Internações involuntárias
Contexto histórico e panorama atual
Daniel Martins de Barros
São Paulo, terça-feira, 20 de maio de 2003
LOUCURA E SANIDADE
A boa notícia é a de que os pacientes psiquiátricos estão
deixando os manicômios. (...)
A lei dos direitos dos portadores de transtornos mentais, de
2001, que substituiu uma legislação cujo corpo datava
essencialmente de 1934, representou um inegável avanço no
campo da cidadania. Infelizmente, porém, ela ainda incorre em
arcaísmos autoritários de discutível constitucionalidade como a
previsão de internação involuntária a critério médico. A Lei
Maior diz que um civil só pode ser privado de sua liberdade na
ocorrência de flagrante delito ou mediante ordem judicial.
Curiosamente, esse princípio básico da Constituição não vale
para aqueles sobre os quais pesa a suspeita de insanidade.
(...)
Contexto histórico
• Século XVIII – transição social
– Urbanização
– Instituição dos Estados soberanos
– Polícias: sistema de conhecimentos e práticas administrativas
que organizam a sociedade através de uma perfeita alocação de
recursos humanos e materiais
• Medicina em transição
–
–
–
–
Preventiva
Pró-ativa
Orientada para a cidade
Polícia médica
Contexto histórico
• 1779 – Sistematização das Polícias médicas:
–
–
–
–
–
–
–
Teorias, políticas e práticas
Regulamentação de toda a sociedade
Controle da procriação
Bem estar da mãe e recém nascidos
Prevenção de acidentes
Controle de epidemias
Educação e regulamentação da profissão
• Estado – tem na Medicina garantia da saúde do cidadão
• Medicina – tem no Estado garantia da sua legitimidade
• Conceito adotado no Brasil no século XIX
– Embasa medida de segurança e internações involuntárias
Contexto histórico
• 1835 - “A polícia médica deve se ocupar dos loucos que
vagam pelas ruas e podem se enfurecer, cometendo
atos homicidas”
– Reflexões acerca do trânsito livre dos doidos pelas ruas da
cidade do Rio de Janeiro, José Francisco Xavier Sigaud
• 1881 – Criação da Cadeira Clínica Psiquiátrica
• O alienista - Machado de Assis
– “pode entrar no animo do governo eliminar a loucura? Não. (...)
em assunto tão melindroso, o governo não pode, não quer
dispensar o concurso de Vossa Senhoria. O que lhe pede é que
de certa maneira demos alguma satisfação ao povo. Unamonos, e o povo saberá obedecer.”
• 1893 – Medida de segurança - Carl Stoos
Panorama atual
• Lei Federal 10.216/2001
•
Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos
mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental
• Art. 7º A pessoa que solicita voluntariamente sua
internação, ou que a consente, deve assinar, no
momento da admissão, uma declaração de que optou
por esse regime de tratamento.
• Parágrafo único. O término da internação voluntária dar-se-á por
solicitação escrita do paciente ou por determinação do médico
assistente.
Panorama atual
• Art. 8º A internação voluntária ou involuntária somente será
autorizada por médico devidamente registrado no Conselho
Regional de Medicina - CRM do Estado onde se localize o
estabelecimento.
• § 2º O término da internação involuntária dar-se-á por solicitação
escrita do familiar, ou responsável legal, ou quando estabelecido pelo
especialista responsável pelo tratamento.
• Art. 9º A internação compulsória é determinada, de acordo
com a legislação vigente, pelo juiz competente, que levará
em conta as condições de segurança do estabelecimento,
quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e
funcionários.
Panorama atual
Internação necessária
Sim
Paciente
concorda?
Sim
Discernimento
preservado?
Não
Responsável
presente?
Não
Não
Paciente assina
o termo ***
Sim
Sim
Responsável
concorda?
Responsável assina
comunicação ****
Não
Médico assina
comunicação****
Risco
iminente?
Sim
Risco
iminente?
Sim
Não
Não
Paciente assina
documento **
Responsável assina
documento **
Liberação
Médico assina
comunicação****
Médico assina
comunicação****
Internação
** Resumo de alta ou prontuário detalhados; *** Termo de internação voluntária, **** Comunicação de internação involuntária
Resumindo
Legitimadas
pela Medicina
Amparadas
pela lei
Utilizadas
pelo Estado
São Paulo, quinta-feira, 22 de maio de 2003
PAINEL DO LEITOR
Loucura
"O editorial "Loucura e sanidade" (Opinião, pág. A2, 20/5)
desconsiderou que os distúrbios psiquiátricos, diferentemente de
outras doenças, atingem o indivíduo na sua capacidade de julgar
a realidade. Assim, é muito comum que pacientes em surtos
agudos não entendam a necessidade de se tratar, cabendo então
ao médico decidir interná-los involuntariamente ou deixá-los à
mercê de seus delírios, correndo riscos e muitas vezes ameaçando
a integridade de terceiros. Daí a necessidade real, e não o
anacronismo ou autoritarismo, das internações involuntárias."
Daniel Martins de Barros, médico psiquiatra do Núcleo de Psiquiatria
Forense do Instituto de Psiquiatria do HC-FMUSP (São Paulo, SP)
“Sempre que ensinares, ensina
a duvidar do que ensinas.”
José Ortega y Gasset
Obrigado.
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