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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
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EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: QUANDO OS SUJEITOS
(RE)SIGNIFICAM O ESPAÇO EDUCATIVO NOS SEUS
MOVIMENTOS DE BUSCA E DE ABANDONO DA ESCOLA
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Por: Elielza Marques de Oliveira
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Orientador
Prof. Marco A . Larosa
Rio de Janeiro
2001
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
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EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: QUANDO OS SUJEITOS
(RE)SIGNIFICAM O ESPAÇO EDUCATIVO NOS SEUS
MOVIMENTOS DE BUSCA E DE ABANDONO DA ESCOLA
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Apresentação de monografia ao Conjunto
Universitário
Cândido
Mendes
como
condição prévia para a conclusão do
Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu”
em Psicopedagogia
Por : Elielza Marques de Oliveira
II
AGRADECIMENTOS
Ao
meu
esposo
e
filhos
pela
compreensão da minha ausência no
decorrer deste trabalho
III
DEDICATÓRIA
A
todos
que
contribuiram
para
a
realização deste trabalho
“Se você tem planos para cinco anos, semeia um
grão. Se tem planos para dez anos, plante uma
árvore. Mas se você tem planos para cem anos,
eduque uma pessoa.”
Desconhecido
IV
RESUMO
Este trabalho pretendeu compreender o que levava os alunos da
educação de jovens e adultos procurar a escola e, depois de algum tempo
abandonarem.
Para
tentar
responder
a
essa
questão,
mesmo
que
provisoriamente, foi realizada uma pesquisa em uma escola da rede estadual
de ensino, no curso do regular noturno de 3ª série do ensino fundamental,
localizada no município de São Gonçalo.
Considerando a fundamentação teórica que baseou esta pesquisa
revelada principalmente no pensamento do educador Paulo Freire, é que se
traz uma outra forma de conceber, pensar e atuar na educação de jovens e
adultos. Sendo assim, reconhece-se os sujeitos presentes no universo escolar.
Busca-se através dos relatos das histórias de vida dos alunos e
professora resgatar os saberes que circulam no cotidiano da escola,
considerando que no confronto entre esses saberes há a possibilidade de se
criar novos conhecimentos.
Como pistas que revelam novas possibilidades de se pensar e
atuar na EJA, apontou-se a formação de ser educador, como parte integrante
nas formulações das políticas da educação de jovens e adultos no país. Uma
formação que precisa reconhecer que o ato educativo, é complexo porque
envolve questões que vão além do espaço escolar. É também um ato político,
porque o educador precisa ter consciência das relações de poder estabelecidas
na sociedade, compreendendo, assim, o seu papel social no espaço escolar.
V
METODOLOGIA
Como caminho metodológico optou-se pelo “mergulho” no espaço
cotidiano escolar, que se deu de forma mais intensa no ano de 2001, onde
foram realizadas entrevistas, observação em aulas, registrou-se momentos
fotográficos
e
procurou-se
conhecer
vários
instrumentos
(materiais didáticos, alguns cadernos dos alunos etc.).
VI
pedagógicos
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CÁP. I - PEDAGOGIA INCLUDENTE.
CÁP.
II
-
BUSCANDO
COMPREENDER
A
PRÁTICA
PEDAGÓGICA.
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
ÍNDICE
FOLHA DE AVALIAÇÃO
ANEXOS
8
9
INTRODUÇÃO
Pensar a Educação de Jovens e Adultos (EJA) no mundo atual
exige um novo olhar para o mundo, percebendo que uma nova ordem sócioeconômica mundial se organiza e os avanços da revolução científicotecnológica causam impacto de todo tipo. O quadro é alarmante : 2/3 da
população do planeta ou está passando fome ou morrendo de fome; as opções
econômicas vêm afetando o meio ambiente no que diz respeito à qualidade do
ar e da água; grande contigente de pessoas são excluídas do mercado de
trabalho. No que se refere a educação, cresce o número absoluto de
analfabetos...Por trás disto, está a idéia da lógica do mercado econômico.
Na reflexão pedagógica sobre essa modalidade educativa, tem
especial relevância a consideração de suas dimensões social, ética e política.
O ideário da Educação popular, referência importante na área, destaca o valor
educativo do diálogo e da participação, a consideração do educando como
sujeito portador de saberes, que devem ser reconhecidos.
Educadores de jovens e adultos identificados com esses
princípios têm procurado, nos últimos anos, reformular suas práticas
pedagógicas, atualizando-as ante novas exigências.
O educador Paulo Freire,
através das
riquezas do seu
pensamento, representa a fonte inspiradora desses princípios. O acesso à
leitura de sua obra foi permitindo ampliar
o olhar para a educação,
especialmente aquela direcionada aos jovens e adultos.
Vale
registrar duas idéias que marcaram essa experiência. A
primeira, quando o educador afirma: “A leitura do mundo precede a leitura
da palavra”. Isso significa dizer que o alfabetizando quando procura a escola
já traz consigo conhecimentos e experiências da vida - sua leitura de mundo indispensáveis para que possa ler a palavra. Experiência e conhecimentos que
vão sendo produzidos nos múltiplos espaços da vida cotidiana. Essa vivência,
9
10
marcada pela relação entre pessoas e conhecimentos vai sendo (re) significada
compondo suas idéias, seus pensamentos, suas aspirações. Assim, os
sentidos atribuídos à leitura de palavras estarão sempre marcados por essa
leitura de mundo, como afirma Paulo Freire (1995, p.63).
“É
partindo
da
leitura
do
mundo:
”Que
alfabetizando faz e com o qual vem aos cursos de
alfabetização (leitura que é social e de classe)... todo processo
de alfabetização de adultos implica o desenvolvimento crítico
da
leitura
do
mundo,
que
é
um
que
fazer
político
conscientizador”.
A segunda idéia importante no pensamento freireano diz respeito
à relação dialógica entre os sujeitos - professor e aluno - no ato educativo, não
havendo, supremacia de um pensamento (do professor), nem a desqualificação
do outro (o do aluno). Ao contrário, esta relação dialógica permite o respeito à
cultura do aluno e a valorização do conhecimento que este traz para a escola.
O diálogo se torna a peça-chave para a compreensão do ser humano e do
próprio processo educativo.
Diversas pessoas não tiveram oportunidade de ter acesso ao
conhecimento sistematizado e institucionalizado na idade própria ou, ainda,
quando conseguiam chegar à escola, foram expulsas após sucessivas
reprovações. Normalmente, depois de algum tempo, voltam à escola para
“recuperar”
o
tempo
perdido.
Entretanto,
na
busca
desse
saber
institucionalizado encontram verdadeiros obstáculos, levando-os, novamente, a
abandonarem a escola, ou serem expulsos dela, mais de uma vez.
O que será que leva os alunos da EJA a procurarem a escola
tardiamente e, depois de algum tempo, a abandonarem ou serem, por ela,
excluídos? Qual a importância do professor na permanência ou exclusão do
aluno na escola? Como percebe o seu papel social e como esse papel se
revela na sua prática pedagógica? O que influencia ou influenciou essa forma
de ser professor?
10
11
Para tentar responder essas questões, mesmo que de forma
provisória, foi desenvolvida uma pesquisa numa escola estadual que oferece o
regular noturno para jovens e adultos, especificamente, na turma de 3ª série do
ensino fundamental. Como caminho metodológico optou-se pelo “mergulho” no
espaço cotidiano da escola, visando sentir, conversar, estabelecer um olhar
renovado para os sujeitos aí presentes (professora e alunos). Esse mergulho
se deu de forma mais intensa em 2001, num período de 3 meses, durante dois
dias da semana.
Nesse tempo, realizou-se entrevistas com a professora e alguns
alunos, no intuito de resgatar suas histórias de vida; conversas com alunos,
professores, funcionários nos vários espaços da escola (refeitório, pátio,
secretaria); procurou-se conhecer vários instrumentos pedagógicos (material
didático, alguns cadernos dos alunos; plano de aula e avaliação do professor);
observação de aulas; fotografias de imagens significativas. Com tantos dados
da pesquisa, foi-se desvelando
os fios que tecem a trama do cotidiano
investigado.
Para melhor compreender esse estudo investigativo a estrutura do
presente documento está composta de dois capítulos. No primeiro - Pedagogia
includente: Uma concepção de educação de jovens e adultos, como próprio
nome sugere,
explicita-se a concepção que irá fundamentar o trabalho de
pesquisa. No segundo capítulo - Buscando compreender a prática pedagógica,
analisa-se o contexto dessa prática, os materiais didáticos e o papel dos
sujeitos na re-significação do espaço educativo da EJA. Finalmente, a
conclusão que aponta pistas, buscando sinalizar questões que poderiam
contribuir para uma prática mais conseqüente, mais ética e mais humana.
11
12
CAPÍTULO 1
PEDAGOGIA INCLUDENTE: UMA CONCEPÇÃO DE
EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS
12
13
PEDAGOGIA INCLUDENTE: UMA CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS
Falar sobre educação de Jovens e Adultos no Brasil exige análise
e discussões bem amplas, dada a complexidade do ato educativo, porque
envolve questões além do educacional, relacionadas às condições de
desigualdade sócio-econômica em que se encontra a maioria da população de
nosso país. Porém, não podemos deixar que essas condições impostas pelo
poder, que certos grupos (elite) exercem sobre outros (populares) e pelo
descaso que nossos governantes dão à educação em geral, principalmente à
educação de jovens e adultos, feneçam nossas forças.
Por isso é imprescindível reporta-se à Paulo Freire, quando
afirma:
“Ao reconhecer que, precisamente porque nos tornamos seres
capazes de observar, de comparar, de avaliar, de escolher, de decidir, de
intervir, de romper, de optar, nos fizemos seres éticos e se abriu para nós a
probabilidade de transgredir a ética, jamais poderia aceitar a transgressão
como um direito mas como uma possibilidade. Possibilidade contra que
devemos lutar e não diante da qual cruzar os braços.” (Freire, 1997, p.113).
Quando Paulo Freire alerta para o perigo de se “cruzar os braços”
reconhece que a luta é uma categoria histórica e, por isso, temos a
possibilidade de reinventar a forma também histórica de lutar. Como a história
não é determinista mas sim feita de possibilidades, as pessoas, assumindo a
condição de sujeitos, produzem também na EJA uma infinidade de
experiências significativas. Algumas vezes influenciadas pelo poder público,
13
14
outras vezes pelo movimento social, outras, ainda, por ações particulares de
pesquisadores e educadores da EJA. Frente a esse universo multifacetado de
práticas educativas, podemos distinguir uma concepção de educação que
reconhece o universo cultural e a experiência do educando em processos
educativos, bem como, o sentido social e político da educação.
Através do pensamento de Cortella (1998) é válido refletir o
sentido social e político desta educação, considerando a imensa massa de
cidadãos adultos ainda analfabetos. Hoje, fala-se euforicamente sobre o
aumento da universalização do ensino fundamental no Brasil, mas não se pode
esquecer que essa dimensão quantitativa é insuficiente para assegurar a
educação às classes trabalhadoras como um direito objetivo de cidadania.
E ele ainda afirma que, a dimensão quantitativa (universalização
do ensino) precisa ser tratado junto com a qualidade social (acesso e
permanência) e a qualidade do ensino (formação contínua do professor; a
relação democrática entre aluno e professores e entre esses e as instâncias
dirigentes;
a
gestão
democrática
englobando
as
comunidades;
a
democratização do saber).
O sentido político e social da educação das classes trabalhadoras
está assim ligado à democratização do saber, marcada por uma sólida base
científica, formação crítica de cidadania e solidariedade de classe social.
Retomando a universalização do ensino, se é verdade que as
classes trabalhadoras, neste momento, passam a freqüentar mais amiúde os
bancos escolares, não se pode negar que, o discurso neoliberal vem
reservando a modalidade de atendimento escolar aos jovens e adultos,
objetivos bastante definidos, que são os de qualificar e requalificar a mão-deobra para atender às exigências do mercado capitalista. Entretanto, não é uma
escola pública na qual o trabalhador simplesmente aprende o que iria utilizar no
dia-à-dia (em uma dimensão utilitária e redutora) que vai revelar uma nova
qualidade social e, sim, aquela que:
14
15
“selecione e apresente conteúdos que possibilitem
aos alunos uma compreensão de sua própria realidade e seu
fortalecimento como cidadãos, de modo a serem capazes de
transformá-la na direção dos interesses da maioria social.”
(Cortella, 1998,p.16)
Ao refletirmos o porquê de não se estabelecer uma intimidade
entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social
que eles têm como indivíduo, estamos nos dando conta de um olhar imbuído
daquilo que Paulo Freire chama de consciência ética. Como educador
devemos estar atento à situação que merece o repensar e o refletir em cima
dessa questão. Para isso é necessário a ética, inseparável da prática
educativa, pois:
“não podemos nos assumir como sujeitos da
procura, da decisão, da ruptura, da opção, como sujeitos
históricos, transformadores, a não ser assumindo-nos como
sujeitos éticos”. (Freire, 1997, p.43).
Saber que se deve respeito à autonomia, à dignidade e à
identidade do educando e, na prática, procurar coerência com este saber,
comprova a superação de uma posição anti-ética. Nesta perspectiva, é antiético, por exemplo, tomar como verdadeiro o saber do educador no espaço
escolar, desqualificando os educandos na sua forma de falar, de se comportar,
tal qual ocorre na prática social mais ampla de uma sociedade marcada pelas
relações assimétricas de poder entre pessoas e grupos.
Para ilustrar situações de uso do conhecimento como o poder que
certos grupos exercem sobre outros, faz-se referência aos exemplos descritos
por Cortella (1998, p.18), quando afirma: “O Conhecimento é fruto da
convenção, isto é, de acordos circunstanciais, que não necessariamente
representam a única possibilidade de interpretação da realidade.” São eles:
15
16
• O termo vândalo, designição do povo de origem
germânica
que
no
século
V
avançou
sobre
domínios
anteriormente conquistados pelos romanos, transmutou-se em
sinal de brutalidade, gerando, inclusive, a palavra vandalismo;
• Muitos livros, ao narrarem a ascensão do mundo
romano, contam as violentas e avassaladoras conquistas por ele
empreendidas usando a valorosa expressão “expansão do
Império”, quando, ao contrário, apontam causas de sua queda,
fala-se em “invasões bárbaras” (sendo que muitas delas eram
somente a retomada de seus territórios); uma é expansão e,
quando feita do mesmo modo pelo outro, é invasão. Assim, temos
“civilização romana”, mas não “civilizações bárbaras”.
Ampliando as reflexões sobre a pedagogia inclusiva e não
excludente, vale à pena retomar o discurso da “qualidade” na educação dos
alunos trabalhadores. O que seria “qualidade” para os teóricos neoliberais e os
homens de negócios? Provavelmente não será o mesmo atribuído por muitos
educadores: o significado de luta e práxis educacional. A concepção de
qualidade para esses educadores, está assim atrelada a uma visão sociológica
e política de educação: o combate às desigualdades, às dominações e às
injustiças de qualquer tipo.
Contrapondo a essa visão de qualidade, os defensores da política
neoliberal formatam um novo sentido a esta palavra. Como está ligado ao
modelo gerencial das instituições, uma nova roupagem ganha espaço e entra
em cena a “Gerência de Qualidade Total” (GQT). Segundo essa perspectiva, a
escola vem sofrendo com a má qualidade, má administração e incompetência
dos professores e se faz necessário tomar medidas que venham solucionar os
problemas detectados.
Dentre estas medidas estão: a determinação de um currículo
comum a todas as escolas do país, a introdução de modernos recursos
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17
tecnológicos nas salas de aulas, programas de capacitação dos docentes, bem
como estratégias de avaliações das escolas. Essa é a expressão daqueles que
ainda pensam que a sociedade, a economia, a educação e todas as esferas da
vida social funcionam melhor se regidas pela lei do mercado. No Brasil, com
base nessa perspectiva, defende-se uma educação que:
“se coloque a serviço do processo de modernização do país e que
atenda as novas exigências do mercado de trabalho, derivadas das
transformações que o recente avanço tecnológico vem provocando no
processo produtivo” (Moreira, 1996).
Assim, o emprego da expressão “GQT” no setor educacional tem
sido justificada, por ser a escola um dos elos da cadeia produtiva e sustenta
uma moral puramente técnica, que na verdade esconde sua natureza
essencialmente política. Segundo Silva (1996, :173) a qualidade da educação
está estreitamente ligada à distribuição dos recursos materiais e simbólicos que
lhe são associados. Quanto mais houver desigualdades, mais ainda poderá se
medir o grau de qualidade de um ou outro serviço, partindo do pressuposto de
que não é possível ignorar o fato de que a qualidade educacional que visa a
competitividade tem sua matriz conceitual na diferença, pois as condições de
igualdades não são viabilizadoras de disputa.
Não se pode deixar de mencionar que a discussão da qualidade
educacional perpassa também a discussão de currículos, dos métodos e dos
processos de avaliação, pois, é sabido que esses critérios estão vinculados à
uma idéia hegemônica que acentua, discrimina e hierarquiza certos saberes
em detrimento de outros.
Nesse sentido, a qualidade na educação tem significado, na
maioria das práticas educativas, a tentativa de preparação dos alunos para a
competitividade, mediante um ensino supostamente mais competente,
fortemente marcado pelo tecnicismo, pelo “como fazer”, e não pelo “por que
fazer”. Não é à toa que muitos países vêm adotando formas de controle por
17
18
meio de estabelecimento de Parâmetros Curriculares Nacionais e Avaliações
Nacionais.
Segundo Moreira (1996) teria-se melhor aproveitamento dessa
propostas curriculares, se fossem direcionados para o apoio e o incentivo a
reformas locais, organizadas segundo os interesses e as necessidades do
professorado, dos estudantes e da comunidade. Porém, o que se percebe é
que estas propostas têm como objetivos: avaliar, classificar e controlar o
trabalho docente, mostrando-se como instrumento de controle nas salas de
aulas.
Esse mesmo autor aponta para o fato de que o currículo nacional,
ao ser justificado como um projeto que visa a construção e preservação de
uma cultura comum, tende a privilegiar um saber em detrimento de outro, ou
seja, manter o discurso hegemônico e excluir os discursos e vozes dos grupos
sociais oprimidos, vistos como “não merecedores de serem ouvidos no espaço
escolar.” Destaca-se também, que o interesse econômico prevalece na
formulação do currículo, assim como a valorização da modernidade da
sociedade como ajuste social, acentuando-se a exclusão e as desigualdades
sociais.
É Moreira ainda, que estimula o debate em torno desta
problemática quando lança os seguintes questionamentos:
“Pode-se construir uma sociedade moderna e
democrática a partir de fundamentos sociais tão precários?
Deve-se organizar a escola e o currículo em conformidade com
as novas necessidades tecnológicas ou deve-se elaborar
teorias pedagógicas e curriculares que considerem a exclusão
social que busquem alternativas de lutas por justiça social?
Há ainda, uma outra crítica desse mesmo autor que dirige-se aos
possíveis efeitos da implantação do currículo nacional nos docentes e
discentes: A desqualificação do professorado, uma vez que se tem uma
“receita” que poderá ser administrada sem maiores complicações. O professor
18
19
de posse desta receita não se sentirá estimulado para buscar alternativas e
inovações em sua atuação pedagógica, visto que, supostamente já as possue.
O tom conservador que está implícito nas propostas curriculares
evidencia um paradoxo no discurso modernizador que ouvimos anunciar e que
está impressa na seleção e organização dos conteúdos curriculares.
No caso da EJA o currículo poderia ser organizado para além das
disciplinas, considerando que o conhecimento que representa - o científico não é o único, nem o verdadeiro. Além disso, o caráter fragmentado das
disciplinas dificulta a compreensão da realidade que é complexa. A adoção de
eixos temáticos ou temas transversais no currículo tem sido o caminho
apontado pelos educadores como aquele que possibilita a circulação de outros
conhecimentos, que confrontados com o científico, favorece a criação de novos
saberes para explicar e atuar na realidade social.
Se conclamamos a favor de uma pedagogia includente e crítica, é
preciso assim, incorporar no currículo as “culturas vividas” pelos alunos jovens
e adultos, respeitando suas experiências e seus saberes, sempre confrontando
com “outros” saberes.
É preciso, ainda, levar em consideração a relação escola e
trabalho, não na ótica da preparação de mão-de-obra qualificada, e sim, no
sentido de considerar o trabalho como eixo fundamental para se pensar o
currículo, através da compreensão de como as sociedades vêm organizando
seus processos de trabalho, buscando compreender o expressivo índice de
desemprego na sociedade brasileira. Como princípio alternativo às críticas
apresentadas às propostas de currículo nacional, é ainda Moreira quem
sugere:
“Ao invés de um currículo que se projete a partir de uma suposta
cultura comum, propõe-se um currículo que parta das desigualdades e
19
20
diversidades da cultura brasileira, dando e garantindo espaço às diferentes
vozes e grupos que constituem”.
Pensar a construção de um projeto político pedagógico da EJA
(currículo) significa resgatar o papel do aluno e professor - sujeitos na trama
social, considerando o desenvolvimento das potencialidades humanas como
um marco, que tem continuidade nas diversas fases da vida humana. Significa
romper com estigmas e rótulos que estão presentes nos discursos oficiais,
priorizando na relação dialética o conhecimento, o saber e a participação ativa
dos sujeitos (aluno-professor) ali envolvidos.
Esses critérios são extremamente importantes para que se
construam relações, tanto nas histórias do cotidiano quanto na vida concreta da
escola, e que vão definindo como os sujeitos sociais ali atuam, pois, como
lembra Edwards (1997)
... “professor e aluno constituem-se sujeitos sociais que se
relacionam e interagem com as diversas situações vividas tanto no mundo da
escola quanto na particular elaboração de seu mundo.” Edwards (1997, p.13)
20
CAPÍTULO 2
BUSCANDO COMPREENDER A PRÁTICA
PEDAGÓGICA
22
BUSCANDO COMPREENDER A PRÁTICA PEDAGÓGICA
2.1 - CONTEXTUALIZANDO A PRÁTICA EDUCATIVA
Inicialmente foi mencionado que, o contexto escolar pesquisado
situa-se no município de São Gonçalo, na rede estadual de ensino em uma
turma de 3ª série do ensino regular noturno, com uma média de 20 alunos.
A escola atende alunos do ciclo básico (1ª a 4ª série) no período
diurno e a noite funciona com o curso regular de 1ª a 4ª série para jovens e
adultos.
Apesar da escola estar localizada bem próximo ao centro de São
Gonçalo, a comunidade escolar é oriunda de bairros periféricos, cujos alunos,
na sua maioria, pertencem à classe popular.
23
Este serviço foi extinto de forma arbitrária, e a partir daí, buscouse os órgãos oficiais, no sentido de compreender os motivos pelos quais se
deixa de oferecer esta modalidade de ensino aos alunos trabalhadores.
O modelo burocrático dos sistemas educacionais e a dificuldade,
de se obter dados para os trabalhos de pesquisa nessa área, impediram de ter
maior clareza sobre a problemática da extinção do curso da EJA. Foi possível
apenas que a divisão técnica informasse o número de escolas que oferecem a
EJA: 44. Desse número, 22 funcionam com o curso supletivo e 22 com o curso
regular noturno.
Seria esse número suficiente para atender a demanda de
escolaridade, ao nível de ensino fundamental, dos jovens e adultos?
Ao contatar a Coordenação de Ensino da II Metropolitana
Regional, a chefe responsável por esse setor afirma que a continuação de um
determinado curso exige número suficiente de alunos e que de acordo com o
diário oficial, a estimativa é que se tenha um número quantitativo de 22 alunos
(1ª a 4ª série) no mínimo.
A visita nas escolas realizada pela controladora que tem a função,
como o próprio nome sugere, de controlar toda a parte burocrática e
administrativa da escola, determina em comum acordo com a direção, as
viabilidades e possibilidades de se executar determinada tarefa. Desta feita,
foram elas (controladora e diretora) que apresentaram através de documentos
encaminhados à coordenadoria o pedido de extinção do curso.
Insistindo nesta questão, segundo o relato da diretora da
respectiva escola, a causa teria sido a elevada taxa de evasão escolar que
ocorria no ano letivo. Assim, sendo, os alunos deste curso foram remanejados
para outras escolas que ofereciam tal serviço.
24
Parece claro que a justificativa utilizada para a extinção de um
serviço que, de uma forma ou de outra, contribui para a garantia do direito
dessas pessoas à educação está estreitamente ligada a lógica do poder,
legitimando um discurso que é próprio daqueles que decidem. Assim, a idéia
de participação que envolve vários sujeitos (incluindo os alunos) é negada na
prática, prevalecendo as idéias, as concepções, os interesses de determinados
grupos.
Neste caso específico a culpabilidade da evasão parece recair
sobre os alunos. São aqueles que, segundo a direção da escola, não “querem”
estudar e, por isso abandonam a escola.
Um dado importante de mencionar é que no quadro de
profissionais que atuam na escola pesquisada - especialista (1), diretor (1) e
professores, incluindo os de EJA (12) - 4 (quatro) possuem nível de
escolaridade superior. Embora essa atuação se deva, segundo eles, a um
desejo de cada professor, não se pode deixar de reconhecer a ausência de
uma formação específica na área da EJA. Problema que marca a história
dessa educação e que, por isso mesmo, exige a sua inclusão nas formulações
da política.
O relato de toda essa problemática torna-se importante para
analisarmos a falta de políticas públicas na EJA, no âmbito federal, que se
expressa pela própria indefinição da responsabilidade da EJA e da limitação
orçamentária para essa área como por exemplo, quando o Presidente da
República veta a possibilidade de inclusão do quantitativo de alunos do
supletivo, para destinação de recursos relacionados ao FUNDEF (Fundo de
Manutenção do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério).
2.2. LIVRO DIDÁTICO: DEFINIDOR DO CONTEÚDO DA EJA?
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Logo no primeiro contato com a escola, dentro da sala de aula, e
ao longo de toda a pesquisa constatou-se que o livro didático se tornou um
acessório indispensável na atividade docente da professora D., na medida em
que ele basicamente definia o conteúdo escolar.
Por que será que o livro didático continua presente nos espaços
escolares, apesar das várias mudanças ocorridas no pensamento pedagógico?
O que faz a escola de hoje continuar adotando o livro didático?
É necessário resgatar a dimensão histórica do uso do livro
didático para tentar compreender um pouco essas questões. Na realidade o
livro didático nasce nos meados do século XVII, quando novas necessidades
sociais exigiam novos moldes de satisfazê-las. Do atendimento quase
individual na classe burguesa a escola agora sob a responsabilidade das
autoridades oficiais, precisa atender centenas de alunos. Assim Comênio
propõe, um plano de organização da escola em um método para se educar
com eficiência - “ensinar tudo a todos”.
Se a existência de muitos livros levava, segundo Comênio, a
distração dos espíritos, ele propôs o uso de um único livro que contivesse todo
o saber da humanidade, tal livro redigido por homens sábios, conforme as leis
da conformidade, da solidez e da benignidade ocupando-se das coisas úteis.
Se naquela época, o livro didático continha os elementos
fundamentais do trabalho docente - conteúdo e método, subtraindo do
professor o seu próprio fazer, ainda hoje, não permaneceria esta mesma
lógica?
Soares (1996) ajuda compreender a própria essência da escola,
quando afirma:
“A escola é uma instituição burocrática, portanto, fundamentalmente
ortodoxa: nela se ordenam e se hierarquizam ações e tarefas... Sobretudo,
26
selecionam-se no amplo campo da cultura, dos conhecimentos, das ciências,
das políticas sociais, os saberes e as competências a serem ensinados e
aprendidos”.
Sendo assim, o saber sofre um processo de seleção, acentuando
a tradição dominante do saber escolar como sendo o saber da elite. Currículos,
programas e materiais representam estratégias sociais e educacionais para a
concretização e operacionalização desse saber produzido pela “humanidade”.
Mas não seria este saber, como nos lembra Costa (1998) aquele produzido
pelo colonizador, branco, europeu? Nesse sentido, o livro didático instituiu-se
historicamente como instrumento escolar para assegurar a aquisição de
saberes e competências julgados indispensáveis “à inserção das novas
gerações na sociedade”, isto é, aqueles saberes que a ninguém é permitido
ignorar.
Ao colocar o livro didático em questão, intenciona-se refletir sobre
seu uso nas práticas de educação de jovens e adultos, pois, este foi utilizado
como fonte exclusiva de informação na prática pedagógica pesquisada, a partir
da qual não posso deixar de me perguntar: onde ficam as demais linguagens
que circulam no cotidiano dos alunos? Como contemplar os conhecimentos
produzidos pelos grupos populares? De que forma um material voltado para o
público infantil pode se destinar ao jovem e adulto?
Para compreender melhor o uso de material didático, já agora nas
práticas pedagógicas da EJA, novamente reporta-se à dimensão histórica de
sua produção. Fávero (1982), menciona que é a partir de uma nova concepção
de educação de jovens e adultos que tinha por princípio alfabetizar com
conscientização é que serão criados materiais educativos para jovens e adultos
rompendo com a lógica que sempre norteou o uso de materiais didáticos para a
EJA (voltado para crianças), como revela um fragmento do livro de leitura Viver
é Lutar produzido na década de 60.
Pedro não desanima.
Sente que a luta não é só dele.
É uma luta de todo o povo.
Luta de todos os homens.
Todos devam lutar por Justiça.
Justiça para todos os homens:
homens que sofrem,
homens que fazem sofrer.
A luta de Pedro é nossa luta.
Todos nós lutamos para viver como homens.
27
Bilhete:
BILHETE é uma carta mais simples e mais curta
Exemplo de bilhete:
Goianinha, 21-6-63
Prezado João
Lembre-se da reunião do Sindicato, domingo próximo, dia 30, aqui na sede.
Avise o pessoal daí e venha com muita gente. O assunto a ser discutido será a
Reforma Agrária, de tanto interesse para todos nós.
Um abraço para você e até Domingo.
Pedro
Exercício:
Escreva bilhetes sobre os seguintes assuntos:
1.° dizendo que estará presente na reunião do Sindicato;
2º a um colega, avisando que haverá reunião na escola.
Esse mesmo autor lembra que a partir de 1970, a poderosa
máquina do Mobral produziu materiais únicos sob a justificativa do baixo custo.
Isso não impediu a existência de outras iniciativas educativas vinculada ao
movimento social, como também, não impediu a existência de outros materiais
didáticos ligados a Fase, o Idac, o Urplan, o Cepis e o Seduc-Social.
Atualmente, apesar da produção ainda restrita nessa área,
vivemos um paradoxo. Ao mesmo tempo que o MEC encaminha a todas as
Secretarias Municipais um conjunto de materiais produzidos por diferentes
entidades (livro didático - SME Curitiba- PR, Parâmetros Curriculares Nacionais
- Ação Educativa / SP, Avaliação Diagnóstica dos níveis de Alfabetismo Adulto
- PUC / RJ) não se pode negar à transferência de técnicas e recursos por parte
das instituições que produzem materiais, para elementos das classes
populares.
28
Retomando a pesquisa, além de perceber que o livro didático
basicamente definia o conteúdo daquela experiência, ainda era possível
perceber o quanto este era desprovido de aprendizagem significativas para o
aluno.
Esses questionamentos possuem uma certa preocupação na
forma como o conteúdo é trabalhado, até porque o ensino da gramática não
assegura aos alunos uma maior desenvoltura no seu processo de escrita. É
possível perceber que a maioria desses exercícios se limitava a enunciados do
tipo: copie, complete, ordene sílabas e separe em sílabas.
É válido ressaltar que o uso da gramática na escola pode ser um
objetivo válido, desde que se utilize alguns procedimentos que vão ajudar o
aluno a dominar efetivamente o maior número possível de regras, isto é,
segundo Possenti (1996, p.83) significa, “que se torne capaz de expressar-se
nas mais diversas circunstâncias, segundo as exigências e convenções dessas
circunstâncias.”
Esse aspecto é relevante na medida em que se faz necessário
adequar cada conhecimento, cada leitura ao mundo do aluno jovem e adulto.
Na concepção desenvolvida por Dayrell (1996, p.156) o aluno aprende quando,
de alguma forma, o conhecimento se torna significativo para ele, ou seja,
quando estabelece relações substantivas e não arbitrárias entre o que se
aprende e o que já conhece. Para esse autor significa dizer que: “a
aprendizagem implica, assim, estabelecer um diálogo entre o conhecimento a
ser ensinado e a cultura de origem do aluno”.
Diferente desta concepção, o que foi oferecido aos alunos através
de textos infantilizados, provavelmente significou uma experiência desprovida
de sentido porque desconsiderou o nível de preocupações, de desejos, de
interesses, dos alunos, considerando que desempenham diferentes papéis
sociais (trabalhadores, pais ou mães, integrantes de movimentos religiosos,
políticos, sociais etc...)
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Ao invés de levar os alunos a um conhecimento mais profundo da
realidade e a um posicionamento crítico frente a essa realidade, os temas
apresentados nas aulas de português, extraídos do livro, pareciam servir
apenas como simples leituras de “interpretações” de textos, restritas ao que o
autor quis dizer, negando a co-autoria dos alunos porque poderiam atribuir
outros sentidos ao texto.
COMPREENSÃO E INTERPRETAÇÃO
1. Qual a resposta verdadeira? Escreva no caderno.
Que é Tumebune?
a) Um mosquito.
b) Um vaga-lume. X
c) Um
pernilongo.
2. Complete no caderno:
Doido apaixonado
enamorado
a) Tumebune era ★ e ★. Vivia sempre ★.
desenhando
poesia
b) Ele vivia ★ corações e fazendo ★.
3. Responda no caderno:
a) Qual era a paixão de Tumebune?
Ele tinha paixão por eletricidade.
b) O que Tumebune fazia quando via um enceradeira?
Ele não resistia, acendia... escrevia uma poesia, muito da
e
4. Tumebune, o vaga-lume, só sabia o verbo amar. Quantas
vezes ele usou esse verbo nos versos que fez para a lâmpada elétrica? Três vezes.
As interpretações de texto possuíam, assim, uma única
interpretação. O próprio livro didático parecia possuir a mágica desta
interpretação e o aluno não tinha oportunidade alguma de sugerir outras
interpretações possíveis ao texto.
Nessa situação descrita, o professor elimina a etapa reflexiva da
leitura ao fazer com que os alunos se encaixem na interpretação fornecida no
seu manual, com resposta certa, pronta e acabada.
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Assim, a leitura dos textos, da forma como eram apresentados
não ajuda a desenvolver nos alunos, a reflexão, a criatividade, a criticidade
etc... Retira-lhes a possibilidade de serem sujeitos dos seus próprios atos. Há
uma nítida dicotomização. De um lado a leitura da palavra e de outro a leitura
do mundo (realidade).
Ampliando as possibilidades de leitura do texto escrito, Paulo
Freire (1997, p.12) afirma:
“Como educador preciso de ir lendo cada vez melhor a leitura do
mundo que os grupos populares com quem trabalho fazem de seu contexto
imediato... Não posso de maneira alguma, nas minhas relações políticopedagógicas com os grupos populares, desconsiderar seu saber de
experiência feito.”
Essas reflexões desafiam os educadores, especialmente os da
EJA, a desenvolverem posturas e instrumentos metodológicos que possibilitem
o aprimoramento do seu olhar sobre o aluno, (“outro”). Só assim, poderá
compreender as marcas étnicas, religiosas, sociais, culturais, de gênero que
definem os grupos e as pessoas (incluindo os alunos da EJA), entendendo que
a diferença não é deficiência.
2.3. NO CONFRONTO ENTRE OS SABERES DA ESCOLA E DO
ALUNO, OS SUJEITOS RE-SIGNIFICAM O ESPAÇO EDUCATIVO
DA EJA.
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Reconhecer a escola como espaço sócio-cultural implica resgatar
o papel dos sujeitos na trama social que a constitui, enquanto instituição,
buscando compreendê-la no seu fazer cotidiano.
Segundo Edwards (1997) são as histórias do cotidiano - os fatos e
as relações que se manifestam na vida concreta da escola - que vão definir
como os sujeitos sociais ali atuam. Esta análise privilegia a ação dos sujeitos,
sem desconsiderar as relações que estabelecem entre si, sempre marcados
pelas tensões e negociações, alianças e conflitos em função de situações
determinadas pelo contexto e vivenciadas pelos sujeitos (alunos, professores,
funcionários).
Uma tarefa nem sempre fácil na pesquisa sobre cotidiano escolar.
Chegando à escola pesquisada, mais especificamente à sala de aula, a
primeira impressão foi a de que os alunos da EJA reagiam de forma passiva ao
que lhes era apresentado. Porém, quanto mais observava-se, percebia-se que
o equívoco era notável.
Flora (uma aluna de 36 anos, que trabalha num lar para idosos no
Centro de São Gonçalo) é um relato vivo dessa experiência. Seu caderno,
inicialmente revela indícios sobre quem é a aluna Flora: uma pessoa zelosa,
caprichosa, super organizada e que registra aquilo que está no quadro-negro
ou no livro didático. Porém, em uma folha solta de caderno, talvez aí
esquecida, supõem-se ser uma carta direcionada a um ente querido seu. Neste
momento, vislumbra-se uma outra Flora. Não mais aquela que copia ou cumpre
o que a escola determina mas que, autonomamente, busca um outro sentido
para a escrita no uso do caderno: a carta, como veremos a seguir.
32
Buscando compreender o que ela tem a dizer à sua cunhada,
inicialmente identifica-se o uso social que faz da escrita - comunicar-se com
pessoas através da carta - tão diferente das práticas vivenciadas na sala de
aula. Revela ainda, o sentimento de partilha, de generosidade, de solidariedade
humana. Percebe-se também que domina a estrutura de um texto, mas faltam
elementos(cabeçalho e despedida)
Em uma reportagem da revista Nova Escola intitulada: Ler e
escrever de verdade, verifica-se a importância de se conhecer a necessidade
real do aluno, muito mais do que decodificar códigos escritos, é essencial
aprender a ler e descobrir o mundo.
Ora, se percebe-se que essas pessoas possuem todos esses
saberes, essa vivência, então, é de extrema valia, resgatar a história da vida
desses sujeitos que ali estão. Esse resgate é importante porque aprendemos a
33
dialogar com o “outro” e nesse processo, confrontar saberes, permitindo criar
novos conhecimentos no espaço escolar.
É pertinente ressaltar a análise feita por TITO (1996) quando
propõe que a instituição escolar seria resultado de um confronto de interesses:
de um lado, uma organização oficial do sistema escolar que “define conteúdos,
atribui funções, organiza, separa e hierarquiza o espaço e os saberes, a fim de
diferenciar trabalhos, definindo idealmente, assim, as relações sociais”; de
outro, os sujeitos - alunos, professores, funcionários, que criam uma trama
própria de inter-relações, fazendo da escola um processo permanente de
construção social.
Retomando a experiência inicial na pesquisa, no sentido de
conhecer melhor os sujeitos (alunos),
através de um gesto simples, mas
“grávido” de sentido, ouviu-se as histórias daqueles alunos, como por exemplo:
o relato de Leandro quando fala do seu cansaço diário, já que saía do trabalho
direto para escola. Cansaço que não o impediu de buscar na escola
conhecimentos que foram sendo mais eficazes à medida em que eram
aplicados em sua vida cotidiana.
Ele conta que aprendeu a ler melhor quando começou a trabalhar,
pois, sua profissão exigia conhecimento de leitura, já que era entregador de
medicamentos (FARMAIS) e por isso precisava ler os endereços dos clientes.
Nas conversas, ia-se percebendo os usos sociais da sua escrita e os sentidos
que ele atribui à ela, como revela a sua fala: “Aprender mais porque ajuda no
meu trabalho”
Conversas que se davam nos múltiplos espaços da escola e que
fizeram aprender e refletir sobre as marcas desqualificadoras que carregam
essas pessoas (estereótipos) revelados na fala da aluna Creuza: “Acontece
que eu tô perdendo muita aula, português então. Matemática até que eu levo,
mas português é difícil, eu não sei nada, sou burra, burra.”
34
Esses estigmas são muito bem analisados por Costa (1998) que
em seu ensaio relata o quanto a política de representação cultural está
encharcada de representações que criam identidades que são legitimadas
segundo visões de mundo na qual, quem estabelece critérios de validade e
realidade é quem tem o poder: o poder de narrar, o poder da representação.
Desta mesma forma, essas idéias vão minando os currículos escolares.
Não é à toa que muitos desses alunos reproduzem o que a vida
toda eles ouviram falar e tiveram como correto. No entanto, sabemos que essa
não é a realidade.
Seria diferente e compensador se, ao invés de uma aula em que
os alunos chegam na sala, depois de um dia estafante de trabalho, só copiam,
copiam
e
copiam,
se
fizesse
uma
atividade
pedagógica
que
lhes
proporcionassem um momento prazeroso, onde essas pessoas pudessem
dialogar, interagir, trocar experiências, partilhar idéias, enfim, vivenciar
“experiências humanas”. Experiências que, sem desconsiderar a razão,
reconhecessem a emoção como parte integrante das pessoas, portanto,
fundamental nos processos de aprendizagem e de formação de cidadãos
autônomos, críticos. Condição quase sempre negada pela situação de
exclusão em que vivem, cotidianamente, a maioria desses alunos. São
situações desafiadoras que nos remetem a auto-reflexão, a repensar nossas
práticas e discursos.
Por mais que a escola determine conteúdos, espaços, regras,
ainda assim, esses alunos sempre, de alguma forma, se apropriarão dos
espaços, que a rigor não lhes pertencem, recriando neles novos sentidos. Resignificando-os, eles vão produzindo estratégias próprias, para suportar a
“chatice” das aulas.
Um outro movimento realizado na tentativa de (re)conhecer os
sujeitos que ocupam os diversos espaços na escola, foi o registro fotográfico.
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Nesta foto as imagens revelam momentos de alegria, de interação
entre os alunos. Procuram qualquer espaço físico ao ar livre quando estão
“sem aula” como por exemplo: a quadra, o quintal bastante simpático com
muitos arbustos, o pátio para neles marcarem o sentido da escola que não está
restrito ao “conhecimento escolar”. Ao contrário, esse sentido está ligado a
brincadeira, festas, jogos, conversas.
Já nesta outra foto, tentando captar as escritas que circulam nas
escolas,
depara-se
com
os
trabalhos
produzidos
pelos
alunos
em
comemoração ao dia internacional da mulher. É interessante observar as
imagens que sempre sugerem padrões de belezas - mulher branca, loira, de
olhos azuis, e condições sociais quase sempre de uma classe social
privilegiada. Nesse sentido como as identidades das alunas negras, pobres vão
se constituindo? Se considerarmos as fontes, revistas, que foram utilizadas
para retiradas das imagens deste trabalho, não seriam os meios de
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comunicação, incluindo o poder de televisão, instrumentos que legitimam um
único modelo de identidade?
Buscando compreender ainda melhor o papel dos sujeitos na resignificação do espaço educativo da EJA, a pesquisa redireciona-se para um
outro sujeito - a professora. Para tanto foi necessário ouvir a narrativa da sua
história de vida no intuito de identificar as razões que revelam a sua forma de
pensar a educação e nela atuar.
Neste movimento de ouvir e analisar percebeu-se inicialmente
uma certa resistência de D. ao relembrar sua infância, quando afirma: “minha
infância eu não lembro não.” Levando em consideração que sua infância foi
marcada pelas precárias condições de vida: ajudava a mãe a lavar roupa para
outras pessoas, estudava, mas não lhe restava muito tempo para brincar. E
quem de nós, ao recordarmos nossa infância, não nos lembramos de nossas
divertidas brincadeiras? Quase sempre, imediatamente, associamos infância
ao prazer, à alegria, à brincadeira reconhecendo o direito de ser criança.
Nesse caso, talvez de uma forma justificada, D. não tenha o que
lembrar desse período de sua história.
Uma passagem marcante deste relato, já agora na fase adulta, foi
o fato dela anunciar que a princípio tinha medo de trabalhar com adolescente,
porque ouvia as pessoas falarem “mal”. Então, o que a levou a lecionar na
educação de jovem e adulto? Após uma pausa respondeu:
- “Eu sempre quis trabalhar à noite, e eu queria deixar de
trabalhar com criança...”
Percebe-se aí, que ela difere trabalho com criança do trabalho
com adulto. Essa noção de diferença, porém, parece se limitar a identificá-los
biologicamente mais amadurecidos e, conseqüentemente, mais fácil de se
trabalhar. Essa idéia foi percebida em um dos momentos da sua fala: “os
37
alunos mais interessados eram os mais velhos, os desinteressados eram os
mais jovens.”
Interessados, para ela, eram “bons alunos”. E o que seria um bom
aluno? Por meio de uma ficha-resumo, identificou-se o sentido desta
qualificação: possuir um certo conhecimento dos conteúdos programáticos,
como mostra a sua ficha de avaliação de um dos seus alunos.
Esta foi a concepção que D. Trouxe consigo ao longo de sua
história,
especialmente
no
curso
de
formação
de
professores.
Tradicionalmente, aprendeu assim. A tradição, aliás, é um marco muito forte
em sua trajetória de vida profissional - é professora há 28 anos, mas, parece
que não conseguiu ousar romper com a cultura escolar que foi sendo
incorporada no seu dia-a-dia na escola.
Esta idéia se baseia na pesquisa em sala de aula onde a
“mesmice” parecia marcar a sua prática pedagógica: o uso exclusivo do livro
didático como referência das atividades de leitura, de escrita, de matemática; a
repetição das mesmas práticas educativas quase sempre iguais; a ausência do
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diálogo entre alunos e professora como se à essa apenas coubesse o papel de
transmissora de conhecimentos; a ausência de uma prática coletiva de trabalho
do conjunto de professores.
Acredita-se que assim como D., existem muitos profissionais do
ensino, que atuam dessa mesma forma. E serão eles o “culpado” por isso? Não
seria necessário uma inclusão nas políticas de formação de professores, de
uma formação específica, como já anteriormente foi mencionado?
39
CONCLUSÃO
Foi refletindo sobre as subjetividades e a condição de sujeitos dos
alunos, da professora, enfim, de todos os envolvidos no processo de pesquisa,
que tenta-se apontar pistas que revelam novas possibilidade de se pensar e
atuar na EJA.
Se almeja-se uma sociedade includente onde a educação de
jovens e adultos tenha um importante papel nesta construção, a formação do
educador dessa área precisa fazer parte da política de educação do país.
Formação que possibilita em conhecimento específico dos jovens e adultos:
seus saberes, seus conhecimentos, seus falares, seus valores, formação que
precisa reconhecer que o ato educativo é complexo porque envolve questões
que vão além do espaço escolar, como as questões de gênero, classe, etnia,
religião. Só assim o professor poderá compreender que a sua prática será
sempre um ato político. Qualquer decisão está sempre a favor de alguns ou
contra outros.
Compreendendo as relações de poder postas na sociedade é que
o professor poderá compreender o seu papel social no espaço escolar:
promover confrontos entre os saberes dos alunos e os da escola, a partir das
experiências que organiza.
Uma formação que precisa reconhecer que a prática educativa é
inseparável da ética. Respeitar os múltiplos papéis sociais que o aluno assume
na sociedade, enfim, a sua própria história de vida, é sem dúvida, uma posição
eticamente correta. Só assim será possível construir um projeto de sociedade
mais democrático, mais humano e mais solidário. Esta postura ética na prática
pedagógica, ajuda a superar as desigualdades e as injustiças, tão enraizadas
em nossas escolas e em nossa sociedade.
Quem sabe não seria a ausência dessas percepções que fizeram
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e ainda fazem os alunos da EJA, a “desistirem” da escola?
Reafirma-se que são as histórias narradas, contadas e vividas no
cotidiano pelos sujeitos que poderiam ser priorizadas no ato do fazer educativo,
histórias de vida que ajudam a seleção de “conteúdos” merecedores de
maiores aprofundamentos.
Nesse sentido o material didático não pode ser definidor do
conteúdo das práticas educativas da EJA, considerando os demais conteúdos
que são extraídos das histórias de vida dos alunos. Se considerarmos ainda, o
sentido ideológico de todo o bem cultural, incluindo o didático, a formação do
educador precisa contemplar nas suas propostas a análise desse material,
percebendo as intenções e concepções de como se dá o conhecimento.
Formação que precisa ser contínua, considerando a incompletude
do ser, e, reconhecendo ainda, os saberes que a professora vai criando na sua
prática pedagógica em outros espaços de sua vida cotidiana. Nessa
perspectiva de formação não se pode deixar de considerar o trabalho coletivo
do conjunto de professores, possibilitando a partilha de saberes.
Uma outra pista que precisa ser considerada na educação de
jovens e adultos é o reconhecimento da condição de sujeitos dos alunos e
professores. Voltando-se a questão inicial - por que se abandona a escola?,
hoje percebe-se que se essa educação não for marcada pelas experiências
humanas, pode contribuir para o seu abandono. Entretanto, como os alunos
reagem de forma diferenciada ao mesmo contexto, diante de suas histórias de
vida, muitos insistem em permanecer na escola.
Buscar a qualidade da EJA no que se refere a escolaridade, não
pode desconsiderar a dimensão quantitativa de atendimento, que já envolve
qualidade dessa educação, mas precisa considerar também a dimensão
qualitativa desse ensino. Qualidade que precisa ampliar as práticas de
41
pesquisa considerando a condição de sujeitos, na perspectiva de contribuir nos
conhecimentos teórico-metodológicos da educação de jovens e adultos.
BIBLIOGRAFIA
CORTELLA, Mário Sérgio. A escola e o conhecimento: fundamentos
epistemológicos e políticos. São Paulo: Cortez, 1998.
COSTA, Marisa Vorraber. Currículo e Política. Cultural. In: Costa, Marisa
Vorraber (org.). O Currículo nos limiares do Contemporâneo. Rio de
Janeiro: DP&A, 1998
DAYRELL, Juarez. A escola como espaço sócio-cultural. In: DAYRELL, Juarez.
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EDWARDS, Verônica. Os sujeitos no universo da escola. São Paulo: Ática,
1997.
FÁVERO, Osmar (Org.). Cultura popular e Educação popular: Memória dos
anos 60. Rio de Janeiro: Graal, 1982.
FREIRE, Paulo. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 1995.
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São Paulo: Paz e Terra, 1997.
LIPPI, Valéria Martins. De palavra em palavra: Língua Portuguesa 3 . São
Paulo: FTD, 1991
MOREIRA, Antonio Flávio Barbosa. Parâmetros Curriculares Nacionais:
Críticas e Alternativas. In: SILVA, Tomaz Tadeu da e GENTILI, Pablo (org.)
Escola S/A: quem ganha e quem perde no mercado educacional do
neoliberalismo. Brasília: CNTE, 1996.
POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas,
SP: ALB: Mercado de letras, 1996.
RIBEIRO, Vera Maria Masagão et el; Joia, Orlando (coor). Metodologia da
Alfabetização: Pesquisas em educação de jovens e adultos. Campinas,
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SOARES, Magda B. Um olhar sobre o livro didático. In: Presença Pedagógica
v.2 n.12 - nov/dez. Belo Horizonte: Dimensão, 1996.
TITO, Eneida Mª R. de Macedo. A cidadania em sala de aula: Professora
cidadã, aluno cidadão. In: SILVA, Luiz Heron (org.). Novos Mapas
Culturais: Novas perspectivas educacionais. Porto Alegre: Sulina, 1996.
ÍNDICE
AGRADECIMENTO
III
DEDICATÓRIA
IV
RESUMO
V
METODOLOGIA
VI
SUMÁRIO
VII
INTRODUÇÃO
08
CAPÍTULO I
PEDAGOGIA INCLUDENTE: UMA CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS
12
CAPÍTULO II
BUSCANDO COMPREENDER A PRÁTICA PEDAGÓGICA
2.1 – Contextualizando a prática educativa
21
2.2 – Livro didático : definidor do conteúdo da EJA?
24
2.3 – No Confronto entre os saberes da escola e do aluno, os sujeitos
resignificam o espaço educativo da EJA.
30
CONCLUSÃO
38
BIBLIOGRAFIA
41
ÍNDICE
43
FOLHA DE AVALIAÇÃO
44
ANEXOS
45
FOLHA DE AVALIAÇÃO
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
Instituto de Pesquisa Sócio-Pedagógicas
Pós-Graduação “Latu Sensu”
Título da Monografia:
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: QUANDO OS SUJEITOS
(RE)SIGNIFICAM O ESPAÇO EDUCATIVO NOS SEUS MOVIMENTOS DE
BUSCA E DE ABANDONO DA ESCOLA
Data da Entrega: 04/01/02
Avaliado por:__________________________________Grau______________.
Rio de Janeiro, 04 de Janeiro 2002
____________________________________________
Coordenador do Curso
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