UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURS CURSO DE DIREITO OS DIREITOS DA PERSONALIDADE DO EMPREGADO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO JULIANA DA SILVA ABRANTES PEGO Itajaí, junho de 2007. UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURS CURSO DE DIREITO OS DIREITOS DA PERSONALIDADE DO EMPREGADO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO JULIANA DA SILVA ABRANTES PEGO Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Professor MSc Ricardo José Engel Itajaí, junho de 2007. AGRADECIMENTO A Deus, pela proteção diária que me concebe. Aos meus pais, como demonstração de infinita gratidão por tudo que me proporcionaram. Aos amigos que compreenderam o motivo da minha ausência e contribuíram para a concretização desse trabalho. Ao Orientador Professor Msc. Ricardo José Engel, pela atenção, dedicação e colaboração. DEDICATÓRIA Aos meus avós maternos, Paulo e Tereza, com eterna saudade, por terem sido tão presentes na minha vida. TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Itajaí, junho de 2007. Juliana da Silva Abrantes Pego Graduando PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Juliana da Silva Abrantes Pego, sob o título Os Direitos da Personalidade do Empregado nas Relações de Trabalho, foi submetida em 13/06/2007 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: Ricardo José Engel, Ricardo Córdova Diniz e Marcos Pina Mugnaini, e aprovada com a nota 9,5 (nove vírgula cinco). Itajaí, junho de 2007. Professor Mestre Ricardo José Engel Orientador e Presidente da Banca Professor Mestre Antonio Augusto Lapa Coordenação da Monografia ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS ART. Artigo CLT Consolidação das Leis do Trabalho CF Constituição da República Federativa do Brasil CC Código Civil Brasileiro UNIVALI Universidade do Vale do Itajaí ROL DE CATEGORIAS Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais. Dignidade “A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar”. (Moraes, 2006, p.48) Direito da Personalidade “São direitos essenciais do ser humano, imprescindíveis ao desenvolvimento de suas potencialidades físicas, morais e intelectuais”. (Beltrão, 2005, p.24) Personalidade “A personalidade é um atributo jurídico que revela a aptidão de todo ser humano em desempenhar papéis, ativos, e passivos, no cenário jurídico”. (Lotufo, 2002, p.80) Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana “O princípio fundamental consagrado pela Constituição Federal da dignidade da pessoa humana apresenta-se em uma dupla concepção. Primeiramente, prevê um direito individual protetivo, seja em relação ao próprio Estado, seja em relação aos demais indivíduos. Em segundo lugar, estabelece verdadeiro dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes”. (Moraes, 2006, p.48) Princípios “São ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas, são [...] núcleos de condensações, nos quais confluem valores e bens constitucionais”. (Silva, 1999, p.96) ix SUMÁRIO SUMÁRIO ............................................................................................................. IX RESUMO................................................................................................................ X INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 1 CAPÍTULO 1 .......................................................................................................... 4 DIREITOS DA PERSONALIDADE: BREVE HISTÓRIA........................................ 4 1.1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS ........................................................................... 4 1.2 CONCEITOS E NATUREZA JURÍDICA DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE ................................................................................................ 7 1.3 A CONSTRUÇÃO DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE NA EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO JURÍDICO............................................................................ 11 1.4 CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE ............................................................................................................................. 16 1.5 CLASSIFICAÇÕES DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE ....................... 20 CAPÍTULO 2 .........................................................................................................22 OS DIREITOS DA PERSONALIDADE NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA............22 2.1 PRIMÓRDIOS DA POSITIVAÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE 22 2.2 OS DIREITOS DA PERSONALIDADE NO NOVO CÓDIGO CIVIL............... 25 2.3 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE .............................................................................................. 31 2.3.1 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO CLÁUSULA GERAL DE PROTEÇÃO DA PERSONALIDADE ............................................................................... 33 2.4 OS DIREITOS DA PERSONALIDADE NAS RELAÇÕES DE TRABALHO .. 36 CAPÍTULO 3 .........................................................................................................39 OS DIREITOS DA PERSONALIDADE DO EMPREGADO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO ..........................................................................................................39 3.1 DIREITOS RELATIVOS À INTEGRIDADE FÍSICA ....................................... 39 3.1.1 DIREITO À VIDA .............................................................................................. 40 3.1.2 DIREITO AO CORPO ........................................................................................ 42 3.2 DIREITOS RELATIVOS À INTEGRIDADE MORAL...................................... 44 3.2.1 DIREITO À HONRA........................................................................................... 44 3.2.2 DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA .......................................................... 45 3.2.3 DIREITO À IMAGEM ......................................................................................... 47 3.2.4 DIREITO AO NOME .......................................................................................... 48 3.3 DIREITOS RELATIVOS À INTEGRIDADE INTELECTUAL .......................... 50 3.3.1 DIREITO À LIBERDADE DE PENSAMENTO E EXPRESSÃO ...................................... 50 x 3.4 HIPÓTESES FÁTICAS QUE GERAM INFRAÇÕES AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE DOS TRABALHADORES .................................................... 51 3.4.1 ASSÉDIO MORAL ............................................................................................ 51 3.4.2 DISCRIMINAÇÕES RACIAIS ............................................................................... 53 3.4.3 DISCRIMINAÇÕES EM RAZÃO DA RELIGIÃO ........................................................ 54 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................57 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ..............................................................64 RESUMO O presente trabalho visa discutir a necessidade de se refletir acerca do direito da personalidade como um conjunto determinado de direitos a serem respeitados em todos os ramos do direito, com especial atenção ao Direito do Trabalho, fundado a partir do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Tal princípio foi legitimado, tanto na condição de norma-princípio promulgado democraticamente, como pela evolução histórica dos direitos fundamentais do ser humano. A legislação brasileira tutela os direitos da personalidade a partir da Magna Carta que se irradia sobre as demais normas infraconstitucionais, como o Código Civil de 2002. O ordenamento jurídico brasileiro prevê cláusulas gerais de proteção dos direitos de personalidades, que são assim interpretadas com base nas disposições dos artigos 1°, III da Constituição Federal de 1988 e 12 do Código Civil. A Consolidação das Leis do Trabalho – CLT não versa sobre os direitos em questão. Dispõe, apenas, o parágrafo único do artigo 8° que é possível a integração de norma do direito comum, como fonte subsidiária do Direito do Trabalho. Entende-se assim, como permissão expressa para tutela dos direitos da personalidade nas relações de trabalho, atuando sobre essas as cláusulas gerais de proteção imposta pelas normas acima citadas. No entanto, entende-se necessária a criação pelo Legislador de normas especiais que venham a tutelar lesão ou ameaça de lesão aos direitos da personalidade do empregado. INTRODUÇÃO A presente Monografia tem como objeto os direitos da personalidade do empregado nas relações de trabalho. O objetivo é aprofundar os conhecimentos sobre os direitos da personalidade e a incidência no Direito do Trabalho, visando à realização de uma monografia para conclusão do curso de Direito pela Univali. Para tanto, no Capítulo 1, serão apresentados os conceitos, características, classificações e evolução histórica dos direitos da personalidade, na concepção de vários doutrinadores. No Capítulo 2, será demonstrado como os direitos da personalidade são tipificados na legislação brasileira, a partir da estrutura constitucional, destacando o papel da jurisprudência e doutrina, assim como a identificação da tutela jurídica na Consolidação das Leis do Trabalho. No Capítulo 3, serão tratadas hipóteses fáticas de proteção dos direitos da personalidade, bem como desses direitos em espécie nas relações de trabalho, no intuito de se verificar a efetiva proteção do empregado quando da violação dos direitos da pessoa. Nas Considerações Finais do presente Relatório de Pesquisa serão apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre os direitos da personalidade do empregado nas relações de trabalho. O estudo dos direitos da personalidade do Empregado nas Relações de Trabalho, constitui-se no tema central desta pesquisa, que parte dos seguintes problemas: o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, inserido no artigo 1°, inciso III da CF pode ser considerado como fonte primordial de toda tutela ao direito da personalidade no ordenamento jurídico brasileiro? Cláusulas gerais infraconstitucionais de proteção dos direitos da personalidade 2 são necessárias ou basta a tutela principiológica constitucional da dignidade da pessoa humana? Pode-se aplicar o direito civil como fonte subsidiária do direito do trabalho às violações dos direitos da personalidade? É verificada a tutela jurídica de direitos essenciais que se incorporam ao direito da personalidade ambientado nas relações jurídicas de trabalho? Em face de tais problemas foram levantadas as seguintes hipóteses: Hipótese 1: O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, inserido no artigo 1°, inciso III da CF é fonte primordial de toda tutela ao direito da personalidade no ordenamento jurídico brasileiro, a tal ponto que a violação desse princípio acarretaria ofensa à própria Constituição e à existência do Estado Social e Democrático Brasileiro. Hipótese 2: É necessária a existência de cláusulas gerais infraconstitucionais de proteção dos direitos da personalidade ou basta a tutela principiológica constitucional da dignidade da pessoa humana. Hipótese 3: É aplicável a tutela subsidiária do direito civil às violações dos direitos da personalidade nas relações de trabalho. Hipótese 4: É possível verificar a tutela jurídica de direitos essenciais que se incorporam ao direito da personalidade ambientado nas relações jurídicas do empregado. Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Investigação foi utilizado o Método Indutivo1, na Fase de Tratamento de 1 "Pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral: este é o denominado método indutivo" (grifo no original). PASOLD, César Luiz. Praticada da Pesquisa Jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. Florianópolis: OAB/SC Editora. 6. ed. p. 87. 3 Dados, o Método Cartesiano2, bem como que o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia é composto na base lógica Indutiva. Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as técnicas do Referente3, da Categoria4, do Conceito Operacional5 e da Pesquisa Bibliográfica. 2 O método aludido pode ser resumido em quatro preceitos que são: 1. "[...] nunca aceitar, por verdadeira, coisa nenhuma que não conhecesse como evidente [...]”; 2. "[...] dividir cada uma das dificuldades que examinasse em tantas parcelas quantas pudessem ser e fossem exigidas para melhor compreende-Ias"; 3. "[...] conduzir por ordem os meus pensamentos, começando pêlos objeto mais simples e mais fáceis de serem conhecidos, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo certa ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros"; 4. "[...] fazer sempre enumerações tão completas e revisões tão gerais, que ficasse certo de nada omitir" (grifo no original). PASOLD, César Luiz. Praticada da Pesquisa Jurídica, p. 105-106. 3 "explicitação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitado o alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa". PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica, p. 63. 4 “palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia". PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica, p. 37. 5 “definição uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica, p. 51. CAPÍTULO 1 DIREITOS DA PERSONALIDADE: BREVE HISTÓRIA 1.1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS A idéia dos direitos da personalidade está associada ao reconhecimento dos valores inerentes a pessoa humana. Para a compreensão desses direitos é fundamental destacar a proteção da dignidade da pessoa humana, o mais primário dos direitos. Pode-se afirmar que a dignidade é o objeto que, ao final, será tutelado pelos direitos da personalidade. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 foi considerada pelos doutrinadores a mais evoluída no âmbito dos direitos de personalidade. Trouxe expressamente diversos direitos e garantias individuais, bem como princípios constitucionais da personalidade, a exemplo o princípio da dignidade da pessoa humana, em seu artigo 1°, III.6 Nunes7 entende ser esse o principal princípio codificado na Constituição Brasileira de 1988. é ela, a dignidade, o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional posto e o último arcabouço da guarida dos direitos individuais. A isonomia serve, é verdade, para gerar equilíbrio real, porém visando concretizar o direito à dignidade. É a dignidade que dá a direção, o comando a ser considerado primeiramente pelo intérprete. 6 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 37. 7 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 45. 5 Moraes8 aponta uma dupla concepção para o princípio da dignidade da pessoa humana: O princípio fundamental consagrado pela Constituição Federal da dignidade da pessoa humana apresenta-se em uma dupla concepção. Primeiramente, prevê um direito individual protetivo, seja em relação ao próprio Estado, seja em relação aos demais indivíduos. Em segundo lugar, estabelece verdadeiro dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes. Esse dever configura-se pela exigência do indivíduo respeitar a dignidade de seu semelhante tal qual a Constituição Federal exige que lhe respeitem a própria. A concepção dessa noção de dever fundamental resume-se a três princípios do direito romano: honestere vivere (viver honestamente), alterum nonlaedere ( não prejudique ninguém) e suum cuique tribuere (dê a cada um o que lhe é devido). A pessoa humana, para quemispõe-se os direitos da personalidade, constitui o centro da destinação do ordenamento jurídico. “No sentido jurídico, é para a pessoa que o direito foi feito, conceituando-se pessoa todo ser humano capaz de direitos e obrigações”.9 O código civil atribuiu à pessoa a capacidade de direitos e deveres na ordem civil. Os direitos da personalidade são direitos essenciais do ser humano, imprescindíveis ao desenvolvimento de suas potencialidades físicas, morais e intelectuais.10 Beltrão assim conceitua tais espécies de direito: [...] como categoria especial de direitos subjetivos que, fundados na dignidade da pessoa humana, garantem o gozo e o respeito ao seu próprio ser, em todas as suas manifestações espirituais ou físicas. 8 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos art. 1° a 5° da Constituição da república Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. São Paulo: Atlas, 2006, p. 48-49. 9 ASCENSÃO, José de Oliveira. Teoria geral de direito civil apud BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da Personalidade: de acordo com o novo código civil. São Paulo: Atlas, 2005, p.20-21. 10 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da Personalidade: de acordo com o novo código civil, p. 24. 6 Segundo Bittar11: Com efeito, esses direitos são dotados de caracteres especiais, para uma proteção eficaz da pessoa humana, em função de possuírem, como objeto, os bens mais elevados do homem. Por isso é que o ordenamento jurídico não pode consentir que deles se despoje o titular, emprestando-lhes caráter essencial. Daí, de início, direitos intransmissíveis e indispensáveis, restringindo-se à pessoa do titular e manifestando-se desde o nascimento. De Cupis12 nesse sentido diz: [...] existem certos direitos sem os quais a personalidade restaria uma susceptibilidade completamente irrealizada, privada de todo o valor concreto: direitos sem os quais todos os outros direitos subjetivos perderiam todo o interesse para o indivíduo – o que equivale dizer que, se eles não existissem, a pessoa não existiria como tal. São esses os chamados “direitos essenciais”, com os quais se identificam precisamente os direitos da personalidade. Os direitos da personalidade podem ser classificados13 em: a) relativos à integridade física, entre eles à vida, à saúde e segurança; b) direitos relativos à integridade moral como o direito à imagem, à honra, à dignidade, à privacidade entre outros; c) os inerentes à integridade intelectual dentre eles o direito à liberdade de expressão e de autoria. Esses direitos serão objeto de investigação específica nos capítulos subseqüentes. 11 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006, p.11. 12 DE CUPIS, Adriano. Os direitos da personalidade. Trad. De Adriano Vera Jardim e Antônio Miguel Caeeiro: Lisboa: Liv. Morais editora, 1961, p. 24. 13 FRANÇA, Rubens Limongi. Manual de direito civil. 2. ed. São Paulo: RT. 1971, p. 329. 7 1.2 CONCEITOS E NATUREZA JURÍDICA DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE A doutrina apresenta inúmeros conceitos para os direitos da personalidade, variando conforme a tese adotada pelos autores. Cada doutrinador, consoante sua formação jurídica, apresenta aspectos e relevâncias distintas nas suas definições. Há uma corrente naturalista que reconhece que esses direitos existem não por força da lei, mas por serem inerentes ao homem. Em contrapartida, a tese dos positivistas sustenta que esses direitos derivam da tipificação legal e são operados por força de lei.14 Para Bittar15, naturalista, os direitos da personalidade são: reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade, previstos no ordenamento jurídico exatamente para a defesa de valores inatos no homem, como a vida, a higidez física, a intimidade, a honra, a intelectualidade e outros tanto. E completa: cabendo ao Estado apenas reconhecê-los e sancioná-los em um ou outro plano de direito positivo – a nível constitucional ou a nível de legislação ordinária – e dotando-os de proteção própria, conforme o tipo de relacionamento a que se volte, a saber: contra o arbítrio do poder público ou às incursões de particulares. Na tese positivista sustentada por Orlando Gomes16, são esses direitos “bens jurídicos em que se convertem projeções físicas ou psíquicas 14 MORAES, Alexandre. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1° a 5° da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência, p. 16. 15 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p. 7. 16 GOMES, Orlando. Os direitos da personalidade. Coordenadas Fundamentais, p.6. apud VÁLIO, Marcelo Roberto 8 da pessoa humana por determinação legal, que os individualiza para lhes dispensar proteção”. Segundo o entendimento de Szaniawski17, os bens inerentes ao homem - a vida, a liberdade, a honra - vêm sendo protegidos tanto pelo direito subjetivo como pelo direto objetivo. A proteção que se dá a esses bens é denominada direitos da personalidade. Como já delineado, a doutrina tem apresentado inúmeras definições ao longo dos anos. Devido a essas controvérsias, existem diversas correntes que tentam explicar a natureza dos direitos de personalidade, havendo, inclusive, resistência por parte de alguns autores a admitir a existência desses direitos.18 De início, Savigny foi o primeiro a negar os direitos da personalidade, segundo o magistério de Borges19: Esse autor não admitia a existência dos direitos de personalidade por não lhe parecer possível a hipótese de um sujeito de direito ser, ao mesmo tempo, sujeito e objeto de seu próprio direito. No raciocínio de Savigny, admitir essa possibilidade implicaria a legitimação do suicídio. Quanto à natureza, houve significativas discussões no sentido de os direitos da personalidade pertencerem ou não à categoria dos direitos subjetivos. Hoje a doutrina entende, de forma predominante, a existência desses direitos e sua qualidade como direitos subjetivos20. 17 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 70. 18 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p. 71. 19 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada. São Paulo: Saraiva, 2005, p.20. 20 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p. 72. 9 Entende Godoy21 que essa tese passou por críticas, desde a negação completa de Savigny a concepção de que o homem não poderia ser, ao mesmo tempo, sujeito e objeto de direito. É a teoria segundo a qual os direitos da personalidade se reduziriam a um jus in se ipsum ou direito sobre a própria pessoa.22 Beltrão23 defende a corrente dominante quando explica que apesar de não ser o objeto do direito exterior ao sujeito, isso não significa que os bens e o sujeito sejam idênticos, “pois o modo de ser da pessoa não é a mesma coisa que a pessoa em si, como sujeito de direito”. E cita Pontes de Miranda, que defende a existência dos direitos de personalidade: O direito à personalidade como tal é direito inato, no sentido de direito que nasce com o indivíduo; é aquele poder in se ipsum24, a que juristas do fim do século XV e do século XVI aludiam, sem ser, propriamente, o direito sobre o corpo, in corpus suum potestas. Não se diga que o objeto é o próprio sujeito; nem se pode dizer que, nele, o eu se dirige ao próprio eu.25 De Cupis26 entende não ser o objeto do direito da personalidade exterior ao sujeito e explica: Esta “não-exterioridade” não significa, por outro lado, “identidade”, visto que o “modo de ser da pessoa” não é a mesma coisa que “a pessoa”. Não pode omitir-se sem risco a distância que separa a “não-exterioridade”, ou a “interioridade”, da identidade. E nem sequer pode encurtar-se essa distância opondo ao sujeito, como objeto do seu direito, o complexo dos seus modos físicos e morais, em vez de um seu particular modo de ser. 21 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade. São Paulo: Atlas, 2001, p.30. 22 DE CUPIS. Adriano. Os direitos da personalidade, p. 30. 23 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil, p.5 24 “Direito sobre a própria pessoa” 25 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Campinas: Bookseller, 2000, p.38. 26 DE CUPIS. Adriano. Os direitos da personalidade, p. 28. 10 Borges também, nessa linha de pensamento, considera os objetos dos direitos de personalidade os “bens e valores considerados essenciais para o ser humano” 27. Portanto, não há confusão, nos direitos de personalidade, entre sujeito e objeto de direito. Embora o sujeito de direito possa ser, em última instância, a personalidade mesma, são as várias qualidades ou expressões desta, particularizadas, que são consideradas bens jurídicos. Não é a personalidade o objeto dos direitos de personalidade, mas algumas qualidades, expressões ou projeções dela.28 Além das posições objetivistas e subjetivistas, já definiram direitos da personalidade com direitos sem sujeito. Visão que foi repudiada principalmente por doutrinadores jusnaturalistas. Ver os direitos da personalidade como direitos sem sujeito significa negar-lhes a condição de direitos subjetivos e compreendê-los como reflexos, apenas, do direito objetivo, resumindo-se a bens que juridicamente são protegidos. A verdade, porém é que, no mínimo quando se titulariza a pretensão de proteger esses bens, já ao menos então haverá um direito subjetivo, a um titular cometido. 29 Superada essas classificações dos direitos da personalidade, resta dividi-los de acordo com a dicotomia direito público e direito privado. Os direitos de personalidade públicos, segundo Szaniawski30, “seriam aqueles direitos inerentes à pessoa humana previstos e tutelados pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão e demais convenções internacionais”. Reconhecidos para proteger o homem da ação do Estado. 27 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro Borges. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada, p.20. 28 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro Borges. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada, p.20 29 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de Godoy. A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade, p.32. 30 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p. 87-88. 11 Os direitos de personalidade privados, segundo o autor acima citado, “seriam os mesmos direitos, porém, tratados sob o ângulo do direito privado, nas relações dos particulares entre si, visando a proteção do indivíduo frente às agressões de outro particular”. Segundo Bittar31, na categoria público, inclui-se, normalmente, os direitos à vida, à integridade física, às partes do corpo, à liberdade, o direito de ação. De outro lado, na esfera privada estariam os direitos à honra, ao nome, à própria imagem, à liberdade de consciência e de religião, à reserva sobre a própria intimidade, ao segredo e ao direito moral de autor, a par de outros. Considerando primordialmente os direitos como essenciais ao desenvolvimento da pessoa, independente de os direitos da personalidade terem caráter público ou privado, essa divisão não deve representar mais que uma opção legislativa. 1.3 A CONSTRUÇÃO DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE NA EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO JURÍDICO Os direitos da personalidade tiveram a origem na Grécia antiga e em muitas legislações já era conhecido e aplicado o princípio da personalidade nas relações entre gregos e estrangeiros.32 Naquela época a proteção da personalidade humana se assentava sobre três idéias centrais. Szaniawski33 explica essas idéias: a noção de repúdio à injustiça, a proibição de atos de excesso de uma pessoa contra outra e a proibição da prática de atos de insolência contra a pessoa humana. 31 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.23. 32 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.23. 33 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.24. 12 Por influência da obra de Aristóteles, passou-se a conceber a existência de igualdade entre as pessoas e as idéias de ter a lei o dever de buscar a regulamentação das relações humanas em sociedade, objetivando, sempre, o bem comum. Esta nova visão, imprimida pelos filósofos gregos, consolidou a proteção jurídica da personalidade humana, reconhecendo a existência de um único e geral direito de personalidade em cada ser humano [...].34 Na seqüência evolutiva, foi em Roma a elaboração da teoria jurídica da personalidade.35 Discorrendo sobre o tema, aduz Szaniawski36 que “para o direito romano, a expressão personalidade restringia-se aos indivíduos que reunissem os três status, a saber: o status libertatis, o status civitatis e o status familiae”. Era preciso reunir todos os elementos para atingir a personalidade plena, sendo que, ausente algum deles, restaria prejudicado os outros status, por exemplo, o escravo que possuía liberdade e não era considerado cidadão. Destaca-se, no Direito Romano, a medida Actio Injuriarum para tutelar a personalidade humana, uma cláusula protetora da vida e da integridade física do indivíduo.37 Com o pensamento medieval, o conceito de pessoa humana encontrou alicerce na dignidade, reconhecendo que sobre o homem recaía o fim do direito. É o que se extrai de Szaniawski38, para quem “a Idade Média lançou sementes de um conceito moderno de pessoa humana baseado na dignidade e na valorização do indivíduo como pessoa”. Referindo-se a dados históricos afirma Godoy39: 34 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p. 25. 35 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade, p.15. 36 SZANIAWSKI, Eliamar. Direitos de personalidade e sua tutela, p. 25-26. 37 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade, p.17. 38 SZANIAWSKI, Eliamar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.35. 39 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e is direitos da personalidade, p.19. 13 Contudo, se a hybris grega e a actio injuriarum podem ser consideradas a origem remota da teoria dos direitos da personalidade, em verdade foi particularmente na Idade Média que surgiram, com maior concretude, idéias de valorização do homem, reconhecendo-se nele intrínseco um componente espiritual, mais que corpóreo, cuja significação está em sua dignidade, base da concepção dos direitos da personalidade. O cristianismo exerceu influência na concepção da pessoa, que passou a ser compreendida na ótica do princípio da moralidade. Leite40 registra que: o Cristianismo constitui a base moral indestrutível sobre o que há de ser reconhecido como os Direitos da Personalidade individual. Foi através do pensamento cristão que se assentou a idéia de dignidade do homem. Em continuação, na linha de evolução dos direitos da personalidade, destaca-se o renascimento, e principalmente, o humanismo, que trouxeram, a partir do século XVI, novas idéias para a concretização dos direitos, afirmando a independência do homem e a proteção dos direitos humanos41, “conduziram os juristas da época à formulação do direito geral de personalidade, como um ius in se ipsum, surgindo as primeiras noções de direito subjetivo e a existência de um poder de vontade individual”.42 Nessa mesma esteira, de reconhecimento do valor intrínseco do homem, veio depois, já ao final do período da filosofia renascentista (século XIV a XVI), o Humanismo, caracterizado por um esforço tendente a realçar aquela dignidade do espírito humano, inclusive medida de todas as coisas, difundindo-se o conceito de que, para além da matéria, há no homem esse elemento espiritual, imaterial.43 40 LEITE, Rita de Cássia Curvo. Transplantes de órgãos e os Direitos da Personalidade. São Paulo: J. de Oliveira, 2000, p.8. 41 LEITE, Rita de Cássia Curvo. Transplantes de órgãos e os Direitos da Personalidade, p.8. 42 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.38. 43 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e is direitos da personalidade, p.20. 14 No século XVII, a Escola do Direito Natural, exaltou os direitos da personalidade e desenvolveu amplamente a doutrina do humanismo antropocêntrico, considerando os direitos inerentes ao homem, uma vez que nascem com eles, preexistentes ao seu reconhecimento.44 Idéia combatida pelo positivismo jurídico onde só eram reconhecidos os direitos tipificados na lei. Moraes45 ensina que a teoria jusnaturalista fundamenta os direitos humanos em uma ordem superior universal, imutável e inderrogável. Segundo essa teoria, os direitos humanos fundamentais não são criações dos legisladores, tribunais ou juristas, e, consequentemente, não podem desaparecer da consciência humana. Outra construção que marca, não o reconhecimento, mas a exaltação dos direitos de personalidade, é a dos chamados direitos naturais, que com a escola do Direito natural, no século XVII, considerava aqueles direitos naturais ao homem, pois nascem com ele, correspondem a sua natureza, estão indissoluvelmente unidos à pessoa e são, em suma, preexistentes ao seu reconhecimento pelo Estado.46 Para Moraes47 a teoria positivista, diferentemente do jusnaturalismo, fundamenta a existência dos direitos humanos na ordem normativa, enquanto legítima manifestação da soberania do povo. Dessa forma, somente seriam direitos humanos fundamentais aqueles expressamente previstos no ordenamento jurídico positivado. 44 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.38. 45 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1° a 5° da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência, p. 16. 46 LEITE, Rita de Cássia curvo. Transplantes de órgãos e tecidos e direito de personalidade, p.8-9. 47 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1° a 5° da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência, p. 16. 15 Finalmente, com o Iluminismo e o Liberalismo dos séculos XVIII e XIX, os direitos da personalidade se consolidaram, considerando o homem como ser dotado de razão e de dignidade, que se autodetermina.48 É o que também explica Borges49, afirmando que o direito acerca da personalidade obteve maior importância com o reconhecimento jurídico da dignidade da pessoa humana, bem mais mediante sucessivas conquistas históricas que encontram raízes em vários momentos, tais como na doutrina cristã, no iluminismo, no kantismo e nas reações ao nazismo, do que sua derivação de uma lei natural ou de um direito natural. Conforme leciona Szaniawski50: O Iluminismo condensa o pensamento burguês do século XVIII, par o qual, os principais valores consistem na liberdade; na igualdade de todos os homens; na propriedade privada; no mercantilismo; na tolerância; e liberdades filosóficas e religiosas, possuindo por base a razão e o cientificismo. Bittar51 expressa de forma geral a evolução dos direitos de personalidade: A construção da teoria dos direitos da personalidade humana deve-se principalmente: a) ao cristianismo, em que se assentou a idéia da dignidade do homem; b) à Escola de Direito Natural, que firmou a noção de direitos naturais ou inatos ao homem, correspondentes à natureza humana, a ela unidos indissoluvelmente e preexistentes ao reconhecimento do Estado; e, c) aos filósofos e pensadores do iluminismo, em que se passou a valorizar o ser, o indivíduo, frente ao Estado. 48 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e is direitos da personalidade, p.2021. 49 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. A disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia e autonomia privada, p. 19 50 SZANIAWSKI, Eliamar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.41. 51 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.19. 16 Com isso, os direitos humanos começaram a ter reconhecimento legislativo, inicialmente sob a forma de “Declaração de Direitos”, a exemplo a declaração francesa de 1789, que inaugurou o processo de reconhecimento formal dos direitos de personalidade.52 1.4 CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE Os direitos da personalidade têm características próprias. O Código Civil define-os como intransmissíveis e irrenunciáveis.53 Os doutrinadores não apresentam grandes divergências ao caracterizá-los. Os próprios autores da corrente positivista, no sentido em que defendem, conceituam os direitos como absolutos.54 Bittar 55 explica: Com efeito, esses direitos são dotados de caracteres especiais, para uma proteção eficaz à pessoa humana, em função de possuírem, como objeto, os bens mais elevados da pessoa humana. Por isso é que o ordenamento jurídico não pode consentir que deles se despoje o titular, emprestando-lhes caráter essencial. Daí, são, de início, direitos intransmissíveis e indispensáveis, restringindo-se à pessoa do titular e manifestandose desde o nascimento ( Código Civil, art.2º)56 52 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.19. 53 Código civil/02, art.11: “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”. 54 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.11. 55 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.11. 56 Código civil/02, art. 2º: “A personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. 17 Em relação às características ressalta, Borges57 que, “em geral, os direitos de personalidade são extrapatrimoniais, inalienáveis, impenhoráveis, imprescritíveis, irrenunciáveis, indisponíveis”. Leite58 também caracteriza os direitos da personalidade, acrescentando as categorias de absolutos, intransmissíveis, vitalícios e necessários. Já Bittar59, de forma ampla, agrega aos direitos da personalidade as seguintes características: Constituem direitos inatos (originários), absolutos, extrapatrimoniais, intransmissíveis, imprescritíveis, impenhoráveis, vitalícios, necessários e oponíveis erga omnes, como tem assentado a melhor doutrina, como leciona, aliás, o art., 11 do novo Código. Os direitos são absolutos no sentido de serem coercitivos, devendo ser respeitados por todos, oponíveis erga omnes. O caráter absoluto dos direitos da personalidade os conduz a uma modalidade de obrigação em que o sujeito passivo (universal) permanece indeterminado até que haja a ocorrência de um ilícito, de que decorrerá para o ofensor a responsabilidade de reparar o dano causado. São absolutos pois estão aparelhados de uma sanção contra quem quer que os lese.60 57 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada, p. 32. 58 LEITE, Rita de Cássia Curvo. Transplantes de órgãos e tecidos e os direitos da personalidade, p.30. 59 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.11. 60 LEITE, Rita de Cássia Curvo. Transplantes de órgãos e tecidos e os direitos da personalidade, p.31. 18 Conforme ensina Borges61, “são inatos, pois, ao nascer, a pessoa os adquire automaticamente, não sendo exigido qualquer outro requisito, bastando a vida e a condição humana.” Extrapatrimoniais visto não serem passíveis de valoração pecuniária, porém admite-se possibilidade de ressarcimento econômico quando sofrer lesão. Por serem extrapatrimoniais, são também impenhoráveis.62 Já a intransmissibilidade decorre da impossibilidade de transmissão a outros sujeitos. “Mesmo após a morte da pessoa, não se transmitem por ordenamento”. sucessão, embora continuem a ser protegidos pelo 63 O caráter intransmissível dos direitos da personalidade determina que eles não podem ser objeto de cessão e até mesmo de sucessão, por ser um direito que expressa a personalidade da própria pessoa do seu titular e que impede a sua aquisição por um terceiro por via da transmissão.64 Em regra, são imprescritíveis, pois podem ser discutidos em juízo, independente de prazos prescricionais e decadenciais, mesmo havendo grande discussão doutrinária nesse sentido, bem como, sobre a modalidade de prescrição a ser aplicável, ou a de cunho civilista, prevista no inciso V, § 3º, do art. 206 do Código Civil, ou as prescrições bienal e total de cunho celetista.65 Ensina Leite66 que a vitaliciedade e a necessidade são características que acentuam mais os traços distintivos desse direito. E mais: 61 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada, p. 33. 62 LEITE, Rita de Cássia Curvo. Transplantes de órgãos e tecidos e os direitos da personalidade, p.31. 63 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada, p. 33. 64 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil, p. 11. 65 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p.24. 66 LEITE, Rita de Cássia Curvo. Transplantes de órgãos e tecidos e os direitos da personalidade, p.37. 19 ”trata-se de direitos que permanecem ligados em caráter definitivo à pessoa do respectivo titular”. São imprescritíveis, não se extinguindo, quer pelo não uso, quer pela inércia na sua defesa.67 Os direitos da personalidade são também irrenunciáveis. 68 Segundo Beltrão : Nesse sentido, são irrenunciáveis, pois a pessoa não pode abdicar de seus direitos da personalidade, mesmo que não os exercite por longo tempo, uma vez que ele é inseparável da personalidade humana. Conforme Lotufo, são indisponíveis “porque o titular não pode privar-se de seus direitos da personalidade, o que é muito mais do que intransmissibilidade ou inalienabilidade.”69 Em relação à inalienabilidade explica Borges70 que os direitos da personalidade não podem ser vendidos ou doados a outras pessoas. Assim, não há aquisição nem extinção de direitos de personalidade por meio de negócios jurídicos, mas apenas pelo nascimento e, em certos casos, pela morte do sujeito. Essas são as principais características dos direitos da personalidade, que em virtude das suas particularidades se tornam tão essenciais ao homem, mas não se pode deixar de ressaltar que a titularidade desses direitos não é inerente apenas à pessoa física. Também a detêm os nascituros, as pessoas jurídicas e o morto devidamente representado. “Ao terem, portanto, 67 LEITE, Rita de Cássia Curvo. Transplantes de órgãos e tecidos e os direitos da personalidade, p.35. 68 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil, p.27. 69 LOTUFO, Renan. Código civil comentado: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 49. 70 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada, p. 33. 20 aqueles direitos feridos, poderão pleitear em juízo a reparação de danos, bem como, a cessação à ameaça”.71 1.5 CLASSIFICAÇÕES DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE As formas de classificação dos direitos de personalidade são divergentes entre os doutrinadores. Mesmo não havendo total uniformidade doutrinária, uma vez que são muitos os direitos, as categorizações são bastante aproximadas. Cada doutrinador busca critérios próprios para agrupá-los e classificá-los. Bittar72 explica que novos direitos da personalidade são constantemente criados, principalmente pela jurisprudência e pela doutrina, e em virtude disso, necessária se faz a adoção de classificações flexíveis que possam abrigar esses novos direitos. Destaca-se a classificação feita por Bittar73: a) direitos físicos; b) direitos psíquicos; c) direitos morais; os primeiros referentes a componentes materiais da estrutura humana (a integridade corporal, compreendendo: o corpo, como um todo; os órgãos; os membros; a imagem, ou efígie); os segundos, relativos a elementos intrínsecos à personalidade (integridade psíquica, compreendendo: a liberdade; a intimidade; o sigilo) e os últimos, respeitantes a atributos valorativos (ou virtudes) da pessoa na sociedade (o patrimônio moral, compreendendo: a identidade; a honra; as manifestações do intelecto). A classificação apresentada faz referência à pessoa como ente individual e também como ente social. Ainda, sobre o tema, Bittar74 acrescenta: 71 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p. 24. 72 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. p. 17. 73 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. p. 69. 21 [...] incluímos, entre os direitos físicos, os seguintes direitos: à vida, à integridade física (higidez corpórea); ao corpo; a partes do corpo (próprio e alheio); ao cadáver e a partes; à imagem (efígie) e a voz (emanação natural). Entre os psíquicos, inserimos os direitos: à liberdade (de pensamento, de expressão, de culto e outros); à intimidade (estar só, privacidade, ou reserva); à integridade psíquica (incolumidade da mente); ao segredo (ao sigilo, inclusive profissional). Entre os de cunho moral, colocamos os direitos: à identidade (nome e outros sinais individualizadores); à honra (reputação, ou consideração social), [...]; ao respeito [...]; às criações intelectuais. Outra importante classificação é a elaborada por De Cupis75 Direito à vida, direito aos alimentos; direitos a integridade física; direito sobre partes separadas do corpo, direito sobre o cadáver; direito à liberdade; direito à honra, direito ao resguardo pessoal, direito à imagem; direito ao segredo (correspondência, profissional, documentos, doméstico); direito à identidade pessoal (ao nome); direito ao título (nome nobiliárquico); direito ao sinal figurativo (brasão); direito moral do autor. Gomes76 agrupa esses direitos em duas classes: os relativos à integridade física, como o direito à vida, ao próprio corpo, no todo ou em partes, e ao cadáver e os relativos à integridade moral, como o direito à honra, à liberdade, ao recato, ao segredo, à imagem, ao nome, e o direito moral do autor. Renan Lotufo77 divide os direitos da personalidade em direitos à integridade física e à integridade moral. Nos direitos à integridade física estão inseridos o direito à vida, o direito sobre o próprio corpo e o direito ao cadáver. Nos direitos à integridade moral estão o direito à honra, à liberdade, à 74 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. p. 69. 75 DE CUPIS, Adriano. Os direitos da personalidade. 76 GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil, Rio de Janeiro: Forense, 1995, p.141. 77 LOTUFO, Renan. Código civil comentado: parte geral, p. 50. 22 privacidade, à intimidade, à imagem, ao nome e os direitos morais sobre criações pela inteligência. Fica evidenciado que certos direitos estão inseridos em todas as classificações apresentadas, representando pontos de concordância entre os autores e suas teses, possibilitando uma futura estruturação definitiva. CAPÍTULO 2 OS DIREITOS DA PERSONALIDADE NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA 2.1 PRIMÓRDIOS DA POSITIVAÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE O desenvolvimento histórico dos direitos da personalidade revela que a preocupação de defender a pessoa humana contra as agressões a esses direitos foi raramente apreendida pelo legislador e, quando o foi, deu-se com visível lentidão.78 Coube à jurisprudência a consagração formal desses direitos. Em atenção à contínua invasão da privacidade humana79, formou-se uma jurisprudência voltada à preocupação no sentido de proteger a intimidade da pessoa humana, sua imagem, seu nome, seu corpo, proporcionando os meios adequados de defendê-los. Apesar de tímida e, de um modo geral, um tanto resistente às grandes inovações, a jurisprudência brasileira dos últimos anos caminhou muitos passos em direção ao aprimoramento dos direitos de personalidade, embora não tenha expressamente reconhecido até o momento, a existência de uma cláusula geral de proteção da personalidade humana implícita na Constituição.80 A grande contribuição dos tribunais brasileiros para a tutela dos direitos da personalidade deu-se em relação ao direito à própria imagem e ao direito à intimidade. A maior parte da tutela dos tribunais relativa ao direito à 78 LEITE, Rita de Cássia Curvo. Transplante de órgãos e tecidos e os direitos da personalidade, p.38. 79 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.56. 80 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p. 202. 23 imagem tem ocorrido através da publicação de fotografias de pessoas para publicidade e marketing.81 Doutrinadores renomados também tratam dos direitos da personalidade, sendo o pioneiro no Brasil Teixeira de Freitas.82 Sobre essa matéria, tem sido admitida na doutrina moderna a existência de uma cláusula geral e, ao lado, direitos especiais de personalidade que se revelam em forma de cláusulas gerais menores de tutela da personalidade humana.83 Segundo Bittar84, o passo decisivo entre os doutrinadores, para a sistematização desses direitos, foi o texto do anteprojeto de Código Civil, com a dedicação de capítulo especial a esses direitos. De extraordinária influência a obra de Orlando Gomes, que, além dos textos doutrinários, como o capítulo especial em sua Introdução ao Direito Civil, apresentou Anteprojeto de Código Civil, com a inserção desses direitos.85 Bittar apresenta a opinião de que muitos doutrinadores brasileiros se mostram deficitários ao escrever sobre direitos da personalidade, prendendo-se apenas na forma disposta no Código Civil. Autores existem que, mesmo dentro de nosso século, não cuidam dos direitos da personalidade. Outros doutrinadores, embora se refiram a esses direitos, mantêm-se na orientação tradicional de versar apenas os aspectos dos direitos da pessoa, na forma consagrada pelo nosso Código Civil.86 Mesmo considerando os dizeres desse doutrinador, não há como negar os benefícios advindos dos estudos realizados por diversos autores no âmbito dos Direitos da Personalidade. 81 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.202-203. 82 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.36. 83 SZANIAWSKI, Elimar. Diretos de personalidade e sua tutela, p.179. 84 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.37. 85 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.37. 86 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p. 37. 24 A doutrina e a jurisprudência pátria não são restritas apenas à tutela dos direitos tipificados. Foram extrapolados os direitos previstos no artigo 5° da Constituição Federal e os tipificados entre os artigos 11 e 21 do Código Civil de 2002, ampliando, felizmente, a lista de direitos a serem protegidos.87 Segundo entendimento de Borges88: a concepção dos direitos da personalidade como uma série aberta de direitos encontra fundamento no art. 1°, III, da Constituição, que estabelece a dignidade humana como princípio fundamental, e no § 2° do art. 5°, que amplia a proteção da pessoa a todas as circunstâncias necessárias à garantia de sua dignidade, independentemente de tais garantias estarem previstas expressamente. Sempre haverá situações atípicas de risco à dignidade da pessoa humana. Conceber os direitos da personalidade como uma lista fechada de tipificações é insuficiente diante do que foi determinado pelos arts. 1°, III, e 5°, § 2°, da Constituição Federal. Para a efetiva proteção dos direitos da personalidade é preciso garantir uma interpretação do direito que o considere um instrumento versátil e flexível que se adapte às novas circunstâncias que surgem na sociedade.89 Esse é o papel da doutrina e da jurisprudência, que complementa a legislação acerca dos direitos da personalidade. Faz-se necessário aos tribunais consagrar expressamente como cláusula geral o que a doutrina há muito afirma como direito fundamental do princípio da dignidade da pessoa humana.90 É no artigo 1°, inciso III, da Magna Carta que tal cláusula geral sobrevive e, de forma positiva, plasma em nosso ordenamento como sustentáculo do próprio Estado Democrático de Direito. 87 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada, p.28. 88 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada, p.29. 89 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada, p.19. 90 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.139. 25 2.2 OS DIREITOS DA PERSONALIDADE NO NOVO CÓDIGO CIVIL Os Direitos da Personalidade não foram abarcados pelo Código Civil de 1916. Sob a influência da doutrina civilista predominantemente alemã, que não admitia a existência desses direitos, nesse Código deixou-se de discipliná-los.91 O Código Civil de 1916, que foi inspirado também na cultura do individualismo jurídico e do liberalismo econômico, ideologia que se fundava nos clamores de liberdade e igualdade, de influência da revolução burguesa francesa, foi centralizado no direito privado.92 A burguesia, que era a classe ascendente, precisava garantir a continuidade, a segurança e a expansão de suas relações comerciais, o que a manteria no poder econômico e a consolidaria também como classe política. Assim, exigiu a burguesia a elaboração de leis que assegurassem que suas relações contratuais e suas propriedades poderiam ser administradas livremente, de forma segura, sem que o Estado interviesse em seus conteúdos.93 Neste contexto da história, os Direitos da Personalidade não foram alvo da atenção dos legisladores, inseridos pela primeira vez no sistema positivado brasileiro no anteprojeto de Orlando Gomes de 1963. No direito projetado, o Anteprojeto Orlando Gomes (1963) previu a introdução desses direitos no livro das pessoas (arts. 29 a 44), em dois capítulos, um sob rubrica de “direitos da personalidade” (arts. 29 a 37) e outro especial sobre o direito ao nome (arts. 38 a 44). Continha disposições relativas à tutela dos direitos (art.29) e atos de disposição do corpo e do cadáver; a tratamento médico; à 91 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos da personalidade e sua tutela, p.135 92 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada, p.76-77. 93 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada, p.77. 26 imagem; aos pseudônimo).94 direitos autorais e ao nome (incluindo Em que pese o anteprojeto de Código Civil de Orlando Gomes constituir prova inegável do avanço na tutela de direitos da personalidade, nele não está expressa uma teoria geral, mostrando-se insuficiente, dependendo das jurisprudências para suprir as lacunas.95 Silvio Rodrigues96 refere-se às jurisprudências: Bem antes de ser inserido no anteprojeto de Código Civil de Orlando Gomes, 1962, que na primeira vez tentou disciplinar a matéria entre nós, a jurisprudência brasileira consagrava um sistema de proteção aos Direitos da Personalidade, segundo trilha igual à da jurisprudência e da legislação alienígena. Essa proteção consistia em propiciar à vitima meios de fazer cessar a ameaça ou a lesão, bem como de dar-lhe direito de exigir reparação do prejuízo experimentado, se o ato lesivo já houvesse causado dano. O anteprojeto de Orlando Gomes não vingou, vindo a transformar-se em novo Código Civil, o Projeto de Lei 634-B, de 1975, que trata dos direitos da personalidade na Parte Geral, Livro l, Título I, Capítulo II, artigos 11 a 21.97 Assim, se os direitos da personalidade encontravam disciplina esparsa e marginal na legislação codificada anterior, o novo Código trata de maneira objetiva da matéria. No entanto, não esgota a disciplina da matéria, mas ao menos recolhe princípios e traços fundamentais para a orientação do intérprete do ordenamento civil brasileiro, deixando à doutrina e à 94 LEITE, Rita de Cássia Curvo. Transplantes de órgãos e tecidos e o direito da personalidade, p.41. 95 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.135. 96 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: parte geral. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 65. 97 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.136. 27 jurisprudência o preenchimento das lacunas restantes no tocante à matéria.98 A disciplina da personalidade humana pelo Novo Código Civil pode ser dividida em duas grandes modalidades: tutela geral da personalidade, consubstanciada no artigo 12, que se constitui na cláusula geral protetora do direito geral da personalidade e algumas tipificações de direitos da personalidade, expressas nos artigos 13 a 21.99 A disciplina da matéria inicia com o artigo 11100 que foi dedicado a enunciar algumas das características do direito da personalidade, como a irrenunciabilidade e intransmissibilidade, que não podem sofrer limitação voluntária.101 As hipóteses de transmissibilidade dos direitos da personalidade ocorrem, sobretudo, quando se trata de transplantes e doações de órgãos autorizados pelo titular do direito físico da personalidade, havendo poucas outras hipóteses em que a lei autoriza a renúncia ou a cessão de direitos personalíssimos.102 No dispositivo seguinte, artigo 12, está pontuado: “Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”, em cujo parágrafo único está disposto: ”Em se tratando de morto, terá legitimidade para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau”. 98 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.42-43. 99 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.178. 100 Código civil/02, art.11: “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”. 101 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p. 180. 102 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.43. 28 Pretende o legislador conferir ampla abrangência à tutela dos direitos personalíssimos, em face de todo tipo de ameaça ou constrangimento, abrangindo, inclusive, os direitos do de cujus.103 O Código Civil prevê no artigo 12 o direito de a vítima de atentado à sua personalidade requerer, independente da indenização de dano, a cessação imediata do fato lesivo quando a ação do agente se prolongar no tempo.104 Nos artigos 13, 14 e 15 estão preservados o direito à vida, o direito ao corpo, o direito à partes do corpo, sendo que o artigo 13105 versa sobre os atos de disposição do próprio corpo e o parágrafo único dessa artigo versa sobre o transplante de órgãos na forma de Lei Especial. Este artigo proíbe o ato de disposição do próprio corpo que importar a diminuição permanente da integridade física ou contrariar os bons costumes, salvo por exigência médica.106 Tendo em vista a preservação da unidade corpo e alma, os limites naturais impostos pela dignidade humana determinam o respeito ao direito, à vida e à integridade física. Por isso, não se permite a disposição do corpo humano que torne inviável a vida ou a saúde, ou cause deformidade permanente.107 Seqüência, no artigo 14, com intuito de evitar o comércio ilícito do corpo, bem como fomentar o espírito altruísta e a contribuição para a 103 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.43. 104 SZANIAWSLI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.181. 105 Código civil/02, art. 13: “Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes”. Parágrafo único: “O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial”. 106 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada, p. 169. 107 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil, p.109. 29 ciência108, está disposto: “É válida, com o objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte”. No Novo Código Civil está prevista a possibilidade de a própria pessoa, em vida, dispor do seu corpo para depois da morte, desde que o faça com fins não onerosos, com objetivo científico ou altruísta.109 Em se tratando do direito à vida, no artigo 15 está preceituado que: “Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou intervenção cirúrgica”. A pessoa tem o direito de recusar tratamento médico que possa violar a sua integridade física e pôr em risco a sua vida. Todavia a manifestação de vontade do paciente deve ser também de forma consciente dos riscos que podem surgir pela não-intervenção médica.110 Nos artigos 16111, 17112, 18113 e 19114, está prevista a proteção do nome, nele compreendido o prenome, o patronímico, inclusive o pseudônimo. O nome constitui-se no primeiro elemento identificador da pessoa e por esta razão integra a personalidade.115 Sobre o artigo 17 do Código Civil Bittar116 preleciona: 108 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p. 44. 109 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil, p.111. 110 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil, p.112. 111 Código civil/02, art. 16: “Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome”. 112 Código civil/02, art. 17: “O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou apresentações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória”. 113 Código civil/02, art. 18: “Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial”. 114 Código civil/02, art. 19: “O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza de proteção que se dá ao nome”. 115 SZANIAWISKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.189. 116 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.44. 30 Aqui deseja o legislador conferir ampla proteção à pessoa humana em face dos ataques, comuns e cotidianos, contra a honra (subjetiva e objetiva), por meio do uso do nome em publicações ou exposições, mesmo com intenções não difamatórias (animus jocandi). No artigo 20 e parágrafo único encontram-se disposições versando sobre o direito ao segredo, à imagem e à honra: Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais. Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes. A intimidade da pessoa humana está amparada pelo artigo 21 do Código Civil brasileiro: “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”. Outra disposição de forte caráter principio lógico e instrumental no novo Código é aquela contida no art. 21, que reza, acerca do direito à vida privada, à privacidade, à reserva, ao estar só, à intimidade e ao recato (direito psíquico da personalidade).117 Em virtude da suma importância dos direitos da personalidade, o legislador, em especial atenção, dedicou-lhes capítulo exclusivo no Código Civil de 2002 (Capítulo II). 117 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.45. 31 2.3 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 incluiu no seu artigo 5° longa declaração de direitos individuais, direitos à intimidade, à vida privada, à imagem, à voz e o direito de resposta já garantidos no artigo 153 da Constituição de 1967. Pela Carta Constitucional de 1988, foi assegurada aos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade e à segurança. Ainda, no inciso X118 do artigo 5° foi ratificada a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e a imagem das pessoas, assegurando a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Com a inserção de novos direitos foi ampliado o rol dos direitos da personalidade contemplado na Constituição de 1967, centrando-se no “direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade”.119 Refere-se o novo texto, ao lado das liberdades e do sigilo, especialmente a: intimidade; vida privada; honra; imagem das pessoas (assegurando-se o direito a indenização pelo dano material ou oral decorrente de sua violação: inc. X); direitos autorais (inc. XXVII); participações individuais em obras coletivas; e reprodução da imagem e da voz humana (inclusive nas atividades desportivas: inc. XXVIII).120 118 Constituição Federal/88, art. 5, X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”; 119 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p. 61. 120 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.61. 32 No artigo 5° estão arrolados vários direitos especiais da personalidade, cuja tipificação se encontra no caput e nos incisos desse artigo, como ensina Szaniawski121: No inciso III, do mesmo artigo, garante a Carta Magna o direito à integridade psico-física; inciso V, o direito de resposta e à imagem; no inciso IV, garante a Constituição o direito à livre manifestação do pensamento; no inciso IX é garantido o direito à livre expressão de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação; o inciso X, expressamente garante o direito à intimidade, o direito à vida privada, o direito à honra e o direto à própria imagem da pessoa; no inciso XI, está garantido o direito à inviolabilidade da moradia; no inciso XII, está expresso o direito ao segredo epistolar, das comunicações telegráficas, telefônicas e de dados. Os incisos XIII, XV, XVI e XVII explicitam diversas modalidades de liberdade, tutelada como um todo no caput do art. 5°. Os incisos XXVII, XXVIII, alíneas a e b, e XXIV asseguram proteção aos direitos do autor e do inventor e o inciso XXXV contempla o direito de todo indivíduo de acesso à justiça. De outra forma, a Constituição trouxe expressamente princípios constitucionais de personalidade.122 O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana está disciplinado no inciso III do artigo 1°. O caput do artigo 5° versa sobre o princípio constitucional da igualdade ou isonomia. Já o inciso III do artigo 5° se destaca por nele estar garantido o direito á integridade física. Acerca do princípio da dignidade e da igualdade discorre Szaniawiski123: Estes dois princípios fundamentais conjugados constituem a base, o substrato necessário à constituição dos demais direitos, tutelando a pessoa humana em toda a sua dimensão, uma vez que a mesma é portadora de dignidade e de igualdade, sob seu aspecto formal e material. 121 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.144. 122 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p.37. 123 SZANIAWSK, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.137. 33 No entanto, somente com a incorporação ao quadro constitucional dos direitos fundamentais do princípio da dignidade da pessoa humana é que os direitos da personalidade foram elevados na atual Magna Carta. Na Constituição Federal não está contida expressamente uma cláusula geral destinada a tutelar a personalidade do homem, contudo não se pode negar que não tenha sido absorvida a doutrina do direito geral de personalidade com intuito de proteger a dignidade da pessoa humana e a prevalência dos direitos fundamentais do homem (Título I).124 2.3.1 O princípio da dignidade da pessoa humana como cláusula geral de proteção da personalidade O contido no artigo 1° da atual Constituição Brasileira eleva de forma positivada à categoria de direito fundamental o direito geral da personalidade, como já visto alhures. Assim, é essa a principal cláusula geral de proteção da personalidade em nosso direito pátrio125, ainda que não expressa. Dispõe o mencionado artigo constitucional: Art. 1° A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana; [...] 124 SZANIAWISK, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.136. 125 SZANIAWISKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.139. 34 Silva126 esclarece que a palavra princípio, inserida no Título Dos Princípios Fundamentais, tem a idéia de “mandamento nuclear de um sistema”. E afirma que: As normas são preceitos que tutelam situações subjetivas de vantagem ou de vínculo, ou seja, reconhecem, por um lado, a pessoas ou a entidades a faculdade de realizar certos interesses por ato próprio ou exigindo ação ou abstenção de outrem, e, por outro lado, vinculam pessoas ou entidades à obrigação de submeter-se às exigências de realizar uma prestação ou ação abstenção em favor de outrem. Os princípios são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas, são (...) “núcleos de condensações” nos quais confluem valores e bens constitucionais. Mas, (...) os princípios, que começam por ser a base de normas jurídicas, podem estar positivamente incorporados, transformando-se em normas-princípio e constituindo preceitos básicos da organização constitucional. Do exposto acima, pode-se afirmar que o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, como norma-princípio, por si só, já estrutura todas as tipicidades dispostas nas legislações infraconstitucionais, reconhecendo, inclusive, a existência de cláusulas específicas do direito da pessoa. A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, conforme Moraes.127 O direito à vida, à intimidade, à honra, à imagem, dentre outros, aparece como conseqüência imediata da consagração da dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil. 126 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 1999, p.95-96. 127 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1° a 5° da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência, p.48. 35 Para um autêntico e social Estado de direito, as normas constitucionais devem possuir efeitos imediatos no âmbito privado, nas relações jurídicas entre os indivíduos que são imprescindíveis para uma sociedade livre. Desse modo, funciona e atua o princípio da dignidade da pessoa como uma cláusula geral de tutela da personalidade do ser humano.128 Tal norma-princípio, em sua concepção, possui eficácia vinculante, podendo trazer limitações na autuação do poder público. Assim como as garantias individuais constitucionais limitam a atuação do Estado sobre o indivíduo, da mesma maneira, o direito geral da personalidade, construído a partir da noção de dignidade, poderá trazer limitações às liberdades públicas.129 Entretanto, há apenas uma cláusula geral acerca do direito da personalidade implícita na Constituição Federal. A necessidade de dispor expressamente tal cláusula está sendo discutida atualmente pelos doutrinadores. A grande vantagem da existência de uma cláusula expressa que garante o livre desenvolvimento da personalidade, ao lado da salvaguarda da dignidade, reside no fato de que uma cláusula desta natureza poria fim às discussões em torno da existência ou não de um direito geral de personalidade no sistema jurídico brasileiro, dispensando as interpretações e dúvidas quanto a esta existência.130 Enquanto não suprida essa necessidade, é de fundamental importância o papel da doutrina e, principalmente, dos tribunais na aplicação do art. 1°, III, CF como matriz motivada do entendimento e valoração do direito da personalidade. 128 SZANIAWISKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.143. 129 SZANIAWISKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.143. 130 SZANIAWISKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.136. 36 2.4 OS DIREITOS DA PERSONALIDADE NAS RELAÇÕES DE TRABALHO A Consolidação das Leis do Trabalho, na mesma trilha do antigo Código Civil, não dedicou atenção aos direitos da personalidade, salvo em raras exceções. Um caso é a rápida e discreta referência, nos artigos 482, alínea j, e 483, alínea e, à ofensa à honra e à boa fama como hipótese para a rescisão de trabalho. Caso é a recente proibição de revistas íntimas, constante no artigo 373-A, inciso VI, introduzido pela Lei n. 9.799.131 Existe entre os doutrinadores divergência quanto se as disposições do Novo Código Civil podem ser aplicadas no direito do trabalho nacional, diante da lacuna na legislação laborativa brasileira. Acerca do preenchimento dessa lacuna, Válio132 considera o parágrafo único do artigo 8°133 da CLT: A apontada lacuna da legislação trabalhista brasileira é preenchida com a aplicação subsidiária do direito comum, especialmente com o novo Código Civil, nos termos do parágrafo único do art. 8° da CLT, o que não deixa de suscitar questões algo delicadas, seja pelas peculiaridades da relação de emprego, seja por conta das imperfeições das normas postas, como evidencia a consideração dos direitos de personalidade com mais direito reflexo no Direito do Trabalho. Segundo o disposto no referido artigo, aplica-se os dispositivos do Código Civil diretamente nas relações trabalhistas quando da tutela aos direitos da personalidade, conforme exposição a seguir: 131 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p.6364. 132 133 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p.64. Consolidação das Leis do Trabalho, art. 8, § único: “O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste”. 37 Pelo artigo 12 e parágrafo único é possibilitado aos empregados e trabalhadores a possibilidade de defesa de seus direitos de personalidade, tanto preventiva quanto repressivamente.134 Aplicando subsidiariamente o artigo 15 do CC, o empregado poderá se recusar a tratamento imposto por médicos da empresa, mesmo havendo constatação de enfermidades.135 Da mesma forma, o artigo 17 tem efeitos no ramo juslaboral, uma vez que, além da proibição de anotação na CTPS do empregado de informações desabonadoras, agora não poderá o empregador utilizar o nome do empregado para expô-lo ao desprezo público, ainda que não exista intenção difamatória.136 A qualidade de direito da personalidade atribuída ao nome impede que terceiros o usem como prejuízo de seu titular.137 O empregado que tiver esse direito lesionado poderá pleitear indenização por dano moral devido á lesão de seu direito da personalidade. Sobre a mesma temática, os artigos 18 e 19 versam sobre a proteção do nome e o pseudônimo do trabalhador. O empregador poderá usar o nome dos seus empregados em propagandas comerciais, desde que não os exponha ao ridículo e mediante prévia autorização.138 No artigo 21 do CC, está tutelada a vida privada da pessoa natural, cuja guarida também se encontra na Constituição Federal. Desse modo, com a utilização subsidiária do Código Civil, a intimidade dos empregados e trabalhadores está assegurada e é considerada inviolável. 134 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p.66. 135 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p.68. 136 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p.70. 137 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil, p.119. 138 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p.70. 38 Verifica-se a presença de direitos de personalidade inseridos na Constituição Federal de 1988, no Código Civil de 2002, bem como na própria CLT. No que se refere à aplicabilidade dos direitos de personalidade constitucionais, esses se apresentam como princípios, vetores de interpretação ou vigas mestras de todo o ordenamento jurídico brasileiro.139 Os diversos doutrinadores, no âmbito do Direito do Trabalho, divergem sobre a classificação dos princípios juslaboralistas. No entanto, um princípio é praticamente unânime: o princípio da proteção.140 Conforme explica Plá Rodriguez141: “O fundamento deste princípio está ligado à própria razão de ser do Direito do Trabalho”. Sobre o sistema de proteção do Direito do Trabalho, entende Válio142: O Direito do Trabalho busca um sistema de proteção mínima que preserve a dignidade da pessoa humana trabalhadora; nessa perspectiva, os direitos da personalidade tentam compensar a diferença sócio-econômica existente no seio das relações capitalistas de trabalho. Já em outra perspectiva, essas garantias mínimas preservam a diferença econômica existente no seio da sociedade capitalista, embora procure fazer com que a mesma não aumente. Ultrapassada a questão dos novos dispositivos, referentes aos direitos da personalidade, previstos no Novo Código Civil e também na Constituição Federal, faz-se necessário destacar alguns direitos específicos, que serão objeto do próximo capítulo. 139 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p.61. 140 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p.58. 141 PLÁ RODRIGUES, Américo. Princípios de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1996, p.30. 142 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p.61. CAPÍTULO 3 OS DIREITOS DA PERSONALIDADE DO EMPREGADO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO 3.1 DIREITOS RELATIVOS À INTEGRIDADE FÍSICA De grande expressão para a pessoa é o direito à integridade física, pelo qual se resguarda a incolumidade do corpo e da mente. Consiste em manter-se a higidez física e a lucidez mental do homem, opondo-se a qualquer atentado que venha a atingi-las, como direito oponível a todos.143 A preservação da integridade física da pessoa, segundo a maioria dos doutrinadores especializados na matéria, é originada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, da Revolução Francesa, que surgiu sob a égide da escola jusnaturalista, contra o absolutismo estatal, cuja influência remonta às idéias liberais da Inglaterra e da Américas do Norte.144 Falar em integridade física é referir-se ao modo de ser físico da pessoa, partindo da noção de direito à vida, na qual se constrói a idéia única da existência, sendo a integridade física parte dessa idéia, concentrada na manutenção dos atributos e características do corpo.145 Para Bittar a integridade física é um bem ínsito ao ordenamento constitucional, como um dos pressupostos da realização dos objetivos da sociedade, encontrando abrigo no artigo 5°, inciso III, sob formas 143 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.76. 144 LEITE, Rita de Cássia Curvo. Transplantes de órgãos e tecidos e os direitos da personalidade, p.67. 145 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil, p.108. 40 tendentes a abolir-se excessos no sistema repressivo, com o repúdio à tortura, às penas cruéis e ao tratamento desumano.146 O bem da integridade física segue a par, na hierarquia dos bens mais elevados, do bem da vida. De fato, enquanto este último consiste pura e simplesmente na existência, a integridade física, pressupondo a existência, acrescenta à vida a incolumidade física, de importância indubitavelmente inferior ao seu pressuposto.147 Agredir o corpo humano é um modo de agredir a vida, pois esta se realiza naquele. A integridade físico-corporal constitui, por isso, um bem vital e revela um direito fundamental do homem.148 Sob a denominação de direito à integridade física, encontrase diversos outros direitos, como subtipificações dos direitos da personalidade, como o direito à vida, o direito à integridade corporal e o direito à saúde.149 3.1.1 Direito à vida Dentre os direitos de ordem física, ocupa posição de primazia o direito à vida, como bem maior na esfera natural e também na jurídica, porque ao seu redor e como conseqüência de sua existência estão os demais direitos da personalidade.150 Para De Cupis151 o direito à vida é um direito essencial entre os essenciais, inato, deduzível do direito penal. Direito inato, na medida em que se respeita a pessoa pelo fato de a pessoa ter personalidade. O direito à vida é 146 BITTAR, Carlos Alberto.Os direitos da personalidade, p.77. 147 DE CUPIS, Adriano. Os direitos da personalidade, p.76. 148 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p.202. 149 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.467. 150 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.70. 151 DE CUPIS, Adriano. Os direitos da personalidade, p.72. 41 deduzível do direito penal, pois é no direito penal que contém as normas das quais se pode fazer derivar sua existência. A vida que o direito da personalidade protege é a desde a concepção, sob condição do nascimento de ser com vida. Garantindo ao nascituro a sua devida proteção. Esse direito permanece integrado à pessoa até a morte.152 Bittar153 entende que: Trata-se de direito que se reveste, em sua plenitude, de todas as características gerais dos direitos da personalidade, devendo-se enfatizar o aspecto da indisponibilidade, uma vez que se caracteriza, nesse campo, um direito à vida e não um direito sobre a vida. Constitui-se direito de caráter negativo, impondo-se pelo respeito que a todos os componentes da coletividade se exige. Com isso, tem-se presente a ineficácia de qualquer declaração de vontade do titular que importe em cerceamento a esse direito. Entende-se que o direito à vida é primordial e sublime e deve ser respeitado por todos e tutelado rigorosamente. O direito à vida é também um direito natural, pois a vida é um bem maior, anterior ao próprio direito positivo que apenas reconhece e regula esse direito fundamental.154 Moraes entende que a vida é pré-requisito para os demais direitos: A Constituição Federal garante que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, pois o seu 152 BELTRÃO, Silvio Romeo. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil, p. 102. 153 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.71. 154 LEITE, Rita de Cássia Curvo. Transplantes de órgãos e tecidos e os direitos da personalidade, p.54. 42 asseguramento impõe-se, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos.155 A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 protege a vida como um direito fundamental, consagrando a inviolabilidade, assim como vários tratados internacionais preconizam o respeito ao direito à vida, tais como a Declaração dos Direitos Humanos e o Pacto Internacional dos Direitos Políticos retificado pelo Brasil em janeiro de 1992.156 3.1.2 Direito ao corpo O corpo é considerado um bem da personalidade e, assim, deve ser tutelado pelo Direito. O corpo ainda, determina o aspecto exterior de alguém e é essencial, pois sem ele não existiríamos no mundo físico nem no jurídico.157 Sendo a pessoa a união entre o elemento espiritual e o elemento material, o corpo exerce a função natural de permitir ao homem a vida terrena. Nesse sentido é que a integridade do corpo deve ser protegida na órbita jurídica.158 Segundo Borges159, no texto constitucional, a primeira menção ao direito do corpo encontra-se no artigo 5°, sob expressão “segurança”. No inciso III do mesmo artigo estão estabelecidas a ilicitude de tortura e outros tipos de práticas desumanas ou degradantes. Já no inciso XLVII, está expressa a 155 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais:teoria geral, comentários aos arts. 1° a 5° da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência, p.79. 156 BELTRÃO, Silvio Romeo. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil, p.102. 157 LEITE, Rita de Cássia Curvo. Transplantes de órgãos e tecidos e os direitos da personalidade, p.77. 158 159 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.82. BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro Borges. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada, p. 167. 43 proibição da pena de morte e as penas cruéis, e no inciso XLIX está assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral. No Novo Código Civil está disciplinado o direito ao corpo em três artigos: do 13 ao 15. Está preceituado nesses artigos, quanto à disposição que o indivíduo pode ter do seu corpo e quanto à possibilidade dos atos de disposição para transplantes de órgãos.160 As disposições do corpo ou de partes dele podem ser feitas sem que haja ofensa à integridade física. Nesse sentido, ensina Leite161: De qualquer maneira, os eventuais negócios jurídicos que advenham da disposição do corpo (doações de sangue e de órgãos, por exemplo) têm como característica fundamental a impossibilidade de execução forçada de execução forçada. Quem quer que tenha se obrigado a fazer doação de sangue ou de órgão, a servir de ama de leite, a se submeter a uma cirurgia ou exame médico, ou simplesmente a vender os seus cabelos, não pode ser forçado a fazê-lo, subsistindo no entanto, a sua responsabilidade por eventuais prejuízos. Sobre o tema direito ao próprio corpo, observa-se que várias expressões são relativamente disponíveis e que a autonomia jurídica individual sobre esse direito da personalidade tem sido ampliada cada vez mais em nosso ordenamento jurídico e em nossa sociedade, principalmente no que tange à doação de órgãos.162 160 LEITE, Rita de Cássia Curvo. Transplantes de órgãos e tecidos e os direitos da personalidade, p.83. 161 LEITE, Rita de Cássia Curvo. Transplantes de órgãos e tecidos e os direitos da personalidade, p.83. 162 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada, p. 169. 44 3.2 DIREITOS RELATIVOS À INTEGRIDADE MORAL A vida humana não é apenas um conjunto de elementos materiais. Integram-na, igualmente, valores imateriais, como os morais.163 A moral individual sintetiza a honra da pessoa, o bom nome, a boa fama, a reputação, que integram a vida humana como dimensão imaterial. Ela e seus componentes são atributos sem os quais a pessoa fica reduzida a uma condição animal e de pequena significação. Daí por que o respeito à integridade moral do indivíduo assume feição de direito fundamental.164 3.2.1 Direito à honra Segundo Bittar165, a honra é elemento de cunho moral imprescindível à composição da personalidade do homem. “A honra é o conjunto de qualidades que caracterizam a dignidade da pessoa, o respeito dos concidadãos, o bom nome, a reputação”.166 Nesse sentido, o conceito de honra tem sido dividido em uma vertente interna (honra subjetiva) e outra externa (honra objetiva). Pela primeira, seria ela a auto-estima, o amor-próprio, o sentimento da própria dignidade, a consciência do próprio valor moral e social [...]. Pela segunda, a honra seria o conceito de que o indivíduo desfruta perante a sociedade: é o apreço, o respeito que se lhe devota, a fama e a reputação que ostenta.167 163 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 204. 164 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 204. 165 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p. 133. 166 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p.212. 167 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade, p. 39. 45 Para De Cupis168, a honra é o direito primário, em ordem de importância entre os direitos da personalidade que têm por objeto um modo de ser exclusivamente moral da pessoa. No direito à honra, o bem jurídico protegido é a reputação, ou a consideração social devida a cada pessoa, a fim de permitir-se a paz na coletividade e a própria preservação da dignidade humana.169 3.2.2 Direito à intimidade e à vida privada Na atual Constituição Federal, artigo 5°, inciso X, estão declarados invioláveis, além da honra e da imagem, a intimidade e a vida privada das pessoas. A intimidade e a vida privada são erigidas na Constituição como valores humanos e, em defesa deste direito fundamental, houve uma preocupação no sentido de preservá-las do conhecimento alheio.170 No entanto, na Magna Carta foi mencionado separadamente a intimidade e a vida privada, suscitando, então, dúvidas entre os doutrinadores quanto a distinção desse direitos.171 Para Szaniawski172, na Constituição foram mantidas corretamente as distinções doutrinárias entre a proteção à vida e a proteção à intimidade: A Constituição brasileira, de 5 de outubro de 1988, ao incluir no seu texto a proteção dos direitos à intimidade e à vida privada, como dois direitos especiais de personalidade distintos, manteve corretamente as distinções doutrinárias entre proteção à vida privada e proteção à intimidade da vida privada,[...], já que, como sendo dois conceitos diversos, com extensões de tutela diversas, 168 DE CUPIS, Adriano. Os direitos da personalidade, p.121. 169 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.133. 170 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil, p.129. 171 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade, p. 48. 172 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos da personalidade e sua tutela, p. 305. 46 permitem a mais ampla proteção do indivíduo frente a qualquer espécie de atentado. Silva173, para dirimir as controvérsias quanto à terminologia, adota a expressão direito à privacidade em sentido genérico e amplo, abarcando todas as manifestações da esfera íntima e privada das pessoas: Toma-se, pois, a privacidade como “o conjunto de informação acerca do indivíduo que ele pode decidir manter sob seu exclusivo controle, ou comunicar, decidindo a quem, quando, onde e em que condições, se a isso pode ser legalmente sujeito”. Para Godoy174, quando à doutrina, procura diferenciar esses direitos, estabelece entre os conceitos uma verdadeira relação gênero e espécie ao afirmar que “a intimidade seria um núcleo mais restrito da vida privada”. O direito à vida privada considera a autonomia da pessoa humana, como a liberdade de decidir sobre assuntos íntimos e revela-se como garantia de independência a inviolabilidade da pessoa, da sua casa e de suas correspondências.175 Na concepção de Borges176, considera-se violado o direito à privacidade quando: a) quando há intromissão não consentida em relação ávida privada de alguém, b) quando o acesso às informações da vida privada de uma pessoa for por esta autorizado, mas a divulgação dessas informações a terceiros não foi consentida, c) quando a intromissão não foi consentida e, além disso, houve divulgação das informações obtidas ilicitamente. 173 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 208. 174 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade, p. 49. 175 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil, p. 129. 176 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada, p. 162. 47 Quanto ao direito à intimidade, Bittar177 entende ser de grande relevo no contexto psíquico do indivíduo e se destina a resguardar a privacidade em múltiplos aspectos: pessoais, familiares e negociais. Com o direito à intimidade objetiva-se resguardar a vida íntima e privativa das pessoas.178 Esse direito vem ganhando maior relevo com a expansão das técnicas de comunicação, como defesa do homem contra a ampliação de seu círculo relacional e, em conseqüência, sua exposição perante os públicos mais distintos.179 3.2.3 Direito à imagem A imagem é a representação física de uma pessoa, por meio de fotos, filmes, vídeos, pinturas e outros meios que reproduzem o rosto ou corpo da pessoa que possam servir à identificação dela.180 No artigo 20 do Código civil está regulamentado o direito à imagem. Além dessa previsão civil, na Constituição, artigo 5°, incisos X e XXVIII, a, está assegurada a proteção à imagem da pessoa. A imagem que se protege como direito da personalidade é aquela que pode ser reproduzida através de representações plásticas, compreendendo o direito que tem a pessoa de proibir a divulgação de seu retrato.181 Para Bittar182 a imagem consiste no direito que a pessoa tem sobre sua forma plástica e componentes (rosto, olhos, perfil, busto) que a individualizam na sociedade: 177 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.110. 178 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.301. 179 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.111. 180 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada, p.156. 181 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil, p.123. 182 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.94. 48 Incide, pois, sobre a conformação física da pessoa, compreendendo esse direito um conjunto de caracteres que a identifica no meio social. Por outras palavras, é o vínculo que une a pessoa à sua expressão externa, tomada no conjunto, ou em partes significativas (como a boca, os olhos, as pernas, enquanto individualizadoras da pessoa). Godoy183 entende ser a imagem um direito da personalidade autônomo e independente, principalmente com relação à disponibilidade. “Sabese que a imagem de uma pessoa pode ter seu uso cedido, pra fins econômicos, por meio de contratos próprios”. Essa disponibilidade permite ao titular extrair proveito econômico do uso de sua imagem, ou de seus componentes, mediante contratos próprios, firmados com os interessados, em que autorizam a prévia fixação do bem almejado (figura; efígie; silhueta; rosto; perfil; ou partes: como os olhos, as pernas, os seios, a cintura, as nádegas).184 A disponibilidade do direito à imagem tem importância cada vez maior diante da expansão dos veículos de comunicação, como televisão, jornais, internet, que utilizam a imagem das pessoas como principal instrumento para chamar a atenção do público em geral.185 3.2.4 Direito ao nome O homem tem necessidade de se individualizar, distinguindo-se de outros indivíduos da sociedade como unidade da vida social e jurídica. O bem que satisfaz essa necessidade e que o distingue das outras pessoas é o da identidade.186 183 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Liberdade de imprensa e os direitos da personalidade, p. 46. 184 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p. 95. 185 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada, p. 157-158. 186 DE CUPIS, Adriano. Os direitos da personalidade, p. 179. 49 Bittar187 considera que o nome e outros sinais identificadores da pessoa são elementos básicos de associação para um relacionamento normal nos diversos núcleos: familiar, comercial e outros. E destaca duas funções essências: “a de permitir a individualização da pessoa e a de evitar confusão com outra”. No Código Civil, no seu capítulo sobre os direitos da personalidade, os artigos 16 a 19 dispõem sobre o direito ao nome. “É um direito que abrange prenome e sobrenome e, também, o pseudônimo adotado para atividades lícitas”.188 No plano pessoal, o nome compreende: o patronímico, o apelido de família, ou, ainda, o sobrenome (que designa o núcleo a que pertence o ser); o prenome (o nome propriamente dito da pessoa); o pseudônimo (nome convencional fictício, sob o qual oculta a sua identidade o interessado, para fins artísticos, literários, políticos, desportivos); e a alcunha (ou, na linguagem comum, o apelido: designação dada por terceiro, que compreende algum aspecto ou faceta especial do ser).189 O direito da personalidade ao nome assumi caráter de indisponibilidade e intransmissibilidade, porém, há situações em que o uso do nome pode ser objeto de atividades comerciais. No caso, a pessoa irá dispor somente do direito de usar o nome e não do próprio direito ao nome.190 O uso indevido do nome da pessoa pode ensejar uma reparação por danos morais, principalmente quando o uso é de forma difamatória, com a imputação de fato reprovável socialmente.191 187 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.128 188 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada, p.220. 189 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p. 129. 190 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil, p.120. 191 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil, p.119. 50 3.3 DIREITOS RELATIVOS À INTEGRIDADE INTELECTUAL Outro tipo de violação ao direito da personalidade é o desrespeito à liberdade de pensamento, crença religiosa ou convicção política. Perseguições político-partidárias, muitas vezes, são motivos para a rescisão do contrato de trabalho do empregado, desrespeitando o princípio da liberdade de expressão. 3.3.1 Direito à liberdade de pensamento e expressão Segundo Moraes a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática, tanto as informações inofensivas ou favoráveis, quanto aquelas que possam causar resistência, visto que a Democracia é a “consagração do pluralismo de idéias e pensamentos, da tolerância de opiniões e do espírito aberto ao diálogo”.192 Para José Afonso da Silva193, a liberdade de pensamento se caracteriza como “exteriorização do pensamento no seu sentido mais abrangente”, uma vez que no seu sentido interno, como mera opinião, não cria repercussão maior. As manifestações intelectuais, artísticas e científicas são formas de difusão e manifestação do pensamento, tomando esse termo em sentido abrangente dos sentimentos e dos conhecimentos intelectuais, conceptuais e intuitivos. A Constituição Federal, em seu artigo 5°, inciso IV, resguarda a liberdade de manifestação do pensamento; no inciso VI do mesmo artigo, garante o livre exercício dos cultos religiosos e ainda protege a liberdade 192 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1° a 5° da Constituição Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência, p.113. 193 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 244. 51 de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, no inciso IX do citado artigo. [...], a Constituição garante, em seu todo, a liberdade de pensamento, a todos assegurando, mais ainda, e de forma explícita, o acesso à informação, inclusive preservando o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional (art. 5°, inciso XIV).194 A Declaração Universal dos Direitos do Homem estatuiu em seu artigo 19, como garantia da liberdade de opinião, a de, “sem interferências, ter opiniões e de procurar receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independente de fronteiras”. Nesta senda, com similar disposição, o Pacto de São José da Costa Rica, ao qual aderiu o Brasil, consagrou em seu artigo 13.1 a liberdade de expressão e de opinião.195 3.4 HIPÓTESES FÁTICAS QUE GERAM INFRAÇÕES AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE DOS TRABALHADORES Há situações que ferem frontalmente os direitos de personalidade dos trabalhadores. Algumas dessas hipóteses serão apresentadas nos tópicos seguintes, na linha de pensamento de Marcelo Roberto Bruno Válio196. 3.4.1 Assédio moral O assédio moral no trabalho é uma forma de coação, em função de tratamentos vexatórios, que silenciosamente, causam uma espécie de distúrbio psicológico no empregado. “A vítima do assédio moral é violentada no 194 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade, p. 57. 195 GODOY, Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade, p. 58. 196 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p.74117. 52 conjunto de direitos que compõe a personalidade”, e essa violência se dá tanto por parte do empregador chefe como por colegas de mesma hierarquia empresarial.197 Encontra-se na doutrina de Márcia Novaes Guedes ensinamentos sobre o assédio moral: [...] para que haja assédio moral é necessária a presença de dois requisitos fundamentais, que são a duração no tempo e o objetivo de destruir a vítima. [...] Agressões dessa natureza, normalmente, têm efeito devastador na consciência e auto-estima da vítima[...]198 O assédio moral não se confunde com a natural pressão empresarial do mercado, nem com a figura típica penal do assédio sexual. Válio199 aponta algumas situações caracterizadoras dessa violência moral: a) o empregado sempre é repreendido aos berros, na frente dos colegas de emprego; b) o empregado sempre recebe ameaças verbais de seus superiores; c) o empregado sempre é desprezado em suas falas e trabalhos; d) o empregado sempre é sujeito de piadas, apelidos e desconfortos internos na empresa, sendo considerado o “banana” da turma; e) o empregado é isolado na empresa, diante de uma reintegração judicial decorrente de estabilidade configurada; f) o empregado é constrangido a elaborar tarefas inúteis, com metas impossíveis, diante de ordens do empregador ou seus prepostos; 197 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p.77. 198 GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 41-42. 199 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p.78. 53 g) o empregado é perseguido por seus colegas de empresa, pois possui uma virtude que os demais não tem, sendo considerado um inimigo capital concorrente a uma ascensão profissional. Se o autor do assédio for o empregador ou um superior hierárquico, o empregado poderá postular a rescisão indireta do contrato, pleiteando também indenização por dano moral, diante da violação do direito à intimidade, assegurado no artigo 5°, X da Constituição Federal. Neste sentido destaca-se a decisão do Tribunal Superior do Trabalho: AGRAVO DE INSTRUMENTO. ASSÉDIO MORAL. EMPREGADO GERENTE GERAL DA EMPRESA. REESTRUTURAÇÃO. DANO MORAL VERIFICADO. MATÉRIA FÁTICA. DESPROVIMENTO. É de ser mantida a v. decisão recorrida que entendeu, com base na prova, que restou configurado o dano moral, em face da postura da empresa que afetou a honra do empregado, que exercia a função de gerente geral, com boa reputação e que trabalhava há mais de vinte anos na empresa, e diante da prova de que durante movimento de reestruturação da empresa foi deixado de lado, apenas recebendo salário, sem nada fazer, provocando-lhe abalo psicológico. Incidência da Súmula 126 do c. TST, a inviabilizar a reforma pretendida.200 Segundo destacou Guedes201, o Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais, em decisão, condenou uma empresa por danos morais a uma empregada que sempre era tratada como loura-burra, pelos companheiros de trabalho. 3.4.2 Discriminações raciais A discriminação racial no trabalho encontra suas raízes no passado escravista e colonista, que não se preocupou em inserir os que foram 200 BRASIL, TST, AI 8652/2005, Acórdão 6° Turma, DJ em 13/04/2007. 201 GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 54-55. 54 escravizados no mercado de trabalho. Devido à esse passado desigual, a imagem do trabalhador negro está impregnada de estereótipos, independente do campo trabalhista que atue.202 Condutas que restringem qualquer direito da pessoa em face da sua cor, raça ou etnia são previstas como crime. Do mesmo modo, o legislador estabeleceu como figura típica a injúria consistente na referência da raça, cor, etnia, religião ou origem. A presente legislação protetiva também prevê como crime qualquer conduta que impeça ou obstaculize o livre acesso a lugares públicos ou de finalidades públicas (restaurantes, bares, hotéis, etc.), ao ensino, a cargos, funções ou empregos públicos ou privados, ao uso de transportes públicos, em face tão-somente da raça, etnia, religião ou procedência da pessoa.203 O empregado que sofrer discriminação racial pelo empregador poderá requerer a rescisão do seu contrato de trabalho por falta grave do empregado, bem como pleitear indenização por danos morais com base no princípio constitucional da igualdade e da dignidade da pessoa humana.204 3.4.3 Discriminações em razão da religião A conquista constitucional verdadeira consagração de maturidade de um povo. da 205 liberdade religiosa é É ampla a abrangência do preceito constitucional, nele compreende-se a liberdade de crença, liberdade de culto e de organização religiosa.206 202 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p.87. 203 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1° a 5° da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência, p. 226. 204 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p.90. 205 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1° a 5° da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência, p. 121. 206 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 229. 55 A Constituição no artigo 5°, inciso VIII, afirma que “ninguém será privado dos direitos por motivo de crença religiosa [...]”. Para José Afonso da Silva207, esse preceito constitucional expressa que todos hão de ter igual tratamento nas condições de igualdade de direitos e obrigações, sem que a religião possa ser levada em conta, e continua: E realmente, nesse particular, parece que o povo brasileiro se revela profundamente democrático, respeitando a religião dos demais, e não parece que o fator religião venha sendo base de discriminações privadas ou públicas. Na concepção de Moraes208, o constrangimento à pessoa de forma a forçá-lo a renunciar sua fé ou sua crença religiosa, representa o “desrespeito à diversidade democrática de idéias, filosofias e a própria diversidade espiritual”. Dos principais documentos internacionais, que universalizaram o princípio da liberdade religiosa no século XX, está evidenciado, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pelas Nações Unidas em 1948. Esse documento reconhece diversos direitos religiosos, com texto principal no artigo 18209, com a seguinte redação: Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos. Nesse contexto, afirma-se que não poderá, quaisquer tipos de discriminações quanto à liberdade e convicção religiosa do empregado, 207 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 229. 208 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1° a 5° da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência, p. 121. 209 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p.104. 56 influenciar na sua contratação ou dispensa, sob pena de indenização por danos morais em razão da infração aos direitos da personalidade.210 Após a apresentação de algumas hipóteses fáticas que podem gerar infrações aos direitos da personalidade, cabe ressaltar que graças à evolução da tutela dos direitos da personalidade no ordenamento jurídico brasileiro, em especial a atuação da jurisprudência, outras formas de violações que surgirem encontrarão amparo jurídico. 210 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p.106. CONSIDERAÇÕES FINAIS É fato que há um complexo de normas elencadas num contexto jurídico voltadas à proteção personalíssima do ser. Esse conjunto de disposições positivadas, formando um corpo reconhecido de direito, voltado à personalidade, detém legitimidade muito mais pela permanente evolução histórica das relações dicotômicas entre oprimidos e opressores do que pela positivação dessas próprias normas pelos “fatores de poder”. Como seria possível legitimar o direito à vida, à liberdade, à honra, à imagem, ao corpo, entre outros, sem que o grito dos que sofreram (e os que ainda sofrem) diversas formas de supressão ou negação desses mesmos direitos subjugasse o poder dominante em determinado momento histórico? Haveria respeito e valoração da integridade física numa relação entre empregado e empregador, sem que existissem as lutas de classe a partir da Revolução Industrial ou sem o motor socialista da Revolução Russa? Seria possível corporificar em um estatuto constitucional um princípio básico a emanar as demais produções legislativas e jurídicas (na concepção de poder-dever), como a dignidade da pessoa humana, sem a explosão da filosofia iluminista que alimentou a Revolução Francesa? Como apresentado no primeiro capítulo, foram as evoluções históricas da humanidade, principalmente a partir do século XVIII, que trouxeram legitimidade às idéias que formam os direitos da personalidade. E tais evoluções, resultados de sérios conflitos sociais, sempre com base na relação de opressão política e social, são tão importantes, ao ponto de concretizar os direitos da personalidade. A partir dessa afirmação, construída com apoio da pesquisa sobre os direitos da personalidade, realizada nos capítulos desse trabalho, foi possível examinar as hipóteses formuladas na introdução deste estudo. No primeiro capítulo apresentou-se o conceito dos direitos da personalidade, características inerentes a esses direitos, a classificação e 58 evolução histórica dos direitos da personalidade, seguindo a concepção de vários doutrinadores. No segundo capítulo, foi verificada a tipicidade dos direitos da personalidade na Constituição da República Federativa do Brasil, no Código Civil de 2002, na Consolidação das Leis do Trabalho e destacou-se o importante papel da jurisprudência e doutrina na tutela dos direitos da personalidade antes mesmo da existência da norma expressa. Algumas espécies dos direitos da personalidade, como o direito à vida, à honra à liberdade de pensamento e hipóteses fáticas de desrespeito aos direitos da personalidade do empregado na relação de trabalho, foram elencadas no terceiro capítulo desta pesquisa. A primeira hipótese tratou-se de verificar se o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, inserido no artigo 1°, inciso III, da CF, é fonte primordial de toda tutela ao direito da personalidade no ordenamento jurídico brasileiro, a violação desse princípio acarretaria ofensa à própria Constituição e à existência do Estado Social e Democrático Brasileiro. Conforme se pôde ver, as declarações acerca do homem (1789) e dos direitos humanos (1948) firmaram o principal alicerce do pensamento de dignidade da pessoa que veio a se assentar como princípio positivado na Constituição Brasileira atual: o da dignidade da pessoa humana (art. 1°, III, CF/1988). Esse princípio se legitima, por um lado, mediante a própria história, como já salientado; por outro, por se encontrar inserido num texto constitucional promulgado, a princípio, pelos representantes outorgados pelo povo (“todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” - parágrafo único do art. 1°). Assim, o princípio da dignidade da pessoa humana foi validado não apenas pelo fato de ter sido positivado no ordenamento jurídico brasileiro, mas também, em razão da idéia de legitimação histórica e constitucional. É que, sem tal legitimação, não é possível afirmar, nem ao menos, que seja princípio, nos termos ensinados por José Afonso da Silva, citado alhures. 59 Deve-se entendê-lo como princípio legitimado pelas seguintes condições: história e constituição. Em estando validado, se irradiará sobre as normas que corporificam os direitos da personalidade, atribuindo-lhes eficácia e efetividade. Dessa forma, toda e qualquer relação jurídica, incluídas as relações advindas do vínculo trabalhista, estarão submetidas imediatamente ao crivo do direito da personalidade, uma vez que este é conseqüência direta do reconhecimento da tutela que impõe o princípio da dignidade da pessoa humana. Sendo assim, ficou claro que o contrário, ou seja, qualquer manifestação de desrespeito a um direito da personalidade, fere a legitimação dada ao princípio da dignidade. Se este for ferido, por conseqüência, a própria Constituição será atacada. E, pior ainda, vem de encontro à existência do Estado Brasileiro, levando-se em conta que tal princípio constitui um dos pilares que fundamentam República Federativa do Brasil. Por conseqüência, a Consolidação das Leis Trabalhistas CLT e mesmo as relações jurídicas internas do direito do trabalho não poderão lesar nenhum dos direitos da personalidade por gerar, em tese, inconstitucionalidade. Assim, a primeira hipótese restou confirmada. Noutro falar, o inciso III do artigo 1° da CF é fonte primordial de toda tutela ao direito da personalidade no ordenamento jurídico brasileiro e sua violação acarretaria ofensa à própria Constituição e à Democracia Republicana. Partiu-se para o exame da segunda hipótese. Tento-se verificar se é necessária a existência de cláusulas gerais infraconstitucionais de proteção dos direitos da personalidade ou basta a tutela principiológica constitucional da dignidade da pessoa humana. No capítulo segundo deste estudo, ao esboçar-se a evolução da tipicidade do direito da personalidade na legislação brasileira, ficou demonstrado, com certo assombro, a fragilidade do ordenamento jurídico 60 brasileiro no trato de uma disposição geral de proteção a esses direitos. Essa fragilidade foi observada pelo fato de que no Código Civil de 1916 não houve disposições acerca desses direitos, apesar das tentativas de grandes juristas, como Orlando Gomes. Somente com o Novo Código Civil de 2002 é que se fez menção a uma cláusula geral de proteção dos direitos da personalidade, conforme artigo 12. O assombro foi perceber que, mesmo após os movimentos históricos que confluíram para uma qualificação desses direitos, no Brasil, somente no início do século XXI positivou-se, infraconstitucionalmente, uma norma de aplicação geral de defesa às ameaças ou lesões em abstrato a direito de personalidade. Considerando o fato de que esse novel diploma que trata das relações privadas dos indivíduos é um projeto de 1975, com atributo de reforma do Código de 1916 e, anterior a esse, havia a discussão em torno do anteprojeto de Orlando Gomes de 1963, o assombro é ainda maior. Esse retardo é prova suficiente para crer que, realmente, privilegiou-se um direito privado protegedor de uma classe menor que mantém seu poder excluindo direitos dos demais. Destarte, volta-se ao início dessas considerações, quando se afirmou que da versão de realidade dicotômica entre opressores e oprimidos surgiu a matriz da legitimação dos direitos de proteção da dignidade do ser humano, a partir do momento em que os direitos dos oprimidos insurgiram-se contra o privilégio dos direitos dos opressores. O interregno entre os ideais humanistas surgidos no século XVI, quando se afirmou a independência do homem e a proteção dos direitos humanos (explanados no capítulo 2), e o Código Civil instituído em 10 de janeiro de 2002 é prova substancial do quanto uma tutela infraconstitucional é frágil sem a existência de uma norma-princípio que ilumine e inspire um ordenamento jurídico. Limitando-se a idéia de forma temporal à promulgação da atual Constituição Federal, verificou-se que o princípio da dignidade da pessoa humana, do já referido artigo 1°, inciso III, assumiu, pela importância constitucional, a função, não só como princípio, mas como norma geral de 61 proteção dos direitos da personalidade. Isso em razão desse dispositivo ser de aplicação imediata, conforme classificação das normas constitucionais de José Afonso da Silva, pois estabelece os fundamentos do próprio Estado chamado República Federativa do Brasil. Assim, a defesa dos direitos da personalidade ocorre com a aplicação do artigo 1° cominado com o inciso XXXV do artigo 5º do mesmo diploma constitucional, que dispõe que a “lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. É preciso, também, relevar que uma norma-princípio legitimada pelo povo, mediante seus representantes, afasta o interesse de uma minoria que tenta se sustentar no poder. É que a discussão constitucional, num Estado Democrático torna-se mais ampla e participativa, já relevada por outros fatores históricos, que dão validade à própria norma instituída. Diferentemente de normas infraconstitucionais, nas quais o processo legislativo tem menor participação dos representados e a manifestação de interesses escusos é mais acentuada. Dessa forma, arrisca-se dizer que, a priori, não necessitaria especificamente de uma cláusula geral privada, em face da abrangência de uma cláusula geral constitucional. Tal norma não é ainda considerada pela jurisprudência como uma cláusula expressa, mas concordou-se com a doutrina que assim a reconhece. Entretanto, reconheceu-se a importância de cláusulas gerais incorporadas nas legislações do direito privado, como no Direito do Trabalho. Assim como já esta disposto no artigo 12 do Código Civil de 2002. Nesse sentido é que se entendeu que a segunda hipótese eleita para a presente investigação restou confirmada, ou seja, bastaria sim uma norma-princípio de índole constitucional garantidora da tutela dos direitos da personalidade. No entanto, deve-se considerar também a importância de cláusulas infraconstitucionais, disciplinando aspectos de proteção mais específica dos direitos da personalidade. 62 Na terceira hipótese, a temática se voltou para a aplicabilidade da tutela subsidiária do direito civil às violações dos direitos da personalidade nas relações de trabalho. No capítulo 2 foi feita uma explanação sobre da aplicação do parágrafo único do artigo 8° da CLT, que dispõe: “O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste”. Desse dispositivo pôde-se extrair a ilação de que é permitido expressamente o uso subsidiário de outras fontes do direito comum, principalmente, o Novo Código Civil, em razão não estar os direitos da personalidade tutelados na CLT. Isso possibilitou concluir que as lesões ou ameaças de lesão aos direitos da personalidade nas relações trabalhistas não poderiam ficar desamparadas por uma legislação lacunosa. Ainda que não existisse o artigo 8° da CLT, a tutela constitucional abrangeria essas lides, cujas soluções amparadas no princípio da dignidade da pessoa humana, em face da supremacia da Constituição. A resposta à referida hipótese restou evidente: é obrigatória a aplicabilidade da tutela subsidiária do direito civil às violações dos direitos da personalidade nas relações de trabalho na falta de disposição legal trabalhista. Por fim, em relação a última hipótese: foi possível verificar a tutela jurídica de direitos essenciais que se incorporam ao direito da personalidade ambientado nas relações jurídicas de trabalho. Pelo já exposto, evidenciou-se a importância da tutela dos direitos da personalidade do empregado nas relações de trabalho. Isso se confirmou, primeiramente, com a tutela constitucional do princípio da dignidade da pessoa humana, que é ampla e plena. Consoante as considerações anteriores, sendo a dignidade da pessoa humana norma-princípio, as legislações infraconstitucionais dela emanam, não podendo contrariá-la, pois cairiam em flagrante inconstitucionalidade. Por outro lado, qualquer lesão ou 63 ameaça de lesão ao direito da personalidade estaria afrontando diretamente esse princípio por constituir-se em norma de aplicabilidade imediata. Notou-se que o Código Civil de 2002 vindo a proteger, ora de forma geral, ora específica, os bens jurídicos relativos à personalidade, indiretamente amparou o empregado caso esses mesmos bens sejam lesionados, em virtude da interpretação integrativa do artigo 8° da CLT. A CLT foi incompleta quanto à proteção dos direitos da personalidade. Mas, como já demonstrado, qualquer ofensa a direitos, como os exemplos de casos fáticos mencionados no capítulo 3, encontrará defesa na Lei, na doutrina e na Jurisprudência. Teve-se, pois, como ratificada a hipótese de que há tutela jurídica dos direitos da personalidade ambientados nas relações jurídicas de trabalho. Pretendeu-se, com base na pesquisa, lançar algumas reflexões sobre o tema. A importância dessa discussão está na concretização dos direitos da personalidade como norte maior do respeito à própria pessoa humana. Pela abrangência e complexidade, este estudo não teve a pretensão de esgotar o assunto, ao revés, precisa de novas e mais aprofundadas investigações. REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o Novo Código Civil. São Paulo: Atlas, 2005. BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada. São Paulo: Saraiva, 2005. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Agravo de Instrumento. Assédio Moral. Agravo de Instrumento nº. 8652/2005-004-11-40, da 6ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, DF. 21 de março de 2007. BRASIL. CLT - Consolidação das Leis do Trabalho. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%E7ao.htm. Acesso em 14 de abril de 2007. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm> Acesso em 14 de abril de 2007. DE CUPIS, Adriano. Os direitos da personalidade. Trad. De Adriano Vera Jardim e Antônio Miguel Caeeiro: Lisboa: Liv. Morais editora, 1961. FRANÇA, Rubens Limongi. Manual de direito civil. 2. ed. São Paulo: RT. 1971, p. 329. 65 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade. São Paulo: Atlas, 2001. GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil, Rio de Janeiro: Forense, 1995. GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. São Paulo: LTr, 2003. LEITE, Rita de Cássia Curvo. Transplantes de órgãos e os Direitos da Personalidade. São Paulo: J. de Oliveira, 2000. LOTUFO, Renan. Código civil comentado: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2003. MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Campinas: Bookseller, 2000. MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos art. 1° a 5° da Constituição da república Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. São Paulo: Atlas, 2006. NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 2002. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica – idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito. 7. ed. rev. atual. amp. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2003. PLÁ RODRIGUES, Américo. Princípios de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1996. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: parte geral. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 1999. 66 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2006.