16° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores de Artes Plásticas
Dinâmicas Epistemológicas em Artes Visuais – 24 a 28 de setembro de 2007 – Florianópolis
Dinâmicas contemporâneas: o campo expandido da preservação
Yacy-Ara Froner, EBA-UFMG
Resumo: Os domínios da memória podem ser compreendidos pela pesquisa científica
por meio dos registros do passado e do presente pertinentes ao pensamento
intelectual como suporte dos conceitos de Cultura Material e História da Arte. Desde
que grandes transformações na formulação, gerenciamento e produção da arte
contemporânea, bem como dos sistemas de informação, ocorreram nos séculos XX e
XXI, o discurso relacionado a estes campos modificaram-se, principalmente no que
tange as atitudes dos profissionais de conservação. Novas mídias e arte conceitual
alteraram os parâmetros e expandiram os paradigmas da preservação
Palavras-chave: Arte Contemporânea; Preservação; Ciência da Conservação;
Ciência da Informação.
Abstract: The domains of memory are those that are intended for scientific research
as the remnants of the past and of the present that are pertinent to intellectual thought
as recovered by Material Culture and Art History concepts. Since these great
transformations occur in the formulation, management and production of contemporary
art and information champs at XX and XXI century, the discourse related to these fields
has modified principally with respect to professionals attitudes in the conservation area
from this point on. News media and conceptual art changes all conservation
parameters and expanded its criteria of preservation.
Key words: Contemporaneous Art; Preservation; Conservation Science; Information
Science
A noção de objeto permeia duas possibilidades de significados na rede das
trocas simbólicas: o valor é dado em função da luz que ele traz ao
conhecimento; ou é inerente à sua condição estética, fazendo com que os
parâmetros oscilem entre esses dois pólos. De fato, tanto a Cultura Material
como a História da Arte apropriam-se continuamente dos objetos, os quais não
teriam sentido sem este dado imprescindível: a referência ao objeto concreto
em relação ao seu valor estético ou valor de uso que concorre para lhe definir a
especificidade, ambos interligados pelas várias análises e formulações da
estrutura do conhecimento científico e acadêmico.
Há pouco mais de cinco décadas que a idéia da Cultura Material circula nas
construções epistemológicas das mais diversas áreas das Ciências Humanas.
Arqueologia, Antropologia, Sociologia, História, Semiologia e até mesmo
algumas áreas da Economia começam a fixar suas análises no objeto,
utilizando-o como fonte de pesquisa e investigação. Na História, o enfoque
sobre o objeto durante muito tempo se restringia ao campus que discutia a
respeito da produção artística: a História da Arte. Com a expansão da História
das Mentalidades, História Nova e História da Cultura, a diversificação do
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enfoque se dá pela inclusão de novos sistemas e fontes de análise: o universo
material serve então de referência na produção do conhecimento histórico.
É interessante perceber que anterior ao período em que a História inclui os
sistemas excluídos – como os objetos cotidianos, o culto do quarto de dormir, a
análise de papel de parede –, para a arte, Marcel Duchamp estaria discutindo o
lugar desses objetos excluídos no universo artístico já no início do século XX:
entre 1913-1914 a pesquisa de Duchamp acolhe a pergunta o que faz um
objeto artístico ser uma obra de arte? Esta obsessão faz com que ele
desenvolva uma “ação” de coletar, selecionar e assinar objetos produzidos pelo
processo industrial, conferindo-lhes status artístico.
O “porta-garrafa”, a “roda de bicicleta sobre um banco” e a “pá” são objetos
retirados do mundo dos objetos ordinários e transplantados – pela ação
artística – para o mundo dos objetos artísticos. O que lhes confere
singularidade é a assinatura do artista. Ready made (comprado pronto; pronto
para usar), usado especialmente para roupas, adquire uma outra conotação: o
processo artístico de transformar nossa percepção para com objetos
manufaturados, cotidianos, descartados, produzidos pela indústria de consumo
e pelo capitalismo. Colocados em xeque os preceitos racionalistas da produção
artística – mantida pelas vanguardas artísticas na consolidação do produto
artístico bidimensional e tridimensional –, Duchamp deseja desenvolver um
paralelo plástico à metáfora de Roussel; o questionamento do “ser ou não ser
arte”; o lugar da obra artística em um mundo cujas máquinas e engrenagens
são capazes de produzir tudo e, até, substituir a ação humana.
Desse modo, Duchamp preconiza uma questão que somente a partir da
década de cinqüenta irá fazer parte do repertório das indagações das Ciências
Humanas: os objetos fazem parte da estrutura social e, desse modo, poderão
de refletir uma mentalidade ou uma cultura?
Quando nos deparamos com os conceitos elaborados ao redor da idéia de
cultura material podemos selecionar alguns autores:
1) Para Marshall D Sahlins (1979), Cultura Material é o conjunto de artefatos e
paisagens culturais que as pessoas criam segundo os conceitos tradicionais,
padronizados e freqüentemente tácitos sobre valor e utilidade, desenvolvidos
ao longo do tempo por meio do uso e da experimentação; tais artefatos
representam objetivamente a visão subjetiva que um grupo tem sobre o
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costume e a ordem. Para o autor, o universo cultural pode ser representado
pelas coisas materiais e por meio delas é possível resgatar estruturas de saber
constituído.
2) Para Melville J. Herskovit (1984), Cultural Material é a totalidade de
artefatos produzidos numa cultura. Esta visão totalizante coloca em um mesmo
saco todas as produções, e impede uma percepção das articulações inerentes
a cada estrutura, e até mesmo a singularidade das proposições artísticas. Arte,
artefato, bem de consumo, máquinas de produção encontram-se aglutinados, e
o autor dá maior importância ao uso do que aos processos singulares, como o
da criação artística.
3) Para Jules Prown (1969), a premissa subjacente é que os objetos
fabricados ou modificados pelos homens, conscientes ou inconscientemente,
direta ou indiretamente, refletem os padrões de crença. Quando a autora
estabelece a idéia de crença, as relações afetiva, subjetiva e psíquica
interpõem-se à idéia cognitiva e promovem, novamente, uma ruptura com a
materialidade da cultura material.
4) Para James Deetz (1971), a Cultura Material é aquele segmento físico do
homem
que
é
deliberadamente
modelado
por
ele
segundo
planos
culturalmente dilatados. A exclusão das ações inconscientes age de maneira
oposta à premissa anterior. A manutenção apenas da deliberação, da vontade
humana para a construção de produtos materiais exclui a percepção da
ideologia ou da formulação de um vocabulário anterior/exterior ao indivíduo e
que
determina,
em
última
análise,
sua
inclusão/exclusão,
manutenção/revolução das idéias circulantes.
Com o desenvolvimento do estruturalismo, o objeto torna-se o suporte
subjacente sobre o qual a problemática da cultura é investigada: na demografia
dos artefatos, sistematizar questões como VALOR-TROCA-MERCADORIAUSO E CONSUMO tornam-se fundamentais para se desvendar as linguagens
subliminares, a identidades – individuas e coletivas – e os sistemas culturais,
enquanto visão de mundo de uma determinada sociedade. A História da Arte
carece de um estudo mais aprofundado em relação à percepção de como as
inserções artísticas nos universos da produção cotidiana – tanto para o readymade de Duchamp, quanto para a Pop Art de Andy Warhol – foram precursoras
ou contemporâneas aos debates intelectuais ao redor do objeto enquanto fonte
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de análise e de interlocução cultural. Ao final da década de 50, o interesse
pelos objetos de uso cotidiano e o olhar sobre o acaso – não apenas como
herança duchampiana, mas como um fortalecimento de uma percepção que
explora a noção de que na vida as coisas simplesmente acontecem (ARCHER,
2000: 5) – levaram a arte a um novo senso visual estruturado em duas
direções: o Pop e o Minimalismo.
Esta condição não é, no entanto, matéria de discussão das pesquisas em
Cultura Material. Por sua vez, a História deixa de ver essa conexão devido ao
deslumbramento que algumas vezes gera até mesmo a banalização para com
os objetos cotidianos não deslocados para a arte. Ao priorizar a idéia de
artefato, o paradigma proposto para a História da Cultura restringe a Cultura
Material aos esquemas da produção serial dos objetos utilitários, deixando,
mais uma vez de reconhecer na produção artística uma fonte importante para a
análise das estruturas culturais. Será possível estabelecer uma distinção entre
objeto de uso e objeto artístico? Essa distinção, que em um primeiro momento
parece óbvia, repousa na história da produção e da construção do
pensamento; na intenção poética ou técnica; na elaboração contínua do viver
em sociedade: homens e objetos estabelecem suas posições dentro desses
acordos sociais.
Ao marginalizar o artesanato que constrói objetos de uso – panelas, tapetes,
rendas etc. –, a História da Arte ocupa-se da qualidade e do caráter estético
desses produtos “inúteis” que são as obras de arte, afirma Cesare de Seta
(1984). Porém, o que está em jogo não é a utilidade das coisas, pois desse
modo seríamos mecanicistas, mas o lugar que as coisas ocupam no meio
social. A manutenção das tradições manufatureiras faz parte, hoje, das
discussões acerca da memória tecnológica de cada povo; resgatar as pinturas,
tramas, urdiduras, pontos, tinturas, modelagens não é apenas manter vivos
elementos exóticos em um mundo de produção em série, mas compreender a
identidade que mantém coesa certa organização social. Porém, George Kubler
afirma que, apesar de ligados entre si por um ponto comum, uso e beleza
mantêm-se irredutivelmente diferenciados: nenhum utensílio será alguma vez
cabalmente explicado como obra de arte, ou vice-versa. Por mais elaborado
que seja o seu mecanismo, o utensílio será sempre intrinsecamente simples;
ao passo que a obra de arte, que é um complexo de vários estados e níveis de
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intenções intrincadas, por muito simples que o seu efeito possa parecer será
sempre uma coisa intrinsecamente complicada. As obras de arte não são
utensílios: e está é a questão de fundo (apud DE SETA, 1984: 96). Não há
como negar a propriedade cultural que permeia o artesanato, sua importância
reside em representar uma identidade que vai além da subsistência de um
grupo, mas que reflete uma linguagem própria, um modo de ver e de se
relacionar com a sociedade. Porém, é importante olhar o objeto artístico a partir
de um ponto de vista que lhe confira uma autonomia que lhe é inerente e que o
diferencia do objeto de uso, mesmo que ele próprio seja um objeto utilitário
deslocado pelo devir artístico.
Para a categoria de “objetos artísticos”, Baudrillard (2002, p: 81) afirma que
estes são marginais, acidente do sistema, pois não correspondem à
funcionalidade dos objetos modernos: Toda uma categoria de objetos parece
escapar ao sistema que acabamos de analisar: são os objetos singulares,
barrocos, folclóricos, exóticos, antigos. Parecem contradizer as exigências do
cálculo funcional para responder a um propósito de outra ordem: testemunho,
lembrança, nostalgia, evasão. Pode-se ser tentado a ver neles uma
sobrevivência da ordem tradicional e simbólica. Mas tais objetos, ainda que
diferentes, fazem parte eles também da modernidade e dela retiram seu duplo
sentido.
Contudo, o sistema os absorve e com eles rege uma outra ordenação de valor.
Assim, são adquiridos, colecionados, expostos, estudados. O significado do
visível e do invisível; do dito e do inaudito desses objetos é colocado a partir do
confronto de significados. As coleções são apenas um mecanismo de
comunicação entre dois mundos, a unidade e o universo. A gênese deste
significado – a necessidade de comunicar – se perpetua na compreensão das
relações entre as coleções, os objetos, os monumentos e a sociedade. Cada
período da história se relacionou de maneira distinta com os objetos que
produziu, com as construções que ergueu ou com as obras de arte que
elaborou. É, no entanto, na segunda metade do século XIV que começam a
surgir na Europa novas atitudes mentais no que diz respeito às coleções; a
valorização do passado aparece sob a forma de retorno aos ideais da
Antigüidade Clássica. É justamente nesse período que as grandes famílias
burguesas – os Strozzi, Pazzi, Martelli, Capponi, Mancini, Medicis, Visconti –
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ostentaram seu patrimônio financeiro por meio da coleção de obras de arte,
antigas e contemporâneas. Se, por um lado, os herdeiros dessas famílias se
fizeram promotores do humanismo, protegendo artistas, filósofos e cientistas, a
natureza de suas fortunas provinha, geralmente, da prática comercial, de
transações bancárias e da própria tirania de alguns pequenos déspotas do
século XV (BURCKHARDT, 1943). Dessa relação de poder e riqueza, é que a
figura do mecenas – burguês, nobre ou religioso – emerge. Não há como
lembrar de Michelangelo, sem pensar no Papa Júlio II; de Rembrandt, sem
lembrar da Companhia do Capitão Frans Banning Cocq; ou Bernini sem
lembrar de Luiz XIV.
Entre os séculos XV e XVIII, a arte permanece atrelada aos desejos do
encomendante: a autonomia do artista é relativa, vinculada, tradicionalmente
ao tema solicitado. Com a formação da estética ou filosofia da arte, a atividade
do artista não é mais considerada como um meio de conhecimento do real, de
transcendência religiosa ou exortação moral. Com o pensamento clássico de
uma arte como mimese (que implica em dois planos do modelo e da imitação),
entra em crise a idéia da arte como dualismo de teoria e práxis, intelectualismo
e tecnicismo: a atividade artística torna-se uma experiência primária e não mais
derivada, sem outros fins além do seu próprio fazer-se. À estrutura binária da
mimesis segue-se a estrutura monista da poesis, isto é, do fazer artístico, e,
portanto, a oposição entre a certeza teórica do clássico e a intencionalidade
romântica (ARGAN, 1996, p: 11).
Desta categoria emerge o artista romântico que ao afirmar a autonomia da arte,
desconstrói a relação do sistema de mecenato e inaugura novas articulações,
construídas agora dentro do sistema capitalista de mercado. Ao assumir
responsabilidade para com sua produção, confere a ela historicidade, não mais
do tempo histórico como utopia do passado, mas como compreensão de seu
próprio tempo. Assim compreendida, a arte romântica implica em uma tomada
de posição – tanto em relação à História quanto à Arte –, uma vez que depois
de Winckelmann (1764 – História das artes na antiguidade) a teorização da
percepção artística compõe uma nova formulação: se o tratado estabelece
normas, a estética formula conceitos.
Para a construção da modernidade, o Impressionismo surge como o modelo de
quebra dos paradigmas anteriores e desde os escritos de Baudelaire (O pintor
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da vida moderna, 1863), impõe-se como projeto de ruptura, inaugurando a
“Arte Moderna”. Dois problemas surgem desta percepção: a modernidade
artística não corresponde à modernidade histórica; a Arte Moderna,
considerando principalmente as vanguardas artísticas, não estabelece uma
linguagem coesa ou um propósito coerente, ou melhor, à luz dos propósitos
múltiplos reside uma intencionalidade comum: a ruptura e a experimentação.
Desses signos movediços, a arte encontra formas distintas, discordantes,
dissidentes de se relacionar com o real. Desta consciência de transgressão,
surgem os movimentos vanguardistas do início do séc. XX.
Para além dessas questões, arte e artesanato; objeto de uso e produção
artística; reprodução serial e reprodução singular; fica uma outra questão para
a percepção da produção artística enquanto possibilidade de fonte para a
História da Cultura ancorada na idéia de Cultura Material: como lidar com a
imaterialidade da arte proposta no decorrer do século XX?
No início dos anos 60, o interesse pelos objetos de uso cotidiano, o
deslocamento da sociedade de consumo para a galeria e as conexões
baseadas no acaso levaram a arte a um novo campo visual. Contudo, é na
década de 70 que a desmaterialização da obra e a impessoalidade da
execução da produção artística marcaram o cenário mundial. Entre o que o
artista quis fazer e o que o espectador acredita ver, há uma realidade: a obra.
Sem ela é impossível a recriação do espectador. A obra faz o olho que a
contempla – ou, ao menos, é um ponto de partida: desde ela e por ela o
espectador inventa outra obra. O valor de um quadro, um poema ou qualquer
outra criação de arte se mede pelos signos que nos revela e pelas
possibilidades de combiná-los que contém. Uma obra é uma máquina de
significar (PAZ, 1990, p:56).
Mesmo quando Bonito Oliva afirma na década de 80 a retomada do fazer
artístico, com a entrada das novas tecnologias vemos uma desmaterialização
gerada por propostas que questionam o tempo e o espaço a partir dos
conceitos de realidade e irrealidade; de imagem e movimento. O modelo
ancorado na percepção da arte enquanto fonte de análise e Cultura Material
será possível nesse contexto? Como se comportar diante do não-objeto ou da
imagem efêmera? Como resgatar a identidade material da cultura em uma
cultura baseada na imaterialidade, na dinâmica de uma propriedade que é
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traduzida
pelo
substituir,
mudar
constantemente,
novas
versões
e
impossibilidade do registro estático?
A preservação diante das mudanças nos paradigmas da cultura
Diante do campo expandido da cultura e da arte, qual o papel do conservador?
Esta é a primeira pergunta que deve ser feita por cada um de nós.
Profundas alterações conceituais nos formatos de produção artística, nos
registros de produções culturais e nas formas de produções materiais impelem
a área da preservação a pensar sua atuação por meio de uma reflexão
dilatada, que já não pode ficar restrita apenas ao seu campo de saber
específico. Perante a produção da informação por meio de novas mídias – com
o uso do micro-filme; da digitalização e da construção de uma rede interativa
de informações e reflexões – como atuar na esfera da preservação das
informações produzidas? Há um tempo atrás a arquivologia, a biblioteconomia
e a conservação/restauração de documentos consideravam o suporte em papel
– e suas variações, como a fotografia, as películas e fitas imagéticas e sonoras
– a matéria básica para o desenvolvimento de protocolos de catalogação,
guarda,
acessibilidade,
manipulação,
conservação
e
restauração.
Considerando a rapidez nos fluxos de informação e as alterações dos meios de
suporte, reprodução e fruição dessa tipologia de fonte, os procedimentos que
muitas vezes eram pensados por meio de atuações e interferências estanques
passam a depender de um novo paradigma: a Ciência da Informação tende a
incorporar os modelos, conceitos e metodologias anteriores destas áreas
específicas, atuando, porém, de maneira integrada, coesa e estreita na
manutenção e preservação dos documentos de memória, agregando à área a
interface das novas tecnologias e a interferência da Ciência da Computação na
articulação dos projetos que envolvem a preservação e o uso de fontes
documentais.
Por sua vez as relações impostas pelas alterações nos conceitos de arte, do
dadaísmo do início do século XX à arte eletrônica do século XXI, alteram
profundamente o meio artístico obrigando aos colecionadores, curadores,
conservadores de coleções, museus e demais instituições artísticas a repensar
as formas de gerir o campo expandido da arte. No momento da
desmaterialização da arte e da formulação daquilo que compreendemos como
arte conceitual, mas uma vez o objeto de preservação passa a ser a memória.
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Não mais a matéria física das coisas materiais, mas a matéria fluída das
poéticas do processo. São nos rastros, nos registros, nos relatos que o
processo artístico, denominado processo em poética, se concretiza.
A natureza do trabalho/obra/produto artístico é a pergunta confrontada pelo
ready-made: evidentemente, uma das repostas sugeridas pelos ready-made é
a de que um trabalho de arte pode não ser um objeto físico, mas sim uma
questão, e que seria possível reconsiderar a criação artística, portanto, como
assumindo uma forma perfeitamente legítima no ato especulativo de formular
questões (KRAUSS, 2001, p: 91).
O desdobramento desta nova forma de encarar o universo artístico resultou os
mais variados processos da arte e da anti-arte, fazendo com que o processo
reflexivo tivesse a mesma relevância que o procedimento técnico. Desde que a
modernidade descolou o sentido da arte de sua relação imediata com a
produção manual, infligiu ao processo criativo uma maior responsabilidade em
relação ao processo reflexivo. É óbvio que o processo reflexivo evolve todas as
esferas da produção humana – da arte ao artesanato – e que o significado
conceitual desenvolvido em uma obra de Vermeer (Moça com brinco de
pérolas, Haia, 1665) tem dimensão equivalente a uma obra de Gina Pane
(Ação Psíquica, Paris, 1974). No entanto, desde que outras relações foram
estabelecidas na modernidade – objetos, contra-relevos, ready-mades – e na
pós-modernidade – instalações, arte conceitual, land-art, happenings – o fazer
artístico dispensou sua dependência imediata do modus operante tradicional –
a manufatura – e passou a construir novas teias de relações filosóficas, sociais
e históricas. Pierre Bourdieu e Hans Haacke produziram um estudo decorrente
de seus encontros na década de oitenta – “Livre-Troca: diálogos entre ciência e
arte” – em que aquele sociólogo e este artista discutiram as profundas
transformações no meio artístico. A obra de Haacke condensa uma análise
crítica do mundo da arte e das próprias condições da produção artística,
questionando as relações de poder a partir de sua percepção crítica – nas
palavras de Bourdieu, quase sociológica – do contexto.
Para além das novas linguagens, a inclusão de novas tecnologias – como o
vídeo-arte –, a promoção de um diálogo cada vez mais próximo com as
Ciências Duras – como a op-art, a arte cinética etc. – e o contato direto com as
Ciências Humanas – como o pensamento estruturalista, a Sociologia e a
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História – transformaram as relações da arte contemporânea com a sociedade.
Assim como todos nós, o artista contemporâneo é impelido a desenvolver um
pensamento crítico e uma maior intimidade com as ferramentas tecnológicas
disponíveis, caso contrário, corre o risco de permanecer à margem dos meios
de divulgação, das instituições e do debate.
A alteração do paradigma da arte da arte impõe, portanto, a alteração dos
modelos, dos conceitos e das premissas para a preservação da arte: diante de
um happening, uma performance, uma instalação ou um projeto virtual, o
conservador deverá atuar mais uma vez diante de um campo expandido,
integrado ao curador, ao museológo, ao colecionador e/ou ao pesquisador da
arte na proposição de soluções relacionadas à preservação dos registros e da
memória. Aquilo que antes poderia ser considerado informação complementar
– como rascunhos, esquemas, esboços, esqueletos, maquetes, fotos de
montagem, vídeos de performance, entrevistas, cadernos, reportagens, relatos,
portifólios, provas-de-artista –, torna-se matéria principal. A equivalência entre
obra e documentação é central na estética desde os anos 60-70. Para os
artistas conceituais, são as informações, textos, fotografias, fotocópias,
esquemas que documentam não tanto um objeto ou uma ação in absentia, mas
a idéia, por natureza invisível (Anne Moeglin-Delcroix, apud REY, Sandra,
1996).
Deste modo, os registros do processo de criação, bem como as instalações
provisórias de projetos determinados passam a ocupar um espaço institucional
anteriormente não previsto. Nesse contexto a materialidade desses registros e
suas relações de conservação devem ser discutidas amplamente entre todos
aqueles que deverão construir protocolos de elaboração, guarda, catalogação,
manutenção e disponibilização desses documentos/objetos.
Aqui reside a alteração dos paradigmas de um campo de saber recente: a
Ciência da Conservação. Uma ciência tecida por meio da trama de áreas
correlatas, gerada por meio de competências multidisciplinares, cuja urdidura é
operada por um campo de reflexão, metodologia, conceitos e critérios
integrados, portanto, interdisciplinares, cujo objetivo final é a preservação de
determinadas formas de saberes, poderes, criação e processos valorizados –
portadores de significados a partir de parâmetros específicos desenvolvidos
nos meios sociais.
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Currículo: Doutora em História pela FFLCH-USP; especialista nas áreas de Arte e
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professora da área de Teoria no Curso de Graduação em Artes Visuais e PósGraduação em Artes Visuais da EBA-UFMG.
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