TRANSFERÊNCIA DE POSSE, SEM TRANSFERÊNCIA DE DOMÍNIO
O presente estudo tem o intuito de analisar e diferenciar brevemente os
institutos da cessão de uso, concessão de uso e concessão de direito real de uso.
A doutrina nos ensina, acerca da administração dos bens públicos, que
estes podem ser classificados em: de uso comum do povo, os de uso especial e os
dominiais. Tal classificação irá determinar a forma de disposição e de administração
de tais bens, nas palavras do Professor Hely Lopes Meirelles:
Todos os bens vinculados ao Poder Público por relações de domínio ou
de serviço ficam sujeitos à sua administração. Daí o dizer-se que uns são bens do
domínio público, e outros, bens do patrimônio administrativo. Com mais rigor técnico,
tais bens são reclassificados, para efeitos administrativos, em bens do domínio
público (os da primeira categoria: de uso comum do povo), bens patrimoniais
indisponíveis (os da segunda categoria: de uso especial) e bens patrimoniais
disponíveis (os da terceira e última categoria: dominiais)
Nestes termos, os bens públicos podem se destinar ao uso comum do
povo ou ao uso especial. O Estado poderá outorgar título de uso do bem público a
terceiros, utilizando-se, para tanto, dos instrumentos conferidos pela legislação, tais
como: concessão de uso, concessão de direito real de uso, cessão de uso, entre
outros que não serão estudados nesse momento.
1.1. DA CESSÃO DE USO
A vasta doutrina e a jurisprudência abordam a cessão de uso,
apresentando características uniformes. De acordo com os principais autores da
área, a cessão de uso é sempre gratuita, daí que se distingue da concessão de uso.
Outros autores sustentam ainda que a cessão só poderia ser realizada entre entes
públicos, não podendo haver interferência de pessoa jurídica de direito privado no
ajuste, sendo sustentado até que não há natureza contratual, mas tão somente
ajuste precário entre as partes.
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Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em sua obra Direito Administrativo,
sustenta que a cessão de uso é espécie do gênero concessão de uso, fazendo uma
breve distinção entre os institutos, que será apreciada oportunamente.
A cessão é sempre gratuita, por tempo determinado, e só pode ter por
objeto bens dominicais. Com relação ao instituto, ensina Hely Lopes Meirelles que
ele se caracteriza, basicamente, por ser um ato de colaboração entre repartições
públicas:
Cessão de uso é a transferência gratuita da posse de um bem público
de uma entidade ou órgão para outro, a fim de que o cessionário o utilize nas
condições estabelecidas no respectivo termo, por tempo certo ou indeterminado. É
ato de colaboração entre repartições públicas, em que aquela que tem bens
desnecessários aos seus serviços cede o uso a outra que deles está precisando. (...)
A cessão de uso entre órgãos da mesma entidade não exige autorização legislativa e
se faz por simples termo e anotação cadastral, pois é ato ordinário de administração
através do qual o Executivo distribui seus bens entre suas repartições para melhor
atendimento do serviço. (...) Em qualquer hipótese, a cessão de uso é ato de
administração interna que não opera a transferência de propriedade e, por isso,
dispensa registros externos.
Na mesma linha de entendimento, discorre Diogenes Gasparini, para
quem:
Cessão de uso é o ato que consubstancia a transferência do uso de
certo bem de um órgão (Secretaria da Fazenda) para outro (Secretaria da Justiça) da
mesma pessoa política (União, Estado-Membro e Município), para que este o utilize
segundo sua natureza e fim, por tempo certo ou indeterminado. É medida de
colaboração entre os órgãos públicos; daí não ser remunerada e dispensar
autorização legislativa. Formaliza-se por termo de cessão.
A cessão de uso possui disciplina legal própria. Trata-se da Lei Federal
nº 9.636/98, regulamentada pelo Decreto nº. 3.725/2001. Nos termos do artigo 18 da
Lei referida:
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A critério do Poder Executivo poderão ser cedidos, gratuitamente ou
em condições especiais, sob qualquer dos regimes previstos no Decreto-Lei nº 9.760,
de 1946, imóveis da União a: Decreto nº. 3.725, de 10.1.2001
I - Estados, Municípios e entidades, sem fins lucrativos, de caráter
educacional, cultural ou de assistência social;
II - pessoas físicas ou jurídicas, em se tratando de interesse público ou
social ou de aproveitamento econômico de interesse nacional, que mereça tal favor.
O instituto foi tratado pelo Tribunal de Contas da União no acórdão
187/2008 – Plenário, no qual ficou consignado ser a cessão de uso o instrumento
mais apropriado para a ocupação, por terceiros, de salas do Senado Federal:
“(...) 4. Conforme destacado no voto que consubstanciou o acórdão
recorrido, a situação das áreas que ora se discute não é compatível com a
autorização e a permissão, dado o caráter precário dos institutos. Também não se
enquadram como concessão de uso, instrumento pertinente a situações em que as
atividades exigem investimentos vultosos por parte do concessionário. Assim, a única
modalidade em que se poderia enquadrar o caso em tela seria a cessão de uso, o
que já evidencia a inadequabilidade dos instrumentos utilizados pelo Senado Federal
para formalizar a relação entre o órgão e os ocupantes das áreas. Entendo cabível
determinar ao órgão que regularize os instrumentos de ocupação das áreas. (...) 7.
Originalmente, a cessão de uso era um instrumento utilizado para que um órgão da
administração pública cedesse, gratuitamente, no intuito de colaboração, espaços
que não estava utilizando para outro órgão desenvolver suas atividades. Nesse
sentido, define o instituto Hely Lopes Meirelles: “cessão de uso é a transferência
gratuita da posse de um bem público de uma entidade ou órgão para outro, a fim de
que o cessionário o utilize em condições estabelecidas no respectivo termo, por
tempo certo ou indeterminado. É ato de colaboração entre repartições públicas, em
que aquela que tem bens desnecessários aos seus serviços cede o uso a outra que
deles está precisando” (Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros Editores, 33ª
Edição, pag. 528). 8. Na mesma linha, definiu o Procurador-Geral junto a este
Tribunal: ‘A cessão de uso de bens públicos é instrumento utilizado para viabilizar a
cooperação entre órgãos ou entidades públicos. ... Assim, quando julgado
conveniente, determinado órgão poderá ceder o uso de espaços em edifícios públicos
a fim de que outro órgão possa desenvolver atividade que interesse às duas unidades
administrativas. (...) 17. No entanto, conforme bem registrou o Ministro-Relator a quo
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em seu voto, se outras entidades vierem a requisitar a cessão de uso de áreas no
Senado Federal e o órgão não puder atender todos os pedidos, a autoridade
administrativa competente do Senado Federal deverá deflagrar o certame público.
Entendo pertinente que determinação nesse sentido conste da deliberação que esta
Corte vier a adotar no âmbito deste recurso. 9.2. determinar ao Senado Federal que:
9.2.1. substitua os ‘Termos de Ocupação de Área por Terceiros’ nºs 2/003, 8/2003,
9/2003 e 15/2003 e o Termo de Autorização de Uso nº 2/1997, por termos de cessão
de uso, modalidade legal adequada à ocupação das áreas no Senado Federal por
parte das respectivas entidades, nos termos do art. 18 da Lei nº 9.636/98;” (grifou-se)
Assim sendo, conforme o posicionamento da Corte de Contas, verificase que a cessão deverá ser autorizada por autoridade administrativa do Senado, que
vem a ser o seu primeiro-secretário, nos termos do Ato da Comissão Diretora n.º 30,
de 2002, §1º, art. 11.
Diante do exposto, vê-se que o deferimento, ou não, do pedido de
cessão é ato discricionário que cabe à administração do próprio órgão, segundo as
suas razões de conveniência e oportunidade, tendo em vista que o próprio órgão
que vai ceder parte de suas instalações é que melhor pode deliberar sobre essa
posse de terceiro em suas dependências.
1.2. DA CONCESSÃO DE USO
A concessão de uso consiste no contrato administrativo pelo qual a
Administração Pública faculta ao particular a utilização privativa de bem público,
podendo ser oneroso ou gratuito, sendo realizado sempre intuitu personae.
Nas palavras do Professor Hely Lopes Meirelles:
Concessão de uso – é o contrato administrativo pelo qual o Poder
Público atribui a utilização exclusiva de um bem de seu domínio a particular, para que
o explore segundo sua destinação específica.
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De forma geral, a concessão de uso tem o objetivo de permitir a
exploração comercial, pelo concessionário, de algum serviço de utilidade ou de
interesse público à população.
O elemento fundamental na concessão de uso é o relativo à finalidade.
Deve ficar expresso que o uso deve se dar de acordo com a destinação do bem.
O fundamental para se resolver entre os institutos da cessão e da
concessão, é a obrigatoriedade de Procedimento Licitatório. O fato de o artigo 2º da
lei 8.666/93 suscitar de forma direta o instituto da concessão, conduz à conclusão de
que o certame licitatório, nesse caso, é obrigatório. É o que sustenta a autora Maria
Sylvia Zanella Di Pietro:
A Concessão exige licitação, nos termos do artigo 2º da Lei 8.666/93,
que silencia quanto a modalidade a ser utilizada, ao contrário do Decreto Lei n.
2.300/86, que exigia concorrência. Talvez o silêncio do legislador se justifique pela
norma do art. 121, parágrafo único, segundo a qual os contratos relativos a imóveis
do Patrimônio da União continuam a reger-se pelas disposições do Decreto lei nº.
9.760, de 5-9-46, com as alterações posteriores. Só que, além de esse Decreto lei
não cuidar da concessão de uso e sim da cessão de uso (que é uma das
modalidades de concessão), ainda há o fato de que ele é de aplicação restrita à
União. Isto permite concluir que a matéria não foi considerada norma geral, podendo
os Estados e Municípios seguir suas próprias leis a respeito do assunto. No silêncio
dessas leis, melhor aplicar por analogia, o critério do valor estabelecido pelo artigo
23, II, da Lei 8.666/93.
1.3. DA CONCESSÃO DE DIREITO REAL DE USO
A Concessão de Direito Real de Uso, instituto previsto no Decreto-Lei nº
271, de 28 de fevereiro de 1967, mais especificamente em seu art. 7º, devidamente
modificado pela Lei nº 11.481, de 31 de maio de 2007, que dispõe:
"Art. 7º - É instituída a concessão de uso de terrenos públicos ou
particulares, remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direito
real resolúvel, para fins específicos de regularização fundiária de interesse social,
urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, aproveitamento sustentável
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das várzeas, preservação das comunidades tradicionais e seus meios de subsistência
ou outras modalidades de interesse social em áreas urbanas. (Redação dada pela Lei
nº 11.481, de 2007)"
O importante aqui é perceber que a concessão de direito real de uso
deve obrigatoriamente atender fins específicos, quais sejam: o de regularização
fundiária de interesse social, de urbanização, industrialização, edificação, cultivo de
terra, aproveitamento sustentável das várzeas, preservação das comunidades
tradicionais e seus meios de subsistência ou outras modalidades de interesse social
em áreas urbanas.
O não atendimento de tais finalidades implica na nulidade da concessão,
posto que não teria sido atendida a sua finalidade específica, e, por conseguinte,
configuraria o denominado desvio de finalidade.
O Professor Hely Lopes Meirelles conceitua este instrumento da
seguinte maneira:
Concessão de direito real de uso – é o contrato pelo qual a
Administração transfere o uso remunerado ou gratuito de terreno público ou
particular, como direito real resolúvel,
específicos
de urbanização,
para
industrialização,
que
dele
edificação,
se
utilize
cultivo
ou
em
fins
qualquer
outra exploração de interesse social.
O ato administrativo abrangido pela Lei 8.666/93 que outorga o direito
real do bem (transferência de posse, sem transferência de domínio) para uma
finalidade de interesse social; com fixação de prazo e formalização contratual; pode
admitir transferência a terceiros, pois este tipo de contrato administrativo dispensa
as características pessoais do contratado;
Vale lembrar que a autorização legislativa deve ser específica, indicando
o bem cuja posse será transferida e os limites a serem observados na outorga; a
autorização legislativa não se estende aos bens das empresas públicas e
sociedades de economia mista.
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Referências Bibliográficas
BANDEIRA DE MELLO. Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo.
26ª. ed. São Paulo: Malheiros Editores. 2009.
CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de Direito Administrativo.
11ª ed., ver., amp. e atual. – Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004.
DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23ª. ed. São
Paulo: Atlas, 2010.
GASPARINI. Diogenes. Direito administrativo. 12 ed. rev. e atual. – São
Paulo: Saraiva, 2007.
MEIRELLES. Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24ª. Ed.
Malheiros Editores: São Paulo, p. 442.
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