16° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores de Artes Plásticas Dinâmicas Epistemológicas em Artes Visuais – 24 a 28 de setembro de 2007 – Florianópolis RETENÇÕES DA CULTURA AFRO-BRASILEIRA PRESENTES NA CULTURA POPULAR Ivaina de Fátima Oliveira Menstranda em Cultura Visual – FAV/UFG Leda Maria Guimarães Professora Titular, FAV /UFG Resumo: Na perspectiva contemporânea o ensino de arte deve lançar seu olhar, não excludente, para a fração histórico-social que pouco tem sido conectada à educação. A Lei 10.639/03 torna obrigatória a inclusão nos currículos dos Ensinos Fundamental e Médio a História e Cultura Africana que deverão ser ministrados pelos profissionais das áreas de Arte, de Literatura e História Brasileira. Para ampliar o foco das contribuições para o exercício desta lei, aponto a pesquisa de retenções da cultura africana nos elementos da cultura popular de nossa região. As pesquisas serão qualitativas, usando-se de leituras de imagens iconográficas dos objetos a serem enfocados. Palavras-chaves: arte, educação, cultura afro-brasileira, Lei 10.639/03 Abstract: In the perspective contemporary the art education must launch its look, not exculpatory, for the description-social fraction that little has been connected to the education. Law 10,639/03 becomes obligator the inclusion in the resumes of Educations Basic and Average the History and African Culture that will have to be given by the professionals of the areas of Art, of Literature and Brazilian History. To extend the focus of the contributions for the exercise of this law, I point the research of inheritance of the African culture in the elements of the popular culture of our region. The research will be qualitative, using itself of readings of iconographic images of objects to be focused. Key-word: art, education, culture afro-Brazilian, Law 10639/03 A Cultura Visual é um movimento intelectual que surge no panorama político do pósguerra na Inglaterra nos meados do século XX provocando uma grande reviravolta na teoria cultural. As preocupações se concentraram inicialmente nas problematizações da cultura sobre seu amplo espectro de possibilidades que hoje, se estende ao domínio do popular. Não farei aqui nenhuma definição de cultura popular, tentando diferenciá-la da cultura erudita e da cultura de massa. Atenho apenas em mencionar que o termo popular é amplo, abrangente “um objeto de uma vicejante polissemia” (COSTA, 2005) podendo indicar gostos e costumes do povo até o que é popularesco, rebuscado, kitsch e sofisticado. Nesta reviravolta cultural a Cultura Visual buscou apropriar-se de saberes, de ferramentas conceituais que surgiram de leituras de mundo apoiada na educação de 850 16° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores de Artes Plásticas Dinâmicas Epistemológicas em Artes Visuais – 24 a 28 de setembro de 2007 – Florianópolis livre acesso onde pessoas comuns pudessem ter seus saberes valorizados e seus interesses contemplados. Os trabalhos precursores da Cultura Visual procuraram dar ênfase à importância de se analisar o conjunto da produção cultural de uma sociedade. Para isso, intensificaram as discussões sobre a cultura priorizando o seu significado político. A cultura não pode mais ser concebida como acumulo de saberes estético e intelectual, mas sim ser estudada e compreendida levando em conta toda a expansão do que está associada a ela e seu papel assumido em todos os aspectos da vida social. Portanto as imagens de livros didáticos, um noticiário de TV, as disposições dos condimentos das bancas de feira, as procissões ou as músicas de grupos de rock, funk ou hip-hop, um filme, uma herança africana podem e devem ser consideradas manifestações culturais além de artefatos produtivos que inventam sentidos e operam nos cenários culturais onde o significado é resignificado, negociado, e as hierarquias estabelecidas. A Cultura Visual não é uma disciplina acadêmica no sentido tradicional com contornos traçados nem um campo de discursos com fronteiras definidas. Ao contrário, é caracterizada por um conjunto de abordagens, reflexões situadas no cruzamento de vários campos já estabelecidos ancorando-se em diferentes teorias. Ela rompe certas verdades sedimentadas, hibridiza concepções consagradas apropriando-se de teorias e metodologias da antropologia, psicologia, lingüística, teoria da arte, filosofia entre tantas outras podendo portanto, servir de fonte, ao panorama educacional como possibilidade de prática e/ou pesquisa educativa. A educação, enquanto política pública, é mola propulsora que fomenta programas de desenvolvimento, inclusão e promoção social. Quando firmada na educação multicultural, onde grande parte deste ensino provem das comunidades afroamericanas, contribui para o surgimento do que se pode chamar reações anti-racistas e antiautoritárias além de se preocupar em melhorar as relações humanas. Assim, tanto a formação profissional de educadores, como a produção de conhecimentos e recursos pedagógicos enquanto ações estratégicas, permeam o desenvolvimento humano produzindo processos de igualdade e respeito à diversidade. Uma parcela significativa de crianças e adolescentes negros e indígenas brasileiros configura um percurso educacional marcado pela exclusão. É necessário promover 851 16° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores de Artes Plásticas Dinâmicas Epistemológicas em Artes Visuais – 24 a 28 de setembro de 2007 – Florianópolis ações para que a política educacional atual, o currículo, os materiais didáticos e os programas de formação para professores atendam melhor a realidade de nossa sociedade segundo a visão multicultural. Tendo por base a teoria da Cultura Visual e a educação multicultural pretendo analisar as possíveis retenções, ou seja, as permanências segundo Manoel Araújo, afrobrasileira dentro da cultura popular apoiando-me na Lei 10.639/03 sancionada pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva, alterando a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), tornando obrigatória a inclusão no currículo das Escolas de Ensino Fundamental e Médio, o estudo da História e Cultura Afro-Brasileira. O 13 de maio, Dia da Abolição da Escravatura foi ressignificado como Dia Nacional de luta Contra o Racismo e o 20 de novembro trouxe a figura guerreira de Zumbi dos Palmares para marcar o Dia da Consciência Negra. Estas datas fazem parte do calendário escolar. Subsiste uma realidade no contexto escolar em que as raízes africanas e indígenas da nossa formação histórica são apresentadas nos currículos como culturas exóticas e, portanto seus espaços ficam restritos em subitens de projetos como “Folclore” ou a datas comemorativas. Os movimentos sociais trouxeram para a educação a denúncia do racismo e discriminação, da visão etnocêntrica da cultura, da desconsideração de que existem diferentes identidades, levando-nos a repensar a estrutura da escola. Neste sentido, a inclusão da Cultura Afro no currículo e o tema transversal (que perpassa as matérias) Pluralidade Cultural nos Parâmetros Curriculares Nacionais do ensino fundamental foi um grande avanço conquistado pelo movimento social. Ele “apresenta uma noção afirmativa da diversidade cultural, como riqueza humana a ser explorada, fonte de conhecimento e denso material a ser usado nas escolas em praticamente todas as disciplinas” ( LIMA; 2002) . O movimento negro foi peça fundamental para reivindicar junto ao Estado brasileiro a inclusão do estudo da história do continente africano, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional brasileira. Dentre várias conquistas, em 1998 foi promulgada a 8ª Constituição Brasileira batizada de “Constituição Cidadã” por Ulisses Guimarães. Na década de 80 Estados e Municípios 852 16° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores de Artes Plásticas Dinâmicas Epistemológicas em Artes Visuais – 24 a 28 de setembro de 2007 – Florianópolis aprovaram diplomas normativas sobre educação e relações raciais. Na década de 90 promulga, em vários Estados, leis que incluíram no currículo escolar da rede municipal de ensino conteúdos programáticos relativos ao estudo da História da África e da Cultura afro-brasileira. Ainda nesta mesma década o movimento negro recuperou e utilizou jurídica e politicamente os tratados internacionais ligados à educação, ratificados pelo Brasil, como a Convenção Relativa à Luta Contra a Discriminação no Campo do Ensino e a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural aprovada pelo a Unesco. De lá pra cá a União pouco fez até que foi aprovada a Lei 10.639/03 elaborada pela profª Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, aprovada por unanimidade pelo Conselho Nacional de Educação em 2004, é de leitura fundamental para os evolvidos na implantação da LDB/Lei 10.639/2003. O texto da Lei supracitada instrumentaliza o Estado e a sociedade a tomarem medidas para ressarcir os descendentes de africanos negros dos danos psicológicos, materiais, sociais, políticos e educacionais sofridos sob o regime escravista, e a evitarem políticas explícitas ou tácitas de branqueamento da população, de manutenção de privilégios exclusivos na formulação de políticas, no pós-abolição. E, sobretudo, enfatiza que o Estado deve investir nos recursos efetivos e na valorização dos docentes. A assinatura da Lei 10.639/03 representa um grande passo no caminho de transformação da estrutura curricular na escola, no entanto, esse fato não basta em si. Ela precisa ser ratificada dia-a-dia pelos docentes que vão lecionar as disciplinas ou os temas propostos em seu contexto. Como se sabe, há uma defasagem de habilitação do professorado quanto a esses assuntos, em razão de sua não formação para tal, evidenciando o descaso com que a matéria era tratada. A Lei Federal 10.639/03 inclui nos currículos escolares a História e Cultura Africana a serem ministrados pelos profissionais de Educação Artística, hoje denominada Ensino de Arte, de Literatura e de História Brasileira. Refletindo sobre essa lei destaco alguns questionamentos: O conteúdo será o mesmo para as três disciplinas? Se não, quais possíveis configurações do tema poderão ser trabalhadas no Ensino de Arte? Que materiais e ações pedagógicas já foram desenvolvidas para atender a referida lei? Mais ainda: Será possível apresentar 853 16° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores de Artes Plásticas Dinâmicas Epistemológicas em Artes Visuais – 24 a 28 de setembro de 2007 – Florianópolis este tema sem um olhar estereotipado? Como que eu vejo o afro-descendente no Brasil? Quando que se coloca o negro nos guetos? (nos seus devidos lugares) Normalmente são colocados nos espaços da dança, da música, do esporte, da religião. A capacitação dos professores, portanto, será essencial, pois se deve pensar não somente nos conteúdos curriculares e temáticos, mas, sobretudo, o modo de lidar com uma “matéria nova” e como ela deve ser apresentada aos alunos para que os antigos estereótipos e discriminações, referente ao mundo negro, não venham se repetir nem se transformar numa pedagogia de eventos. Pretendo neste projeto ampliar o olhar para a contribuição de possíveis referências de origem africana considerando a sua diversidade histórica, geográfica, lingüística e cultural. Verificar se estas heranças estão presentes nos elementos da nossa cultura popular, nos objetos do cotidiano, nas manifestações religiosas, nos hábitos e costumes dos alunos e alunas e professores afro-descendentes. Com base neste panorama, onde se encontra de um lado a cultura afro-brasileira, de outro, o processo de implementação da Lei 10.639/03 e ainda os educadores, é que pretendo mapear as retenções i africanas nas visualidades populares. Para analisar essas possíveis retenções no contexto local é necessário buscar estas permanências no próprio cotidiano dos educandos para confirmar ou refutar as minhas inquietações que permeiam meu objeto de pesquisa. O resgate desta memória dentro dos currículos escolares servirá para legitimar de fato e de direito a cidadania desta civilização mestiça, sincrética e original que os negros ajudaram a compor e que é capaz de incorporar a todos, negros, brancos e mestiços que foram verdadeiros arquitetos de nossa identidade silenciados pela imposição histórica (ARAÚJO,2000) Resgatando estas “negras memórias” de nossa história contribuiremos na promoção de relações interpessoais respeitáveis e igualitárias entre os agentes sociais que integram o cotidiano escolar. Por tratar das possíveis retenções afro-brasileiras na cultura popular e sua relação com a educação e ensino de arte, parte da minha pesquisa se desenvolverá através de um curso de extensão para professores da rede pública da cidade de Goiânia. Os encontros serão semanais com roteiros para discussão, temas para debates, imagens 854 16° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores de Artes Plásticas Dinâmicas Epistemológicas em Artes Visuais – 24 a 28 de setembro de 2007 – Florianópolis projetadas e imagens produzidas pelo grupo, questões de interesse, atitudes, reações, motivos, estilos de vida, sentimentos, experiências e assim por diante. Esta programação conterá ou não, elementos que serão averiguados como herança tanto nos aspectos materiais quanto imateriais mostrando como a cultura visual de um povo pode reter, em parte, aspectos da cultura africana na formação desta cultura. Como instrumentos desse método poderei lançar mão de câmaras filmadoras, gravadores, scanner, análise de conteúdos e a etnografia. Notas 1 Retenções, segundo Vesta Daniel são as possíveis heranças comuns de uma determinada cultura presente em vários países como: língua, música, comida, dança, roupa, etc. (Vesta Daniel – prof. Phd do Departamento de Arte-Educação The Ohio State University, EUA) Referências Bibliográficas ARAUJO, Emanoel. Artistas e Artifícies: ancestralidade, arcaísmos e Permanências. P.34 In: Mostra do Redescobrimento Arte Popular. Nelson Aguiar (org). Fundação Bienal de São Paulo. São Paulo: Associação Brasil 500 anos Artes Visuais, 2000. BAUER, Martin W.& GASKELL, Geoge. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som.Petrópolis: Vozes.2004. COLEÇÃO: EDUCAÇÃO PARA TODOS: Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei 10.639/03, SECAD – Brasília: Ministério da Educação, SECAD. UnB, 2005. CANCLINI, N. G. Culturas Híbridas. São Paulo: EDUSP, 1998 COSTA, Marisa Vorraber. Caminhos Investigativos II: outros modos de pensar e fazer pesquisa em educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. FUNARI, Regina Maria Lintz. Valorização da Cultura Negro-africana no Ensino de Arte. Tese de doutorado. Universidade de São Paulo. Escola de Comunicação e Artes, 2000. GURAN, Milton. 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