores da LBA e da Funabem. Mas, naquele distante 1995, o governo federal
dava sinais de que não acreditava no modelo de proteção social definido pela
LOAS, e não houve um plano para organizar e implantar estruturas que viabilizassem uma gestão de fato descentralizada.
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Com o fim da LBA, a assistência social se
vinculou ao recém-criado Ministério da
Previdência e Assistência Social (MPAS).
No Ministério, a Secretaria Nacional de
Assistência Social (SNAS) assumiu as atribuições e a missão da LBA e do também
extinto Ministério do Bem-Estar Social. A
Secretaria do MPAS acabou tendo dificuldade de encontrar um caminho inovador em
relação à atuação da LBA e, durante o ano
de 1995, tateou em busca de seus rumos.
Além disso, a secretaria convivia de perto
com um programa que se desenvolvia em
paralelo às ações governamentais na área
social – o Comunidade Solidária, sob o
comando da primeira-dama Ruth Cardoso.
garantiam o financiamento das entidades, antes feitos pela LBA, passaram a ser
realizados pelos Estados, mas os atores
continuaram praticamente os mesmos. A
confusão não foi pequena.
O Comunidade Solidária era definido como
inovador e revolucionário no fazer social,
pois propunha a participação de toda a
sociedade na construção de um projeto de
desenvolvimento local e atuava efetivamente no município, fomentando a mobilização social.
A partir desse ano, foi implantado o
Benefício da Prestação Continuada (BPC),
para idosos e portadores de deficiência, e
foi criado o Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil (Peti). A gestão na SNAS
de Lúcia Wânia, hoje senadora por Goiás,
teve o mérito fundamental de estruturar o processo de descentralização, que
começou pela estadualização e, por fim,
municipalização das ações. Sua gestão
também conduziu, no Conselho Nacional
de Assistência Social (CNAS), a aprovação da Política Nacional de Assistência
Social (PNAS) e a aprovação da Norma
Operacional Básica (NOB).
No entanto, a SNAS e o Comunidade
Solidária operaram separados por um
imenso abismo, divorciados em suas práticas
e concepções, sem dialogar. Sobretudo, não
refletiam o que a LOAS nos indicava.
Ainda em 1995, quando da extinção da
LBA, aconteceu em Brasília a I Conferência
Nacional de Assistência Social, prevista na
LOAS. A conferência havia sido convocada
pela presidência da República, e, em todo o
Brasil, foi iniciado um amplo debate, com a
efetiva participação da sociedade, sobre a
agenda necessária para consolidar a LOAS
e a Política de Assistência Social, que, nesse
momento, ganhava seus primeiros contornos como direito, e não como favor.
No ano seguinte, 1996, começou o processo de estadualização da assistência
social, ainda totalmente contaminado
pelos procedimentos antigos e pela
série histórica da LBA. Os convênios que
Apesar disso, 1996 foi um ano importante
para a assistência social, pois demarcou,
mesmo com dificuldades e contradições,
o abandono do modelo da antiga, histórica e “imexível” Rede de Serviços de Ação
Continuada, a rede SAC – formatada para
o atendimento em creches, asilos, abrigos
e centros de reabilitação para pessoas com
deficiência –, em direção à busca de novas
ideias e estratégias de proteção social.
É muito importante destacar também que
tanto o BPC quanto o Peti nasceram com
liberdade em relação à rede SAC.
Em 1997, foi realizada a II Conferência
Nacional de Assistência, mas em caráter
extraordinário e com mais dificuldades de
mobilização social do que a primeira.
Em 1999, a SNAS transformou-se em
Secretaria de Estado de Assistência Social
(SEAS), com status de ministério. A gestão
da secretária de Estado Wanda Engel foi
então marcada pela ampliação do processo
de municipalização; pelo aumento em
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em todo o brasil,
foi iniciado um amplo debate,
com a efetiva participação
da sociedade, sobre a agenda
necessária para consolidar
a LOAS e a Política de
Assistência Social, que, nesse
momento, ganhava seus
primeiros contornos como
direito, e não como favor
larga escala do Peti; pela diminuição da
idade mínima para ter direito de acesso
ao BPC, que caiu de 70 para 67 anos; pela
criação dos núcleos de apoio à família,
hoje Centros de Referência de Assistência
Social; e pela criação do Programa Agente
Jovem de Desenvolvimento Social e
Humano (PAJDSH).
A SEAS coordenou também o Projeto
Alvorada, um pacto nacional contra a
pobreza, que envolve diferentes ministérios. A secretária Wanda Engel exercia,
então, uma forte liderança no processo de
qualificação de programas e projetos de
combate à pobreza. Em sua gestão foi instalada a Comissão Intergestores Tripartite
(CIT), que teve como seu primeiro coordenador o secretário de Políticas Sociais
Álvaro Machado. Também foram criadas
as Comissões Intergestores Bipartites em
todos os Estados.
A gestão da SEAS, entre 1999 e 2002,
avançou bastante e alicerçou muitas das
bases da atual Política Nacional de Assistência Social (PNAS).
No entanto, no primeiro ano da secretaria, em 1999, a III Conferência Nacional
de Assistência Social não foi convocada, gerando um grande desgaste entre
o governo federal e os movimentos que
defendiam o fortalecimento da assistência
social. Apenas dois anos depois, em 2001,
aconteceria essa III Conferência, na qual
ficou evidente que a antiga luta entre as
práticas da caridade, do voluntariado e da
solidariedade e as novas concepções da
proteção estatal como direito continuava
viva. Nesse momento, os dois lados entram
em sua maior rota de colisão desde a promulgação da LOAS. A III Conferência deixou marcas profundas e disputas acirradas
que só foram resolvidas (se é que o foram)
no movimento pelo Projeto de Lei SUAS, a
partir de 2008.
A gestão da SEAS entre 1999 e 2002, apesar dos avanços, cometeu alguns equívocos, e o principal deles talvez tenha sido
a municipalização aprisionada por programas sociais federais. Sempre defendi
uma municipalização mais ampla, mas o
governo acreditava na descentralização do
financiamento, e não na liberdade federativa para que os municípios pudessem definir suas próprias ações.
Foi nesse período que o governo federal
definiu a unificação das transferências de
renda num único cartão, a partir de um
único cadastro, o CadÚnico. A partir daí,
os municípios foram transformados em
meros cadastradores do governo federal. A unificação era muito importante,
mas foi entendida de forma errada tanto
pelos gestores federais como pelos gestores municipais.
Em 2003, com o novo governo eleito,
foi criado o Ministério da Assistência e
Promoção Social, e o comando foi delegado à ex-governadora do Rio de Janeiro,
Benedita da Silva. Foi um ano de profundos retrocessos na política de assistência.
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Boas ações e processos adequados, já consolidados, foram desarticulados apenas
porque eram do governo anterior. O grupo que estava no comando do ministério
não era o grupo histórico na área, comprometido com o debate da Constituição,
da LOAS e com o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que estava nascendo. Durante essa gestão, a CIT quase não se reuniu, os pagamentos atrasavam
e o CNAS manifestava sérias preocupações com o andamento da Política de
Assistência Social.
A gestão foi tão marcada pela ineficiência, que levou o governo a interferir para
mudar rumos e estratégias. Além de tudo isso, o Programa Bolsa Família, que
seria a marca do governo no combate à pobreza, ia sendo construído fora do
Ministério da Assistência Social.
Nesse ano de 2003, bastante complexo para a área, foi realizada, em dezembro,
a IV Conferência Nacional de Assistência Social. Foi aí que o SUAS nasceu com
força, aprovado a partir de uma mobilização ampla e coesa na conferência.
Estávamos vivendo um sonho: tínhamos nosso Ministério da Assistência. Mas o
sonho durou pouco e, em janeiro de 2004, o ministério foi extinto.
3. Apressando o passo:
Sistema Único de Assistência Social
Com a aprovação do SUAS, a criação do Bolsa Família, o fracasso do Fome Zero
e a urgência de uma política social unificada e forte, foi criado, logo a seguir,
ainda no início de 2004, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome (MDS), que passou a ser comandado pelo ex-prefeito de Belo Horizonte e
deputado federal Patrus Ananias.
Nesse mesmo ano, chegam à gestão nacional os maiores responsáveis pelo
debate que garantiu que a assistência social fosse inserida no conjunto do
sistema de seguridade social, na Constituição de 1988. Foi esse grupo também
que estruturou o texto da LOAS, em 1993.
E o MDS foi rápido. Unificou os programas sociais que estavam dispersos
em vários ministérios e montou uma equipe integrada por profissionais que
historicamente defendiam a assistência social. Foram aprovadas pelo CNAS
a Nova Política Nacional de Assistência Social e também uma nova Norma
Operacional Básica, a NOB/SUAS.
A NOB/SUAS é responsável por avanços significativos, como a implantação
dos pisos de proteção no financiamento da assistência social e o respeito
à diversidade nacional, mas é preciso apontar que, nos últimos três anos,
até hoje, a agenda federal ainda permanece como prioridade na Política de
Assistência Social.
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Estávamos vivendo um sonho:
tínhamos nosso Ministério da Assistência.
Mas o sonho durou pouco e, em janeiro
de 2004, o ministério foi extinto
No entanto, também não posso deixar de
declarar que o MDS tem sido fundamental para os municípios. Costumo dizer que
o financiamento do MDS não pode ser o
ponto de chegada, e sim o ponto de partida
para as ações locais da assistência, mas o
que ocorre de fato é que o MDS é o grande
financiador da área em todo o Brasil.
exemplar e foi aplaudida de pé pela plateia por vários minutos. Ana deu o tom da
VI Conferência: convocou a todos para um
momento de seriedade, responsabilidade
e mudança. A VI Conferência proporcionou
aos participantes um encontro profundo
com a responsabilidade do Estado no desenho e na condução da proteção social.
Na gestão do ministro Patrus Ananias, foi
realizada, em 2005, a V Conferência
Nacional de Assistência Social. A conferência aprovou o plano decenal da assistência social e apontou a urgência da
NOB de recursos humanos. A NOB-RH
acabou sendo pactuada na CIT e aprovada pelo CNAS no final de 2006.
O ano de 2008 representou uma espécie de
reta final para várias administrações municipais. O MDS comemorou quatro anos. Ao
mesmo tempo, o CNAS vivia seu momento
de maior crise. Foi justamente essa crise
que acelerou dois importantes avanços: o
Projeto de Lei de Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social (PL
CEBAS) e o Projeto de Lei do Sistema Único
de Assistência Social (PL SUAS).
Nessa gestão do MDS, a concentração da transferência de renda foi mant i d a , m a s o Co n s e l h o N a c i o n a l d e
Gestores Municipais de Assistência
Social (Congemas), em parceria com a
Secretaria Nacional de Renda e Cidadania
(Senarc), conduziu a negociação que
resultou na criação, em 2006, do Índice
de Gestão Descentralizada (IGD), que
mede a qualidade da gestão descentralizada do Bolsa Família e permite o repasse
de um recurso mensal para que os municípios aprimorem seus serviços no cadastro das famílias.
A VI Conferência Nacional de Assistência
Social aconteceu em 2007. O grande destaque da conferência foi a participação da
secretária nacional de assistência social
Ana Lígia Gomes, que fez uma palestra
Em 2009, a VII Conferência Nacional de
Assistência Social foi amplamente aberta
à participação de usuários – um momento
especial na história das conferências.
Em março de 2010, o ministro Patrus
Ananias deixa o ministério, e a professora
e assistente social Márcia Lopes, que havia
sido secretária nacional de assistência
social e secretária executiva, o assume.
Em 2011, assume o MDS a ministra
Teresa Campelo, com a responsabilidade de conduzir o Programa Brasil Sem
Miséria. É importante destacar, aqui, que
o Brasil Sem Miséria nasce fora da assistência social, mas vamos discutir essa
questão em outro texto.
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4. Marcos importantes da assistência social
1988 A nova Constituição Federal define o grande marco regulatório da Política de
Assistência Social (PAS). A assistência social é política pública de seguridade social,
não contributiva e direito do cidadão.
1993 Promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que regulamenta os
artigos da Constituição que tratam da questão.
1995 É implantado o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), substituindo o
Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS).
É realizada a I Conferência Nacional de Assistência Social, precedida de conferências municipais, regionais e estaduais.
1996 Experimenta-se o processo de estadualização dos repasses dos recursos do Fundo
Nacional de Assistência Social como etapa de transição para sua municipalização.
São implantados o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), já na lógica da descentralização e da articulação federada.
1997 Início do processo de municipalização das ações e dos recursos da Política Nacional
de Assistência Social (PNAS).
Aprovação, no CNAS, da primeira Política Nacional de Assistência Social. Também
é realizada a II Conferência Nacional de Assistência Social, precedida de conferências municipais, regionais e estaduais.
1998 Aprovação, no CNAS, da Norma Operacional Básica, conhecida como NOB 1.
Aprovação da segunda Política Nacional de Assistência Social pelo CNAS.
1999 Publicação da Norma Operacional Básica, conhecida como NOB 2, no CNAS; são
instaladas as Comissões Intergestores Tripartite (nacional) e Bipartites (estaduais).
Inicia-se a implantação dos núcleos de apoio à família, que, em 2004, serão definidos como Centros de Referência de Assistência Social (CRAS).
2001 III Conferência Nacional de Assistência Social, precedida de conferências municipais, regionais e estaduais.
Início do processo do Cadastro Único dos Programas Sociais (CadÚnico).
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2003 É aprovado, na IV Conferência Nacional de Assistência Social, o Sistema Único de
Assistência Social (SUAS).
2004 É aprovada pelo CNAS a segunda Política Nacional de Assistência Social, instituindo o SUAS.
2005 A Norma Operacional Básica é pactuada na Comissão Intergestores Tripartite (CIT)
e aprovada no CNAS após consulta pública e ampla discussão por todo o país.
O CNAS organiza amplo debate nacional sobre o Artigo 3º- da LOAS, buscando a
definição real para as entidades de assistência social.
As Comissões Intergestores Bipartites (CIB) habilitam os municípios aos novos
modelos de gestão (inicial, básica e plena); é aprovado o Plano Decenal – SUAS e
também os critérios e metas nacionais para o Pacto de Aprimoramento da Gestão
Estadual.
Ocorre a V Conferência Nacional de Assistência Social, precedida de conferências
municipais, regionais e estaduais. Nessa conferência é definida a fotografia da
assistência social e é aprovado o Plano Decenal da Assistência Social no Brasil.
2006 São aprovados a Norma Operacional de Recursos Humanos do Sistema Único de
Assistência Social, NOB-RH, e os critérios e as metas nacionais para o Pacto de
Aprimoramento da Gestão Estadual.
2007 Os Estados assinam com o governo federal os Pactos de Aprimoramento da
Gestão Estadual da Assistência Social.
Ocorre a VI Conferência Nacional de Assistência Social, precedida de conferências
municipais, regionais e estaduais.
2008 O PL CEBAS e o PL SUAS são encaminhados ao Congresso Nacional. Até aqui o
SUAS ainda não é lei.
2009 É publicada a Resolução nº- 109 (Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais)
após amplo debate e pactuação na CIT e aprovação no CNAS.
É realizada a VII Conferência Nacional de Assistência Social, precedida de conferências municipais, regionais e estaduais.
2010 O PL CEBAS é aprovado pelo Congresso e sancionado pelo presidente Lula.
2011 É lançado o Programa Brasil Sem Miséria com a coordenação geral do MDS.
O PL SUAS é aprovado pelo Congresso e sancionado pela presidenta Dilma.
O SUAS se torna lei.
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Mas ainda temos muita estrada para trilhar. Sugiro uma agenda a ser debatida:
1.Liberar os saldos nos fundos de assistência social municipais e estaduais, de 1996 a 2008,
por meio de medida provisória, para o fortalecimento da proteção básica, pois precisamos
avançar mais rapidamente na implantação dos CRAS.
2. Aumentar os recursos de serviços até 2015, pelo menos 5%, a cada ano.
3.Exigir dos Estados o Pacto de Aprimoramento da Gestão e que eles cofinanciem os
municípios por meio de pisos próprios de financiamento.
4. Apoiar os municípios no pagamento de servidores públicos para a implantação do SUAS.
5. Aumentar os recursos de inclusão produtiva para as famílias do Programa Bolsa Família.
6.Implantar uma política para a população em situação de rua nos grandes centros
urbanos.
7.Definir um financiamento mínimo para a Política de Proteção Especial. Hoje, os recursos
existentes são inexpressivos para o tamanho do problema que o Brasil tem para enfrentar.
8. Unificação dos programas para a juventude que estão dispersos e sem força.
9.Retirar a NOB-RH de alguma prateleira escondida e constituir uma sólida agenda para a
gestão do trabalho na área social.
10.Aprovar a Lei de Responsabilidade Social com total ênfase no Plano Decenal aprovado
pela V Conferência Nacional de Assistência Social, em 2005.
11. Articular programas de combate à pobreza com a Política de Assistência Social. Esse
divórcio fragiliza tanto a LOAS como o SUAS.
Deixo cinco itens para que você complete a agenda:
12. ..............................................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................................................
13. ..............................................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................................................
14. ..............................................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................................................
15. ..............................................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................................................
16. ..............................................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................................................
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5. A identidade da assistência social
e o cras
É preciso debater com seriedade a situação e a precariedade dos CRAS, que são a
porta de entrada no SUAS. O CRAS precisa ser um espaço que expresse e consolide
a identidade fundamental para a atuação e o trabalho da assistência social.
Aqui, deixo uma contribuição do que deve ser um CRAS.
Um pouco “cansado” de explicar em cursos e palestras o que é um CRAS, fiz um
exercício novo e começo dizendo o que não é um CRAS. Esse exercício mostrou-se
eficaz, pois é a partir da identidade e do fazer social do CRAS que vamos constituir a
Agenda Técnica, Política e Social do Sistema Único de Assistência Social.
O QUE NÃO É UM CRAS?
O QUE É UM CRAS?
Não é salão para casamentos ou
aniversários.
É um espaço estatal (do Estado).
Não é sede da associação de moradores.
Não é local para atividades voluntárias.
Não é centro comunitário.
Não é local para implantar gabinete
dentário.
Não é local para consultório médico.
Não é local para atividades religiosas,
como curso para casais.
Não é um espaço para atividades
partidárias.
É o espaço institucional de referência
para o atendimento de famílias e o
encaminhamento para as demais
políticas.
É um espaço de coordenação do
mapeamento de possibilidades do
território.
É um espaço de coordenação e
investigação das ausências do
território.
É um espaço multidisciplinar.
Não é um clube de serviços.
É um espaço de vigilância
socioassistencial e territorial.
Não é sede de ONG.
Deve ter estratégias de busca ativa.
Não é Centro de Capacitação
Profissional.
Deve organizar grupos de debates
sobre temas urgentes e para o
fortalecimento da família.
Não é local para programas de educação.
Não é o quartel-general de espera.
Não é polo de cadastramento do
Bolsa Família.
É um espaço que deve prover
resultados para as famílias em suas
privações sociais.
Não é um local de atuação apenas dos
assistentes sociais.
Não é um espaço para psicólogos
fazerem clínica.
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6. Encarando alguns problemas
Chegamos até aqui com muito esforço e com muita luta. Faltaram estratégias e uma
negociação mais ampla com a sociedade em muitos momentos de nossa trajetória.
Não está nada fácil fazer gestão social, e acho muito importante destacar alguns
motivos para isso, para que possamos refletir, agir e mudar:
• temos trabalhadores e técnicos com pouca referência teórica sobre as contradições do Brasil;
• temos trabalhadores e técnicos imaturos politicamente, sem uma compreensão adequada do papel do Estado na garantia da proteção social;
• baixos salários para os trabalhadores e técnicos;
• as universidades estão divorciadas da realidade social do país, formando
trabalhadores sem leitura do fazer social;
• a sociedade está descolada do dia a dia da gestão social;
• existe uma preocupação em garantir inclusão em projetos e programas,
mas não com uma inclusão social sustentável;
• ainda vivemos a ausência de monitoramento e de cobrança por resultados.
Poderia citar inúmeras outras questões que me preocupam, mas deixo aqui apenas
essas, que já são bastante graves. Temos um sério problema com os trabalhadores.
Com formação precária, eles têm poucos recursos para lidar com os desafios da
realidade social do Brasil. Não sabem compreender, por exemplo, nossos principais
problemas e muito menos conseguem organizar estratégias de solução. Nesse ponto,
a gestão passa a ser fundamental, pois somente ela pode desmontar o “jeitinho” de
resolver os problemas dos pobres.
Sem trabalhadores articulados, capacitados e com processo de supervisão técnica
não existe gestão social.
Sem avaliação, monitoramento e busca de resultados a gestão social é nula.
Tenho insistido que temos feito, na verdade, gestão da pobreza. Fazer gestão da
pobreza é mais ou menos seguir o modelo “deixa como está para ver como é que
fica”. A sociedade não cobra e também já não espera resultados na área social. Ela
olha com distanciamento para o que está sendo feito. E isso é péssimo!
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Fazer gestão da pobreza
é mais ou menos seguir o
modelo “deixa como está para
ver como é que fica”
Mas eu não estou desanimado! E você não pode desanimar! Nós não podemos
desanimar! Ao contrário, a hora é de atuar.
Faça suas propostas de mudança. Comece por indicar cinco pontos e mande-os para
seu gestor:
1. ..................................................................................................................................................................
..................................................................................................................................................................
..................................................................................................................................................................
2. ..................................................................................................................................................................
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..................................................................................................................................................................
3. ..................................................................................................................................................................
..................................................................................................................................................................
..................................................................................................................................................................
4. ..................................................................................................................................................................
..................................................................................................................................................................
..................................................................................................................................................................
5. ..................................................................................................................................................................
..................................................................................................................................................................
..................................................................................................................................................................
Boa sorte! Bom trabalho! Confie na Política de Assistência Social e em seu trabalho.
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