A Brasileira de Prazins
(Cenas do Minho)
Camilo Castelo Branco
Romance realista, 1882
Camilo Castelo Branco
* Lisboa, 1825
+ S. Miguel de Seide, 1890
Amor de Perdição, 1862
O Judeu, 1866
A queda dum Anjo, 1866
A Brasileira de Prazins, 1882
A intenção
Vejam-se, lado a lado, as propostas de Camilo e Eça, nesse
momento literário português:
"A minha ambição seria pintar a sociedade portuguesa, e mostrar-lhe,
como num espelho, que triste país eles formam. É necessário acutilar o
mundo oficial, o mundo sentimental, o mundo literário, o mundo
agrícola, o mundo supersticioso e, com todo o respeito pelas
instituições de origem eterna, destruir as falsas interpretações e falsas
realizações que lhe dá uma sociedade podre."
(Eça de Queirós, carta a Teófilo Braga, sobre a publicação
de O primo Basílio, em 1878)
A intenção
"O meu romance não pretende reorganizar coisa nenhuma. E
o autor desta obra estéril assevera, em nome do patriarca
Voltaire, que deixaremos este mundo tolo e mau, tal qual
era quando cá entramos."
(Camilo Castelo Branco, post scriptum de
A Brasileira de Prazins, 1882)
Literatura e História
J. F. Lyotard
Os acontecimentos do passado podem ser alterados. A
história é constantemente reescrita. Se os fatos são
passados, acabados, como será possível que a história
"real" do mundo esteja constantemente mudando? E
por quê?
É simples, porque a história é uma ficção. É um sonho na
mente da humanidade.
S.Tomás:
“Só Deus é a verdade”
No romance histórico, consideramos...
• histórico: o que é documentado historicamente
• possível: quando há versões históricas
• lacunas: os exemplos do que pode ter ocorrido
• verossímil: o que for coerente com a verdade
interna da obra
Romance passional
Trata-se de um romance romântico, que traz inúmeros elementos do
Realismo-Naturalismo. Ao contrário das obras passionais de Camilo,
em que normalmente a história é pano de fundo para a ficção, A
brasileira de Prazins traz um discurso sobre a sociedade portuguesa
dos arcaicos morgadios do Minho, para pintar um painel histórico do
que teriam sido as lutas entre liberais e conservadores entre os anos de
1838 e 1846. O romance de Marta e José Dias é que acaba sendo pano
de fundo, o que pode ser percebido pelo fato de ficar ausente da
narrativa por quase metade do livro, ao passo que a questão do
miguelismo permeia todo o romance.
Contexto histórico, 1838-1846
Liberais e Miguelistas
Revoltas
Maria da Fonte
Vila Francada
Minho, 1845
Tempo cronológico:
meados do século
XIX
Espaço:
Prazins, Minho
O enredo
Conta-se a história de Marta, que ama José Dias (cuja família não deixou
que se unisse à rapariga), foi "negociada" pelo pai, Simão, para casarse com Zeferino, em troca de dívidas, mas acabou casando-se com o
tio "Brasileiro", Feliciano, homem que enriqueceu no Brasil. José Dias
era figura de fraca compleição, e sua saúde não resistiu aos
sofrimentos amorosos. Zeferino acaba morrendo em briga de jogo.
Marta fica progressivamente louca, assim como Feliciano, e ambos
têm filhos conseqüentemente anormais. Tudo ocorre durante uma
época em que Portugal se dividia entre liberais e miguelistas. Alguns
fidalgos miguelistas saudaram a volta secreta de D. Miguel, mas tudo
não passava de um engodo em que espertalhões queriam apenas tirar
dinheiro de uma ingênua elite portuguesa.
O passional português
Marta: heroína infeliz, fica louca
pelos sofrimentos que passa e
por herdar loucura de
antepassados.
José Dias: homem bom, mas fraco
fisica e mentalmente, não
resiste aos sofrimentos e morre.
Feliciano: insensível, avarento, sua
obsessão o leva à loucura
Zeferino: grosso e sem caráter, seu
caminho natural é a morte
indigna.
A sociedade portuguesa
D. Miguel, D. Maria II:
As referências históricas servem
como autentificação do
discurso, inexistindo enquanto
personagens.
Cerveira, Nunes, as Botelhas:
São personagens-tipo, representam
a fidalguia atrasada, miguelista,
destoada da realidade até o
ridículo.
O clero português
Padre Osório: racional, representa
o clero pseudo-esclarecido,
adepto das idéias positivistas da
época.
Frei João: retrógrado, representa o
clero ignorante, supersticioso,
que atribui às ações do demônio
qualquer adversidade.
Padre Rocha: lúcido, simboliza o
clero ponderado, consciente,
sempre disposto a julgar as
coisas pelos fatos, e não pela
emoção.
Um romântico realista
Elementos do Romantismo
Nacionalismo: crítica ao galicismo (francesismo) dos
contemporâneos.
Negação do mundo: a solução romântica para a impossibilidade amorosa é sempre a loucura ou morte, como em
Marta e José Dias.
Heroísmo: há muitas figuras de caráter exemplar, como a
própria Marta, o José Dias, o padre Caldas e mesmo o
padre Rocha.
Elementos românticos
Nacionalismo
Crítica ao galicismo (francesismo): Logo que cheguei a
casa, entrei a folhear as páginas dos dois livros,
preparado para o dissabor de encontrá-los mutilados,
defeituosos, com folhas de menos, comidas pelas ratazanas
colaboradoras roazes do galicismo na ruína da boa
linguagem quinhentista.
Paralelo entre obras
Tal como o nacionalismo de O demônio familiar, de José de
Alencar, que critita o galicismo na fala do Azevedo: (...)
Ah! Tens as tuas paisagens signées Lacroix? Mas não são
legítimas; vi-as em Paris chez Goupil; fazem uma
diferença enorme.
Elementos românticos
Negação do mundo
A loucura ou a morte como solução para a impossibilidade
amorosa.
Marta fica louca ante a impossibidade de ter seu José Dias.
Paralelo entre obras - ROMANTISMO
Henriqueta une-se a Eduardo em O Demônio Familiar
ou
Hermengarda fica louca em Eurico, o Presbítero, do autor
romântico Alexandre Herculano
Teresa de Albuquerque morre na torre em Amor de
Perdição, de Camilo Castelo Branco
Um romântico realista
Elementos do Realismo-Naturalismo
Função descritiva: as ações surgem como conseqüência esperada da descrição
quase científica do ser.
Determinismo: os filhos do casal Marta e Feliciano, abandonados à sorte, não
poderiam mesmo ter nenhum futuro. O Major Zeferino tinha um
comportamento moldado pelo pai Gaspar. A mãe de Marta havia se suicidado,
o que sempre surgia como solução de vida para a filha.
Evolucionismo: o fraco José Dias não suportou a pressão e morreu.
Prevalência de anti-heróis: vários membros do clero são absurdos, praticamente
todos os miguelistas são ridículos, o pai de Marta, a mãe de José Dias, o
Melro, Zeferino, os estudantes, o brasileiro, etc.
Experimentalismo: a loucura de Marta não é só mencionada, mas sim descrita nas
mais diversas situações de crise, tal como o processo obsessivo de Feliciano.
O anticlericalismo
Os padres do Minho, naquele
tempo, não puxavam
quase nada pelas
memórias; ordenavam-se
tão alheios às faculdades
da alma que sem memória
nem entendimento, e às
vezes sem vontade, eram
sofríveis sacerdotes.
A realidade descrita
Marta fixou o pai com os
seus olhos esmeraldinos
rutilantes de cólera, num
arremesso de cabeça
erguida, e com os lábios a
crisparem. Era a nevrose
epilética. Seguiram-se as
convulsões, o espumar da
boca, um paroxismo longo
de vinte minutos.
Unicamp 2004: a questão 8
Considere a seguinte passagem, que se encontra em um dos últimos
capítulos do romance "A Brasileira de Prazins".
"São impenatráveis os segredos revelados no tribunal da penitência por
Marta ao seu diretor espiritual. O padre Osório, não obstante,
suspeitava que a penitente revelasse, com escrupulosa consciência,
solicitada por miúdas averiguações do missionário, saudades,
reminiscências sensualistas, carnalidades que se lhe formalizavam no
espírito dementado, enfim, visões e sonhos com José Dias."
(Camilo Castelo Branco, "A Brasileira de Prazins")
Unicamp 2004: a questão 8
a) Por que Marta fica conhecida como a "senhora Brasileira de Prazins"?
b) Qual a relação entre Marta e José Dias quando ela se confessa ao
missionário?
c) Padre Osório e Frei João, o missionário confessor, tinham explicações
diferentes para o fato de Marta ter um "espírito dementado". Quais são
elas e o que indicam sobre o pensamento da época?
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