As internações psiquiátricas compulsórias:
uma perspectiva de abordagem do
Ministério Público
curitiba, fevereiro de 2014
O caso EVJ: falta de vagas em instituição
de saúde mental; paciente ficou anos no
Manicômio Judiciário (em Curitiba), até
ser acometida por outra doença que
exigiu a sua remoção; identificação da
situação; óbito
“A Defensoria Pública de Brasília recebe esse tipo de
pedido diariamente [internação compulsória]. Só
em fevereiro deste ano, chegou a 144 solicitações,
uma média de 5,1 a cada 24 horas, sendo que na
última segunda-feira foram 11 — em julho do ano
passado, não passava de três. A maioria dos casos
envolve mães de viciados em crack ou em álcool,
que não têm mais a quem apelar.”
(Correio Braziliense, 15.3.13)
características socioeconômicas selecionadas em
pacientes (Brasil/2011)
89% dos pacientes possuem identificação
7% dos pacientes são internados por ordem judicial
19% dos pacientes recebem Benefício de Prestação Continuada
(BPC)
4% dos pacientes permence internada após alta
(avaliação dos Hospitais Psiquiátricos no âmbito do SUS – MS/ SGEP/DENASUS)
Os números no Paraná de IPIs e IPCs, no
período de jan/dez de 2013, fornecidos pela Central
de Regulação de Leitos Psiquiátricos do Estado,
revelou, a ocorrência de 93 IPCs em face de 30
IPIs.
Isto é, o Poder Judiciário “interna” três vezes
mais que o SUS, situação, aliás, que contrasta com a
média nacional, por ser-lhe muito superior.
IPC: opção pela judicialização; expansão
demográfica; incremento das doenças
mentais na população; ausência de leitos
(financiamento público HPsi X - leitos em
HG X hermenêutica da desospitalização)
X “A sociedade, de uma certa forma,
psiquiatrizou os conflitos sociais.” -PD
A judicialização que não há determina a
judicialização que há .
até o final da década de 80, a legislação brasileira traduzia
predominância de modelos de proteção prioritariamente à
sociedade e à família do portador de distúrbio mental e não a
ele próprio
a visão higienista na saúde mental
a inflexão trazida na LF 10.216/01 não
alterou completamente essa tendência
O entardecer do Estado
intervencionista (medida de segurança por fato não
criminoso; art. 549 do CPP/41)
A reforma psiquiátrica (LF 10.216/01)
não atingiu o velho sistema de
internações psiquiátricas do CC.
CC, 2002
“Aqueles que,
por enfermidade ou deficiência
mental, não tiverem o necessário discernimento para
os atos da vida civil; os deficientes mentais, os ébrios
habituais e os viciados em tóxicos; os excepcionais
sem completo desenvolvimento mental serão
recolhidos em estabelecimentos adequados, quando
não se adaptarem ao convívio doméstico” (CC,
1777/1767).
o pretérito imperfeito da
internação psiquiátrica
compulsória (IPC)
Dec. n. 24.559/34
A internação de psicopatas toxicómanos e
intoxicados habituais em estabelecimentos
psiquiátricos, públicos ou particulares, será
feita:
a) por ordem judicial ou requisição de
autoridade policial (art. 11)
Serão documentos exigidos para toda,
internação, salvo nos casos previstos
neste decreto: atestado médico, que
será dispensado sòmente quando se
tratar de ordem judicial, o certificado
de idoneidade de internando (art. 12).
Dec. n. 24.559/34
“O psicopata ou indivíduo suspeito que tentar
contra
própria vida ou de outrem, perturbar a
ordem ou ofender a moral pública, deverá ser
recolhido a estabelecimento psiquiátrico para
observação ou tratamento”(art. 10)
(revogado em 1990)
L.F. n° 10.216/01
A IP somente será realizada mediante laudo médico
circunstanciado que caracterize os seus motivos (art. 6°).
Tipos de internação psiquiátrica:
I - internação voluntária: aquela que se dá com o
consentimento do usuário;
II - internação involuntária: aquela que se dá sem o
consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e
III - internação compulsória: aquela determinada pela
Justiça (não foi regulamentada; Portaria GM 2391/02)
Lei nº 36/98 (lei de saúde mental) - Portugal
Internação compulsiva: por decisão judicial (art. 7º);
presença aos atos, defensor e contraditório (art. 10)
Internação de urgência; a autoridade policial ou de saúde
expede mandado de condução a ser cumprido pela força
policial
Legislação subsidiária (CPP), art. 9°
Caso O'Connor X Donaldson
United States Supreme Court, 1975;
paciente do Florida State Hospital, Kenneth Donaldson,
responsabilização do hospital por confiná-lo por quinze anos
contra a sua vontade.
A decisão significou que é inconstitucional obrigar
tratamento para uma pessoa que não seja um perigo
para si próprio ou para outras pessoas e é capaz de em
um mínimo grau sobreviver por si mesmo.
É direito da pessoa portadora de transtorno
mental ser tratada em ambiente terapêutico
pelos meios menos invasivos possíveis
(anteriores à IPC)
(2, p.ú., VIII, L.F. nº 10.216/01)
O princípio da prevalência
da manifestação da vontade
do paciente está consagrado
no art. 46 do Código de Ética
Médica.
A IPC é determinada, de acordo com
a legislação vigente, pelo juiz competente,
que levará em conta as condições de
segurança do estabelecimento, quanto à
salvaguarda do paciente, dos demais
internados e funcionários
(9°, L.F. n° 10.216/01).
“...há três entendimentos sobre a internação
compulsória: o primeiro é aquele que só atinge o
paciente, pois há um desejo da família; o
segundo, se dirige ao Estado, que precisa oferecer
vagas; e o terceiro é quando paciente e família
não querem, mas há uma necessidade de
internação” (juiz Ermínio Amarildo Darold, que integra a Comissão para
Assuntos Constitucionais, Legislativos e Institucionais da AMC; I Conferência
Nacional sobre Saúde Mental e Direito; Fpolis, publ. internet em 9.8.13)
padrões gerais de judicialização para a IPC:
- modelos processuais frequentes: pedidos de
interdição c/c internamento psiquiátrico (alguns com
liminar); jurisdição voluntária (não há partes;
fragilidade de defesa do internando); medida de
proteção para idoso e adolescente; remédio jur.:HC
- fundamentação: menção singela de esgotamento de
outros manejos terapêuticos; existência de laudo
médico
- bases legais gerais: CF, ECA, Est. do Idoso, CC ,
LF n° 10.216/01- (Dec. 24.559/34 - TJSP)
internação compulsória e OPAS
A OPAS/OMS no Brasil considera inadequada
e ineficaz a adoção da internação involuntária ou
compulsória como estratégia central para o tratamento
da dependência de drogas.
A priorização de medida extrema como a
internação compulsória, além de estar na contramão
do conhecimento científico sobre o tema, pode
exacerbar as condições de vulnerabilidade e exclusão
social dos usuários de drogas.
(pág. web, consulta em 8.5.13)
apenas 2% dos pacientes internados contra a
vontade têm sucesso no tratamento e 98%
deles reincidem.
“A porcentagem de fracassos é alta demais
para que a medida seja adotada como
política pública no enfrentamento do crack”
(estudo elaborado pelo psiquiatra e coordenador do Programa de Orientação e
Atendimento a Dependentes, Dartiu Xavier da Silveira, da Universidade Federal de São
Paulo - Unifesp)
IPC e a equidade no acesso à
atenção psiquiátrica hospitalar
eventual caráter
desorganizador da internação
compulsória
a IPC e a acomodação do gestor de saúde
COMUNIDADE:
Famílias, igrejas,
instituições, escolas,
CAPS
PSF/UBS
TERRITÓRIO
RT
AMBULATÓRIOS
PSIQUIÁTRICOS
HOSPITAL
PSIQUIÁTRICO
HOSPITAL GERAL
SAMU
A internação compulsória como
sinalizadora da ausência de vagas ou
outras insuficiências de atenção
primária e secundária.
Redução de leitos psiquiátricos – 2002 a 2009
Cenário de oportunidades para a
atuação do MP
Plano de Saúde; LOA
IPC e a nossa definição como sociedade
(“Os níveis de saúde expressam a
organização social e econômica do País”,
art. 3º, LF 8080/90)
A IPC e a discordância do psiquiatra
(CREMESP, consulta n° 3188/11)
“a despeito da concordância ou não com a ordem judicial,
estando ou não o mandado judicial para internação
circunstanciado por laudo médico justificando seu motivo,
existindo ou não indicação técnica, o psiquiatra assistente deve
obedecer à ordem judicial e internar o paciente. Outro ponto
sobre o qual também não há dúvidas é o fato de que a alta do
paciente internado por ordem judicial apenas deverá ser dada
apenas depois da manifestação do judiciário.”
MP: “defender o direito dos doentes mentais
significa defender o direito das minorias
permanentes (as que nunca poderão chegar
à maioria)”
o reconhecimento do direito à diferença
Ω
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Marco Antonio Teixeira - Ministério Público do Paraná